sábado, 10 de março de 2018

Surpreendente a notícia da urgência de intervenção na Ponte 25 de Abril


A Ponte 25 de abril vai ser alvo, durante 2 anos (ou mais) de trabalhos manutenção, orçados em 18 milhões de euros (podendo vir a ultrapassar aos 20 milhões), conforme anunciou a IP (Infraestruturas de Portugal), que lança este mês o concurso público internacional para adjudicação da obra.
Questionada pela Lusa, fonte da empresa explicou que o prazo de dois anos para a realização das obras só se inicia após a adjudicação da empreitada, na sequência do concurso que será lançado no decorrer deste mês. Em comunicado, a IP explicita:
Esta empreitada tem por objetivo a realização de um conjunto de trabalhos identificados no âmbito das atividades de inspeção e de monitorização do comportamento estrutural da Ponte 25 de Abril, promovidas em contínuo pela IP e executadas pelo ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade e Laboratório Nacional de Engenharia Civil, respetivamente”.
E, à semelhança das intervenções de manutenção anteriores e de modo a minimizar eventuais impactos na normal circulação rodoviária e ferroviária, os trabalhos são executados em períodos de menor fluxo de tráfego, nomeadamente em período noturno e em dias não úteis.
As intervenções previstas incidem sobre elementos metálicos da ponte suspensa e em elementos de betão armado pré-esforçado do viaduto de acesso norte. Genericamente, são trabalhos de construção metálica, soldadura, reposição localizada da proteção anticorrosiva, substituição de elementos não estruturais, limpeza, tratamento e pintura pontual de superfícies de betão
O projeto de execução de suporte a esta empreitada contempla as soluções técnicas de reparação definidas pela empresa projetista americana Parsons e pela empresa projetista portuguesa TalProjecto, cujo desenvolvimento foi acompanhado e validado ao longo das suas diversas fases pelo LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil).
A IP refere que “a Parsons é a empresa projetista que detém os direitos de autor do projeto de construção da Ponte que data da década de 60 e que é simultaneamente a autora do projeto de instalação do caminho de ferro, alargamento do tabuleiro rodoviário e de beneficiação geral da Ponte 25 de Abril, concretizada na década de 90”; e que a “Talprojecto” é “uma empresa projetista portuguesa na área das estruturas metálicas”.
***
A surpresa da notícia, dada a existência de monitorização e fiscalização permanente da parte das entidades, nomeadamente do LNEC, suscitou dúvidas sobre a segurança da obra de arte. Mas a tais dúvidas o LNEC veio responder que a Ponte “está e estará segura”, embora o relatório pedido pelo Governo tenha identificado anomalias na estrutura
O presidente do conselho diretivo do LNEC, Carlos Pina, garantiu que a Ponte não oferece perigo para os utentes. E referiu que está previsto que as obras decorram durante 2 anos, explicando que está afastada a ideia de interdição da circulação de veículos pesados na Ponte, o que só poderia acontecer caso a situação se agravasse. Diz o responsável do LNEC:
As anomalias que, recentemente, têm vindo a público são na realidade detetadas precisamente com o programa de monitorização que fizemos. Os primeiros trabalhos em que o LNEC esteve envolvido foram feitos em 2012. Depois disso, temos acompanhado os trabalhos das Infraestruturas de Portugal no sentido de interpretar as causas dessas anomalias e definir qual é a melhor estratégia de intervenção para voltar a assegurar as necessárias condições de segurança”.
No entanto, Carlos Pina admitiu que, na sequência de despacho do Secretário de Estado das Infraestruturas, o LNEC elaborou um parecer onde defendia que as obras “deviam ser realizadas o mais depressa possível”. E concluiu:
O LNEC irá continuar a realizar a monitorização e irão continuar a ser realizadas as inspeções pelo Instituto de Segurança e Qualidade ao longo deste período e também durante as obras, no sentido de garantirmos a segurança. Desde a ocorrência destas anomalias, o acompanhamento é mais atento, necessariamente, para que não haja ocorrências inesperadas.”.
***
A surpresa com que a opinião pública recebeu a notícia fez dela um caso político. A notícia foi lançada pela revista “Visão”, do dia 8, apontando que o risco de colapso, designadamente por fissuras numa zona estrutural da travessia, leva Governo a anunciar obras na Ponte 25 de Abril.
Efetivamente, o Executivo admitiu a necessidade de intervenção urgente, após ter sido revelado um relatório do LNEC, entregue ao Governo há um mês, que aponta para os riscos de colapso da estrutura que permite a ligação entre as duas margens do rio Tejo (entre Almada e Lisboa).
Por seu turno, Maria Manuel Leitão Marques, Ministra da Presidência, esclareceu que os mecanismos de decisão, aprovação e criação de concursos não são instantâneos, dizendo que “está em bom ritmo” o processo do início das obras na Ponte. E, questionada, na conferência de imprensa após o Conselho de Ministros do dia 8, quanto à notícia avançada pela “Visão” sobre a existência de relatório do LNEC a alertar para riscos graves de segurança na Ponte e o porquê de o Governo só avançar agora com o lançamento do concurso, a governante explicou:
Quero dizer-lhe, como deve saber, que os mecanismos de decisão e de aprovação e criação de concursos não são instantâneos. Creio que a decisão do Governo está adequada àquilo que são as informações técnicas que tem porque evidentemente quando é preciso reagir instantemente também temos mecanismos de urgência.”.
Interrogada sobre o facto de o LNEC ter entregado o relatório há um mês e o lançamento do concurso ter sido anunciado apenas no dia 7, já depois do fecho da edição da referida revista, a Ministra foi perentória: “é uma coincidência”. E, sobre as informações ao dispor do Governo dispõe sobre o estado das condições de segurança da Ponte, remeteu para os esclarecimentos que disse já terem sido prestados pelo Ministro do Planeamento e seu gabinete já que o tema não foi discutido em Conselho de Ministros.
Por sua vez, o presidente da IP, António Laranjo, disse que a obra de reparação, apesar de prioritária, “não é urgente” e que, se houvesse perigo, a infraestrutura “estaria fechada”.
Em conferência de imprensa na sede da empresa, em Almada, Laranjo admitiu que a IP já sabia da existência de fissuras na Ponte há 2 anos, mas rejeitou perigo. De acordo com o responsável, o concurso público internacional de reabilitação da estrutura deve ser lançado no dia 22 de março, devendo as obras arrancar no final deste ano, início do próximo.
O Ministério das Finanças demorou cerca de 6 meses a autorizar a obra de reparação, mas já o fez, segundo a IP, que garante avançar com o concurso este mês. E Laranjo esclareceu:
Não estamos [à espera]. Temos autorização para lançar os concursos já que, de outra forma, não poderíamos lançá-los”.
E, anotando que toda a programação da obra é feita com o Ministério das Finanças e com a Secretaria de Estado [das Finanças], sendo esta a forma de avançar com os concursos, disse:
Nós não pedimos dinheiro para avançar com este concurso público, nós temos um planeamento de obras e colocamos na nossa Secretaria de Estado das Finanças os pedidos de autorização de acordo com as prioridades que temos”.
Interpelado sobre quando foi feito à tutela pedido para avançar com a empreitada, respondeu ter sido há alguns meses porque “não é uma obra que custa assim tão pouco quanto isso” e assinalou que “quando se fala em seis meses, não é exagerado para uma obra desta natureza”.
Entretanto, Ministério das Finanças emitiu um comunicado onde garante que aprovou as obras “prontamente” e nega ter demorado 6 meses. Acrescenta que “a Lei do Orçamento do Estado para 2018 previa já os montantes necessários à intervenção na Ponte 25 de Abril, no quadro do calendário de manutenção regular e plurianual previamente estabelecido”. Por outro lado, esclarece que “todos os pedidos de intervenção na Ponte 25 de Abril, nomeadamente os projetos de portarias de extensão de encargos, foram atempadamente aprovados pelos ministérios competentes”. Mais sublinhou a tutela que “os processos referiam-se a intervenções regulares e programadas no âmbito de um calendário de manutenção plurianual da referida infraestrutura” e adiantou que “não existe qualquer processo a aguardar autorização do Ministério das Finanças relativo a intervenções de cariz urgente na Ponte 25 de Abril”.
Na nota que enviou aos jornalistas, o Ministério de Centeno refere mais dois relatórios – um do Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ) e outro do LNEC – que “indicavam a necessidade de realização de obras a curto prazo, confirmando a programação previamente definida pela Infraestruturas de Portugal”, que motivou a aprovação das obras de imediato pelas Finanças.
Segundo o IP, o concurso terá um montante superior a 20 milhões de euros e será lançado até 22 de março, devendo a obra arrancar no final deste ano, início do próximo. A duração prevista para a intervenção é de 2 anos, mas vai depender de como decorra o concurso.
Laranjo notou que todo o investimento na obra será suportado pela IP, já que a Lusoponte apenas “tem uma concessão” daquela infraestrutura. E, “nessa concessão, a obrigação que a Lusoponte tem é de tratar o seu pavimento; e a camada de desgaste, a camada infraestrutural é tudo pela IP”. Ademais, o presidente da IP assegurou “que a ponte vai continuar aberta” e a funcionar normalmente até às obras e durante as mesmas.
***
Entretanto, o CDS anunciou que irá chamar ao Parlamento com caráter de urgência Pedro Marques, Ministro do Planeamento, e o LNEC, depois de ter sido confrontado com um relatório secreto do LNEC que apontava para a urgência de obras para evitar o colapso da Ponte.
O PSD – não descurando a necessidade de ouvir os responsáveis políticos e, por isso, acompanha o CDS no requerimento para ouvir o Ministro das Finanças na Comissão de Economia – quer ouvir primeiro os técnicos do LNEC sobre esta polémica. “É necessário tranquilizar as pessoas”, justifica o coordenador do PSD na Comissão de Economia, Paulo Rios. Por isso, o PSD entregou um requerimento para ouvir o LNEC, pois a prioridade dos socialdemocratas é “tranquilizar as pessoas” e esclarecer se a circulação na ponte é segura.
O Bloco de Esquerda também já pediu a presença no Parlamento do Ministro do Planeamento para explicar as notícias preocupantes quanto à situação da Ponte e criticou que seja o Estado a pagar obras urgentes necessárias. E o deputado Heitor Sousa justifica:
É surpreendente, sabendo que existe uma Parceria Público-Privada, com a Lusoponte para a gestão das pontes Vasco da Gama e 25 de Abril, e é motivo de grande perplexidade que seja o Estado a pagar 20 milhões de euros. […] Essas obras deveriam estar integradas nesse contrato.”.
Para o deputado bloquista, é “surpreendente que a notícia de uma intervenção urgente surja agora, sabendo-se que existe uma monitorização e fiscalização permanente da parte das entidades, nomeadamente do LNEC”. Por isso, o Bloco enviou duas perguntas, ao Ministério do Planeamento e Infraestruturas e das Finanças. Quer conhecer o relatório do LNEC e ouvir as explicações do ministro Pedro Marques. E Heitor Sousa receia os efeitos de obras prolongadas e estranha um eventual atraso na resposta do Governo à necessidade de obras urgentes, dado que o alerta do LNEC surgiu há seis meses e o concurso público internacional necessita também de seis meses.

O PCP defende responsabilização da Lusoponte nas obras. Diz o secretário-geral:

É uma situação que não se admite. […] Quem explora, quem tem lucro, não pode sacudir para o Estado a responsabilidade de corrigir as infraestruturas.”.

Jerónimo de Sousa defendeu mais investimento em infraestruturas, com uma nova ponte sobre o rio Tejo (Barreiro-Beato), e a responsabilização da empresa concessionária, Lusoponte, pelas obras de manutenção.
O PS afirmou que os Ministros das Infraestruturas e das Finanças estarão em breve no Parlamento para esclarecer o estado da Ponte e insurgiu-se contra “o alarme social”, recusando qualquer “risco iminente”. Disse o deputado André Pinotes Batista, eleito por Setúbal:
Os utentes da ponte 25 de Abril, sobretudo aqueles que diariamente recorrem a esta infraestrutura, podem estar tranquilos. Este não é o momento de alimentar demagogias estéreis ou alarme social, entrando-se em ligeirezas políticas. […] O Governo tem vindo a fazer a sua parte e 30 dias depois de ter recebido o relatório do LNEC há uma solução formalizada. […] Os Ministros das Finanças, Mário Centeno, e do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, estarão no Parlamento para prestar todos os esclarecimentos.”.
O gabinete do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas disse à Lusa que Pedro Marques ainda aguarda conhecimento oficial dos pedidos de esclarecimento, mas que “está sempre disponível” para esclarecer os deputados.
***
Entretanto, o Presidente da República já declarou que o executivo socialista “fez o que devia ter feito” e desaconselhou alarmismos. O Chefe de Estado declarou aos jornalistas, no final de uma visita a uma fábrica do setor têxtil, em Alfragide, na Amadora:
Não sejamos alarmistas. O que há é duas coisas: há um relatório que aponta para urgência em obras – não quer dizer que a ponte esteja a cair – e há o Governo que percebe a urgência e que determina essas obras”.
Segundo Marcelo, “mais vale tarde do que nunca” e o facto de as obras se estenderem por dois anos indica “que não há um grau de urgência igual para todas as reparações”.
Interpelado sobre se a ação do Governo não poderá ser tardia, o Presidente da República respondeu que “não”, acrescentando: “Logo que chegou o relatório – é assim que normalmente se faz, há um relatório técnico, o relatório técnico mostra que há pontos onde é necessário haver intervenções – o Governo decidiu intervir”. E concluiu:
Acho que fez o que devia ter feito. E acho que o Parlamento também discutir essa matéria tem toda a lógica.”.
***
Perante a polémica desencadeada, é justo questionar: Se a obra é urgente, porque é necessário um concurso público internacional? Porque se lança mão dum relatório secreto, em vez de ir gerindo a informação técnica e política, quando uma fuga de informação para uma revista lança o alarme para a opinião pública? O que leva outros partidos do arco do poder a hipocritamente vociferar, se a deficiência, embora larvar vem já de 2012? E porque não tem a concessionária obrigação de pagar os custos das obras, se cobra as receitas de utilização e recebe compensações quando o Estado determina não pagamento de portagem (mais um contrato em desfavor do Estado)?
Não tenho medo da segurança da Ponte, mas gostava de resposta às questões formuladas.
2018.03.09 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário