quarta-feira, 21 de março de 2018

Jesus: a Entrada Triunfal na Cidade e a Paixão e Morte na cruz


No Domingo de Ramos na Paixão do Senhor (VI domingo da Quaresma), inicia-se a Semana Santa ou Semana Maior (como lhe chama a Igreja do oriente). E tem estas designações não pela índole em si santa de cada um dos dias nem por ser cronologicamente mais longa que as demais, mas porque nela celebramos os acontecimentos santos e maiores da nossa fé, a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. Nela celebramos a identidade e o essencial da vida cristã. Sendo assim, somos convidados a fazer memória do Mistério Pascal concentrando-nos no essencial.
O título que se atribui à celebração deste VI Domingo da Quaresma de Domingo de Ramos na Paixão do Senhor indica os dois acontecimentos que celebramos neste dia: a entrada triunfal de Jesus de Nazaré; e a Paixão e Morte de Jesus na cruz. A celebração começa com uma procissão, mais ou menos solene, que faz memória da entrada de Jesus em Jerusalém. Com a procissão, que já no século IV se fazia em Jerusalém, comemora-se a entrada de Jesus em Jerusalém, como Messias e Servo, para aí realizar a entrega pascal para a salvação da humanidade. É a entrada triunfal, mas modesta e humilde do Rei e Messias que os profetas anunciaram, que não vem para dominar, mas para servir e dar a vida em resgate pela humanidade.
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A procissão com a bênção dos ramos e leitura de perícopa evangélica
No caso de se proceder à bênção dos ramos antes da procissão, proclama-se uma passagem do Evangelho, no Ano B, como este, de Marcos (Mc 11,1-10) ou de João (Jo 12,12-16).
A narração da entrada de Jesus em Jerusalém reflete um acontecimento real, mas a forma como vem apresentada liga-a a textos do Antigo Testamento e, em especial, à profecia de Zacarias, para quem a aparição de Deus se daria sobre o Monte das Oliveiras. Mas a imagem do Messias que apresenta é fora do comum:
Exulta, filha de Sião, rejubila, filha de Jerusalém! Eis que vem o teu rei. Ele é justo vitorioso, humilde, cavalga um jumento, filho de jumenta. Fará desaparecer os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém, o arco de guerra será quebrado, anunciará a paz às gentes. (Zc 9,9-10).
Não é, pois, de admirar que esta entrada messiânica não perturbasse as autoridades, tendo em conta o modo humilde como se apresenta. Até o animal em que vem montado não lhe pertence: é emprestado. Porém, apesar da atitude pacífica e humilde, Jesus não renuncia à dignidade messiânica. O evangelista anota-o com as exclamações da multidão: “Bendito o reino que vem, o reino do nosso pai David!”. E é este tom de aclamação que faz espevitar na cabeça dos inimigos a ideia-força de ir incutindo nas multidões o intento de as levar a pedir a crucifixão. Esta entrada é triunfo, que é prelúdio de martírio. A comunidade cristã, cantando ao Messias e agitando palmas, professa a fé na Cruz e Morte de Cristo como sendo definitivamente a vitória.
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A Missa com a proclamação da Paixão do Senhor
Outra grande característica deste domingo é a proclamação solene do Evangelho da Paixão segundo São Marcos (Mc 14,1-15,47), fazendo memória da Paixão e Morte de Jesus na cruz. Alguns consideram os evangelhos a narração da Paixão de Cristo com uma larga introdução. Na verdade, a narração dos últimos dias da vida terrena de Cristo e a ressurreição constituíam o primitivo evangelho da Igreja sobre o qual se modelaram depois os 4 evangelhos canónicos.
O Relato da Paixão de Jesus apresenta-se-nos com a sua fraqueza e a sua força.
A fraqueza reside em o relato ter pouco de próprio, pois são vários os elementos que foi buscar às narrativas do Antigo Testamento. Prova disto é a insistência do evangelista Marcos em mostrar que os eventos da Paixão se relacionam com o cumprimento das Escrituras (cf Mc 14,49;15,28), quer pelas citações de passagens do Antigo Testamento quer pelas reminiscências veterotestamentárias. Na verdade, podemos encontrar no relato da Paixão ecos do salmo 22 [21] e da misteriosa personagem que a 1.ª leitura (Is 50,4-7) nos apresenta. De facto, a figura do Servo do Senhor que, apesar do sofrimento e da dor, confia em Deus e cumpre a missão de anunciar a Palavra de Deus, será uma das chaves de leitura da comunidade primitiva para interpretar a vida e missão de Jesus. Recorrendo às passagens veterotestamentárias, os evangelistas demonstram que a Paixão e Morte de Jesus fazem parte do projeto de Deus.
Não obstante, o relato da Paixão apresenta-se com toda a sua força. Com efeito, o mistério pascal é um mistério que nos implica, atravessa e explica. Na Paixão, o homem vê como num espelho o que é capaz de fazer, descobre o seu pecado e os efeitos do seu pecado, vê o doentio gosto da morte que invade o coração. Mas o relato da paixão e morte de Cristo não revela só a verdade do homem. Na cruz de Cristo encontramos a revelação máxima do amor de Deus, amor capaz de acolher o nosso pecado subvertendo-o e levando-nos a sair do círculo de violência em que nos encontramos e a convertermo-nos. Se a cruz revela as nossas violências, também ela é o remédio para a nossa mortal enfermidade, pois “Assim como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna” (Jo 3,14-15). A Cruz é a história do Amor trinitário pelo mundo, é a história das entregas de Deus: entrega que o Filho faz de si mesmo ao Pai; entrega que o Pai faz do Filho à morte por causa de nós e da nossa salvação; e entrega do Espírito por Jesus ao Pai. É este amor que se entrega, se dá – e que é capaz de perdoar, de quebrar o círculo de violência e capaz de reabilitar – que é o remédio que se nos oferece.
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A “Confissão” do Servo Sofrente
O texto de Isaías, assumido como 1.ª leitura (Is 50,4-7), faz parte do 3.º poema do “Servo de Javé”. Após começos esperançosos (v. 42) e após as primeiras dificuldades (v. 49), chegou a hora da perseguição. O Servo confessa a fidelidade ativa à Palavra do Senhor, que escuta para poder confortar os companheiros desalentados. Pela docilidade à ordem divina, o Servo passou a sofrer humilhações e maus tratos das autoridades pagãs ou pactuantes com o dominador pagão. Porém, mantém-se firme na sua tarefa e confia que o Senhor fará justiça. Figura misteriosa, a deste Servo, pois falta-nos a sua referência histórica. A leitura cristã não hesita: ele é a figura antecipada de Jesus, o Servo do Senhor anunciado. De facto, a figura do Servo sofrente é a referência mais direta ao perfil que Jesus mostra na sua Paixão.
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“Hino” a Cristo, Servo de Deus, o verdadeiro Messias
Os crentes da era apostólica cantavam assim a fé no Mistério Pascal do Salvador, na Liturgia batismal ou/e eucarística. Com este hino, que é assumido como 2.ª leitura (Fl 2,6-11), Paulo alerta os cristãos contra o vedetismo, vanglória e rivalidade que punham em perigo a união da Comunidade. Temos o contraste entre a “forma de Deus”, que se refere à divindade de Cristo, e a “forma de servo” que se refere à sua humanidade concreta. A 1.ª parte do Hino descreve o abaixamento de Cristo até ao último grau da condição de “escravo” (a cruz era o suplício dos escravos!) O sujeito gramatical dos verbos é Cristo: Ele é que escolheu deliberadamente o destino do Servo! A 2.ª parte descreve a sua exaltação progressiva, até à proclamação do seu senhorio universal. Aqui, é Deus o sujeito gramatical dos verbos das orações subordinantes: Ele é que exalta o Seu Cristo que se humilhou. Cristo, longe de reivindicar a glória a que tinha direito como Deus, renunciou deliberadamente a ela. Aniquilou-se (literalmente, “esvaziou-se”): não renunciou à Sua Natureza divina (o que não podia fazer), mas não quis usar dos privilégios que essa Natureza valeria à sua Humanidade. Escolheu privar-se deles, para os receber do Pai, como fruto da Sua obediência pascal. Assim, a humildade de Jesus é o melhor apelo aos fiéis para viverem integralmente o Mistério pascal do seu Senhor, até porque toda a língua proclama o nome excelso de Jesus.
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O ato de fé: “Este Homem era Filho de Deus!”
No seu relato da Paixão, Marcos tem a preocupação de afirmar que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, que por amor vem ao nosso encontro, assume os nossos limites e fragilidades, conhece a mordedura da tentação, vê-se esmagado, atraiçoado, abandonado, incompreendido.
Este relato da Paixão por Marcos evidencia alguns aspetos importantes: Jesus continua manso e humilde, consciente da sua missão, aceitando a vontade do Pai a quem se dirige carinhosamente “Abba!”. É a resposta expressa à declaração que o Pai fez após a sua humilhação no Batismo por João: “Tu és o meu Filho muito amado!” (Mc 1,11). Além disso, a sua humanidade aparece expressa no medo da morte e na angústia ante o que está para suceder, incluindo o facto do abandono por todos. Jesus sente-se um homem sozinho. Similares mansidão e humildade expressam-se no silêncio ante as autoridades em relação à messianidade. Entretanto, é ele mesmo quem oferece o motivo da acusação. Quando o sumo-sacerdote Lhe pergunta se Ele era “o Messias, o Filho de Deus bendito” (Mc 14,61b), Jesus respondeu claramente: “Eu sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso e vir sobre as nuvens do céu” (Mc 14,62). A expressão “Eu sou” traduz o nome de Deus YHWH (“eu sou aquele que sou” – Ex 3,14). É a afirmação clara da divindade de Jesus. A referência ao “sentar-se à direita do Todo-poderoso” e ao “vir sobre as nuvens” esclarece essa dignidade divina, pois Ele aparecerá um dia no lugar de Deus, como juiz soberano da humanidade inteira. Por isso, o sumo-sacerdote indignou-se, rasgou as vestes e proclamou Jesus como blasfemo. E o relato culmina com a declaração do centurião que soa a profissão de fé: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!”.
Finalmente, após o início do Evangelho de Jesus Cristo Filho de Deus, surge na boca dum homem a real afirmação acerca da pessoa de Jesus, que só pode ser entendida em toda a sua profundidade à luz da Cruz.
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Aspetos de detalhe
Geralmente, ao lermos ou escutarmos a história da Paixão e Morte, nós olhamos para Jesus e o sofrimento que lhe infligiram. Mas vale a pena olhar também para os discípulos e ver como reagiram perante a cruz e como a cruz teve repercussões nas suas vidas, porque a cruz passou a ser a medida de comparação.
Vejamos alguns aspetos de detalhe: a conspiração contra Jesus; a discípula fiel; a atitude os discípulos ante a cruz; Judas decide a traição, a preparação da ceia pascal; o anúncio da traição; a eucaristia, celebração da ceia pascal; a predição da fuga de todos, o anúncio da negação de Pedro; a atitude dos discípulos no Jardim das Oliveiras; a atitude dos discípulos face à prisão de Jesus; o processo (diversas ideias sobre o Messias); a negação de Pedro; a condenação de Jesus pelo poder romano; diante da cruz de Jesus para e no Calvário; Simão de Cirene leva a cruz; a crucifixão; a morte de Jesus; a sepultura de Jesus.
Os detentores do poder religioso não permitem que um carpinteiro galileu provoque desordens. A morte de Jesus fora decidida por eles. Era, pois, um homem condenado. Cumpre-se o que Ele anunciara aos discípulos: ‘O Filho do Homem vai ser entregue e morto’. A história da Paixão indicará que o discípulo que aceita seguir Jesus – o Messias Servo – e fazer da vida serviço aos irmãos deve carregar a cruz e ir atrás de Jesus. A narrativa da Paixão, ao acentuar a derrota e fracasso dos discípulos, não visa desencorajar-nos, mas realçar que o acolhimento e o amor de Jesus superam o fracasso dos discípulos. (vd 14,1-2).
Quando uma mulher unge Jesus com um perfume bastante caro, os discípulos criticam-na pelo desperdício. Porém, Jesus defende-a: “Porque a importunais? Ela fez uma boa ação para comigo. Ungiu de antemão o meu corpo para a sepultura”. Efetivamente, quem morria na cruz não tinha direito a sepultura nem a embalsamento. E a mulher, ungindo o corpo de Jesus antes da condenação e crucifixão, mostra aceitar Jesus como Messias Servo que morrerá na cruz – gesto que Jesus entende e aprova. Ao invés de Pedro, que tinha rejeitado a ideia do Messias crucificado, esta anónima mulher é a discípula fiel, modelo para os discípulos que não tinham entendido, modelo para todos, no mundo inteiro. (vd 14,3-9).
Jesus sabe que vai ser traído por um amigo. Não obstante, vive em clima de fraternidade a Ceia Pascal com todos os discípulos. Preocupou-se antecipadamente com o arranjo da sala grande no andar superior, pois no tempo de festa era difícil encontrar reservar um lugar. (vd 14,10-16).
Um de vós, que come comigo há de entregar-me”. Este segmento discursivo de Marcos acentua o contraste. Para os judeus, a comunhão da mesa era a expressão máxima da intimidade e da confiança. Ora, é neste ambiente que Jesus nos envia uma mensagem: a traição virá pela mão de alguém muito amigo, mas o amor de Jesus é infinitamente maior que a traição. (vd 14,17-21).
Durante a ceia, Jesus faz um gesto de partilha: distribui o pão e o vinho, sinal do dom de si mesmo, e convida os amigos a tomarem o seu corpo e sangue. O evangelista situa este gesto de doação entre o anúncio da traição e o anúncio da fuga e negação. Assim, acentuando o contraste entre o gesto de Jesus e o dos discípulos, mostra às comunidades de então e a nós a imensa gratuitidade do amor de Jesus que supera a traição e a fuga dos amigos. (vd 14,22-25).
Depois, indo com os amigos para o monte das Oliveiras, anuncia que todos o hão de abandonar, fugirão e se dispersarão. Porém, avisa: “Depois da minha ressurreição, eu vos precederei na Galileia!”. Rompem com Jesus, mas Jesus não rompe com eles. Esperá-los-á no mesmo lugar onde os chamou três anos antes. A certeza da presença de Jesus na vida do discípulo é mais forte que o abandono e a fuga. (vd 14,26-28).
Simão, chamado Cefas (pedra), é tudo menos pedra. Fora já pedra de escândalo e Satanás para Jesus, e agora pretende ser o discípulo mais fiel. Mas Jesus avisa: “Pedro, tu serás o primeiro a negar-me, até antes de o galo cantar!” (vd 14,29-31).
Jesus entra em agonia e pede a Pedro, Tiago e João que rezem com e por ele. Triste, começa a ter medo e procura o apoio daqueles três amigos, que presenciaram a transfiguração, mas que agora adormecem, incapazes de vigiar uma hora com ele, o que sucedeu por três vezes. De novo, o contraste entre a atitude de Jesus e a dos discípulos. É na hora da agonia de Jesus que a coragem dos discípulos se desintegra. (vd 14,32-42).
De noite, chegam os soldados, guiados por Judas. O beijo, sinal de amizade e de amor, torna-se sinal de traição. Judas, sem coragem, mascara a traição. Durante a prisão, Jesus permanece senhor da situação. Procura ler o significado do acontecimento: “É para se cumprirem as Escrituras!”. Todos os discípulos  o abandonaram e fugiram. Jesus está sozinho! (vd 14,43-52).
Jesus é levado ao Sinédrio, o tribunal dos sumos-sacerdotes, anciãos e escribas. Acusado por falsas testemunhas, cala-se. Sem defesa, é entregue nas mãos dos inimigos. Cumpre, assim, tudo o que foi anunciado pelo profeta Isaías a respeito do Messias Servo, que foi feito prisioneiro, julgado e condenado como ovelha sem abrir a boca. Porém, assume o facto de ser o Messias, “Eu sou!”, mas assume-o sob o título de Filho do Homem. No final, é esbofeteado por quem o ridiculariza, chamando-lhe Messias Profeta. (vd 14,53-65).
Reconhecido pela criada como um dos que estavam no Horto, Pedro nega Jesus, chegando a usar de juramento e maldição. Nem desta vez é capaz de assumir Jesus como Messias Servo que dá a vida pelos outros. Porém, ao cantar do galo pela segunda vez, recorda-se da palavra de Jesus e chora. É o arrependimento! (vd 14,66-72).
O processo continua. Jesus é entregue ao poder romano e acusado de ser o Messias Rei. Outros propõem a alternativa de Barrabás, preso com os insurrectos, que numa revolta cometeram um assassínio. Para eles, Jesus um Messias guerreiro antirromano. Depois de o terem condenado, cospem sobre Jesus, que não abre a boca. É o Messias Servo anunciado por Isaías. (vd 15,1-20).
Enquanto Jesus é levado para a crucifixão, Simão de Cirene, pai de família, é obrigado a carregar a cruz. Simboliza o discípulo que caminha na via de Jesus. Carrega a cruz atrás dele até ao Calvário. “Quem quiser atrás de mim, pegue na sua cruz e siga-me” (vd 15,21-22).
Jesus é crucificado como um marginal, entre dois ladrões. De novo, o evangelho de Marcos evoca a figura do Messias Servo, de quem Isaías diz: “Foi contado entre os malfeitores!”. É-lhe imputado o crime: “Rei dos Judeus”. E as autoridades religiosas, ridicularizando-o e insultando-o, diziam: “Desça agora da cruz, para nós vermos e acreditarmos”. Como Pedro aceitariam Jesus como Messias se não estivesse na Cruz. (vd 15,23-32).
Abandonado por todos, Jesus dá um forte grito e expira. O centurião, um pagão, que fazia a guarda, faz uma solene profissão de fé: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!”.
Um pagão descobre e aceita o que os discípulos não descobriram, isto é, reconhecer a presença do Filho de Deus no ser humano torturado, excluído e crucificado. Como a mulher anónima no início da narração, assim, agora aparece outro “discípulo” modelo: o centurião. (vd 15,33-39).
Um grupo de mulheres está a olhar de longe: Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé. Não fogem (as mulheres não fogem). Continuam fiéis. São testemunhas da morte de Jesus. E é este pequeno grupo que acederá ao novo anúncio na manhã da ressurreição, o dia da nova Páscoa. Acompanham José de Arimateia que pediu autorização para sepultar Jesus. No final, continuam perto do sepulcro fechado. São também testemunhas da sepultura de Jesus. (vd 15,40-47).
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Alguns pontos de autointerpelação
O relato da Paixão contém uma mensagem de salvação. Nunca a esgotaremos em profundidade. No entanto, são de relevar alguns itens de reflexão sobre cenas destas passagens evangélicas.
Na Ceia Pascal celebra-se o facto admirável da entrega total de Jesus e o mistério da contínua presença de Cristo no meio do povo pela eucaristia e pelo sacerdócio. A par disto, anuncia-se a deslavada traição por parte de um dos discípulos. Assim, é de nos questionarmos sobre os valores que orientam a nossa vida: o dom de si, como Jesus, ou a ganância que levou Judas a trair Jesus?
Jesus no Getsémani releva a necessidade de rezar sempre para não desfalecermos nas provas da vida. No entanto, a oração é, muitas vezes, um momento de agonia ou luta onde temos de conformar a nossa vontade com a de Deus. Assim, é de nos questionarmos sobre como é a nossa oração: Exigência de que se cumpra a nossa vontade ou uma conformação à vontade de Deus?
Na Prisão de Jesus contrastam a atitude de Jesus e a dos discípulos. Face a esta situação os discípulos usam de violência. Porém, Jesus reafirma a opção pelo perdão e pela não-violência. Assim, é de nos questionarmos sobre como reagimos ante as ameaças: Com perdão ou com violência que gera mais violência?
O processo judeu está dominado pela revelação da identidade messiânica e divina de Jesus. Assim, é de nos questionarmos: Apresentamo-nos como filhos de Deus, como cristãos em atitudes e palavras, mesmo correndo o risco de descriminação?
O processo romano patenteia a incoerência da multidão que, dias antes, aclamava “Hossana ao Filho de David!  Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor!” e que agora grita pela morte de Jesus e a indiferença de Pilatos. Assim, é de nos questionarmos se somos sempre fiéis a Jesus ou se mudamos de opinião segundo o que mais nos interessa, se muitas vezes não somos indiferentes como Pilatos e assim somos cúmplices na morte de tantos nossos irmãos na decorrência do lodaçal da indiferença em que nos sepultamos.
A morte de Jesus pela crucifixão é o cume deste relato. Ante a morte de Jesus, o centurião confessa: “Este era verdadeiramente o filho de Deus”. É, pois justo que nos questionemos se reconhecemos como Deus Jesus crucificado que nos convida para a via da cruz ou se preferimos reconhecer como deuses da nossa vida o egoísmo, o triunfo e a glória a qualquer custo.
Os cristãos, por força do seguimento de Cristo, devem viver e orientar-se pelos valores que marcaram a existência de Jesus. No entanto, muitas vezes nós assemelhamo-nos à comunidade de Filipos, a quem era dirigida a carta da 2.ª leitura (Fl 2,6-11). Na verdade, como os filipenses podemos ser uma comunidade entusiasmada, generosa e comprometida, mas também uma comunidade que não aprecia os valores do desprendimento, humildade e simplicidade. A esta comunidade e a nós Paulo apresenta um antigo hino litúrgico que mostra o aniquilamento de Cristo: ele, que era de condição, divina fez-se homem; e, fazendo-se homem, humilhou-se ainda mais até à morte na cruz. Todos nós, ao contemplarmos Cristo crucificado, estamos chamados a seguir o exemplo de humildade, simplicidade e entrega da vida de Cristo. E podemos ter a certeza que este caminho não levará ao aniquilamento mas à Ressurreição: “Por isso Deus o exaltou e lhe deu um nome que está acima de todos os nomes”.
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Em suma, a melhor síntese da mensagem do Domingo de Ramos na Paixão do Senhor será a fornecida por São Paulo da Cruz, o promotor da memória da Paixão de Jesus Cristo: “A Paixão de Cristo é a maior e mais maravilhosa obra do amor Divino” e “A paixão de Cristo é o remédio mais eficaz contra os males de todos os tempos”.
2018.03.21 – Louro de Carvalho

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