São as duas condições de participação
indicadas por Francisco aos jovens na reunião pré-sinodal no dia 19 de março no
Pontifício Colégio Internacional “Maria Mater Ecclesiae”, em Roma.
No discurso, o Papa saudou os jovens e desejou que fossem cada vez mais os
participantes no diálogo de modo a exprimir o que tem cada um no coração. Para
isso, cada um tem de falar com coragem, sem vergonha ou medo, mas disposto a
que, se sentiu que alguém se ofendeu, mesmo sem ele querer, esteja disposto a
pedir desculpa e a seguir em frente. Por outro lado, sustentou que “é preciso
ouvir com humildade” e, se o que alguém disser não agrada, há que “ouvir mais,
pois cada qual tem o direito de ser ouvido, assim como todos têm o direito de
falar”.
Agradeceu o
facto de terem aceite o convite para virem ali, sobretudo os que vieram de longe,
e o facto de outros se manterem em ligação com esta assembleia, mesmo a partir
de lugares em que é hora de dormir, bem como a situação de nem todos os
participantes in loco ou à distância
serem católicos, cristãos ou mesmo crentes. Provêm de muitas partes do mundo,
trazem consigo “uma grande variedade de povos, culturas e também de religiões”
e estão “todos animados pelo desejo de dar o melhor” de si. São enviados em
representação das Igrejas locais porque dão à causa contributo indispensável de
que a Igreja precisa “para preparar o Sínodo” de outubro em que os Bispos refletirão
sobre o tema “Os jovens, a fé e o
discernimento vocacional”.
Sobre a
importância de se ouvirem os jovens, referiu exemplos de jovens da História
bíblica que foram ouvidos. E mencionou Samuel, David e Daniel.
Disse que Samuel
ouviu Deus quando não era usual ouvir a voz de Deus, porque o povo andava
“desorientado” e “foi um jovem que abriu aquela porta”. Depois, considerou:
“Nos momentos difíceis, o Senhor faz ir em
frente a história com os jovens. Dizem a verdade, não se envergonham. Não digo
que são ‘sem-vergonha”, mas que não têm vergonha e dizem a verdade.”.
Em David frisou
a coragem com que começou ainda jovem e lembrou até os pecados e avançou:
“Porque é interessante, todos eles não
nasceram santos, não nasceram justos, modelos dos outros. Todos são homens e
mulheres pecadores e pecadoras, mas sentiram o desejo de fazer algo bom, Deus
estimulou-os e foram em frente. E isto é muito bom.”
Depois,
advertiu que não podemos pensar que “estas coisas são para as pessoas justas,
para os sacerdotes e as religiosas”. São para todos e mais para os jovens,
porque têm “tanta força para dizer as coisas, para sentir as coisas, para rir,
até para chorar”, coisas de que os adultos se esquecem. Por isso, vos exortou:
“Sede corajosos nestes dias, dizei tudo o
que sentis; e se errardes, outros vos corrigirão. Mas em frente, com coragem!”.
***
Juventude e jovens
Referiu o
Papa que se fala com frequência de jovens, mas sem que nos deixemos interpelar
por eles. Em campanhas louvam os jovens para os contentarem, mas não deixam que
eles interpelem os promotores. Ora, louvar, diz Francisco, “é uma maneira de
contentar as pessoas”, mas as pessoas “não são tontas nem estúpidas”. As
pessoas compreendem, só os estultos é que não compreendem. E defende que “até
as melhores análises sobre o mundo juvenil, mesmo sendo úteis – são úteis – não
substituem a necessidade do encontro face a face”. Depois, desvaloriza o discurso
sobre a juventude por curiosidade e moda, sustentando que “a juventude não existe”,
pois, o que existe são “os jovens, histórias, rostos, olhares, ilusões; existem
jovens”. É óbvio que é preciso pôr os corações em interação, “dialogar, ouvir
os jovens”, mesmo que, por vezes, não sejam “os jovens” ou não sejam eles “o
prémio Nobel para a prudência”.
***
Os jovens devem ser levados a sério
Pensar que
seria mais fácil mantê-los “à distância de segurança”, para não se sentir a sua
provocação, é insensato. Mas o Papa julga não ser “suficiente trocar alguma
pequena mensagem ou partilhar fotografias simpáticas”. Os jovens devem ser
levados a sério! – assume. E diz que temos de ultrapassar a “filosofia da
maquilhagem” resultante da cultura, que nos circunda, em virtude da qual, por
um lado, se “idolatra a juventude procurando nunca a fazer passar” (São sempre
jovens!), por outro, se “impede que muitos
jovens sejam protagonistas”. E considera:
“As pessoas crescem e procuram pintar-se
para parecerem mais jovens, mas não deixam crescer os jovens. Isto é muito comum.
Porquê? Porque não se deixam interpelar. É importante. Muitas vezes sois
marginalizados da vida pública normal e vedes-vos obrigados e mendigar
ocupações que não vos garantem um futuro. Não sei se isto acontece em todos os
vossos países, mas em muitos...”.
Deixando um
apontamento sobre o desemprego juvenil na Europa, com percentagens dos 35% a
mais de 50%, interroga-se sobre “o que faz um jovem que não encontra trabalho”
e discorre:
“Adoece – a depressão – cai no desespero,
cai nas dependências, suicida-se – devemos refletir: as estatísticas de
suicídio juvenil estão todas alteradas, todas – faz o rebelde – mas é um modo
de se suicidar – ou apanha o avião e vai para outra cidade que não quero
mencionar e alista-se no EI ou num destes movimentos guerreiros. Pelo menos a
vida tem sentido e terá um ordenado mensal.”.
E conclui
“E isto é um pecado social! A sociedade é
responsável por isto. Mas eu gostaria que fôsseis vós a dizer as causas, os
porquês, e não digais: “Nem sequer eu sei
bem porquê”. Como viveis vós este drama? Ajudar-nos-ia muito. Demasiadas
vezes sois deixados sozinhos.”.
Mas enfatiza
o facto de os jovens serem “construtores de cultura”, com estilo e
originalidade próprios, para garantir que aquele era um espaço para ouvir a
cultura juvenil, a que estão a construir. E avança que, na Igreja, “não deve
ser assim: fechar a porta, não ouvir”, pois “o Evangelho no-lo pede: a sua
mensagem de proximidade convida a encontrar-nos e a confrontar-nos, a
acolher-nos e a amar-nos a sério, a caminhar juntos e a partilhar sem receio”.
Adiantando que a Reunião pré-sinodal pretende ser o sinal de algo grandioso da “vontade da Igreja de se colocar em escuta de
todos os jovens, sem excluir nenhum”. E não é “para fazer política” ou
“para uma artificial jovem-filia”,
mas porque é preciso “compreender melhor o que Deus e a história nos estão a
pedir”, pois, se os jovens faltarem, “falta-nos uma parte do acesso a Deus”.
***
O próximo Sínodo: sinal e apelo
A aula
sinodal propõe-se abordar as condições do acompanhamento dos jovens com paixão
e competência no discernimento vocacional, ou seja, reconhecer e acolher
a chamada ao amor e à vida em plenitude” (Documento
Preparatório, Introdução). Todos
recebemos a chamada de Deus. E os jovens hão de ter a certeza de que “Deus ama a
todos e a cada um dirige pessoalmente uma chamada. É um dom que, quando o
descobrimos, enche de alegria” (cf Mt 13,44-46). E o Papa articulou com este amor e vocação a
confiança de Deus:
“Tende a certeza disto: Deus tem confiança
em vós, ama-vos e chama-vos. E, por seu lado, ele nunca faltará, porque é fiel
e crê deveras em vós. Deus é fiel. Aos crentes digo: ‘Deus é fiel’. Dirige-vos
a pergunta que certa vez fez aos primeiros discípulos: O que procurais?” (Jo 1,38).
E dirigiu a
cada um a pergunta: “Tu, o que procuras
na tua vida?”, sustentando que precisamos de ouvir o caminho dos jovens na
vida e que Jesus os convida a partilharem “a busca da vida com Ele, a caminhar
juntos”. Isto, “porque não podemos deixar de partilhar com entusiasmo a busca da
verdadeira alegria de cada um e não podemos conservar só para nós Aquele que
mudou a nossa vida: Jesus” e porque os coetâneos e os amigos, “mesmo sem o
saberem, também eles esperam uma chamada de salvação”.
“Também na Igreja devemos aprender novas
modalidades de presença e de proximidade”. A dizer isto, Francisco lembrou que
“Moisés quis dizer ao Povo de Deus qual é o âmago do amor de Deus” e sublinhou
que “o amor é proximidade”. Por conseguinte, já que os jovens “pedem
proximidade à Igreja”, pediu aos cristãos, que creem “na proximidade de Cristo”,
que estejam “próximos, não distantes” e advertiu que há “muitas modalidades de
se afastar”. Denunciando a educação “de luvas brancas”, de “manter-se à
distância para não sujar as mãos”, sustentou que os jovens, hoje, pedem proximidade
“aos católicos, aos cristãos, aos crentes e aos não crentes, a todos”. E, citando
o testemunho dum jovem entusiasmado com a participação nalguns encontros
referindo que “o mais importante foi a
presença de religiosos no nosso meio como amigos que nos ouvem, nos conhecem e
nos aconselham”, o Papa disse que “homens e mulheres consagrados que estão
próximos ouvem, conhecem e a quem pede conselho, aconselham”.
Evocando a Mensagem aos jovens do Concílio Vaticano
II, apresentou-a como “estímulo a lutar contra qualquer egoísmo e a construir
com coragem um mundo melhor” ou “convite a procurar novos caminhos e a
percorrê-los com audácia e confiança, mantendo o olhar fixo em Jesus e
abrindo-se ao Espírito Santo, para rejuvenescer o próprio rosto da Igreja”. E
justificou:
“É em Jesus e no Espírito que a Igreja
encontra a força para se renovar sempre, realizando uma revisão de vida acerca
da sua maneira de ser, pedindo perdão pelas suas fragilidades e lacunas, não
poupando as energias para se pôr ao serviço de todos, unicamente com a intenção
de ser fiel à missão que o Senhor lhe confiou: viver e anunciar o Evangelho”.
***
O coração da Igreja é jovem
Francisco defende
que “o coração da Igreja é jovem” visto
que “o Evangelho é como uma linfa vital
que a regenera continuamente”, competindo-nos a docilidade e cooperação “para
esta fecundidade”. E, como os jovens podem colaborar nesta fecundidade (sejam católicos,
cristãos, de outras religiões ou não crentes), exorta a que o façam e o façam “neste caminho sinodal, pensando na
realidade dos jovens de todo o mundo”. E justifica-se:
“Precisamos de nos reapropriar do entusiasmo
da fé e do gosto da busca. Temos necessidade de reencontrar no Senhor a força
de nos erguermos das falências, de ir em frente, de fortalecer a confiança no
futuro. E precisamos de ousar veredas novas. Não vos assusteis: ousar veredas
novas, mesmo se isso comporta riscos. Um homem, uma mulher que não arrisca, não
amadurece. Uma instituição que faz escolhas sem arriscar permanece criança, não
cresce. Arriscai, acompanhados pela prudência, pelo conselho, mas ide em
frente.”.
E avança com
considerandos sobre o que acontece ao jovem e à comunidade que não arrisque:
“Um jovem envelhece e também a Igreja
envelhece. […] Quantas vezes eu encontro comunidades cristãs, até de jovens,
mas velhas. Envelheceram porque tiveram medo. Medo de quê? De sair, de ir rumo
às periferias existenciais da vida, de ir lá onde se joga o futuro. Uma coisa é
a prudência, que é uma virtude, mas outra é o medo. Precisamos de vós jovens,
pedras vivas de uma Igreja com o rosto jovem, mas não maquilhado, como disse: não rejuvenescido artificialmente, mas
reavivado a partir de dentro.”.
Confessando que
são os jovens quem provoca a sair da lógica do “mas sempre se fez assim”, acentuou que tal lógica “um veneno doce,
porque te tranquiliza a alma”, criando o estado de anestesia e impedindo de caminhar.
Assim, importa sair desta lógica do “sempre
se fez assim”, para “permanecer de maneira criativa no sulco da autêntica
tradição cristã”. É nesta linha da criatividade que Francisco recomenda aos
cristãos a leitura do Livro dos Atos dos Apóstolos, vincando “a criatividade
daqueles homens”. E disse da articulação entre a juventude e os mais velhos, a tradição
e a inovação, conservar as raízes, mas sem voltar a elas para não ficar
soterrado com elas:
“Aqueles homens sabiam ir em frente com uma
criatividade que, se nós fizermos a tradução para o que significa hoje,
assustamo-nos! Vós criais uma cultura nova, mas estai atentos: esta cultura não
pode ser ‘desenraizada’. Um passo em frente, mas preservar as raízes! Não
voltar às raízes, porque se acaba por ficar enterrado: dai um passo em frente,
mas sempre com as raízes. E as raízes – isto, perdoai-me, tenho-o no coração –
são os velhos, são os idosos bons. As raízes são os avós. As raízes são aqueles
que viveram a vida e que são descartados por esta cultura do descarte, não
servem, manda-os para fora. Os idosos têm este carisma de conservar as raízes.”.
E a palavra
de ordem final é falar com os idosos. A este respeito, o Papa Bergoglio contou
um caso de Buenos Aires em que desafiou os jovens a irem a uma casa de repouso
tocar viola para os idosos. E, perante a hesitação deles, aconselhou que fossem
“só uma hora”. Resultado:
“[Ficaram] mais de duas horas! Não queriam sair,
porque os idosos que estavam assim [um pouco adormecidos], ouviram tocar viola
e acordaram todos e começaram [a falar], e os jovens ouviram coisas que os
comoveram. Receberam esta sabedoria e foram em frente.”.
Depois, citou
o profeta Joel, que “expressa isto muito bem, tão bem no terceiro capítulo,
assumindo esta profecia para hoje:
“Os idosos sonharão, e os jovens
profetizarão. Nós precisamos de jovens profetas, mas estai atentos: nunca sereis
profetas se não tiverdes em conta os sonhos dos idosos. E mais: se não fordes
fazer sonhar um idoso que está ali entediado, porque ninguém o ouve. Fazei
sonhar os idosos e estes sonhos vos ajudarão a ir em frente (Jl 3,1). Lede
isto, far-vos-á bem. Deixai-vos interpelar por eles.”.
***
Finalmente
Para a
sintonia no mesmo comprimento de onda das jovens gerações, disse que “é de
grande ajuda um diálogo intenso”. Portanto, reiterou o convite a que se
expressassem com franqueza e com toda a liberdade, pois são “os protagonistas”
e é importante que falem abertamente, sem vergonha do cardeal, que
ouve, “está habituado”. E garantindo que o contributo dos jovens será levado a
sério, pediu a todos que rezassem por si e aos que não podem ou não sabem
rezar, pelo menos, que pensem bem no Papa.
2018.03.23 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário