terça-feira, 20 de março de 2018

Clareza, segurança e certeza jurídica


O Governo vai promover a revogação de 2.270 diplomas publicados entre 1975 e 1980. Para tanto, o Conselho de Ministros aprovou, no passado dia 15 de março, um decreto-lei e uma proposta de lei. Isto, porque matéria que seja reserva da Assembleia da República tem de ser aprovada por esta por decreto para assumir pela promulgação a forma de lei, ao menos de lei de autorização legislativa para o Governo poder legislar em matéria de reserva relativa; e matéria da competência exclusiva do Governo ou de competência comum deverá ser aprovada sobre a forma de decreto-lei ou de lei conforme o autor do ato venha a ser o Governo ou a Assembleia da República.
Trata-se de diplomas antigos, ultrapassados e obsoletos. Esses diplomas estarão associados à etiqueta “revogado” no Diário da República Eletrónico.
Esta medida está em linha com a iniciativa “Revoga+”, enquadrada no programa “Simplex +”. E o objetivo é introduzir “clareza, segurança e certeza jurídica”, refere o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros o Tiago Antunes.
De acordo com o predito Secretário de Estado, a melhoria da qualidade legislativa passa “por uma limpeza do ordenamento jurídico” de diplomas que faziam sentido quando aprovados, mas que, entretanto, perderam utilidade, embora nunca tenham sido “expressamente revogados”. E deve dizer-se que houve casos (embora poucos) em que administradores públicos, não reconhecendo a revogação, quiseram punir subordinados seus.
A legislação em causa corresponde a 5.200 páginas de Diário da República, que equivalem a 27 quilos, disse o governante. E o exercício continuará no futuro, com a análise de diplomas referentes a outros períodos temporais.
Para exprimir esta mudança, o Governo pediu ao artista plástico Bordalo II que produzisse uma peça, apresentada no briefing do Conselho de Ministros do dia referido supra, feita com Diários de República antigos, que também quer espelhar a evolução para a versão digital.
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O cenário do ‘briefing’ do Conselho de Ministros do dia 15 foi diferente do que se vê usualmente por detrás dos membros do executivo que anunciam aos jornalistas as decisões tomadas pelo Governo: uma obra do artista plástico Bordallo II que criou uma composição abstrata resultante da fusão das palavras “Futuro e Passado” e para a qual usou desde antigos exemplares do Diário da República a peças tecnológicas como computadores, teclados ou monitores.
O “Revoga +” aprovado em Conselho de Ministros, medida que tinha sido noticiada pela agência Lusa a 30 de janeiro – insere-se, como se disse, no programa “Simplex +” e visa, como explicou aos jornalistas o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros a “limpeza do ordenamento jurídico e a despoluição normativa”.
É de recordar que as autoridades europeias estão a realizar dois estudos para avaliarem o impacto do Simplex na Administração Pública e na Economia. E, se o resultado for positivo, Bruxelas poderá vir a aplicar este programa nos outros países da UE.
Para revogar os 2.270 diplomas que estão ultrapassados pelo tempo e já não fazem sentido, dos anos 1975 a 1980, o decreto-lei aprovado pelo Conselho de Ministros declara a não vigência de 1.449 diplomas, cuja limpeza pode ser efetuada diretamente pelo Governo. Porém, para o caso dos 821 diplomas cuja limpeza é da responsabilidade da Assembleia da República, o Conselho de Ministros submeteu-lhe uma proposta de lei na qual proclama a não vigência dos referidos diplomas.
Tiago Antunes deu ainda conta da “vantagem adicional” que se prende com o facto de, no Diário da República Eletrónico, estes decretos passarem “a ter uma etiqueta que diz revogado”, deixando assim de haver dúvidas para quem consulta a legislação.
E como a melhor forma de explicar esta limpeza é permitir visualiza-la, o Secretário de Estado detalhou que estes diplomas revogados correspondem 5200 páginas do Diário da República, que se fossem alinhadas atingiriam uma distância de mais de um quilómetro e que pesariam, quando impressas, 27 quilogramas.
O Governo comprometeu-se a prosseguir com esta limpeza do ordenamento jurídico, anunciado iniciativas semelhantes para diplomas posteriores ao do período que agora esteve em causa.
O levantamento dos decretos-leis a eliminar tem vindo a ser feito, de acordo com o Governo, “ao longo de vários meses, por uma equipa especializada e exclusivamente dedicada a tal tarefa, no âmbito do Centro de Competências Jurídicas do Estado”.
Diga-se, em abono da verdade, que já os governos de José Sócrates tinham dado conta do problema e já esse antigo chefe de Governo anunciou essa tarefa, que não teve seguimento mercê da mudança de bússola e do ambiente troikano.  
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Também então se pretendia a limpeza e despoluição em prol da clareza, segurança e certeza jurídica. Assim, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 77/2010, de 11 de outubro (que aprovava o regimento do Conselho de Ministros), cujo anexo II procede à concretização de diversas medidas do programa de simplificação legislativa SIMPLEGIS. O preâmbulo desta Resolução identificava os objetivos do programa SIMPLEGIS, que faz parte do SIMPLEX: simplificar a legislação, com menos leis; garantir às pessoas e empresas mais acesso à legislação; e melhorar a aplicação das leis, para que possam atingir mais eficazmente os objetivos que levaram à sua aprovação.
Para simplificar a legislação, com menos leis, previa-se, a título de exemplo: a revogação, em 2010, de mais decretos-leis e decretos regulamentares que os aprovados, garantindo que o Governo legisle criteriosamente e só quando necessário; a revogação expressa, em 2010, de pelo menos 300 leis, decretos-leis e decretos regulamentares que não são aplicados, mas permanecem formalmente em vigor; a emissão de menos declarações de retificação de diplomas, em resultado da redução do número de erros cometidos na sua publicação, para que possa haver confiança no texto publicado no Diário da República: e a adoção da política de ‘atraso ZERO’ na transposição de diretivas da União Europeia (UE) até ao final do 1.º semestre de 2011.
Para garantir mais acesso à legislação para as pessoas e empresas, o SIMPLEGIS previa, designadamente: a disponibilização de resumos em linguagem clara e acessível do texto dos diplomas, em português e inglês, a partir do 2.º semestre de 2011; a disponibilização de versões consolidadas dos diplomas que permitam dar a conhecer a versão em vigor em cada momento; a substituição da publicação de determinados atos no Diário da República por outras formas de divulgação pública que tornem a consulta mais fácil e acessível; e o lançamento de novo portal de informação legislativa, no 2.º semestre de 2011, que torne o acesso às leis mais rápido, fácil e com menos custos.
E, para melhorar a aplicação das leis e garantir que estas possam cumprir os seus objetivos, o SIMPLEGIS previa, entre outras medidas: a elaboração de ‘Manuais de instruções’ de decretos-leis e decretos regulamentares, para ajudar os seus destinatários a aplicá-los e beneficiar das suas novidades; e novos modelos de avaliação legislativa prévia e sucessiva, para ter leis melhor avaliadas.
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Já em 30 de janeiro de 2018, o site da Ordem dos Advogados referia a intenção do Governo de promover, através de dois diplomas, a revogação de cerca de 2300 diplomas, aprovados entre 1975 e 1980, que estão obsoletos.
O Governo divulgou então o balanço da sua produção legislativa em 2017. Foram mais diplomas do que em 2016, mas menos do que no segundo ano de governos anteriores. 
Na cerimónia pública de balanço da atividade legislativa em 2017, na qual esteve também presente a ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques e o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros o Tiago Antunes, foi anunciada a referida operação de limpeza legislativa, só agora levada a cabo.
Foi então dito que o levantamento da legislação obsoleta tem sido feito por uma equipa de juristas da PCM, agora integrados no Centro de Competências Jurídicas do Governo, o Jurisapp. Há um ano estavam já detetadas cerca de 1500 leis referentes ao período entre 1975 e 1978.
O abate de leis caídas em desuso faz parte do programa “melhoria da qualidade legislativa”, como explicou então ao Público Tiago Antunes. Este programa concretiza-se também através da orientação de “legislar menos”, uma preocupação que foi introduzida em Portugal pelo atual Governo, seguindo as práticas da UE. 
Naquela cerimónia de balanço foi ainda divulgado o número de diplomas aprovados pelo Conselho de Ministros em 2017. O Secretário de Estado, sem adiantar pormenores, mas advertiu que “é normal que a produção legislativa cresça” no segundo ano de governação. 
Em 2016, primeiro ano do mandato de António Costa, foi batido o recorde do mínimo de produção legislativa dum governo. Foram aprovados apenas 98 decretos e 9 propostas de lei. A diferença entre decretos e propostas de lei é que os primeiros são imediatamente remetidos ao Presidente para promulgação e publicados em Diário da República, logo a seguir, ao passo que os segundos são enviados à Assembleia da República para aí serem aprovados como leis. 
Há um terceiro tipo de diplomas, as leis da Assembleia da República que têm origem em projetos de lei apresentados pelos partidos, mas que não entram nesta contabilidade. 
Em 2017, a produção legislativa com origem no Governo (juntando decretos e propostas de lei) foi seguramente superior à de 2016. Mas Tiago Antunes garantiu que ainda assim foi inferior à produção no segundo ano de mandato dos anteriores governos. 
O ano de 2017 foi dominado pela necessidade de legislação excecional devido aos incêndios, bem como pela recuperação na transposição de diretivas europeias, que estava muito atrasada. 
Outra dimensão do programa governativo destinado a fomentar a melhoria da legislação produzida pelo Governo é o princípio de “legislar completo”. Na predita cerimónia foram revelados dados sobre o que foi feito para cumprir a regra de os decretos serem aprovados em conjunto com a sua regulamentação, de modo que esta possa ser publicada logo de seguida. 
Também foram divulgados dados sobre o pilar “legislar com rigor”, que passa pela “elaboração da avaliação prévia do impacto da legislação sobre os encargos que dela advêm para as empresas”, como referiu Tiago Antunes, explicando que essa avaliação é feita pela unidade específica “Custa Quanto”, que funciona no Jurisapp. 
Por fim, foram anunciados dados sobre o Diário da República Electrónico (DRE), a funcionar há um ano, com acesso gratuito e universal. Aqui, o Secretário de Estado frisou que estão já consolidadas cerca de mil leis no portal do DRE, ou seja, “estão consultáveis em versões consolidadas e atualizadas com todas as respetivas atualizações inseridas”. 
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Sem dúvida, legislar menos, legislar completo e legislar com rigor contribuem para a clareza, segurança e certeza jurídicas. Mas também seria bom corresponder ao que preconizava Sócrates: legislar claro.
E, se há esforço legislativo por simplificar e clarificar, esforço análogo deveria ser feito no texto das decisões judiciais. É um suplício ler ou ouvir uma sentença ou um acórdão. É certo que a decisão judicial tem de ser fundamentada em matéria de facto e em matéria de direito, tendo obviamente que responder a cada um dos argumentos das partes. Porém, será de exigir aos magistrados judiciais espírito de síntese, clareza e abstenção de comentários laterais desnecessários e que, por vezes, só servem para deslustrar o sentido da decisão pelo disparate ou pelo excesso e descabimento de moralismos.
Alguma sintonia, apesar da separação dos poderes, concorreria para a coesão política e para segurança jurídica.   
2018.03.20 – Louro de Carvalho

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