Na homilia da Missa Crismal em Quinta-feira Santa, o Papa Francisco
dirigiu-se expressamente aos “sacerdotes da diocese de Roma e doutras dioceses
do mundo” e quis abordar o tema da proximidade apostólica à luz da arquetípica
proximidade de Deus, considerando o privilégio com que o povo de Israel foi
agraciado em razão de ter o seu Deus tão próximo de si a ponto de o Senhor
atender o clamor do povo sempre que é invocado (cf Nm 4,7).
Depois,
comentando o texto de Isaías, acentuou a presença do Servo de Deus – já ungido com
o óleo da alegria e “enviado a anunciar a boa nova aos pobres” – no meio do
povo, relevando a sua proximidade junto dos pobres, doentes, presos… a ungi-los
com o óleo da alegria, sentindo-se impelido e acompanhado “ao longo do caminho”
pelo Espírito que “está sobre Ele”.
Esse servo é
a figura profética do Messias, Jesus, o Sacerdote eterno, que vem a ser o
protótipo dos ministros do nosso Deus. Com efeito, a profecia explicita:
“Vós sereis chamados ‘Sacerdotes do Senhor’ e nomeados ‘Ministros do
nosso Deus’. [… ] Dar-lhes-ei fielmente a sua recompensa e farei com eles uma
aliança eterna. A sua descendência será célebre entre as nações e a sua
posteridade entre os povos. Todos os que os virem hão de reconhecê-los como
a linhagem abençoada pelo Senhor.” (Is 61,6a.8b-9).
Para lá do
exemplo de proximidade de Deus ao seu povo, o Papa salienta a proximidade de
Deus em relação a uma pessoa, um condutor do Povo. Poderíamos lembrar Abraão,
Isaac e Jacob ou Moisés e Josué. Mas o Salmo 89 [88] – cuja 1.ª parte (vv
1-19) celebra o próprio Deus como
rei do universo e de Israel, em particular, e a 2.ª celebra a aliança de Deus
com a dinastia de David (2Sm7), prometendo que a manteria firme para sempre – mostra-nos como a companhia de Deus que “levou pela
mão o rei David desde a sua juventude e lhe emprestou o seu braço até agora que
é idoso”. Esta proximidade de Deus mantida ao longo do tempo, apesar dos
pecados, toma, segundo o Bispo de Roma, “o nome de fidelidade”, ou seja, “a
proximidade mantida ao longo do tempo chama-se fidelidade”. Obviamente que
estamos a falar da fidelidade de Deus que permanece de geração em geração, ou
seja, é eterna (vd Sl 117
[116],2). É por isso que
temos de cantar eternamente a bondade e as misericórdias do Senhor (Sl 89,2).
Também
Francisco nos adverte de que o Apocalipse nos aproxima do Senhor em pessoa que
vem sempre (o Erchomenos), “até no-Lo fazer ver, havendo aqui
“a alusão ao facto de que “hão de vê-Lo até mesmo os que O trespassaram” (Jo 19,37). Esta alusão “faz-nos sentir que as chagas do Senhor
ressuscitado permanecem visíveis, que Ele vem sempre ao nosso encontro, se
quisermos “fazer-nos próximo” da carne de todos os que sofrem, especialmente as
crianças. É a nossa função imitativa e replicativa da proximidade do Senhor.
Com efeito,
participando da unção de Cristo, os discípulos constituem um povo sacerdotal,
um povo messiânico, portador de todas as esperanças da humanidade. Habitando no
coração dos fiéis como num templo (Lumen Gentium, 9), o Espírito Santo introduz-nos na plenitude da verdade
(Jo 16,13), distribui as graças e os ofícios e realiza a
maravilhosa comunhão dos fiéis (Unitatis Redintegratio, 2.
Assim,
sabemos que “Jesus Cristo, a Testemunha fiel, o Primeiro vencedor da morte e o
Soberano dos reis da terra” é Aquele “que nos ama e nos purificou dos nossos
pecados com o seu sangue, e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus e seu
Pai” (Ap 1,5-6).
***
Porém, o
Santo Padre fixa-se de modo especial na imagem central do Evangelho do dia (Lc 4,16-21), em que se contempla o Senhor com os
olhos dos compatriotas, que estavam “fixos n’Ele” (Lc 4,20). Na sinagoga de Nazaré, Jesus
levantou-Se para ler. Entregaram-Lhe o rolo do profeta Isaías. E leu em voz
alta a passagem do enviado de Deus: “O Espírito do Senhor está sobre Mim, (…)
Me ungiu e enviou...” (Is
61,1). E concluiu pela proclamação
da proximidade de Deus com palavras tão provocadoras: “Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir”.
Obviamente, os compatriotas não gostaram, porque Ele não leu a passagem toda,
pois omitiu a parte que juntamente com a publicação do ano da Graça anunciava a
vingança do nosso Deus e afirmou-se Ele o cumpridor da profecia, o Messias
esperado.
Como diz o
Papa, Jesus encontra a passagem e lê com maior competência que a dos escribas. E
discorre conjeturando:
“Poderia
ter sido um escriba ou um doutor da lei, mas quis ser um ‘evangelizador’, um
pregador de estrada, o ‘Mensageiro de boas novas para o seu povo, o pregador
cujos pés são formosos, como diz Isaías (cf Is 52,7). O pregador faz-se
vizinho.”.
E Francisco
tira a seguinte ilação:
“Esta
é a grande opção de Deus: o Senhor escolheu ser Alguém que está próximo do seu
povo. Trinta anos de vida oculta! Só depois começará a pregar. É a pedagogia da
encarnação, da inculturação; não só nas culturas distantes, mas também na
própria paróquia, na nova cultura dos jovens...”.
A adianta que
a proximidade, mais do que uma virtude particular, é “atitude que envolve a
pessoa inteira, o seu modo de estabelecer laços, de estar contemporaneamente em
si mesma e atenta ao outro”. Com efeito, as pessoas, ao afirmarem, dum
sacerdote, que está perto da gente, salientam duas coisas: “está sempre” (ao invés do que nunca está, de quem
dizem: “está muito ocupado!”); e “fala com todos” – grandes, pequenos, pobres, com os que não creem. São
“padres próximos, que estão, que falam com todos…, padres de estrada”. E, este
respeito, dá o exemplo de Filipe:
“E
um que aprendeu bem, de Jesus, a ser pregador de estrada foi Filipe. Narram os
Atos dos Apóstolos que ia de terra em terra, anunciando a Boa Nova da Palavra,
pregando em todas as cidades e que estas ficavam inundadas de alegria. Filipe
era um daqueles que o Espírito podia ‘arrebatar’ em qualquer momento e fazê-lo
sair para evangelizar, deslocando-se dum lugar para outro, alguém capaz de
batizar pessoas de boa-fé, como o ministro da rainha da Etiópia, e fazê-lo ali
mesmo, na estrada (cf At 8,5-8.26-40).”.
Considerando
que a proximidade “é a chave da misericórdia, pois não seria misericórdia se
não fizesse sempre tudo, como boa samaritana, para eliminar as distâncias”, o
Bispo de Roma, assume que é ela “a chave do evangelizador, porque é uma
atitude-chave no Evangelho” (o Senhor usa-a para descrever o Reino). Temos, por isso, de assumir o facto de que a proximidade é
também a chave da verdade, não só da misericórdia. De facto, “a verdade não é
só a definição que permite nomear situações e coisas mantendo-as à distância
com conceitos e raciocínios lógicos”. A verdade “é também fidelidade” (emeth), que permite “designar as pessoas
pelo próprio nome, como o Senhor as designa, antes de as classificar ou definir
a sua situação”.
E o Papa
alerta para a necessidade de estarmos atentos para não cairmos na tentação de
fazer ídolos com algumas verdades abstratas. E justifica:
“São
ídolos cómodos, ao alcance da mão, que dão um certo prestígio e poder e são difíceis
de reconhecer. Porque a ‘verdade-ídolo’ mimetiza-se, usa as palavras
evangélicas como um vestido, mas não deixa que lhe toquem o coração. E, pior
ainda, afasta as pessoas simples da proximidade sanadora da Palavra e dos
Sacramentos de Jesus.”.
***
Mas há o
exemplo eminente de proximidade que galvaniza a devoção do Papa: Maria, a Mãe
dos sacerdotes, que podemos invocar como “Nossa Senhora da Proximidade”, pois,
“como uma verdadeira mãe, caminha connosco, luta connosco e aproxima-nos incessantemente
do amor de Deus” (EG, 286) e “infunde sem cessar a
proximidade do amor de Deus, de tal modo que ninguém se sinta excluído”. Está
próxima “não só por partir com ‘prontidão’ (Ib, 288)
para servir, que é uma forma de proximidade, mas também pela sua maneira de
dizer as coisas”. Veja-se o caso de Caná: “a tempestividade e o tom com que Ela
diz aos serventes ‘fazei o que Ele vos disser’ (Jo 2,5) farão com que estas palavras se
tornem o modelo materno de toda a linguagem eclesial”. Porem, o Pontífice
avisa:
“Para
as dizer [aquelas palavras] como Ela devemos, além de pedir a graça, saber
estar onde ‘se cozinham’ as coisas importantes, aquelas que contam para cada
coração, cada família, cada cultura. Só com esta proximidade – podemos dizer de
cozinha – será possível discernir qual é o vinho que falta e qual é o de melhor
qualidade que o Senhor quer dar.”.
***
A luz do que
expôs aos padres, o Papa propôs a meditação sobre três âmbitos de proximidade:
o do acompanhamento espiritual, o da Confissão e o da pregação.
A
proximidade no diálogo espiritual deve meditar-se tendo como pano de fundo o encontro do
Senhor com a Samaritana (cf Jo 4,5-41). Ele começa por lhe ensinar a
reconhecer como adorar, em Espírito e verdade; depois, delicadamente, ajuda-a a
nomear o seu pecado sem a ofender; e, por fim, deixa-Se contagiar pelo seu
espírito missionário e vai com ela evangelizar a povoação. Modelo de diálogo
espiritual é este, o de quem “sabe trazer à luz o pecado” do interlocutor “sem
ensombrar a sua oração de adoração nem pôr obstáculos à sua vocação missionária”.
A
proximidade na Confissão é de meditar contemplando a passagem da adúltera (cf Jo 8,3-11), onde se vê como a proximidade é decisiva, pois as verdades de Jesus
sempre aproximam e se dizem face a face a ponto de poder “fixar o outro nos
olhos – como o Senhor, quando Se levanta depois de ter estado de joelhos junto
da adúltera que queriam lapidar e lhe diz “também
Eu não te condeno” (Jo
8,11). E pode-se dizer “doravante
não tornes a pecar”, não em tom pertencente à esfera jurídica da
verdade-definição, mas como frase dita na área da verdade-fiel que permita ao
pecador olhar em frente e não para trás. O tom justo deste “não tornes a pecar”
é o do confessor “que o diz disposto a repeti-lo setenta vezes sete” – pois
acredita que o juiz único do pecado ou do pecador é Deus e só Deus – quando
muito o confessor será juiz das disposições do penitente (Assim nos ensinava Mons. José Moais e
Costa naqueles longínquos anos).
O âmbito
da pregação leva a
pensar nas pessoas que estão afastadas. E a primeira pregação de Pedro no
contexto do Pentecostes (At 2,14-36.38-40)
constitui um bom modelo. Pedro anuncia que a palavra é “para todos os que estão
longe” (At 2,39) e prega de tal modo que o querigma
“os emocionou até ao fundo dos corações” e os fez perguntar: ‘Que havemos de
fazer’?” (At 2,37). E esta é a pergunta que devemos
provocar e a que devemos responder em jeito materno e em dinamismo eclesial. E
Francisco insiste na qualidade da homilia:
“É
a pedra de toque para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor
com o seu povo (EG. 135). Na homilia, vê-se quão próximo temos estado de Deus
na oração e quão próximo estamos do nosso povo na sua vida diária.”.
A boa notícia
concretiza-se com o alimento e ajuda mútuos da proximidade com Deus e da
proximidade com o povo. Assim, se o Pastor se sente longe de Deus, aproxime-se
do povo, que o curará das ideologias que lhe entorpeceram o fervor. Na verdade,
as pessoas simples ensinam a ver Jesus doutro modo: encantam-se com o fascínio
de Jesus, com a autoridade moral do seu bom exemplo, com a utilidade para a
vida dos seus ensinamentos. E, se o Pastor se sente longe das pessoas, deve
aproximar-se do Senhor e da sua Palavra, pois, no Evangelho, Jesus ensina o seu
modo de ver as pessoas e sobretudo “quanto vale a seus olhos cada um daqueles
por quem derramou o seu sangue na cruz”. Na verdade, com a proximidade com Deus,
a Palavra faz-se carne e o Pastor torna-se próximo de toda a carne. Na
proximidade com o povo de Deus, a sua carne dolorosa torna-se palavra no
coração do Pastor, que terá de que falar com Deus, tornando-se um intercessor.
Assim,
segundo o Papa, o sacerdote vizinho caminha no meio do povo com a proximidade e
ternura de bom pastor e, em seu jeito pastoral, ora vai à frente, ora no meio,
ora atrás. E as pessoas veem-no com apreço e sentem por ele aquele algo de
especial que só sentem na presença de Jesus. Por isso, a proximidade não é algo
adicional, mas nela “se decide se queremos tornar Jesus presente na vida da
humanidade” ou se “O deixamos no plano das ideias, encerrado em belas letras,
quando muito encarnado nalgum bom hábito que pouco a pouco se torna rotina”.
Por tudo
isto, o Santo Padre exorta os sacerdotes de todo o mundo a pedirem a Nossa
Senhora da Proximidade a aproximação entre eles próprios e que, na hora de
dizerem ao povo “fazei o que Ele vos
disser”, os unifique no tom, para que, na diversidade de opiniões, se torne
presente a proximidade materna daquela que com o seu ‘sim’ os aproximou de
Jesus para sempre. Com efeito, a sua proximidade, tal como sobressaiu em todos
os passos da vida de Jesus menino, também foi relevante no percurso da via crucis e no topo do Calvário, onde
não só continuou mãe do Mestre como ganhou o estatuto de mãe dos discípulos. E com
este mister se associou à reunião orante dos apóstolos no cenáculo à espera do
Pentecostes.
Na verdade, o
sacerdócio instituído em Quinta-feira Santa, com e em função do banquete eucarístico
de comunhão e sacrifício do Calvário tem Mãe muito pronta, próxima e solícita;
e com Ela deve aprender o exercício da solicitude, da prontidão, da proximidade,
do acolhimento. É a maternidade da Igreja em ação, reflexão, apostolado!
2018.03.30 – Louro de Carvalho
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