Tanto o Provedor da SCML (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) como o Presidente da UMP (União das
Misericórdias Portuguesas) justificam a participação, ainda que simbólica, com a intenção de fazer
da CEMG (Caixa Económica Montepio Geral) um banco de economia social (a UMP dá
um sinal político). O próprio Presidente da CNIS (Confederação
das Instituições Particulares de Solidariedade Social) admite essa possibilidade.
A isto o ex-Presidente da CEMG, conhecida por banco Montepio, veio, em tempos,
dizer que não sabia o que e um banco de economia social.
Também recentemente o Presidente do Crédito Agrícola (CA) afirma que a entrada das Misericórdias no capital do
Montepio ficará “à responsabilidade de quem o faz”. Licínio Pina reforça a
ideia de que estas entidades não têm vocação para terem participações
financeiras em bancos. O objetivo deste investimento será alegadamente a
criação do banco da economia social. Mas, como Félix Morgado, ex-Presidente do
Montepio, o responsável pelo CA diz não saber o que é um banco social. E
declarou, na sessão em que apresentou os resultados de 2017 da organização que
lidera, conseguindo duplicar os seus lucros para 150,2 milhões de euros:
“Por princípio, penso que as Misericórdias
não têm vocação para terem participações financeiras em bancos. Existem com um
objetivo muito claro: apoio social. E não devem desviar-se daí. Qualquer outro
investimento fica à responsabilidade de quem o faz.”.
Considerando que a SCML vai entrar no Montepio, mas contando com o apoio
das outras misericórdias e IPSS, alegadamente com o objetivo da criação dum
banco de economia social, interroga-se sobre que tipo de entidade é esta. E
alinhando com a posição do ex-Presidente do Montepio Félix Morgado, que
diz saber o que “é um banco alimentar, mas não um banco social”, também diz que
não sabe o que é isso. E, constatando que “ainda não apareceu nenhuma
licença bancária que diga banco de
economia social”, desafia:
“Se o querem, têm aqui. Somos o banco que
está mais próximo das populações”.
E o Presidente do CA anatematiza, dizendo que, “se há problemas noutro
banco e se, com a capa de um banco social, querem constituir um banco de
economia social, constituam, mas não contem connosco”. Licínio Pina refere que o Governo não falou com a
administração do banco, mas que “houve
várias pessoas da Associação Mutualista” que falaram com ele alegando que “era
vontade das altas instâncias do país fazer isso”. Segundo o que revela o Presidente
do CA, que chegou a ser abordado pelo Banco de Portugal, a ideia seria criar
uma holding do banco de economia social, que, depois,
reportaria ao regulador como consolidado.
Alguns contestam a postura e as declarações de Licínio Pina, apontando-lhe
ignorância, pois, se há bancos públicos e bancos privados, interrogam-se porque
não pode haver bancos propriedade de entidades da economia social. Ora, a
resposta é clara: em tese uma entidade de economia social pode ser proprietária
de um banco – o que não significa per se
que esse banco seja uma instrumento de economia social. No caso vertente, não
parece que um banco de que é proprietária uma entidade mutualista ou
cooperativista se venha a dedicar à ação social. A vocação de um banco – não
nos iludamos – é a venda e compra de dinheiro e o seu fim é o lucro. Se uma
entidade pública, privada ou pública no regime de gestão privada lhe
exigir uma intervenção social, tem de lhe pagar os custos disso. Também assim
chegou a fazer a CGD.
***
Enquanto o Montepio consegue
martelar as suas contas a ponto de se considerar que vale cerca de 2 400
milhões de euros e a sua proprietária, a AMMG (Associação
Mutualista Montepio Geral) ou MGAM (Montepio Geral Associação Mutualista), para oferecer
lucros de mais de 500 milhões em 2017 e cobrir os prejuízos de 2016, renunciou
à isenção de IRC e obteve créditos fiscais de 802 milhões de euros – grande
operação de cosmética contabilística que tornou a MGAM uma empresa e a retirou
da condição d e IPSS –, o CA conseguiu mais do que duplicar os lucros
em 2017. Registou lucros de 150,2 milhões
de euros no ano passado, face aos 58,3 milhões registados no ano anterior. Licínio Pina
diz que este “é o melhor resultado líquido de sempre do banco” e que 2017 foi um ano que “correu muito bem ao
Crédito Agrícola”.
É um aumento face ao ano anterior
que reflete a melhoria do negócio bancário. Este indicador cresceu 147,6
milhões de euros, um aumento de 105% face a 2016.
Também
no ano passado, a instituição registou um aumento
da margem financeira para 289,7 milhões, em comparação com
276 milhões no ano anterior. Isto sucedeu graças à subida das comissões,
“influenciada pelo reforço da oferta de produtos e serviços complementares”, como
revela o banco. As comissões fixaram-se nos 148 milhões de euros, o que traduz
um crescimento de 9,9 milhões de euros (+7,2%) em relação a 2016. Mas o Presidente
do CA garante que as comissões não vão subir mais, pois, como afirma, “o nosso preçário é muito contido” e
“a nossa postura no mercado é de não agressividade.” Por outro lado, o banco
refere que os rácios de
capital se apresentam “muito acima do mínimo regulamentar
exigido pelo Banco de Portugal”. Com efeito, os rácios CET1 faseado e
totalmente implementado foram de 15,5% e 15%, respetivamente.
***
Por isso, enquanto outros bancos entrados em derrapagem
absorvem dinheiro dos contribuintes, despedem pessoal e fecham balcões, o Crédito
Agrícola “vê oportunidades”.
Assim, o Presidente do CA afirma
o banco vai manter as agências nas regiões do país onde outras instituições
estão a encerrar e garante que “Não vamos
abandonar as pessoas”.
O CA manterá
as agências em regiões do país onde outras instituições financeiras estão a
sair. Embora tenha reduzido algumas, o banco “tem feito um esforço enorme
para manter as agências em funcionamento” e “é atualmente
a maior rede de agências”. Ao todo, o banco tem 669 balcões e tem 400 agências onde
não opera mais ninguém.
De acordo com o banco, a “rede de distribuição do
Crédito Agrícola foi, ao longo de 2017, alvo de
alterações pontuais no que respeita à localização e ao
horário das agências enquanto estratégia privilegiada para rentabilização da
sua rede, tendo existido a preocupação de minimizar os encerramentos”.
Apesar
de Licínio Pina não falar em encerramento de balcões, põe em cima da mesa a
possibilidade de o banco vir a avançar
com a fusão de caixas agrícolas, dado haver “um conjunto de
caixas de muito reduzida dimensão”, que, à luz das novas exigências
regulamentares, “terão de se fundir para ganhar escala”. Nos próximos dois anos, a instituição
financeira deve avançar com a fusão de 20 caixas – isto numa altura em que o banco “está mais focado em desenvolver a
banca digital e não física”.
***
Entretanto,
uma jornalista da revista “Sábado”
fez de cliente-mistério, que deu conta do recado.
Contada a
breve história da disponibilidade de 4000 euros para aplicação sem qualquer
risco e com tempo de procurar alternativas noutros bancos, a funcionária do
balcão, com o objetivo de “tirar as notícias do caminho”, alegou:
“São tudo notícias sobre coisas antigas, o
banco está numa situação confortável, o BCE [Banco Central Europeu] até lhe deu
um rácio de capital bom, mas isso não vende papel”.
Obviamente,
a funcionária não sabia da intenção que era saber “como são comercializados os
produtos de poupança da dona do Montepio, a Montepio Geral Associação
Mutualista. E passou a falar da saúde financeira da Associação, coisa
importante, pois, acabou por propor a aplicação do dinheiro num produto
garantido pelo património da Associação e não pelo Fundo de Garantia de
Depósitos, discorrendo que “a Associação tem 105 euros em património por cada
100 euros de obrigações para com os mutualistas” e, ancorada no reconto da “breve
história do mutualismo e do seu banco”, referiu andarem “lado a lado há quase
200 anos”.
Pelos
vistos, isto repetiu-se em 6 das agências visitadas. E os produtos do acionista
do Montepio são vendidos como alternativa sem risco aos depósitos. Não há
qualquer separação física entre o atendimento do banco e do acionista. É
apresentado um plano de poupança da Associação – com os tranquilizadores nomes Prazo Certo e Capital Certo na ficha de produto –, uma aplicação a 5 anos com
taxas mais altas do que os depósitos do banco e um complexo de benefícios extra.
A seguir, é apresentado o depósito a prazo do banco. Sugere-se “diversificar”,
isto é, distribuir o dinheiro pela Caixa Económica Montepio Geral e pelo acionista
– sugestão estranha dada a garantia de ausência de risco. E dão uma ficha do
depósito e outra do produto da Associação onde se avisa, a negrito no cabeçalho,
que não é um depósito.
***
Quem tem
memória da confusão gerada – e com graves consequências – por exemplo, com a
promiscuidade com as vendas, aos balcões do BES, de produtos de entidades
integrantes do grupo GES, entende que vender produtos de poupança da Associação
aos balcões do banco deveria ser uma tarefa proibida ou de muito difícil
execução. Após ter visitado os balcões do Montepio como cliente-mistério em 2015,
o Banco de Portugal (BdP) determinou
que os balcões do banco vincassem aos clientes que os produtos da Associação
não eram depósitos bancários, que na ficha do produto constasse o aviso e que o
banco criasse e executasse um plano para distinguir as duas entidades (que por
imposição do BdP foram juridicamente separadas). Entretanto a Associação fechou as contas consolidadas de 2015 com
capitais próprios negativos de 107 milhões e publicou tardiamente as de 2016. O
jornal Público noticiou há cerca de
um ano que nas contas de 2015 a KPMG avisou os mutualistas de que sem uma injeção
de fundos o cenário era de falência técnica. Depois, a KPMG, sem pôr em causa
as contas de 2016, lançava a dúvida sobre o valor a que a Associação tem o
banco contabilizado no seu balanço, cerca de 2000 milhões de euros. O banco é o
principal ativo no balanço da associação e o seu valor é essencial para que se
repita a mensagem tranquilizadora: “Por
cada 100 euros de responsabilidades para com os associados, o MGAM possui 105
euros em ativo”.
Contudo,
apesar das dificuldades operacionais e de imagem, a Associação gizou para 2018
um objetivo muito ambicioso para o seu financiamento, a cumprir na rede de
balcões do seu banco: a captação de 970 milhões de euros. Isto levará quem tem
produtos Capital Certo a reinvestir 370 milhões e atrair em média 50 milhões
adicionais por mês.
A um
aforrador que se apresentou muito conservador, os depósitos do banco e os
produtos da Associação foram indicados como alternativas do mesmo tipo, ficando
em destaque o produto da associação em destaque. Num ambiente em que bancos
praticam taxas de 0%, a rentabilidade do denominado Capital Certo (uma taxa
anual bruta média de 1,2%) oferece
uma hipótese de venda bem explorável. O risco decorrente do facto de ser o
património da Mutualista a garantir o rentabilidade e capital ou não é referido
ou é desvalorizado. Mais foi dito que “em
180 anos a Associação nunca deixou de cumprir e não há de ser agora que falha”
– referiram à Sábado.
A distinção entre Associação e banco é obnubilada pela forma de comercialização
e pela partilha de parte da designação, pois ambas as entidades partilham o
nome “Montepio”, os produtos da Associação são vendidos por pessoas do banco na
mesma zona que os produtos do banco e há argumentos que cruzam as duas
instituições, devido à integração e interação comerciais entre elas. No
entanto, chegam a adiantar que a aplicação mutualista teria, entre outras
vantagens, isenção nas comissões de gestão de conta no banco (que chegam a
65 euros por ano na concorrência). E, em
relação à confusão apontada, sobretudo sobre a falta de espaços próprios nos balcões
do banco dedicados ao acionista, a Associação assegura que “mais de 94% dos
associados distinguem inequivocamente as marcas e a oferta da Associação
Mutualista face à oferta do banco. Bem dito: os associados. E os clientes?
Terão estes de ser sócios do Banco ou membros da Associação? Será por isto que
se virá a chamar banco de economia social?
***
Quanto à
regulação e supervisão, levantam-se questões pertinentes. Quem regula e
supervisiona o quê, dado a separação entre as marcas não ser clara (embora satisfatória). O BdP supervisiona o banco e refere que a separação
ainda está em curso, tendo o banco feito “um caminho gradual”. O supervisor verifica
in loco se as medidas adotadas estão
a funcionar e avisa:
“Caso as medidas implementadas e a
implementar não sejam suficientes para atingir o objetivo fixado pelo Banco de
Portugal, a instituição terá de considerar medidas adicionais”.
A supervisão
do BdP assegura a transparência sobre a forma de comercialização de produtos
que não são do banco aos seus balcões – para minimizar o risco para o
banco. No entanto, a confusão continua, embora se garanta que o banco se
exima de muitas responsabilidades. E sabemos bem como foi a Mutualista que pôs
em risco a sustentabilidade e a imagem do banco, que até havia comprado o
Finibanco. Aliás, já estamos habituados: o BdP acabou por deixar afundar o BES
por só supervisionar o banco e não o resto do grupo, o GES – e o BES não
aguentou a exposição ao GES; nacionalizou-se o BPN, mas deixou-se à vontade a
SLN (a dona).
E quem
regula e supervisiona a Associação Mutualista e produtos financeiros que
comercializa é a DGSS (Direcção-Geral da Segurança Social), cuja vocação técnica para tal foi questionada por Bagão
Félix, ex-ministro da pasta. Questionada sobre a inspeção à Mutualista e a frequência,
a DGSS enunciou de forma genérica a missão geral de supervisão do mutualismo: garantir
o cumprimento da lei e defender os interesses dos associados, não podendo
limitar o direito de livre atuação das associações salvo nos casos e condições
expressamente previstos na lei.
Já agora a
seguradora que foi comprada ao grupo Montepio pelos chineses vê o seu presidente
investigado. Com efeito, quem regula e supervisiona as seguradoras é outro
regulador: O Instituto de Seguros de Portugal (ISP).
Ou estou
enganado ou o Governo prometeu confiar a regulação e supervisão das
entidades que mexem com dinheiros a um supervisor único. Estamos à espera de
quê?
***
Quanto à
SCML, lá irá entrar no Montepio, com 1%, 2%, 3% ou 4% (progressivamente) acompanhada simbolicamente por mais Misericórdias e
IPSS. Garantirá administradores no banco e ajudara a escolher o Presidente da
Mesa da Assembleia Geral. É isso o importante, não?
2018.03.27 –
Louro de Carvalho
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