quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Bispo quer abordar, no sínodo, o diaconado e o sacerdócio femininos

 

Dom Alfredo de la Cruz, bispo de San Francisco de Macorís, na República Dominicana, que integrará o Sínodo da Sinodalidade, em outubro próximo, no Vaticano, disse – ao participar no evento virtual “Roda de Conversa Sínodo Internacional da Igreja. Vai mudar alguma coisa na Igreja?” – que o Sínodo deverá abordar, entre outros temas, o celibato sacerdotal obrigatório, o diaconado e o ministério sacerdotal para as mulheres.

Dom Alfredo Cruz interveio no referido evento virtual, a 18 de setembro, organizado pela Academia de Líderes Católicos e em que participaram, entre outros, o cardeal Seán O’Malley, arcebispo de Boston, nos Estados Unidos da América (EUA), e presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, Dom Luis Cabrera, arcebispo de Guayaquil, Equador, e a leiga espanhola Eva Fernández, coordenadora do Fórum Internacional da Ação Católica.

“Acho que o Sínodo tem grandes possibilidades. É claro que muito dependerá de nós, membros da Igreja, se estivermos dispostos a trabalhar com esta questão e deixarmos que o Espírito Santo nos guie”, comentou o cardeal O’Malley, especificando que, face à preocupação de muitos fiéis que acreditam que o Sínodo mudará a doutrina da Igreja ou que minará a profissão de fé, considerou que “a ideia do Santo Padre é ajudar-nos a viver o belo princípio que recebemos de santo Agostinho: unidade no essencial, liberdade no acidental e caridade em tudo”. “O Santo Padre quer que utilizemos como paradigma para a Igreja a vida da Igreja primitiva, que encontramos nos Atos dos Apóstolos. É aí que vemos uma Igreja que teve que enfrentar muitas crises muito graves, como a traição de Judas, a diferença entre os grupos étnicos e o debate teológico sobre como receber os gentios na Igreja”, continuou o cardeal, dizendo que “o caminho para superar essas divisões e esses desafios é a oração, o diálogo e o Espírito Santo”.

Já Dom Luis Cabrera falou das ideologias, vincando que são visões parciais da realidade e que, às vezes, cada uma tenta “declarar-se como a única forma e aí caímos num problema grave”.

Ora, para nós, “a primeira referência é a Palavra de Deus”, disse, indicando que, nestes dois mil anos, temos um magistério e uma doutrina, “muito pouco conhecidos”, e que “a ideologia está aí”, mas que, “se analisarmos a partir da palavra, do ensinamento, podemos superá-la”.

Por sua vez, Eva Fernández apontou a necessidade de formação dos fiéis: formação integral para a vida, que nos ajude a viver a fé de forma coerente no Mundo e, sobretudo, nessa grande desconhecida – que a academia nos ajuda muito – que é a Doutrina Social da Igreja.

Ao responder sobre o que poderia mudar na doutrina, Dom Alfredo Cruz defendeu: “Devemos primeiro distanciar-nos de tudo o que significa fundamentalismo, de acreditar que a doutrina não pode ser tocada. Essa seria a primeira tentação que teríamos: acreditar que a doutrina não pode ser tocada. Ela está lá para refletir, para ver.” E, nos temas que o Sínodo deveria abordar, “à luz da Palavra”, disse que está, “sem dúvida, o protagonismo das mulheres. A Igreja não pode estar por fora de todo este movimento, deste crescimento, destas conquistas das mulheres, por exemplo, no caso do diaconado e do ministério sacerdotal. Com efeito, a Comissão para o Estudo do Diaconado Feminino foi criada, pela primeira vez, pelo Papa, em agosto de 2016. Em maio de 2019, Francisco disse que não tinha medo de estudar o tema, mas, até agora, nada. Em abril de 2020, o Papa criou uma nova Comissão para reapreciar o tema.

São João Paulo II, na carta apostólica “Ordinatio sacerdotalis”, em 1994, sustenta que o sacerdócio ministerial é reservado a homens e que a Igreja não tem poder para o mudar.

“Sobre a ordenação de mulheres na Igreja Católica, a última palavra é clara, foi dada por São João Paulo II e permanece”, disse Francisco na conferência de imprensa aquando da viagem de volta da Suécia para Roma, em novembro de 2016.

Dom Alfredo Cruz também disse: “Teríamos de abordar o celibato obrigatório, teremos de abordar a comunhão a todos os que participam da Eucaristia como festa do Senhor e como comunidade de fé, porque dizemos que a Eucaristia é o lugar de encontro de todos os irmãos.” “Ah, eu encontro-me com o meu irmão, mas não alimento um grupo e deixo-os com fome.”

O § 1 do Cânon 277 do Código de Direito Canónico estabelece: “Os clérigos têm obrigação de guardar continência perfeita e perpétua pelo Reino dos Céus, e portanto estão obrigados ao celibato, que é um dom peculiar de Deus, graças ao qual os ministros sagrados com o coração indiviso mais facilmente podem aderir a Cristo e mais livremente conseguir dedicar-se ao serviço de Deus e dos homens.”

Sobre os limites dos temas mencionados, o bispo dominicano comentou que “o Papa é muito sábio em deixar, às vezes, tempo para reflexão”, pois “há coisas que precisam de tempo”. E continuou: “Quando dizemos, muitas vezes, que a doutrina não pode ser tocada, o Papa destacou a tentação do ‘indietrismo’ [voltar-se para o passado, retrocedismo em relação à evolução]. Pelo contrário, não nos dirigimos à doutrina como tal, mas às formas em como nós expressamos e vivemos a fé”. Vincando que “Deus nos falou concretamente através de Jesus uma vez”, sustenta que “Ele assumiu verdades que, na sua época, eram difíceis de tocar, mas ousou”. Por isso, devemos ter “essa força de Jesus, essa ousadia, essa capacidade de ousar propor coisas que não foram propostas”. E, sobre a importância da doutrina para buscar a verdade, comentou que a busca da verdade sobre Deus “não pode ser algo não dinâmico”, mas “tem de estar em movimento”.

Num segundo momento, o bispo dominicano frisou que “o Sínodo vem para ser a luz que nos desperta, mantendo-nos alerta diante de todos os problemas. No caso das questões sociais, tem a ver, sobretudo na América Latina, com a ascensão da Teologia da Libertação, que foi fortemente atacada. Assim, os padres envolvidos na vida social foram perseguidos e rejeitados. Na América Latina, toda a tensão que se viveu em torno da Teologia da Libertação causou a quietude que temos na preocupação com as questões sociais. “A mensagem neoliberal, de que os pobres não podem ser ajudados, de que aos pobres deve ser dado o anzol para pescar, também permeou a Igreja de forma negativa e também levou a certa quietude de não se preocupar com questões sociais”. “O Sínodo encoraja-nos a olhar novamente para os mais pobres”, concluiu.

A Teologia da Libertação, surgida na segunda metade do século XX, apresenta uma análise da realidade social a partir do materialismo histórico. Muitos dos seus postulados foram criticados, no pontificado de são João Paulo II, pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, que se tornaria o Papa Bento XVI. Vários dos seus principais ideólogos abandonaram a Igreja ou defenderam ideias contrárias ao Magistério. Alguns até se tornaram guerrilheiros, como o padre Camilo Torres. Em maio de 2022, Francisco dirigiu uma mensagem à Pontifícia Comissão para a América Latina, apontando que, no início da Teologia da Libertação, “se jogava muito com a análise marxista” e não se tinha a menor ideia da realidade americana.

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Por seu turno, a freira nicaraguense Xiskya Valladares, que vive em Espanha, publicou um vídeo a manifestar-se pela ordenação de mulheres sacerdotisas na Igreja Católica. O magistério, a tradição, os papas e outros documentos eclesiais afirmam que a ordem sacerdotal é reservada aos homens. A freira estará no Sínodo da Sinodalidade convocado por Francisco, para outubro, no Vaticano, e para o qual foi escolhida, pessoalmente, pelo Papa.

Num vídeo publicado a 25 de junho de 2020 no TikTok, que voltou a circular na rede social X desde 26 de agosto de 2023, aborda a questão: “Por que não há sacerdotes mulheres?” A questão é cultural. Na época em que Jesus veio à terra, o homem era a referência, a autoridade, pelo que ordenar a mulher era pô-la em risco. No dizer da freira, os argumentos teológicos são discutíveis. A situação no tempo de Jesus não é a atual e, se somos iguais em dignidade, não há motivo para problema em ter mulher sacerdote, embora a freira não se sinta chamada a isso nem o queira ser.

A 17 de maio de 2022, a freira publicou outro vídeo a afirmar que Jesus tinha mulheres entre os discípulos e amigos e considerou: “O que a Igreja diz é que Jesus não escolheu nenhuma mulher entre os doze, que eram todos homens e, portanto, não pode haver mulher hoje. Diz também que o sacerdote representa Jesus Cristo e que Jesus era homem, pelo que uma mulher não pode representar um homem.”

A irmã Xiskya Valladares, da Congregação Pureza de Maria, é cofundadora da plataforma digital de evangelização iMisión e diretora do Departamento de Comunicação do “Centro de Enseñanza Superior Alberta Giménez” (CESAG – Universidad Pontificia Comillas).

Em maio de 2021, “a freira tiktoker” defendeu a bênção de casais homossexuais da Alemanha, embora a Santa Sé as tenha proibido. E, em dezembro de 2022, a irmã disse, no Twitter que não adianta ir à missa e frequentar os sacramentos, se não ama a todos.

Na versão do vídeo publicada pelo padre Jesús Silva, da arquidiocese de Madrid, acrescenta-se: “Tirem-lhe o telefone celular. […] Já estamos a dizer isso há algum tempo.”

Através de X e sem mencionar a irmã, o padre Pablo Pich, da arquidiocese de Barcelona, ​​comenta: “Dizem que Jesus não fez sacerdotisas, porque tinha medo da sociedade que não o compreenderia. Mas tanto na Grécia como em Roma, havia sacerdotisas, por isso, com a difusão do Cristianismo, teria sido fácil ordenar sacerdotisas.” E o padre Francisco Javier Patxi Bronchalo, da diocese de Getafe, disse à ACI Prensa, agência em Espanhol do grupo ACI, a 28 de agosto: “Hoje, que se fala tanto de ‘Igreja em saída’, tornamo-nos uma Igreja autorreferencial, se estamos o dia todo a questionar temas que estão definidos no Magistério e que a Tradição da Igreja viveu de uma forma, que é a vontade de Jesus, não é um tema cultural”. Jesus quis deixar-nos o sacerdócio e escolheu homens para isso, e a Igreja entendeu assim. À época, havia sacerdotisas em Roma e na Grécia. Jesus, em muitas ocasiões, deixou de lado a questão cultural, pois tinha discípulas, o que não era habitual nos mestres da época. E, assim, concluiu o padre Bronchalo, abrindo “uma porta para confundir as pessoas, não somos nem uma Igreja em saída, nem que evangeliza. Ao invés, somos uma Igreja que fica, o dia todo, a pensar em coisas que não deveria pensar”.

Frei Nelson Medina, doutor em Teologia Fundamental conhecido pela evangelização nas redes sociais, disse que o argumento cultural sobre Cristo teria dois aspetos. Às vezes, Cristo é apresentado como limitado interiormente pela cultura que o rodeia, algo como uma espécie de machismo que o fazia não considerar a possibilidade de mulheres que cumprissem a função que atribuiu aos Doze Apóstolos, todos homens. É o argumento de machismo intrínseco de Cristo. Noutras ocasiões, continua frei Nelson, a questão cultural é um argumento de conveniência prática. Isto é o que a irmã Xiskya parece sugerir quando diz que a designação de uma mulher com a tarefa de Apóstolo significaria “colocá-la em risco”.

“Segundo esta forma de ver as coisas, embora Cristo interiormente [talvez] quisesse que houvesse mulheres no grupo dos Doze, percebeu que não era conveniente, devido ao ambiente do tempo e do lugar.” Observando de passagem o grau de especulação sem a base bíblica que isso implica, estaríamos diante de um “machismo extrínseco” de Cristo, como se, por dentro, Cristo não quisesse excluir as mulheres, tomando essa decisão por força das circunstâncias do seu tempo”, diz Frei Nelson, para quem estas afirmações de machismo intrínseco e extrínseco “supõem graves limitações em Cristo, que negam, de facto, a sua natureza humana íntegra, a sua natureza divina perfeita e a sua qualidade de redentor de toda a realidade humana de todos os tempos. Com esta abordagem “cultural”, a pessoa e a obra de Cristo não trariam uma mensagem verdadeiramente universal. E questionou: “Que valor teria a Palavra de Deus como palavra que tem autoridade para nos ajudar a discernir, em todos os tempos e culturas, o que é bom e o que é mau? Seria uma palavra que goza de poder para nos libertar de todo erro e de todo pecado?”.

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Embora concorde com as propostas da freira e perceba a boa vontade do bispo e do cardeal, não auguro mudança substancial nesta linha no Sínodo. O peso das tradições é forte ainda.

2023.09.20 – Louro de Carvalho

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