O Governo vai promover a revogação de 2.270 diplomas publicados entre 1975
e 1980. Para tanto, o Conselho de Ministros aprovou, no passado dia 15 de março,
um decreto-lei e uma proposta de lei. Isto, porque matéria que seja reserva da Assembleia
da República tem de ser aprovada por esta por decreto para assumir pela promulgação
a forma de lei, ao menos de lei de autorização legislativa para o Governo poder
legislar em matéria de reserva relativa; e matéria da competência exclusiva do
Governo ou de competência comum deverá ser aprovada sobre a forma de decreto-lei
ou de lei conforme o autor do ato venha a ser o Governo ou a Assembleia da
República.
Trata-se de diplomas antigos, ultrapassados e obsoletos. Esses diplomas estarão associados à etiqueta “revogado” no Diário da
República Eletrónico.
Esta medida está em linha com a iniciativa “Revoga+”, enquadrada no programa “Simplex +”. E o objetivo é introduzir “clareza, segurança e
certeza jurídica”, refere o Secretário
de Estado da Presidência do Conselho de Ministros o Tiago
Antunes.
De
acordo com o predito Secretário de Estado, a melhoria da qualidade legislativa
passa “por uma limpeza do ordenamento jurídico” de diplomas que faziam sentido
quando aprovados, mas que, entretanto,
perderam utilidade, embora nunca tenham sido “expressamente
revogados”. E deve dizer-se que houve casos (embora poucos) em que administradores públicos,
não reconhecendo a revogação, quiseram punir subordinados seus.
A
legislação em causa corresponde a 5.200 páginas de Diário da
República, que equivalem a 27 quilos, disse o governante. E o
exercício continuará no futuro, com a análise de diplomas referentes a outros
períodos temporais.
Para exprimir esta mudança,
o Governo pediu ao artista plástico Bordalo II que produzisse uma peça, apresentada
no briefing do Conselho de Ministros do dia referido supra, feita com Diários
de República antigos, que também quer espelhar a evolução para a versão
digital.
***
O cenário do ‘briefing’ do Conselho de Ministros do dia 15 foi
diferente do que se vê usualmente por detrás dos membros do executivo que
anunciam aos jornalistas as decisões tomadas pelo Governo: uma obra do artista
plástico Bordallo II que criou uma composição abstrata resultante da fusão das
palavras “Futuro e Passado” e para a qual usou desde antigos exemplares do
Diário da República a peças tecnológicas como computadores, teclados ou
monitores.
O “Revoga +” aprovado em
Conselho de Ministros, medida que tinha sido noticiada pela agência Lusa a 30 de janeiro – insere-se, como
se disse, no programa “Simplex +” e visa, como explicou aos jornalistas o Secretário
de Estado da Presidência do Conselho de Ministros a “limpeza do ordenamento jurídico
e a despoluição normativa”.
É de recordar que as autoridades europeias estão a realizar
dois estudos para avaliarem o impacto do Simplex na Administração Pública e na
Economia. E, se o resultado for positivo, Bruxelas poderá vir a aplicar este
programa nos outros países da UE.
Para revogar os 2.270 diplomas que estão ultrapassados pelo
tempo e já não fazem sentido, dos anos 1975 a 1980, o decreto-lei aprovado pelo
Conselho de Ministros declara a não vigência de 1.449 diplomas, cuja limpeza
pode ser efetuada diretamente pelo Governo. Porém, para o caso dos 821 diplomas
cuja limpeza é da responsabilidade da Assembleia da República, o Conselho de
Ministros submeteu-lhe uma proposta de lei na qual proclama a não vigência dos
referidos diplomas.
Tiago Antunes deu ainda conta da “vantagem adicional” que se
prende com o facto de, no Diário da República Eletrónico, estes decretos
passarem “a ter uma etiqueta que diz revogado”, deixando assim de haver dúvidas
para quem consulta a legislação.
E como a melhor forma de
explicar esta limpeza é permitir visualiza-la, o Secretário de Estado detalhou
que estes diplomas revogados correspondem 5200 páginas do Diário da República,
que se fossem alinhadas atingiriam uma distância de mais de um quilómetro e que
pesariam, quando impressas, 27 quilogramas.
O Governo comprometeu-se a
prosseguir com esta limpeza do ordenamento jurídico, anunciado iniciativas
semelhantes para diplomas posteriores ao do período que agora esteve em causa.
O levantamento dos
decretos-leis a eliminar tem vindo a ser feito, de acordo com o Governo, “ao
longo de vários meses, por uma equipa especializada e exclusivamente dedicada a
tal tarefa, no âmbito do Centro de Competências Jurídicas do Estado”.
Diga-se, em abono da verdade, que já os governos de José Sócrates
tinham dado conta do problema e já esse antigo chefe de Governo anunciou essa
tarefa, que não teve seguimento mercê da mudança de bússola e do ambiente troikano.
***
Também então se pretendia a limpeza e despoluição em prol da clareza,
segurança e certeza jurídica. Assim, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 77/2010, de 11 de
outubro (que aprovava o
regimento do Conselho de Ministros), cujo anexo II procede à
concretização de diversas medidas do programa de simplificação legislativa
SIMPLEGIS. O preâmbulo desta Resolução identificava os objetivos do
programa SIMPLEGIS, que faz parte do SIMPLEX: simplificar a legislação,
com menos leis; garantir às pessoas e empresas mais acesso à legislação; e melhorar
a aplicação das leis, para que possam atingir mais eficazmente os objetivos que
levaram à sua aprovação.
Para simplificar a legislação, com menos leis, previa-se, a
título de exemplo: a revogação, em 2010, de mais decretos-leis e decretos
regulamentares que os aprovados, garantindo que o Governo legisle
criteriosamente e só quando necessário; a revogação expressa, em 2010, de pelo
menos 300 leis, decretos-leis e decretos regulamentares que não são aplicados,
mas permanecem formalmente em vigor; a emissão de menos declarações de retificação
de diplomas, em resultado da redução do número de erros cometidos na sua
publicação, para que possa haver confiança no texto publicado no Diário da
República: e a adoção da política de ‘atraso ZERO’ na transposição de diretivas
da União Europeia (UE) até ao final do 1.º semestre de 2011.
Para garantir mais acesso à legislação para as pessoas e
empresas, o SIMPLEGIS previa, designadamente: a disponibilização de resumos em
linguagem clara e acessível do texto dos diplomas, em português e inglês, a
partir do 2.º semestre de 2011; a disponibilização de versões consolidadas dos
diplomas que permitam dar a conhecer a versão em vigor em cada momento; a
substituição da publicação de determinados atos no Diário da República por
outras formas de divulgação pública que tornem a consulta mais fácil e
acessível; e o lançamento de novo portal de informação legislativa, no 2.º
semestre de 2011, que torne o acesso às leis mais rápido, fácil e com menos
custos.
E, para
melhorar a aplicação das leis e garantir que estas possam cumprir os seus
objetivos, o SIMPLEGIS previa, entre outras medidas: a elaboração de ‘Manuais
de instruções’ de decretos-leis e decretos regulamentares, para ajudar os seus
destinatários a aplicá-los e beneficiar das suas novidades; e novos modelos de
avaliação legislativa prévia e sucessiva, para ter leis melhor avaliadas.
***
Já em 30 de janeiro de 2018, o site
da Ordem dos Advogados referia a intenção do Governo de promover, através de dois diplomas, a revogação de cerca de 2300
diplomas, aprovados entre 1975 e 1980, que estão obsoletos.
O Governo
divulgou então o balanço da sua produção legislativa em 2017. Foram mais
diplomas do que em 2016, mas menos do que no segundo ano de governos anteriores.
Na cerimónia
pública de balanço da atividade legislativa em 2017, na qual esteve também
presente a ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria
Manuel Leitão Marques e o Secretário
de Estado da Presidência do Conselho de Ministros o Tiago
Antunes, foi anunciada a referida operação de limpeza legislativa, só agora levada
a cabo.
Foi então
dito que o levantamento da legislação obsoleta tem sido feito por uma equipa de
juristas da PCM, agora integrados no Centro de Competências Jurídicas do
Governo, o Jurisapp. Há um ano estavam já detetadas cerca de 1500 leis
referentes ao período entre 1975 e 1978.
O abate de
leis caídas em desuso faz parte do programa “melhoria da qualidade legislativa”,
como explicou então ao Público Tiago
Antunes. Este programa concretiza-se também através da orientação de “legislar
menos”, uma preocupação que foi introduzida em Portugal pelo atual Governo,
seguindo as práticas da UE.
Naquela
cerimónia de balanço foi ainda divulgado o número de diplomas aprovados pelo Conselho
de Ministros em 2017. O Secretário de Estado, sem adiantar pormenores, mas
advertiu que “é normal que a produção legislativa cresça” no segundo ano de
governação.
Em 2016,
primeiro ano do mandato de António Costa, foi batido o recorde do mínimo de
produção legislativa dum governo. Foram aprovados apenas 98 decretos e 9
propostas de lei. A diferença entre decretos e propostas de lei é que os
primeiros são imediatamente remetidos ao Presidente para promulgação e publicados
em Diário da República, logo a seguir, ao passo que os segundos são enviados à
Assembleia da República para aí serem aprovados como leis.
Há um
terceiro tipo de diplomas, as leis da Assembleia da República que têm origem em
projetos de lei apresentados pelos partidos, mas que não entram nesta
contabilidade.
Em 2017, a
produção legislativa com origem no Governo (juntando decretos e propostas de lei) foi seguramente superior à de 2016. Mas Tiago Antunes
garantiu que ainda assim foi inferior à produção no segundo ano de mandato dos
anteriores governos.
O ano de
2017 foi dominado pela necessidade de legislação excecional devido aos
incêndios, bem como pela recuperação na transposição de diretivas europeias,
que estava muito atrasada.
Outra
dimensão do programa governativo destinado a fomentar a melhoria da legislação
produzida pelo Governo é o princípio de “legislar completo”. Na predita
cerimónia foram revelados dados sobre o que foi feito para cumprir a regra de
os decretos serem aprovados em conjunto com a sua regulamentação, de modo que
esta possa ser publicada logo de seguida.
Também foram
divulgados dados sobre o pilar “legislar com rigor”, que passa pela “elaboração
da avaliação prévia do impacto da legislação sobre os encargos que dela advêm
para as empresas”, como referiu Tiago Antunes, explicando que essa avaliação é
feita pela unidade específica “Custa Quanto”, que funciona no Jurisapp.
Por fim, foram
anunciados dados sobre o Diário da República Electrónico (DRE), a funcionar há
um ano, com acesso gratuito e universal. Aqui, o Secretário de Estado frisou que
estão já consolidadas cerca de mil leis no portal do DRE, ou seja, “estão
consultáveis em versões consolidadas e atualizadas com todas as respetivas atualizações
inseridas”.
***
Sem dúvida,
legislar menos, legislar completo e legislar com rigor contribuem para a
clareza, segurança e certeza jurídicas. Mas também seria bom corresponder ao
que preconizava Sócrates: legislar claro.
E, se há esforço
legislativo por simplificar e clarificar, esforço análogo deveria ser feito no
texto das decisões judiciais. É um suplício ler ou ouvir uma sentença ou um
acórdão. É certo que a decisão judicial tem de ser fundamentada em matéria de facto
e em matéria de direito, tendo obviamente que responder a cada um dos
argumentos das partes. Porém, será de exigir aos magistrados judiciais espírito
de síntese, clareza e abstenção de comentários laterais desnecessários e que,
por vezes, só servem para deslustrar o sentido da decisão pelo disparate ou
pelo excesso e descabimento de moralismos.
Alguma sintonia,
apesar da separação dos poderes, concorreria para a coesão política e para segurança
jurídica.
2018.03.20 –
Louro de Carvalho
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