quarta-feira, 7 de março de 2018

Muito estranho Fátima não relevar a canonização de Paulo VI


Já estranhei o silêncio da página Web do Santuário de Fátima sobre a notícia adiantada pelo próprio Papa Francisco no encontro com o Clero da diocese de Roma, apesar de a comunicação social portuguesa ter relevado aquela novidade no próprio dia.
Porém, hoje a agência Ecclesia e a Rádio Renascença, como outros órgãos de comunicação social relevam o facto: “Papa aprova novos santos, entre eles ​Paulo VI e Óscar Romero”.
O reconhecimento de milagres anunciado hoje pela Sala de Imprensa da Santa Sé era a etapa que faltava para a canonização do Papa que encerrou o Concílio Vaticano II e do arcebispo de San Salvador, assassinado em 1980, enquanto celebrava missa.
O Papa Francisco já tinha anunciado que Paulo VI seria santo ainda este ano, mas a aprovação de um milagre atribuído à sua intercessão foi formalmente anunciada hoje pela Congregação para as Causas dos Santos.
O Pontífice que foi beatificado por Francisco a 19 de outubro de 2014, liderou a Igreja Católica entre 1963 e 1978, período em que encerrou o Concílio Vaticano II e foi o primeiro Papa a visitar Fátima, em 1967, como foi o primeiro a oferecer ao Santuário a Rosa de Ouro.
De facto, a primeira Rosa de Ouro oferecida ao Santuário de Fátima foi concedida pelo Papa Paulo VI, em 21 de novembro de 1964, na clausura da III sessão do Concílio Vaticano II, tendo sido benzida pelo Sumo Pontífice em 28 de março de 1965. A entrega ao Santuário foi feita a 13 de maio de 1965 pelo cardeal Fernando Cento, legado do Papa.
Na cerimónia de bênção, Paulo VI recordou a simbologia das Rosas de Ouro, que, no seu “significado místico, representam a alegria da dupla Jerusalém – Igreja Triunfante e Igreja Militante – e a belíssima Flor de Jericó – a Virgem Imaculada – que é também ‘a vossa Padroeira’ (sic) e é a alegria e a coroa de todos os Santos”. Frisou que a Rosa de Ouro “é o testemunho do Nosso paternal afeto que mantemos pela nobre Nação Portuguesa; é penhor da Nossa devoção que temos ao insigne Santuário, onde foi levantado à Mãe de Deus um Seu altar”. E acrescentou que a rosa é o símbolo da penitência, recordando a mensagem de Nossa Senhora aos Pastorinhos, nas Aparições de maio a outubro de 1917:
Vindo a Virgem a Fátima para recordar ao mundo a mensagem evangélica da penitência e da oração, então por ele tão esquecida, deveis ser vós, amados filhos, a dar o exemplo no cumprimento desta mensagem”.
O dia em que esteve em Fátima foi o 13 de maio de 1967, por ocasião das celebrações cinquentenárias. Quis vir pessoalmente a Fátima como peregrino, apesar da tensão diplomática por causa da viagem papal ao Congresso Eucarístico a Bombaim, em 1964, já depois de a Índia ter anexado Goa, Damão e Diu.
A viagem foi anunciada na audiência geral de 3 de maio de 1967 e apresentada como uma “peregrinação para honrar Maria Santíssima e invocar a sua intercessão em favor da paz da Igreja e do mundo”. A peregrinação “rapidíssima” tinha um caráter “totalmente privado”, como explicou o Papa italiano aos fiéis reunidos no Vaticano.
Paulo VI decidiu que o avião que o transportava desde Roma não aterraria em Lisboa, mas em Monte Real, e ficou alojado na então Diocese de Leiria (hoje Leiria-Fátima).
Além da homilia na Missa do 13 de maio, Paulo VI teve outras seis intervenções. No Santuário da Cova da Iria, recordou que foram as crianças e os pobres os primeiros destinatários da mensagem de Fátima e, na sua homilia, deixou uma referência aos regimes ateus, “países em que a liberdade religiosa está praticamente suprimida e onde se promove a negação de Deus, como se esta representasse a verdade dos tempos novos e a libertação dos povos”.
Trazendo à Cova da Iria a sua preocupação com um mundo em perigo por causa da corrida às armas e da fome. E disse:
Por este motivo, viemos nós aos pés da Rainha da paz a pedir-lhe a paz, dom que só Deus pode dar”.
Já na despedida, Paulo VI explicava que se apresentou em Portugal como peregrino “para rezar humilde e fervorosamente pela paz da Igreja e pela paz do mundo”. E implorou:
Maria Santíssima que, nesta terra abençoada, desde há cinquenta anos, se tem mostrado tão generosa para com todos aqueles que a Ela recorrem com devoção, digne-se ouvir a Nossa ardente prece, concedendo à Igreja aquela renovação espiritual que o Concílio Ecuménico Vaticano II teve em vista empreender e à humanidade, aquela paz de que ela hoje se mostra tão desejosa e necessitada”.
A biografia divulgada pelo Vaticano aquando da beatificação referia que Paulo VI “sofreu muito por causa das crises que afetaram repetidamente o corpo da Igreja”, durante a sua vida, respondendo com “uma corajosa transmissão da fé, garantindo a solidez doutrinal num período de mudanças ideológicas”. Por outro lado, “manifestou uma grande capacidade de mediação em todos os campos, foi prudente nas decisões, tenaz na afirmação dos princípios, compreensivo com as fraquezas humanas”.
O milagre necessário para a canonização foi a cura de uma bebé, ainda no ventre da sua mãe. O semanário da Diocese de Bréscia, ‘La Voce del Popolo’, explica que a grávida, da província de Verona, correndo o risco de abortar devido a uma patologia que comprometia a vida da criança e da mãe peregrinou ao Santuário delle Grazie, na terra natal de Paulo VI. E a menina nasceu a 25 de dezembro de 2014, em boas condições de saúde e sem qualquer explicação médica para a sua cura.
O milagre que permitiu a beatificação, em 2010, também tinha sido a cura de um feto gravemente doente, ocorrida em 2001 nos Estados Unidos da América.
Giovanni Battista Montini nasceu, a 26 de setembro de 1897, em Concesio, Bréscia, na região italiana da Lombardia, e foi ordenado presbítero ainda antes de completar 23 anos, em 1920, tendo feito doutoramentos em filosofia, direito civil e direito canónico.
Como padre, esteve ao serviço diplomático da Santa Sé e da pastoral universitária italiana, tendo vivido a II Guerra Mundial no Vaticano, onde se ocupou da ajuda aos refugiados e aos judeus.
Após o conflito, colaborou na fundação da Associação Católica de Trabalhadores Italianos, antes de ser nomeado arcebispo de Milão, em 1954. São João XXIII criou-o cardeal em 1958 e participou nos trabalhos preparatórios do Concílio Vaticano II.
A 21 de junho de 1963, foi eleito Papa, escolhendo o nome de Paulo VI, e concluiu os trabalhos do Concílio “entre várias dificuldades, estimulando a abertura da Igreja ao mundo e o respeito pela tradição”. E, como Papa, escreveu sete encíclicas, entre as quais a “Ecclesiam Suam” (1964), sobre o ser da Igreja e a sua necessidade de dialogar, a ‘Humanae vitae’ (1968), sobre a regulação da natalidade, e a ‘Populorum progressio’ (1967), sobre o desenvolvimento dos povos, tendo instituído o Sínodo dos Bispos e o Dia Mundial da Paz. E é notável como guia da ação pastoral e inserção do espírito evangélico nos mais diversos setores do mundo a sua exortação apostólica “Evangelii Nuntiandi” (1975).
Foi o primeiro Papa a fazer viagens internacionais, tendo visitado Terra Santa, EUA, Índia, Portugal, Turquia, Filipinas e Austrália, de entre outros países.
Na homilia de beatificação, em 19 de outubro de 2014, Francisco disse que “enquanto se perfilava uma sociedade secularizada e hostil, ele soube reger com clarividente sabedoria – e às vezes em solidão – o timão da barca de Pedro, sem nunca perder a alegria e a confiança no Senhor. […] Verdadeiramente Paulo VI soube dar a Deus o que é de Deus”.
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Da lista de novos santos, ora divulgada, faz parte Óscar Arnolfo Romero Galdámez, martirizado enquanto celebrava missa, a 24 de março de 1980, a soldo da Junta Militar que dominava o país.
Em 2015, o antigo arcebispo de El Salvador foi beatificado, depois de a comissão de teólogos da Congregação para as Causas dos Santos ter reconhecido que o arcebispo morreu como mártir, “por ódio à fé”. O reconhecimento como válido de um milagre que lhe é atribuído abriu agora portas à sua canonização.
Nos 3 anos de serviço à comunidade católica da capital de El Salvador (São Salvador), o arcebispo denunciou a repressão do regime militar e da violência praticada pelos esquadrões da morte.
O Papa Francisco enviou uma carta, aquando da sua beatificação, prestando homenagem a uma figura “que construiu a paz com a força do amor, deu testemunho da fé com a sua vida entregue até o fim”, referindo que, “em tempos difíceis de convivência, Dom Óscar Romero soube guiar, defender e proteger o seu rebanho, permanecendo fiel ao Evangelho e em comunhão com toda a Igreja”, destacando-se o seu ministério “pela atenção especial aos pobres e marginalizados”.
E acrescentou:
E no momento da sua morte, enquanto celebrava o Santo Sacrifício do amor e da reconciliação, recebeu a graça de se identificar plenamente com Aquele que entregou a vida pelas suas ovelhas. […] Dom Romero convida-nos ao bom senso e à reflexão, ao respeito pela vida e à concórdia. É necessário renunciar à ‘violência da espada, do ódio’, e viver ‘a violência do amor, que nos deixou Cristo pregado numa cruz, aquela que cada um deve fazer a si mesmo para vencer os próprios egoísmos e a fim de que não haja desigualdades tão cruéis entre nós’.”.
Em 2007, durante a viagem para o Brasil, Bento XVI disse aos jornalistas que Oscar Romero “foi certamente uma grandiosa testemunha da fé, um homem de grandes virtudes cristãs, que se comprometeu pela paz e contra a ditadura e que foi assassinado durante a celebração da Missa”.
A comissão de teólogos da Congregação para as Causas dos Santos (Santa Sé) reconheceu em 2015 o martírio do arcebispo, morto “por ódio à fé”.
A causa de beatificação de Oscar Arnulfo Romero, cujos restos mortais jazem na catedral da capital salvadorenha, iniciou a sua fase diocesana em 1994, que foi concluída em 1996.
O processo foi então apresentado ao Vaticano, no mesmo ano e, em 1997, foi recebido por Roma o decreto por meio do qual a causa era oficialmente aceite como válida.
Dom Gregorio Rosa, amigo e colaborador de Dom Oscar Romero, este em Portugal em maio de 2013, dizendo então à agência Ecclesia que o prelado foi um “mártir” que incomodou poderes, em defesa dos Direitos Humanos.
Óscar Arnulfo Romero nasceu a 15 de agosto de 1917 numa família modesta em Ciudad Barrios (El Salvador). Aos 14 anos, entra no seminário, mas afasta-se, seis anos depois, para ajudar a família que estava com dificuldades e passa a trabalhar nas minas de ouro, com os irmãos.
Após retomar os estudos, é enviado para Roma, onde estuda Teologia, na Universidade Gregoriana. Ordenado sacerdote em 1942, regressa a El Salvador e assume uma paróquia do interior, antes de ser transferido para a Catedral de San Miguel, onde fica durante 20 anos.
Em 1970 é nomeado bispo auxiliar de San Salvador e, em 1974, Paulo VI designa-o bispo da Diocese de Santiago de Maria, no meio de um contexto político de forte repressão, sobretudo contra as organizações camponesas. Em 1977, é nomeado arcebispo de San Salvador. Pouco tempo depois, é assassinado o jesuíta padre Rutílio Grande, figura próxima do futuro santo, que passa então a denunciar a repressão, a violência do Estado e a exploração imposta ao povo pela aliança entre os setores político-militares e económicos, apoiada pelos EUA, bem como a violência da guerrilha revolucionária.
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Nos Decretos da Congregação das Causas dos Santos autorizados por Francisco constam ainda o reconhecimento dos seguintes milagres, martírio e virtudes heroicas:
- Os milagres atribuídos à intercessão do Beato Francesco Spinelli, sacerdote diocesano, fundador da Instituto das Irmãs Adoradoras do Santíssimo Sacramento (Itália); à intercessão do Beato Vincenzo Romano, Sacerdote diocesano (Itália); à intercessão da Beata Maria Caterina Kasper, Fundadora do Instituto das Pobres Servas de Jesus Cristo (Alemanha); e à intercessão da Venerável Serva de Deus Maria Felícia de Jesus Sacramentado, Irmã professa da Ordem dos Carmelitas Descalços (Paraguai);
- O martírio da Serva de Deus Anna Kolesárová, leiga, assassinada por ódio à fé em 1944 (Eslováquia);
- As virtudes heroicas do Servo de Deus Bernardo Łubieński, Sacerdote professo da Congregação do Santíssimo Redentor (Polónia); do Servo de Deus Cecilio Maria Cortinovis, Religioso professo da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (Itália); da Serva de Deus Giustina Schiapparoli, Fundadora da Congregação das Irmãs Beneditinas da Divina Providência de Voghera (Itália); da Serva de Deus Maria Schiapparoli, Fundadora da Congregação das Irmãs Beneditinas da Divina Providência de Voghera (Itália); da Serva de Deus Maria Antonella Bordoni, Leiga, Fundadora da Fraternidade das Pequenas Filhas da Mãe de Deus (Itália); e da Serva de Deus Alessandra Sabattini, Leiga (Itália).

São ao todo cinco beatos a canonizar (um deles mártir); e a caminho da beatificação encontram-se: uma venerável, um mártir e seis servos e servas de Deus.  
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As datas e os locais para as cerimónias de canonização só vão ser decididos num próximo consistório (reunião de cardeais), no Vaticano.
A canonização atribui o estatuto de santo a alguém que a Igreja já tinha reconhecido como beato e autoriza que lhe seja prestada veneração pública em todas as nações e congregações religiosas.
Quanto ao Santuário de Fátima, não se percebe como não releva a canonização do primeiro Papa que o agraciou com a Rosa de Ouro e o primeiro que o visitou, ultrapassando a tensão diplomática com o líder do regime de então. Além disso, o seu pontificado deu o devido relevo ao culto mariano na melhor linha cristológica e eclesiológica.
2018.03.07 – Louro de Carvalho

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