O Papa
Francisco encontrou-se, na manhã de sexta-feira, dia 16 de março, na Sala Paulo
VI, no Vaticano, com os seminaristas e sacerdotes que estudam nos Pontifícios
Colégios Eclesiásticos em Roma.
Foi um
encontro considerado inesquecível para o qual eles se prepararam durante muito
tempo com cantos, orações e leituras. Após o acolhimento festivo do Papa, o
prefeito da Congregação para o Clero, o Cardeal Beniamino Stella, iniciou o
diálogo com o Pontífice, que respondeu a cinco perguntas centradas na formação
e na espiritualidade sacerdotal. Foram muitas as indicações propostas pelo
Papa, mas também as brincadeiras e risadas.
A grande
declaração surgida no memorável encontro foi a de que os sacerdotes não são
funcionários do sagrado, mas pais.
Na verdade,
como funcionário, o sacerdote desempenharia cabalmente as suas funções,
acatando ordens superiores e escudando-se nas mesmas, seria bem pago pelo
exercício do seu papel e teria acesso a uma carreira com progressões e
promoções. Poderiam, mesmo, constituir-se comissões de trabalhadores, sindicatos
ou organizações similares para a natural defesa de interesses coletivos,
sobretudo no tocante às relações de trabalho, de que poderiam decorrer ações
públicas como manifestações, greves, comunicados à imprensa, etc. E, a seu
tempo, poderia vir a reivindicação: “Há já tantos anos que te sirvo, nunca
transgredi uma ordem tua. E nunca me deste um cabrito para me banquetear com os
meus amigos…” (Lc 15,29).
Como pais ou
padres, não podem viver na redoma visível, mas inquebrável, ou no castelo
inexpugnável. Têm de saber estar em casa ou andar no caminho, estando sempre
disponíveis para ir ao encontro dos filhos, estar com eles onde eles estão ou
têm de estar, trazê-los a casa para a refeição, revigoramento de forças,
reconforto do espírito; e, quando as circunstâncias de trabalho ou de outros
compromissos os impossibilitam do regresso à casa paterna, o pai tem de saber
abancar ou acampar com eles.
Como pai, o
padre não pode querer estar parado, estar sozinho, comprazer-se em dar ordens,
velar pelo seu cumprimento e julgar; deve, antes, “ter a humildade de ser acompanhado”,
querer e saber escutar, não torturando o interlocutor com perguntas e mais
perguntas. Mas não pode recusar ou tornar-se difícil a dirigir uma palavra de
conforto, de orientação, de estímulo. E não pode deixar de chamar à atenção,
mas sempre com delicadeza e dando testemunho do coração misericordioso de
Cristo, oferecendo provas permanentes da compaixão, do amor, do assíduo e
solícito acompanhamento
O pai não
pode ter pejo de sujar as mãos ou os pés na lama ou na poeira da realidade em
que os filhos têm a desgraça de se atascar ou a obrigação de palmilhar.
O sacerdote-pai assimila a atenção e solicitude
do bom samaritano contra a indiferença, medo ou escrúpulo do sacerdote e do
levita (cf Lc 10,29-37) referidos em Lucas.
E assume plenamente a liberalidade, a magnanimidade, a largueza, a profundidade
e a capacidade de espera e de encontro do Pai que tinha dois filhos – o qual, a
instâncias do mais novo, que requeria a parte da herança que lhe cabia, reparte
os bens pelos dois, espera com ansiedade o regresso do prófugo e pródigo e
acolhe-o em abraço, vestido novo e anel e faz festa imolando o vitelo gordo.
Mas não deixa de instar paciente e lucidamente com o mais velho para que
participe na festa comum da família, amigos e vizinhança (cf Lc 15,11-32).
O sacerdote-pai (como dom ou dote sagrado) não deixa de oferecer o sacrifício com e pelos
filhos, pondo-os em comunhão com Deus e entre eles.
O sacerdote-pai é pastor com cheiro de ovelhas,
não só porque as espera, as chama, as acolhe, mas porque vai à procura da
perdida e a carrega com alegria e desejo de partilha, aos ombros ou ao colo na
fruição das boas pastagens ou no regresso a casa (cf Lc 15, 3-7).
***
No predito encontro, o Santo Padre quis responder a perguntas.
A primeira foi lida por um
seminarista francês, em representação dos europeus, que perguntou como manter o
ministério de presbítero unido à humildade de sentir-se discípulo e missionário.
A esta questão o Pontífice respondeu que “o
sacerdote deve ser sempre um homem em caminho, um homem que escuta e nunca está
sozinho: deve ter a humildade de ser acompanhado”.
Em síntese,
a primeira caraterística do sacerdote-pai é, em termos práticos, querer estar
em caminho e saber ouvir.
À segunda
pergunta lida por um seminarista africano proveniente do Sudão, em nome dos
africanos, Francisco respondeu frisando quão importante é ter discernimento
para entender como seguir adiante, discernir entre que é bom e o que não é. São
estas as duas condições para um discernimento verdadeiro: ser feito na oração, diante de Deus; e ser feito no confronto com o outro, um guia capaz de ouvir e dar
orientações, pois, segundo o Bispo de Roma, “quando não há discernimento na
vida sacerdotal, há rigidez e casuística, sobrevém a incapacidade de ir
adiante, tudo se torna fechado e o Espírito Santo não trabalha”.
Assim, o
Papa recomendou aos sacerdotes que tenham o Espírito Santo como companheiro de
caminhada, pois, muitas vezes temos medo do Espírito Santo e queremos “engaiolá-lo”.
Não basta ser bons e viver como se o Espírito Santo não existisse.
Portanto, o
segundo ensinamento papal do encontro é o da necessidade do discernimento em
aliança com o Espírito Santo e em diálogo com alguém que escute e dê
orientação.
Por seu
turno, um sacerdote mexicano, falando em nome de todos os demais da América
Latina, perguntou ao Santo Padre como é possível manter o equilíbrio integral
do sacerdote ao longo de seu percurso de vida. E obteve uma resposta centrada na
importância da formação humana do presbítero. E o Papa oriundo da América
Latina perorou:
“É preciso ser pessoas normais, humanas, capazes de se alegrar com os
outros, de sorrir, ouvir em silêncio um enfermo e consolar fazendo um carinho.
É preciso ser pais, ser fecundos e dar vida aos outros. Sacerdotes pais e não
funcionários do sagrado ou empregados de Deus.”.
E a terceira grande afirmação papal aos sacerdotes é a necessidade da formação
humana do presbítero, em que acentua a necessidade de deixarem de ser
funcionários do sagrado e de serem mesmo pais que têm o gosto de conhecer as
ovelhas e manifestam a paternidade na solicitude e acompanhamento até a oferta
da vida, se necessário, como o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas (cf Jo 10,7-18).
Um diácono, dos
Estados Unidos, perguntou quais são os traços da espiritualidade do sacerdote
diocesano, que, portanto, não se refere aos ensinamentos de um fundador ou de
um outro. E o Pontífice respondeu com uma palavra que diz tudo: “diocesanidade”. À luz desta
palavra-força o sacerdote deve cuidar do relacionamento com seu Bispo, mesmo
que seja um tipo difícil, com os seus irmãos sacerdotes e com as pessoas da sua
paróquia, que são seus filhos. E disse: “Se
vós trabalhardes nestas três frentes, tornar-vos-eis santos”.
A quarta conclusão
deste encontro é, pois, a chamada à atenção para o facto de haver uma espiritualidade
do sacerdócio. Talvez o mal tenha sido a formatação do sacerdote diocesano (e mesmo do
cristão) à imagem do cenobita, do monge. Há
uma espiritualidade própria do leigo, uma espiritualidade própria do religioso
e uma espiritualidade própria do sacerdote diocesano, que se denominava de
secular, não por não ser religioso ou por não ter regras como os membros do
chamado clero regular (que assim eram designados por obedecerem a uma regra
de vida comum e por professarem explicitamente os conselhos ou valores evangélicos:
pobreza voluntária, obediência inteira e castidade perpétua).
A quinta e última
questão formulada ao Papa por um sacerdote das Filipinas, em representação dos
padres estudantes da Ásia, versou a formação permanente. Perante a
interpelação, Francisco recomendou o cuidado da própria formação: humana,
pastoral, espiritual, comunitária. E diz que a formação permanente nasce da
consciência da própria fraqueza. É, pois, importante conhecer os próprios
limites. Então, imersos na cultura contemporânea, é fácil perguntar-se sobre
como se vive a comunicação virtual, como se usa o próprio telemóvel, mas também
é mister preparar-se para enfrentar as tentações atinentes à castidade – que
virão naturalmente, como disse o Papa – e, depois, cuidar-se do orgulho, da
atração pelo dinheiro, pelo poder e pelo conforto.
E, obviamente,
a última questão faz ressaltar a formação sacerdotal nas quatro vertentes
referidas, mas insistindo na necessidade de cuidar da formação humana, sem a qual
as demais não têm consistência.
***
Foi um bom
momento para, em traços largos, o Pontífice fazer uma abordagem prática de
vetores pertinentes da recente Ratio
da formação sacerdotal para destinatários ora talvez mais preocupados com a
formação académica, bem como ocasião para lançar umas linhas mestras para a autoformação
ao longo da vida.
2018.03.16 – Louro de Carvalho
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