terça-feira, 6 de março de 2018

Grupo da UE contra a corrupção critica deputados e juízes portugueses


Das 15 recomendações europeias sobre prevenção da corrupção que, há dois anos, o Grupo de Estado Contra a Corrupção da UE (GRECO), criado pelo Conselho da Europa, formulou para os deputados, juízes e procuradores portugueses, até hoje apenas foi implementada uma e 11 continuam sem qualquer avanço. Assim, o grupo que pediu mudanças pela transparência declara-se “insatisfeito” com deputados e “desapontado” com juízes portugueses, classifica a resposta portuguesa como globalmente insatisfatória e quer ouvir novidades do país até ao final deste ano, sobretudo em relação àqueles três grupos.
No relatório do GRECO divulgado hoje, dia 6 de março, e que avalia o cumprimento por Portugal de um conjunto de recomendações anticorrupção nos setores parlamentar e judicial feitas no início de 2016, o GRECO considera que apenas foi implementada “satisfatoriamente” uma delas, ficando outras três classificadas como “parcialmente concretizadas” e tendo as restantes onze ficado em branco. Assim, a apreciação geral é de “globalmente insatisfatória” no que diz respeito à prevenção da corrupção em relação a deputados, juízes e procuradores. As autoridades portuguesas, que têm conhecimento do teor do relatório desde que ele foi aprovado na reunião do GRECO do início de dezembro do ano passado (pois integram aquela entidade), têm agora até ao final deste ano a oportunidade de explicar como estão a concretizar as recomendações em falta – embora o GRECO peça que o façam “o mais depressa possível”.
A única área em que se fizeram avanços significativos foi na parlamentar, que se devem sobretudo ao lançamento da discussão dum novo regime da transparência. A Comissão Eventual para o Reforço da Transparência foi criada há dois anos e concentra agora cerca de duas dezenas de propostas de diplomas dos vários partidos para rever desde o Estatuto dos Deputados ao regime de controlo de património e até tencionam legislar sobre o lobby.
O relatório reconhece que esta é uma “reforma ambiciosa” que pretende “reforçar a integridade, aumentar a responsabilização e a transparência de um largo espectro de titulares de cargos públicos, incluindo deputados”. Porém, ainda que as novas regras tenham os objetivos corretos, há um longo caminho a percorrer. Com efeito, como refere o relatório, “algumas dimensões dessa reforma estão ainda numa fase relativamente embrionária e precisam de ter uma forma clara e concreta”. Por exemplo, ainda nada está definido sobre regime de incompatibilidades dos deputados e registo de interesses, bem como sobre os mecanismos de controlo e até sobre a previsão e aplicação de sanções. Ou seja, está quase tudo por fazer e o que há é um plano de intenções. Além disso, o GRECO destaca a necessidade de este processo legislativo não ficar dentro de portas (ou seja, nos corredores da Assembleia da República), mas de ser alvo de amplo debate público da sociedade civil.
Relativamente aos juízes, o relatório sustenta que não foram cumpridas recomendações “cruciais”  para promover a independência do poder judicial e dos juízes e aumentar a confiança neste setor. Por exemplo, o mandato dos conselhos superiores continua a ter limitações e a ser confinado ao exercício de responsabilidades disciplinares e de gestão sobre os juízes e de deveres administrativos sobre os tribunais de comarca. Por outro lado, salienta que, apesar de estarem a ser pensadas alterações ao Estatuto dos Magistrados, continua a existir uma situação estranha de haver nomeações de juízes feitas por júris com membros que não o são – o que torna o processo vulnerável a ingerências políticas. E acerca da avaliação periódica dos juízes, o documento considera que esta não consegue determinar de forma “justa, objetiva e atempada” a integridade e o cumprimento das normas de conduta, além de ser mantido em anonimato o resultado dos procedimentos disciplinares, revelando total falta de transparência.
Mas, se a transparência não existe ao nível dos juízes, o relatório elogia o Ministério Público por divulgar informação acerca dos seus procedimentos disciplinares internos e apela, de novo, a que sejam elaboradas normas deontológicas claras, transparentes e públicas que sirvam de base à promoção, avaliação e ação disciplinar – além de pedir que a revisão do Estatuto do Ministério Público proteja os procuradores de interferências ilegais ou pressões superiores.
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Este é já o 4.º relatório sobre “Prevenção da corrupção dos deputados, juízes e procuradores”. Entre o que está por fazer, contam-se os códigos de conduta pedidos para estes três grupos, a necessidade de maior transparência no processo legislativo e maior equilíbrio no Conselho Superior de Magistratura – entre os membros nomeados pelos pares e os nomeados pelo sistema político (composição definida na Constituição) – e, por exemplo, a avaliação de juízes e procuradores.
Quanto aos deputados, o GRECO confessa-se insatisfeito, pois, não considera implementada nenhuma das recomendações que lhes fez. Todavia, reconhece, como se disse, a existência duma “iniciativa promissora” em curso, “na direção do que recomenda o GRECO”, embora subsistam muitas dúvidas sobre o que está a ser tentado pelos deputados. Com efeito, em 2016, o Parlamento constituiu a Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, mas, contra o que seria de esperar e a que alguns dão pouca relevância, os trabalhos estão suspensos desde janeiro, alegadamente pelo facto de o PSD precisar de tempo para se reorganizar em razão da mudança de líder. As alterações na liderança socialdemocrata acabaram por ditar outro problema para este grupo de deputados, que deveria estar a concluir trabalhos por esta altura: o presidente da comissão eventual é Fernando Negrão, que foi, entretanto, eleito líder parlamentar do PSD. Porém, nada deveria ter impedido, até à posse da nova direção do grupo parlamentar, que os trabalhos continuassem.  
E o mais grave é que os socialdemocratas não sabem dizer em que pé está a comissão eventual nem quando serão retomados os trabalhos. A ideia é que Negrão se demita da presidência da comissão para o PSD propor um substituto. Já no atinente à substância, Rui Rio ainda está a decidir o que fará, dado que ainda é possível avançar com projetos antes de a comissão se lançar no debate detalhado de cada uma das 22 iniciativas de todos os partidos que já foram entregues (entre os quais cinco do PSD), sendo que, à margem do congresso do seu partido, Rui Rio mostrou-se pouco recetivo a apertar o controlo aos políticos, considerando o caminho “populista” e “demagógico” e prometendo riscar em absoluto palavras como como demagogia e populismo.
O GRECO considera que há muito a fazer, nomeadamente no regime de incompatibilidades dos titulares de cargos públicos e nas declarações de património que estão obrigados a entregar, referindo mesmo a necessidade de ter um sistema “mais refinado”, nesta matéria. Além disso, ainda mantém a interrogação sobre a capacidade que as mudanças alinhavadas têm de “reforçar mecanismos de supervisão e de introduzir sanções mais adequadas” quando há falhas na declaração de património por parte dos políticos. Também insiste na “genuína igualdade e diversidade” no acesso e contributo para o processo legislativo.
No caso dos juízes, o GRECO declara-se “desapontado” por não terem dado seguimento às recomendações que este grupo do Conselho da Europa considera “cruciais para promover uma maior independência do poder judiciário e dos juízes e aumentar a confiança pública nesta área”. Uma das questões mais preocupantes é o facto de não ter sido revigorado o papel do Conselho Superior de Magistratura “como garante da independência judicial”. Assim, apontou como nulos os avanços numa questão concreta que recomendara a Portugal: que o órgão superior responsável pela gestão e disciplina dos juízes tivesse metade dos seus membros eleitos pelos pares, não pelo Presidente da República e pela Assembleia da República.
Todavia, era preciso, para tanto, proceder a uma revisão da Constituição, nomeadamente o n.º 1 do art.º 218.º – o que não está no horizonte do debate político neste momento.
Ainda que se mostre “agradado” com a revisão do Estatuto dos Magistrados, em andamento (a ser negociado entre Governo e sindicatos), o GRECO mostra alguma impaciência quando ao processo de redação: “Deve avançar” para dar garantias de vontade em responder às recomendações.
Foi no Ministério Público que o relatório do GRECO identificou a única medida “implementada de forma satisfatória”:  disponibilização pública, com maior agilidade, de informações sobre os processos disciplinares do Conselho Superior do Ministério Público. O grupo destaca a decisão do CSMP que veio dar “maior publicidade a casos de falta grave cometida por procuradores”.
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Por fim, sintetiza-se o estado do que foi feito (ou não) acerca de cada uma das recomendações.
No caso dos deputados e do Parlamento,
- Não se respondeu sobre o cumprimento dos prazos dos processos legislativos e maior transparência, com o acesso a todas as partes interessadas (incluindo a sociedade civil) às várias fases do processo.
- Não foi implementado o regime de regras de conduta para deputados, com mecanismos de supervisão reforçados e com princípios claros em pontos como aceitação e ofertas, hospitalidade e recebimento de outros benefícios e vantagens, embora já haja projetos neste sentido entre os que estão parados na comissão eventual constituída no Parlamento. 
- Foi parcialmente implementada a avaliação independente da eficácia do regime de incompatibilidades e do seu impacto na prevenção e deteção da corrupção e uma fiscalização, igualmente independente, das declarações de interesses dos deputados, havendo projetos de lei que introduzem novidades nestas matérias, mas ainda longe da decisão final.
- Foi parcialmente implementado o regime de sanções para violações “menores da obrigação de notificação do património e a publicitação on line dessas mesmas declarações que são entregues pelos deputados, embora esteja a ser trabalhado no âmbito da comissão eventual.
- Está em curso o regime dos controlos frequentes e substantivos das declarações de património dos deputados, com o reforço de recurso para o organismo independente que os fiscaliza.
No caso dos juízes (podem tudo), nenhuma das recomendações foi implementada, pudera! Ei-las:
- Ter o Conselho Superior de Magistratura com metade dos membros juízes eleitos pelos seus pares e informação pública sobre os procedimentos disciplinares internos (a segunda parte é possível mesmo sem revisão constitucional).
- Ter nas autoridades que decidem a segunda instância e nos juízes do Supremo pelo menos metade dos membros eleitos pelos seus pares. Os magistrados argumentam com a revisão do Estatuto dos Magistrados que prevê mudanças na seleção de juízes, mas O GRECO, embora registe esse argumento, nota que os painéis que supervisionam a lista restrita de candidatos ao cargo de juiz do tribunal de recurso e ao juiz do Supremo Tribunal continuam a ter uma maioria de membros que não são juízes.
- Instituir um sistema de avaliações periódicas dos juízes de primeira instância e inspeções aos de segunda instância. 
- Estabelecer um mecanismo de garantia dos critérios objetivos e transparentes de salvaguarda da independência dos juízes quando os casos são redistribuídos. Os juízes alegam que, depois de, em 2016, ter sido alterada a Lei de Organização do Sistema Judicial, todos os casos agora são atribuídos aleatoriamente aos juízes, com algumas exceções e que a transferência de juízes também é excecional, mas o GRECO considera que “a informação apresentada pelas autoridades judiciais não sugere que a contradição [entre a Lei de Organização do Sistema Judicial e o Estatuto dos Magistrados] tenha sido removida e que tenham sido eliminados os riscos que esse quadro legal incongruente representa para a independência dos juízes”. 
- Estabelecer um mecanismo de decisões dos julgamentos em primeira instância de fácil acesso público. Os juízes admitem que “existem dificuldades” neste ponto e o GRECO insiste nesta necessidade, justificando com o seu papel fundamental para garantir a certeza da lei e a uniformidade e previsibilidade da sua aplicação, além de vir a possibilitar uma “maior responsabilização dos juízes”. 
- Criar um código de conduta que inclua previsão de situações de conflito de interesses. Os juízes aduzem que foi introduzido um código de ética dentro do Estatuto dos Magistrados, cuja revisão ainda não foi concluída, mas o GRECO diz que “não está convencido” de que esse código seja “claro e o exigível”, incluindo questões relativas a conflito de interesses. 
Já quanto aos procuradores do Ministério Público:
- Está satisfatoriamente implementada a informação relativa a processos disciplinares no Conselho Superior do Ministério Público.
- Não foi implementada a avaliação periódica de procuradores dos tribunais de primeira instância e inspeção dos de segunda instância. 
- Não foi implementado um Estatuto do Ministério Público adequado ao novo mapa judicial, resultante da “redução drástica” (2014) dos tribunais de primeira instância pelo país, o que criou desequilíbrios na hierarquia, não tendo o GRECO a certeza de que essas “incertezas legais” tenham sido corrigidas e temendo que desprotejam “procuradores subordinados de interferências indevidas ou pressões dos seus superiores”. 
- Não foi criado um código de conduta para procuradores, que seja uma base para promoções, avaliações e ações disciplinares. 
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Há, pois, muito que fazer. Porém, não vejo razão para alterar a composição do CSM, pois não há só por isso motivações políticas para a nomeação de juízes. Aliás, o Tribunal Constitucional, tribunal eminentemente político, não acorda usualmente ao sabor da composição do Parlamento que o elegeu (embora, por questão de princípio, me pareça que o TC devesse ter juízes designados pelo Presidente da República, já que foi eleito diretamente). Ademais, é pena não haver escrutínio externo da justiça.
2018.03.06 – Louro de Carvalho

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