quarta-feira, 7 de março de 2018

Portugal sai do desequilíbrio excessivo, mantendo-se em desequilíbrio


A Comissão Europeia sentenciou que Portugal deixa o clube dos países em situação de desequilíbrio económico excessivo, mas mantém-se em desequilíbrio. Por isso, Bruxelas pede mais reformas em abril, nomeadamente as conexas com a dívida e com o mercado de trabalho.
Isto sucede depois de, em novembro de 2017, Bruxelas ter identificado 12 Estados-membros que pensou merecerem uma “análise aprofundada” devido aos desequilíbrios macroeconómicos em que se encontram. Porém, hoje, dia 7 de março, por ocasião da adoção do “pacote de inverno de semestre europeu” de coordenação de políticas económicas, a Comissão decidiu retirar da lista a Eslovénia e desagravar o nível de desequilíbrios de outros “desequilíbrios económicos”, mantendo-se em situação muito crítica Itália, Chipre e Croácia. E, para Portugal e Bulgária, a Comissão frisou a necessidade de prosseguir esforços complementares com vista à “correção sustentável dos desequilíbrios”.
O nosso país tem estado, apesar de toda a evolução positiva, em contínua vigilância por parte da UE, vindo agora o vice-presidente da Comissão, Valdis Dombrovsky, a reconhecer bem ironicamente a necessidade de “interpretar” o caso português.
Obviamente que Portugal não está sozinho nesta situação a interpretar. Bulgária e França também deixaram de fazer parte dos países que a Comissão Europeia considera estarem em situação de desequilíbrio económico excessivo. Contudo, Valdis Dombrovskis, protagonista do anúncio hoje feito, frisa que, no caso português, ainda existe um “grande desafio” ao nível do elevado endividamento privado, das famílias e empresas, mas também do Estado, tendo o Governo sido convidado a apresentar em abril um pacote de soluções para atacar os problemas estruturais. Também a Bulgária é referida como um país que tem de fazer um esforço adicional, enquanto a França passou sem recados.
O vice-presidente da Comissão assume que a evolução de Portugal, da situação de desequilíbrio excessivo para apenas desequilíbrio, justifica uma “interpretação” que alerta para persistência de desequilíbrios acumulados que precisam de ser atacados. Nestes termos, será enviada uma carta às autoridades portuguesas a avisar para a necessidade de se manterem em curso as reformas estruturais e de se apresentar um “programa nacional de reformas detalhado e ambicioso”.
E, ao ser questionado pelos jornalistas se a Alemanha ou a França (esta também passou de desequilíbrio excessivo para equilíbrio) receberão carta de Bruxelas, Dombrovsky esclareceu:
Se olhar para a avaliação do ECOFIN (órgão que reúne os ministros das Finanças da União Europeia) aos diferentes países, diria que Portugal era o caso mais aberto a interpretação. Por isso, decidimos ir para a interpretação positiva – o comissário Pierre Moscovici optou pela expressão copo meio cheio –, ou seja, melhorar a situação de desequilíbrio mas, ao mesmo tempo, enfatizar que ainda existem grandes desequilíbrios acumulados que Portugal precisa de enfrentar. Assim, enviamos este sinal positivo e, ao mesmo tempo, lembramos que ainda há trabalho a fazer.”.
Para lá do processo de sanções no caso do défice excessivo, as regras europeias contemplam a existência de sanções para quem reiteradamente apresente desequilíbrios macroeconómicos excessivos, sem responder a estes e se não fizer o suficiente para seguir as recomendações da Comissão neste domínio.
Ora, com a decisão de retirar Portugal deste lote, o país deixa de estar sujeito a maiores exigências da Comissão e, em última análise, a uma multa de 190 milhões de euros. Como a Comissão determinou que houve progressos suficientes, Portugal não foi assim colocado na vertente corretiva.  Este procedimento dá à Comissão Europeia uma capacidade de avaliação mais subjetiva porque, ao contrário do procedimento por défice excessivo, não é a incapacidade de corrigir o desequilíbrio que é sancionada, mas o facto de os Governos não tomarem medidas adequadas para o corrigir.
De acordo com as regras, podem seguir-se multas. As sanções financeiras aos Estados-membros da zona euro estão previstas se falharem repetidamente na implementação de um plano de correção suficiente ou em tomarem as medidas acordadas. E a possibilidade de a Comissão colocar Portugal no braço corretivo chegou a ser discutida entre o staff técnico no início de 2016, já depois de aprovado o Orçamento, como forma de garantir que o Governo avançaria com medidas para garantir a meta do défice, apesar de ambos não estarem relacionados
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Os setores onde a Comissão Europeia sinaliza a existência de desequilíbrios são sobretudo: a dívida (pública e privada), o crédito malparado, o investimento e o mercado laboral. É certo que diminuíram a dívida e o malparado, mas ainda existem e exigem reformas e medidas da parte de Portugal, não se percebendo a rota atual como sustentável a prazo. Basta, por exemplo, que os juros subam para a dívida e o défice se posicionarem numa situação preocupante. Por isso, Dombrovskis adianta que as autoridades portuguesas terão de apresentar um programa de reformas ambicioso e detalhado. Em maio, Bruxelas apresentará o relatório com recomendações face às propostas de reformas feitas por todos os países, no quadro do semestre europeu.
Também Pierre Moscovici, comissário dos Assuntos Económicos, foi claro na mensagem sobre os “progressos significativos” do nosso país. Efetivamente “Portugal vê a sua situação melhorada” e “passa do desequilíbrio excessivo para o desequilíbrio”. Mas o comissário, preferindo ver o copo meio cheio a ver o copo meio vazio, voltou a referir os desafios aos quais é preciso responder. Por outro lado, salientou que a retoma acelerou no ano passado, o desemprego está abaixo da média europeia e o país saiu do procedimento dos défices excessivos. Porém, avisou que os riscos do setor financeiro, embora tenham diminuído, não desapareceram; que a redução do crédito malparado deve continuar a ser prioridade; e que a divida está a diminuir, mas mantém-se muito elevada. 
Depois, outras das áreas onde Portugal continua a enfrentar “desafios”, um tema aliás recorrente nos avisos de Bruxelas, são: a do trabalho – ao nível da produtividade, da desigualdade entre trabalhadores com contratos a prazo e a termo – e a do investimento. O investimento ainda tem muito pouco peso no PIB. E, quanto ao trabalho, apesar dos insistentes recados para a necessidade de mexer nas regras laborais, Bruxelas reconhece que o aumento do salário mínimo não travou a queda do desemprego, mas alerta para a diminuição da diferença entre o salário mínimo e as remunerações pagas a trabalhadores mais qualificados e para o desemprego jovem.
Ainda na área laboral, a Comissão observa que o elevado número de contratos a prazo (em Portugal continua elevada a proporção de trabalhadores com contrato temporário) suscita dúvidas sobre a eficácia das recentes medidas públicas para combater a segmentação do mercado de trabalho.
Segundo a Comissão, em setembro de 2017, o número de contratos temporários manteve-se em 21,9% no segmento de trabalhadores entre 20 e 64 anos de idade.
É certo que, segundo Bruxelas, se tem notado um aumento da contratação permanente em Portugal, mas “a proporção de trabalhadores em contratos temporários é alta” e mesmo uma das mais elevadas da UE (União Europeia). Por outro lado, a Comissão anota avanços no regresso ao mercado de trabalho de desempregados de longa duração (ainda que muitas vezes contratados a prazo).
A segmentação do mercado de trabalho referida, que diz respeito às diferenças de direitos entre trabalhadores com contrato sem termo e trabalhadores a prazo, geralmente, implica uma “ampla diferença salarial”.
Ora, quanto a mais medidas para tentar reduzir a segmentação do mercado de trabalho, essas estarão no âmbito de discussão entre governo e parceiros sociais.
Já sobre o salário mínimo, como acima ficou dito, a Comissão refere que, apesar dos recentes aumentos, tal “não dificultou a criação de emprego”, os quais até apoiaram o rendimento dos trabalhadores com salários mais baixos.
Esta conclusão, sublinhada no Country Report sobre Portugal divulgado hoje em Bruxelas, contrasta com posições anteriores da Comissão que, em análises anteriores, sempre mostrou receios sobre os impactos das subidas do salário mínimo.
Bruxelas avisa, no entanto, que se mantêm riscos sobre a empregabilidade destes trabalhadores e pede ao Governo e parceiros sociais que monitorizem o impacto do salário mínimo.
A Comissão fala ainda, com insistência, da revisão do quadro legal de despedimentos, referindo que não estão previstas ações atinentes a isso e considerando que isso pode ser “elemento desencorajante” para contratações permanentes.
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Outro setor onde ainda existem fragilidades é o da proteção social. Bruxelas aponta para a grande fatia da população que está em risco de pobreza e exclusão social, considerando que o impacto das transferências sociais (pensões e subsídios) na redução da pobreza limitada. A desigualdade no rendimento está a aliviar, mas continua elevada e o rendimento disponível das famílias ainda está abaixo do nível pré-crise.
A Comissão Europeia avaliou a aplicação das recomendações por áreas e em nenhuma delas Portugal conseguiu obter as notas mais altas, correspondentes ao progresso substancial ou cumprimento total. Bruxelas regista algum progresso em áreas como finanças públicas, serviços financeiros, acesso a capital, dívida privada, políticas ativas de emprego, salários, quadro legal de insolvências e justiça. Porém, o progresso foi limitado, ou seja, insuficiente, em setores como a proteção do emprego, que Bruxelas considera ser excessiva e não ter um quadro legal que ofereça segurança jurídica às empresas, concorrência e ambiente de negócios, sendo que medidas anunciadas em fase de estudo não contam na avaliação à execução das recomendações.
Assim, Portugal não teve progresso significativo em nenhuma das áreas da proteção social.
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Face à predita decisão europeia e às subsequentes recomendações, o Governo garante que vai prosseguir com os esforços de transformação estrutural da economia portuguesa e equilíbrio das contas públicas. A este respeito, o Ministério das Finanças veio rapidamente esclarecer em comunicado de hoje:
Esta decisão surge na sequência da saída do Procedimento por Défices Excessivos, da melhoria da classificação da dívida da República pelas principais agências de notação internacionais e do excelente comportamento da economia nacional, visível quer no mercado de trabalho quer na natureza sustentável do crescimento registado ao longo dos últimos semestres. […] O Governo prosseguirá os esforços de transformação estrutural da economia portuguesa, garantindo o equilíbrio das contas públicas, a promoção de um crescimento sustentável e inclusivo e incrementando a competitividade externa da economia. […]. […] Os desafios com que o país se depara e que merecem resposta estão identificados no Programa Nacional de Reformas, que continuará a guiar o esforço reformista do governo.”.
O comunicado também frisa que “esta evolução positiva” reflete a avaliação da Comissão Europeia patente no seu “Relatório País” sobre Portugal – inserido no Semestre Europeu que avalia a situação económico-financeira de todos os países da UE – que “releva as mudanças estruturais registadas em Portugal no passado recente”. E salienta que, entre 2016 e 2017, a dívida pública em percentagem do PIB (Produto Interno Bruto) registou uma queda de 4,3% – a maior em 20 ano; que, entre o final de 2015 e o final de 2017, a dívida privada em percentagem do PIB diminuiu 16,6%; e que o desemprego diminuiu 4,13% no mesmo período, fechando o ano em 8,1%. Nestes termos, “a evolução destes indicadores reflete a mudança estrutural que a economia portuguesa vem percorrendo ao longo dos últimos anos”.
Além disso, o Ministério das Finanças adianta que “estes resultados são alcançados através de um crescimento económico sustentado e gerador de emprego associado a um controlo orçamental com benefícios tanto para as gerações presentes como para as futuras” e que “esta evolução é tanto mais extraordinária quanto é conseguida num contexto de redução generalizada do endividamento de todos os setores da economia”.
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Enfim, muito se vai conseguindo na evolução económica, mas muito trabalho há a fazer. Todavia, não sei se a União Europeia já mudou totalmente de agulhas deixando o ónus da resolução das crises a cada um dos Estados-Membros e se continuará a arrogar-se a prerrogativa de formular recomendações, ameaçar com multas e outras sanções, sem fazer o essencial: inverter a ordem das prioridades, colocando o bem-estar dos cidadãos e a coesão interestados acima de tudo, dando primazia à política em detrimento do capital financeiro. E vem agora lamentar o nível de pobreza e exclusão social e económica depois de ter primado pela imposição de medidas restritivas socialmente letais!
Quanto ao nosso Estado, compete-lhe continuar a lutar pela autonomia face ao autoritarismo europeu e pondo juízo na coletividade, sobretudo no combate à corrupção e à mediocridade e trabalhando pela correção das desigualdades e pela inclusão económica e social. Salus Reipublicae lex suprema esto!
2018.03.07 – Louro de Carvalho

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