Das 15
recomendações europeias sobre prevenção da corrupção que, há dois anos, o Grupo de
Estado Contra a Corrupção da UE (GRECO), criado pelo Conselho da Europa, formulou para os deputados, juízes e
procuradores portugueses, até hoje apenas foi implementada uma e 11 continuam sem qualquer avanço. Assim, o grupo que
pediu mudanças pela transparência declara-se “insatisfeito” com deputados e
“desapontado” com juízes portugueses, classifica a resposta portuguesa
como “globalmente insatisfatória” e quer ouvir novidades do
país até ao final deste ano, sobretudo em relação àqueles três grupos.
No relatório do
GRECO divulgado hoje, dia 6 de março, e que avalia o cumprimento por Portugal
de um conjunto de recomendações anticorrupção nos setores parlamentar e
judicial feitas no início de 2016, o GRECO considera que apenas foi
implementada “satisfatoriamente” uma delas, ficando outras três classificadas como
“parcialmente concretizadas” e tendo as restantes onze ficado em branco. Assim,
a apreciação geral é de “globalmente insatisfatória” no que diz respeito à
prevenção da corrupção em relação a deputados, juízes e procuradores. As
autoridades portuguesas, que têm conhecimento do teor do relatório desde que
ele foi aprovado na reunião do GRECO do início de dezembro do ano passado (pois integram aquela entidade), têm agora até ao final deste ano a
oportunidade de explicar como estão a concretizar as recomendações em falta –
embora o GRECO peça que o façam “o mais depressa possível”.
A única área
em que se fizeram avanços significativos foi na parlamentar, que se devem
sobretudo ao lançamento da discussão dum novo regime da transparência. A Comissão Eventual para o Reforço da
Transparência foi criada há dois anos e concentra agora cerca de duas
dezenas de propostas de diplomas dos vários partidos para rever desde o
Estatuto dos Deputados ao regime de controlo de património e até tencionam
legislar sobre o lobby.
O relatório
reconhece que esta é uma “reforma ambiciosa” que pretende “reforçar a
integridade, aumentar a responsabilização e a transparência de um largo
espectro de titulares de cargos públicos, incluindo deputados”. Porém, ainda
que as novas regras tenham os objetivos corretos, há um longo caminho a
percorrer. Com efeito, como refere o relatório, “algumas dimensões dessa
reforma estão ainda numa fase relativamente embrionária e precisam de ter uma
forma clara e concreta”. Por exemplo, ainda nada está definido sobre regime de
incompatibilidades dos deputados e registo de interesses, bem como sobre os
mecanismos de controlo e até sobre a previsão e aplicação de sanções. Ou seja,
está quase tudo por fazer e o que há é um plano de intenções. Além disso, o
GRECO destaca a necessidade de este processo legislativo não ficar dentro de
portas (ou seja, nos
corredores da Assembleia da República), mas de ser alvo de amplo debate público da sociedade civil.
Relativamente
aos juízes, o relatório sustenta que não foram cumpridas recomendações
“cruciais” para promover a independência do poder judicial e dos juízes e
aumentar a confiança neste setor. Por exemplo, o mandato dos conselhos
superiores continua a ter limitações e a ser confinado ao exercício de
responsabilidades disciplinares e de gestão sobre os juízes e de deveres
administrativos sobre os tribunais de comarca. Por outro lado, salienta que, apesar
de estarem a ser pensadas alterações ao Estatuto dos Magistrados, continua a
existir uma situação estranha de haver nomeações de juízes feitas por júris com
membros que não o são – o que torna o processo vulnerável a ingerências
políticas. E acerca da avaliação periódica dos juízes, o documento considera
que esta não consegue determinar de forma “justa, objetiva e atempada” a
integridade e o cumprimento das normas de conduta, além de ser mantido em
anonimato o resultado dos procedimentos disciplinares, revelando total falta de
transparência.
Mas, se a
transparência não existe ao nível dos juízes, o relatório elogia o Ministério
Público por divulgar informação acerca dos seus procedimentos disciplinares
internos e apela, de novo, a que sejam elaboradas normas deontológicas claras,
transparentes e públicas que sirvam de base à promoção, avaliação e ação
disciplinar – além de pedir que a revisão do Estatuto do Ministério Público
proteja os procuradores de interferências ilegais ou pressões superiores.
***
Este é já o
4.º relatório sobre “Prevenção da
corrupção dos deputados, juízes e procuradores”. Entre o que está por fazer,
contam-se os códigos de conduta pedidos para estes três grupos, a necessidade
de maior transparência no processo legislativo e maior equilíbrio no Conselho
Superior de Magistratura – entre os membros nomeados pelos pares e os nomeados
pelo sistema político (composição definida na Constituição) – e, por exemplo, a avaliação de juízes e
procuradores.
Quanto aos
deputados, o GRECO confessa-se insatisfeito, pois, não considera implementada nenhuma
das recomendações que lhes fez. Todavia, reconhece, como se disse, a existência
duma “iniciativa promissora” em curso, “na direção do que
recomenda o GRECO”, embora subsistam muitas dúvidas sobre o que está a ser
tentado pelos deputados. Com efeito, em 2016, o Parlamento constituiu a Comissão Eventual para o Reforço da
Transparência no Exercício de Funções Públicas, mas, contra o que seria de
esperar e a que alguns dão pouca relevância, os trabalhos estão suspensos desde
janeiro, alegadamente pelo facto de o PSD precisar de tempo para se
reorganizar em razão da mudança de líder. As alterações na liderança socialdemocrata
acabaram por ditar outro problema para este grupo de deputados, que deveria
estar a concluir trabalhos por esta altura: o presidente da comissão eventual
é Fernando Negrão, que foi,
entretanto, eleito líder parlamentar do PSD. Porém, nada deveria ter impedido, até
à posse da nova direção do grupo parlamentar, que os trabalhos continuassem.
E o mais
grave é que os socialdemocratas não sabem dizer em que pé está a comissão
eventual nem quando serão retomados os trabalhos. A ideia é que Negrão se
demita da presidência da comissão para o PSD propor um substituto. Já no
atinente à substância, Rui Rio
ainda está a decidir o que fará, dado que ainda é possível avançar com
projetos antes de a comissão se lançar no debate detalhado de cada uma das 22
iniciativas de todos os partidos que já foram entregues (entre os
quais cinco do PSD), sendo
que, à margem do congresso do seu partido, Rui Rio mostrou-se pouco recetivo a apertar o controlo aos
políticos, considerando o caminho “populista”
e “demagógico” e prometendo riscar em absoluto palavras como como demagogia e populismo.
O GRECO
considera que há muito a fazer,
nomeadamente no regime de incompatibilidades dos titulares de cargos públicos e
nas declarações de património que
estão obrigados a entregar, referindo mesmo a necessidade de ter um sistema
“mais refinado”, nesta matéria. Além disso, ainda mantém a interrogação sobre a
capacidade que as mudanças alinhavadas têm de “reforçar mecanismos de supervisão e de introduzir sanções mais adequadas”
quando há falhas na declaração de património por parte dos políticos. Também
insiste na “genuína igualdade e diversidade” no acesso e contributo para o
processo legislativo.
No caso dos
juízes, o GRECO declara-se
“desapontado” por não terem dado seguimento às recomendações que este
grupo do Conselho da Europa considera “cruciais para promover uma maior
independência do poder judiciário e dos juízes e aumentar a confiança pública
nesta área”. Uma das questões mais preocupantes é o facto de não ter sido
revigorado o papel do
Conselho Superior de Magistratura “como garante da independência judicial”.
Assim, apontou como nulos os
avanços numa questão concreta que recomendara a Portugal: que
o órgão superior responsável pela gestão e disciplina dos juízes tivesse metade
dos seus membros eleitos pelos pares, não pelo Presidente da República e pela
Assembleia da República.
Todavia, era
preciso, para tanto, proceder a uma revisão da Constituição, nomeadamente o n.º
1 do art.º 218.º – o que não está no horizonte do debate político neste momento.
Ainda que se
mostre “agradado” com a revisão do
Estatuto dos Magistrados, em andamento (a ser negociado entre Governo e
sindicatos), o GRECO mostra alguma impaciência
quando ao processo de redação: “Deve
avançar” para dar garantias de vontade em responder às recomendações.
Foi no
Ministério Público que o relatório do GRECO identificou a única medida “implementada de forma
satisfatória”: disponibilização
pública, com maior agilidade, de informações sobre os processos
disciplinares do Conselho Superior do Ministério Público. O grupo destaca a
decisão do CSMP que veio dar “maior publicidade a casos de falta grave cometida
por procuradores”.
***
Por fim, sintetiza-se
o estado do que foi feito (ou não) acerca de
cada uma das recomendações.
No caso dos
deputados e do Parlamento,
- Não se
respondeu sobre o cumprimento dos prazos dos processos legislativos e
maior transparência, com o acesso a
todas as partes interessadas (incluindo a sociedade civil) às várias fases do processo.
- Não foi implementado o regime de regras
de conduta para
deputados, com mecanismos de supervisão reforçados e com princípios claros em
pontos como aceitação e ofertas, hospitalidade e recebimento de outros
benefícios e vantagens, embora já haja projetos neste sentido entre os que
estão parados na comissão eventual constituída no Parlamento.
- Foi parcialmente implementada a avaliação
independente da eficácia do regime de incompatibilidades e
do seu impacto na prevenção e deteção da corrupção e uma fiscalização,
igualmente independente, das declarações de interesses dos
deputados, havendo projetos de lei que introduzem novidades nestas matérias, mas
ainda longe da decisão final.
- Foi parcialmente implementado o regime de
sanções para violações “menores da obrigação
de notificação do património e a publicitação on line dessas mesmas declarações que são entregues pelos deputados,
embora esteja a ser trabalhado no âmbito da comissão eventual.
- Está em
curso o regime dos controlos frequentes e
substantivos das declarações de património dos deputados, com o reforço de
recurso para o organismo independente que os fiscaliza.
No caso dos juízes
(podem tudo), nenhuma das recomendações foi implementada, pudera!
Ei-las:
- Ter o Conselho Superior de
Magistratura com
metade dos membros juízes eleitos pelos seus pares e informação pública sobre
os procedimentos disciplinares internos (a segunda parte é possível mesmo sem
revisão constitucional).
- Ter nas autoridades que decidem a segunda instância
e nos juízes do Supremo pelo menos metade dos membros eleitos pelos seus
pares. Os magistrados argumentam com a revisão do Estatuto dos Magistrados que
prevê mudanças na seleção de juízes, mas O GRECO, embora registe esse
argumento, nota que os painéis que supervisionam a lista restrita de candidatos
ao cargo de juiz do tribunal de recurso e ao juiz do Supremo Tribunal continuam
a ter uma maioria de membros que não são juízes.
- Instituir um sistema de avaliações
periódicas dos juízes de
primeira instância e inspeções aos de segunda instância.
-
Estabelecer um mecanismo de garantia dos critérios
objetivos e transparentes de salvaguarda da independência dos juízes quando
os casos são redistribuídos.
Os juízes alegam que, depois de, em 2016, ter sido alterada a Lei de
Organização do Sistema Judicial, todos os casos agora são atribuídos
aleatoriamente aos juízes, com algumas exceções e que a transferência de juízes
também é excecional, mas o GRECO considera que “a informação apresentada
pelas autoridades judiciais não sugere que a contradição [entre a Lei
de Organização do Sistema Judicial e o Estatuto dos Magistrados] tenha sido removida e que tenham sido eliminados os
riscos que esse quadro legal incongruente representa para a independência dos
juízes”.
- Estabelecer
um mecanismo de decisões dos julgamentos em primeira instância de fácil
acesso público. Os juízes admitem que “existem dificuldades” neste
ponto e o GRECO insiste nesta necessidade, justificando com o seu papel
fundamental para garantir a certeza da lei e a uniformidade e previsibilidade
da sua aplicação, além de vir a possibilitar uma “maior responsabilização dos
juízes”.
- Criar um código
de conduta que inclua previsão de situações de conflito de interesses.
Os juízes aduzem que foi introduzido um código de ética dentro do Estatuto dos
Magistrados, cuja revisão ainda não foi concluída, mas o GRECO diz que “não
está convencido” de que esse código seja “claro e o exigível”, incluindo
questões relativas a conflito de interesses.
Já quanto
aos procuradores do Ministério Público:
- Está satisfatoriamente implementada a informação
relativa a processos disciplinares no
Conselho Superior do Ministério Público.
- Não foi implementada a avaliação
periódica de
procuradores dos tribunais de primeira instância e inspeção dos de segunda
instância.
- Não foi implementado um Estatuto do
Ministério Público adequado ao novo mapa judicial, resultante da “redução
drástica” (2014) dos tribunais de primeira
instância pelo país, o que criou desequilíbrios na hierarquia, não tendo o
GRECO a certeza de que essas “incertezas legais” tenham sido corrigidas e
temendo que desprotejam “procuradores subordinados de interferências indevidas
ou pressões dos seus superiores”.
- Não foi
criado um código de conduta para
procuradores, que seja uma base para promoções, avaliações e ações
disciplinares.
***
Há,
pois, muito que fazer. Porém, não vejo razão para alterar a composição do CSM,
pois não há só por isso motivações políticas para a nomeação de juízes. Aliás,
o Tribunal Constitucional, tribunal eminentemente político, não acorda
usualmente ao sabor da composição do Parlamento que o elegeu (embora,
por questão de princípio, me pareça que o TC devesse ter juízes designados pelo
Presidente da República, já que foi eleito diretamente). Ademais, é pena não haver escrutínio
externo da justiça.
2018.03.06 –
Louro de Carvalho
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