O
segmento apelativo enunciado em epígrafe é a exortação final aos jovens
presentes na Praça de São Pedro e a todos aqueles que estavam em ligação com
Roma nesta XXXIII Jornada Mundial da
Juventude (com o tema “Não
tenhas medo, Maria! Encontraste graça junto a Deus” - Lc 1,30) em 25 de março de 2018, Domingo de Ramos na Paixão do Senhor.
Comemora-se a entrada triunfal de Jesus em
Jerusalém. Como refere o Evangelho de Marcos, proclamado depois da Bênção dos Ramos
e antes da procissão aclamatória, “levaram, como previsto, o jumentinho a Jesus, lançaram-lhe por
cima as capas e Jesus montou nele. Muitos estenderam as capas pelo
caminho; outros, ramos de verdura que tinham cortado nos campos. E tanto
os que iam à frente como os que vinham atrás gritavam: Hossana! Bendito seja
o que vem em nome do Senhor! Bendito o Reino do nosso pai David que está a
chegar. Hossana nas alturas! (Mc 11,7-10).
Por isso, na sua homilia, o Papa sublinha que
a Liturgia convida “a intervir e a participar na alegria e na festa do povo que é capaz de aclamar e louvar o seu
Senhor”. Com efeito, como refere o texto homilético de hoje, “Jesus entra na
cidade rodeado pelos seus, rodeado por cânticos e gritos rumorosos”. E o
Pontífice discorre:
“Podemos
imaginar que são a voz do filho perdoado, a do leproso curado ou o balir da
ovelha extraviada que ressoam, intensamente e todos juntos, nesta entrada. É o
cântico do publicano e do impuro; é o grito da pessoa que vivia marginalizada
da cidade. É o grito de homens e mulheres que O seguiram, porque experimentaram
a sua compaixão à vista do sofrimento e miséria deles... É o cântico e a
alegria espontânea de tantos marginalizados que, tocados por Jesus, podem
gritar: ‘Bendito seja o que vem em nome
do Senhor!’ (Mc 11,9).”.
É, pois,
justo e salutar bendizer “Aquele que lhes restituíra a dignidade e a
esperança”, Aquele que é a “alegria de tantos pecadores perdoados que reencontraram
ousadia e esperança”. Por isso, “gritam, rejubilam”: É a alegria.
***
Não obstante,
esta alegria torna-se incómoda para muitos. É a inveja. Como frisa o Pontífice,
“vê-se claramente em toda a narração evangélica que, para alguns, a alegria
suscitada por Jesus é motivo de fastídio e irritação”, nomeadamente para quem
se considera justo e fiel aos preceitos rituais e se sente contestado por não
sair do ritualismo. Aí a alegria dos outros torna-se incómoda, absurda,
escandalosa e insuportável, sobretudo para quem teve de reprimir “a
sensibilidade face à angústia, ao sofrimento e à miséria”. E Francisco retoma
palavras suas da exortação apostólica Evangelii
gaudium, documento programático do seu pontificado:
“Uma
alegria intolerável para quantos perderam a memória e se esqueceram das
inúmeras oportunidades por eles usufruídas. Como é difícil, para quem procura
justificar-se e salvar-se a si mesmo, compreender a alegria e a festa da
misericórdia de Deus! Como é difícil, para quantos confiam apenas nas suas próprias
forças e se sentem superiores aos outros, poder compartilhar esta alegria!”
(EG, 94).
Por isso, os
inimigos de Jesus lançaram a cizânia da contra-aclamação entre as multidões
levando-as a gritar não “Hossana”,
mas “Crucifica-O!”. E este domingo é
de Paixão, porque o Senhor entra em Jerusalém para padecer e morrer. Assim seria
glorificado e mereceria a salvação oferecida pelo Pai a todos os homens. Assim
se compreende que o Papa anote que alegria da entrada triunfal “esmorece dando
lugar a um sabor amargo e doloroso depois que acabámos de ouvir a narração da
Paixão” (Is 50,4-7; Fl
2,6-11; Mc 14,1-15,47). Com
efeito, nesta celebração de Igreja e Juventude, cruzam-se histórias de alegria
e sofrimento, erros e sucessos que fazem parte da nossa vida diária como
discípulos, porque consegue revelar sentimentos e contradições que hoje, com
frequência, aparecem em nós, homens e mulheres deste tempo: “capazes de amar muito”
e “de odiar” – capazes de sacrifício heroico e de saber ‘lavar-se as mãos’ no
momento oportuno; capazes de fidelidade e de grandes abandonos e traições.
Sim, não é
fácil o discípulo manter-se fiel até ao fim, assumir os próprios erros, deixar
de acusar os outros ou escudar-se no lodaçal da indiferença lavando as mãos
como Pilatos ou questionar-se sobre quem o nomeou guarda do irmão.
E é no
contexto da inveja, do incómodo ou da indiferença (que nos faz alinhar com quem dá ou promete
mais) que “nasce o grito
da pessoa a quem não treme a voz para bradar: ‘Crucifica-O!’ (Mc 15,13). E, frisando a índole manipulável desse brado, verifica o Pontífice:
“Não
é um grito espontâneo, mas grito pilotado, construído, que se forma com o
desprezo, a calúnia, a emissão de testemunhos falsos. É o grito que nasce na
passagem dos factos à sua narração, nasce da narração. É a voz de quem manipula
a realidade criando uma versão favorável a si próprio e não tem problemas em
‘tramar’ os outros para ele mesmo se ver livre.”.
Além de
provir de falsa narrativa, diz o Papa, acentuando a trama, soberba e
autossuficiência:
“O
grito de quem não tem escrúpulos em procurar os meios para reforçar a sua
posição e silenciar as vozes dissonantes. É o grito que nasce de ‘maquilhar’ a
realidade, pintando-a de tal maneira que acabe por desfigurar o rosto de Jesus
fazendo-O aparecer como um ‘malfeitor’. É a voz de quem deseja defender a sua
posição, desacreditando especialmente quem não se pode defender. É o grito
produzido pelas ‘intrigas’ da autossuficiência, do orgulho e da soberba, que
proclama sem problemas: crucifica-O,
crucifica-O!”.
***
E, voltando à
apoteose da entrada de Jesus na sua Cidade de Jerusalém e no Templo onde, como
diz Marcos, “tendo examinado tudo em seu redor,
como a hora já ia adiantada, saiu para Betânia com os Doze” (Mc 11,11), constata o Papa
argentino:
“No
fim, silencia-se a festa do povo, destrói-se a esperança, matam-se os sonhos,
suprime-se a alegria; deste modo, no fim, blinda-se o coração, resfria-se a
caridade. É o grito do ‘salva-te a ti mesmo’, que pretende adormecer a
solidariedade, apagar os ideais, tornar insensível o olhar... O grito que
pretende cancelar a compaixão, aquele ‘padecer com’, a compaixão, que é o ponto
fraco’ de Deus.”.
Perante cenários
como este, o discurso papal apresenta como o melhor antídoto a atitude de
“olhar a cruz de Cristo” e a de se deixar “interpelar pelo seu último grito”.
Na verdade, “Cristo morreu, gritando o seu amor por cada um de nós: por jovens
e idosos, santos e pecadores, amor pelos do seu tempo e pelos do nosso tempo”. E
é curioso notar como o Papa sustenta a profundeza e sobrevivência da alegria e
a genuinidade da misericórdia:
“Na
sua cruz, fomos salvos para que ninguém
apague a alegria do Evangelho; para que ninguém, na própria situação em que
se encontra, permaneça longe do olhar
misericordioso do Pai. Olhar a cruz significa deixar-nos interpelar nas
nossas prioridades, escolhas e ações. Significa deixar-nos interrogar sobre a
nossa sensibilidade face a quem está a passar ou a viver momentos de
dificuldade.”.
Face ao
mistério da alegria e misericórdia cravadas na cruz, é de perguntar o que vê o
coração de cada um, ou seja, se “Jesus continua a ser motivo de alegria e
louvor no nosso coração” ou se nos envergonhamos “das suas prioridades para com
os pecadores, os últimos, os abandonados”.
***
Depois,
articulando o espírito da celebração litúrgica de hoje com a da XXXIII Jornada Mundial da Juventude, tendo como pano de fundo
a reunião pré-sinodal terminada a 14 de março, cujas conclusões forma hoje
entregues, e no horizonte do próximo Sínodo sobre “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, Francisco volta-se
para os jovens ali presentes:
“E,
no vosso caso, queridos jovens, a alegria que Jesus suscita em vós é, para
alguns, motivo de fastídio e também irritação, porque um jovem alegre é difícil
de manipular. Um jovem alegre é difícil de manipular.”.
E recordou o
possível terceiro grito de hoje, o das pedras. Com efeito, alguns fariseus, do
meio da multidão, pediram a Jesus que repreendesse os discípulos. E ele
replicou:
“Digo-vos
que, se eles se calarem, gritarão as pedras” (Lc 19,39-40).
E o Pontífice
reconhece que “silenciar os jovens é uma tentação que sempre existiu” e que “há
muitas maneiras de tornar os jovens silenciosos e invisíveis” ou “muitas
maneiras de os anestesiar e adormecer para que não façam barulho, para que não
se interroguem nem ponham em discussão”. E insiste:
“‘Vós…
calai-vos!’ Há muitas maneiras de os fazer estar tranquilos, para que não se
envolvam, e os seus sonhos percam altura tornando-se fantastiquices rasteiras,
mesquinhas, tristes.”.
Nós bem
sabemos quantas iniciativas, festas e espetáculos se organizam para distrair os
jovens e os desviar do trabalho, do acesso ao conhecimento, da reflexão
temática e da consequente intervenção na vida social e política, ficando margem
de manobra para a serventia aos grandes interesses, sem contestação anímica e sustentável.
Por isso, o
Papa entende que, neste Domingo de Ramos, em que celebramos o Dia Mundial da Juventude, nos faz bem “ouvir
a resposta de Jesus aos fariseus de ontem e de todos os tempos (também os de hoje): ‘Se eles se calarem, gritarão as
pedras’.” (Lc 19,40).
E em tom
interpelativo, desafia:
“Queridos
jovens, cabe a vós a decisão de gritar, cabe a vós decidir-vos pelo Hossana do domingo para não cair no ‘crucifica-O’ de sexta-feira... E cabe a
vós não ficar calados. Se os outros calam, se nós, idosos e responsáveis
(tantas vezes corruptos), silenciamos, se o mundo se cala e perde a alegria,
pergunto-vos: vós gritareis?”.
E, por fim, o
apelo claro:
“Por favor, decidi-vos antes que gritem as
pedras...”.
2018.03.25 – Louro de Carvalho
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