A Comissão Europeia sentenciou que Portugal deixa o clube dos países em situação de desequilíbrio
económico excessivo, mas mantém-se em desequilíbrio. Por isso, Bruxelas pede
mais reformas em abril, nomeadamente as conexas com a dívida e com o mercado de
trabalho.
Isto sucede depois de, em novembro de 2017, Bruxelas ter
identificado 12 Estados-membros que pensou merecerem uma “análise aprofundada”
devido aos desequilíbrios macroeconómicos em que se encontram. Porém, hoje, dia
7 de março, por ocasião da adoção do “pacote de inverno de semestre europeu” de
coordenação de políticas económicas, a Comissão decidiu retirar da lista a
Eslovénia e desagravar o nível de desequilíbrios de outros “desequilíbrios
económicos”, mantendo-se em situação muito crítica Itália, Chipre e Croácia. E,
para Portugal e Bulgária, a Comissão frisou a necessidade de prosseguir
esforços complementares com vista à “correção sustentável dos desequilíbrios”.
O nosso país
tem estado, apesar de toda a evolução positiva, em contínua vigilância por
parte da UE, vindo agora o vice-presidente da Comissão, Valdis Dombrovsky, a reconhecer
bem ironicamente a necessidade de “interpretar” o caso português.
Obviamente que
Portugal não está sozinho nesta situação a interpretar. Bulgária e França também
deixaram de fazer parte dos países que a Comissão Europeia considera estarem em
situação de desequilíbrio económico excessivo. Contudo, Valdis Dombrovskis,
protagonista do anúncio hoje feito, frisa que, no caso português, ainda existe
um “grande desafio” ao nível do elevado endividamento privado, das famílias e
empresas, mas também do Estado, tendo o Governo sido convidado a apresentar em
abril um pacote de soluções para atacar os problemas estruturais. Também a Bulgária
é referida como um país que tem de fazer um esforço adicional, enquanto a
França passou sem recados.
O
vice-presidente da Comissão assume que a evolução de Portugal, da situação de
desequilíbrio excessivo para apenas desequilíbrio, justifica uma “interpretação” que alerta para
persistência de desequilíbrios acumulados que precisam de ser atacados. Nestes termos,
será enviada uma carta às autoridades portuguesas a avisar para a necessidade
de se manterem em curso as reformas estruturais e de se apresentar um “programa
nacional de reformas detalhado e ambicioso”.
E, ao ser
questionado pelos jornalistas se a Alemanha ou a França (esta também
passou de desequilíbrio excessivo para equilíbrio) receberão carta de Bruxelas, Dombrovsky esclareceu:
“Se olhar para a avaliação do ECOFIN (órgão
que reúne os ministros das Finanças da União Europeia) aos diferentes países,
diria que Portugal era o caso mais aberto a interpretação. Por isso, decidimos
ir para a interpretação positiva – o comissário Pierre Moscovici optou pela
expressão copo meio cheio –, ou seja, melhorar a situação de desequilíbrio mas,
ao mesmo tempo, enfatizar que ainda existem grandes desequilíbrios acumulados
que Portugal precisa de enfrentar. Assim, enviamos este sinal positivo e, ao
mesmo tempo, lembramos que ainda há trabalho a fazer.”.
Para lá do
processo de sanções no caso do défice excessivo, as regras europeias contemplam
a existência de sanções para quem reiteradamente apresente desequilíbrios
macroeconómicos excessivos, sem responder a estes e se não fizer o suficiente
para seguir as recomendações da Comissão neste domínio.
Ora, com a
decisão de retirar Portugal deste lote, o país deixa de estar sujeito a maiores
exigências da Comissão e, em última análise, a uma multa de 190 milhões de
euros. Como a Comissão determinou que houve progressos suficientes, Portugal
não foi assim colocado na vertente corretiva. Este procedimento dá à
Comissão Europeia uma capacidade de avaliação mais subjetiva porque, ao
contrário do procedimento por défice excessivo, não é a incapacidade de
corrigir o desequilíbrio que é sancionada, mas o facto de os Governos não
tomarem medidas adequadas para o corrigir.
De acordo
com as regras, podem seguir-se multas. As sanções financeiras aos
Estados-membros da zona euro estão previstas se falharem repetidamente na
implementação de um plano de correção suficiente ou em tomarem as medidas
acordadas. E a possibilidade de a Comissão colocar Portugal no braço corretivo
chegou a ser discutida entre o staff técnico no início de 2016, já
depois de aprovado o Orçamento, como forma de garantir que o Governo avançaria
com medidas para garantir a meta do défice, apesar de ambos não estarem
relacionados
***
Os setores
onde a Comissão Europeia sinaliza a existência de desequilíbrios são sobretudo: a dívida (pública e privada), o crédito malparado, o investimento e o mercado laboral. É certo que diminuíram a dívida e o malparado, mas
ainda existem e exigem reformas e medidas da parte de Portugal, não se
percebendo a rota atual como sustentável a prazo. Basta, por exemplo, que
os juros subam para a dívida e o défice se posicionarem numa situação preocupante.
Por isso, Dombrovskis adianta que as autoridades portuguesas terão de
apresentar um programa de reformas ambicioso e detalhado. Em maio,
Bruxelas apresentará o relatório com recomendações face às propostas de
reformas feitas por todos os países, no quadro do semestre europeu.
Também Pierre
Moscovici, comissário dos Assuntos Económicos, foi claro na mensagem sobre os
“progressos significativos” do nosso país. Efetivamente “Portugal vê a sua
situação melhorada” e “passa do desequilíbrio excessivo para o desequilíbrio”. Mas
o comissário, preferindo ver
o copo meio cheio a ver o copo meio vazio, voltou a referir
os desafios aos quais é preciso responder. Por outro lado, salientou que a
retoma acelerou no ano passado, o desemprego está abaixo da média europeia e o
país saiu do procedimento dos défices excessivos. Porém, avisou que os riscos
do setor financeiro, embora tenham diminuído, não desapareceram; que a redução
do crédito malparado deve continuar a ser prioridade; e que a divida está a
diminuir, mas mantém-se muito elevada.
Depois,
outras das áreas onde Portugal continua a enfrentar “desafios”, um tema aliás
recorrente nos avisos de Bruxelas, são: a do trabalho – ao nível da
produtividade, da desigualdade entre trabalhadores com contratos a prazo e a termo
– e a do investimento. O investimento ainda tem muito pouco peso no PIB. E,
quanto ao trabalho, apesar dos insistentes recados para a necessidade de mexer
nas regras laborais, Bruxelas reconhece que o aumento do salário mínimo não
travou a queda do desemprego, mas alerta para a diminuição da diferença entre o
salário mínimo e as remunerações pagas a trabalhadores mais qualificados e para
o desemprego jovem.
Ainda na área laboral, a Comissão observa que o elevado
número de contratos a prazo (em Portugal continua elevada a proporção de trabalhadores com contrato
temporário) suscita dúvidas
sobre a eficácia das recentes medidas públicas para combater a segmentação do
mercado de trabalho.
Segundo a Comissão, em setembro de 2017, o número de
contratos temporários manteve-se em 21,9% no segmento de trabalhadores entre 20
e 64 anos de idade.
É certo que, segundo Bruxelas, se tem notado um
aumento da contratação permanente em Portugal, mas “a proporção de
trabalhadores em contratos temporários é alta” e mesmo uma das mais elevadas da
UE (União Europeia). Por outro lado, a Comissão anota avanços
no regresso ao mercado de trabalho de desempregados de longa duração (ainda que muitas vezes contratados a
prazo).
A segmentação do mercado de trabalho referida, que diz
respeito às diferenças de direitos entre trabalhadores com contrato sem termo e
trabalhadores a prazo, geralmente, implica uma “ampla diferença salarial”.
Ora, quanto a mais medidas para tentar reduzir a
segmentação do mercado de trabalho, essas estarão no âmbito de discussão entre
governo e parceiros sociais.
Já sobre o salário mínimo, como acima ficou dito, a Comissão refere
que, apesar dos recentes aumentos, tal “não dificultou a criação de emprego”,
os quais até apoiaram o rendimento dos trabalhadores com salários mais baixos.
Esta
conclusão, sublinhada no Country Report
sobre Portugal divulgado hoje em Bruxelas, contrasta com posições anteriores da
Comissão que, em análises anteriores, sempre mostrou receios sobre os impactos
das subidas do salário mínimo.
Bruxelas
avisa, no entanto, que se mantêm riscos sobre a empregabilidade destes
trabalhadores e pede ao Governo e parceiros sociais que monitorizem o impacto
do salário mínimo.
A Comissão fala ainda, com insistência, da revisão do quadro
legal de despedimentos, referindo que não estão previstas ações atinentes a
isso e considerando que isso pode ser “elemento desencorajante” para
contratações permanentes.
***
Outro setor
onde ainda existem fragilidades é o da proteção social. Bruxelas aponta para a grande fatia da população que está em risco de
pobreza e exclusão social, considerando que o impacto das transferências
sociais (pensões e
subsídios) na redução da pobreza limitada. A
desigualdade no rendimento está a aliviar, mas continua elevada e o rendimento
disponível das famílias ainda está abaixo do nível pré-crise.
A Comissão
Europeia avaliou a aplicação das recomendações por áreas e em nenhuma delas
Portugal conseguiu obter as notas mais altas, correspondentes ao progresso
substancial ou cumprimento total. Bruxelas regista algum progresso em áreas
como finanças públicas, serviços financeiros, acesso a capital, dívida privada,
políticas ativas de emprego, salários, quadro legal de insolvências e justiça. Porém,
o progresso foi limitado, ou seja, insuficiente, em setores como a proteção do
emprego, que Bruxelas considera ser excessiva e não ter um quadro legal que
ofereça segurança jurídica às empresas, concorrência e ambiente de negócios, sendo
que medidas anunciadas em fase de estudo não contam na avaliação à execução das
recomendações.
Assim, Portugal não teve progresso significativo
em nenhuma das áreas da proteção social.
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Face à
predita decisão europeia e às subsequentes recomendações, o Governo garante que
vai prosseguir com os esforços de transformação estrutural da economia
portuguesa e equilíbrio das contas públicas. A este respeito, o Ministério das
Finanças veio rapidamente esclarecer em comunicado de hoje:
“Esta decisão surge na sequência da saída do Procedimento por Défices
Excessivos, da melhoria da classificação da dívida da República pelas
principais agências de notação internacionais e do excelente comportamento da
economia nacional, visível quer no mercado de trabalho quer na natureza
sustentável do crescimento registado ao longo dos últimos semestres. […] O Governo prosseguirá os esforços de
transformação estrutural da economia portuguesa, garantindo o equilíbrio das
contas públicas, a promoção de um crescimento sustentável e inclusivo e
incrementando a competitividade externa da economia. […]. […] Os desafios com
que o país se depara e que merecem resposta estão identificados no Programa
Nacional de Reformas, que continuará a guiar o esforço reformista do governo.”.
O comunicado
também frisa que “esta evolução positiva” reflete a avaliação da Comissão
Europeia patente no seu “Relatório País” sobre Portugal – inserido no Semestre
Europeu que avalia a situação económico-financeira de todos os países da UE –
que “releva as mudanças estruturais registadas em Portugal no passado recente”.
E salienta que, entre 2016 e 2017, a dívida pública em percentagem do PIB (Produto
Interno Bruto)
registou uma queda de 4,3% – a maior em 20 ano; que, entre o final de 2015 e o
final de 2017, a dívida privada em percentagem do PIB diminuiu 16,6%; e que o
desemprego diminuiu 4,13% no mesmo período, fechando o ano em 8,1%. Nestes termos,
“a evolução destes indicadores reflete a mudança estrutural que a economia
portuguesa vem percorrendo ao longo dos últimos anos”.
Além
disso, o Ministério das Finanças adianta que “estes resultados são alcançados
através de um crescimento económico sustentado e gerador de emprego associado a
um controlo orçamental com benefícios tanto para as gerações presentes como
para as futuras” e que “esta evolução é tanto mais extraordinária quanto é
conseguida num contexto de redução generalizada do endividamento de todos os
setores da economia”.
***
Enfim, muito
se vai conseguindo na evolução económica, mas muito trabalho há a fazer. Todavia,
não sei se a União Europeia já mudou totalmente de agulhas deixando o ónus da
resolução das crises a cada um dos Estados-Membros e se continuará a arrogar-se
a prerrogativa de formular recomendações, ameaçar com multas e outras sanções,
sem fazer o essencial: inverter a ordem das prioridades, colocando o bem-estar
dos cidadãos e a coesão interestados acima de tudo, dando primazia à política
em detrimento do capital financeiro. E vem agora lamentar o nível de pobreza e
exclusão social e económica depois de ter primado pela imposição de medidas
restritivas socialmente letais!
Quanto ao
nosso Estado, compete-lhe continuar a lutar pela autonomia face ao autoritarismo
europeu e pondo juízo na coletividade, sobretudo no combate à corrupção e à
mediocridade e trabalhando pela correção das desigualdades e pela inclusão
económica e social. Salus Reipublicae lex
suprema esto!
2018.03.07 –
Louro de Carvalho
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