sexta-feira, 16 de março de 2018

Os sacerdotes são pais e não funcionários do sagrado


O Papa Francisco encontrou-se, na manhã de sexta-feira, dia 16 de março, na Sala Paulo VI, no Vaticano, com os seminaristas e sacerdotes que estudam nos Pontifícios Colégios Eclesiásticos em Roma.
Foi um encontro considerado inesquecível para o qual eles se prepararam durante muito tempo com cantos, orações e leituras. Após o acolhimento festivo do Papa, o prefeito da Congregação para o Clero, o Cardeal Beniamino Stella, iniciou o diálogo com o Pontífice, que respondeu a cinco perguntas centradas na formação e na espiritualidade sacerdotal. Foram muitas as indicações propostas pelo Papa, mas também as brincadeiras e risadas.
A grande declaração surgida no memorável encontro foi a de que os sacerdotes não são funcionários do sagrado, mas pais.
Na verdade, como funcionário, o sacerdote desempenharia cabalmente as suas funções, acatando ordens superiores e escudando-se nas mesmas, seria bem pago pelo exercício do seu papel e teria acesso a uma carreira com progressões e promoções. Poderiam, mesmo, constituir-se comissões de trabalhadores, sindicatos ou organizações similares para a natural defesa de interesses coletivos, sobretudo no tocante às relações de trabalho, de que poderiam decorrer ações públicas como manifestações, greves, comunicados à imprensa, etc. E, a seu tempo, poderia vir a reivindicação: “Há já tantos anos que te sirvo, nunca transgredi uma ordem tua. E nunca me deste um cabrito para me banquetear com os meus amigos…” (Lc 15,29).
Como pais ou padres, não podem viver na redoma visível, mas inquebrável, ou no castelo inexpugnável. Têm de saber estar em casa ou andar no caminho, estando sempre disponíveis para ir ao encontro dos filhos, estar com eles onde eles estão ou têm de estar, trazê-los a casa para a refeição, revigoramento de forças, reconforto do espírito; e, quando as circunstâncias de trabalho ou de outros compromissos os impossibilitam do regresso à casa paterna, o pai tem de saber abancar ou acampar com eles.
Como pai, o padre não pode querer estar parado, estar sozinho, comprazer-se em dar ordens, velar pelo seu cumprimento e julgar; deve, antes, “ter a humildade de ser acompanhado”, querer e saber escutar, não torturando o interlocutor com perguntas e mais perguntas. Mas não pode recusar ou tornar-se difícil a dirigir uma palavra de conforto, de orientação, de estímulo. E não pode deixar de chamar à atenção, mas sempre com delicadeza e dando testemunho do coração misericordioso de Cristo, oferecendo provas permanentes da compaixão, do amor, do assíduo e solícito acompanhamento
O pai não pode ter pejo de sujar as mãos ou os pés na lama ou na poeira da realidade em que os filhos têm a desgraça de se atascar ou a obrigação de palmilhar. 
O sacerdote-pai assimila a atenção e solicitude do bom samaritano contra a indiferença, medo ou escrúpulo do sacerdote e do levita (cf Lc 10,29-37) referidos em Lucas. E assume plenamente a liberalidade, a magnanimidade, a largueza, a profundidade e a capacidade de espera e de encontro do Pai que tinha dois filhos – o qual, a instâncias do mais novo, que requeria a parte da herança que lhe cabia, reparte os bens pelos dois, espera com ansiedade o regresso do prófugo e pródigo e acolhe-o em abraço, vestido novo e anel e faz festa imolando o vitelo gordo. Mas não deixa de instar paciente e lucidamente com o mais velho para que participe na festa comum da família, amigos e vizinhança (cf Lc 15,11-32).
O sacerdote-pai (como dom ou dote sagrado) não deixa de oferecer o sacrifício com e pelos filhos, pondo-os em comunhão com Deus e entre eles.
O sacerdote-pai é pastor com cheiro de ovelhas, não só porque as espera, as chama, as acolhe, mas porque vai à procura da perdida e a carrega com alegria e desejo de partilha, aos ombros ou ao colo na fruição das boas pastagens ou no regresso a casa (cf Lc 15, 3-7).
***
No predito encontro, o Santo Padre quis responder a perguntas.
A primeira foi lida por um seminarista francês, em representação dos europeus, que perguntou como manter o ministério de presbítero unido à humildade de sentir-se discípulo e missionário. A esta questão o Pontífice respondeu que “o sacerdote deve ser sempre um homem em caminho, um homem que escuta e nunca está sozinho: deve ter a humildade de ser acompanhado”.
Em síntese, a primeira caraterística do sacerdote-pai é, em termos práticos, querer estar em caminho e saber ouvir.
À segunda pergunta lida por um seminarista africano proveniente do Sudão, em nome dos africanos, Francisco respondeu frisando quão importante é ter discernimento para entender como seguir adiante, discernir entre que é bom e o que não é. São estas as duas condições para um discernimento verdadeiro: ser feito na oração, diante de Deus; e ser feito no confronto com o outro, um guia capaz de ouvir e dar orientações, pois, segundo o Bispo de Roma, “quando não há discernimento na vida sacerdotal, há rigidez e casuística, sobrevém a incapacidade de ir adiante, tudo se torna fechado e o Espírito Santo não trabalha”.
Assim, o Papa recomendou aos sacerdotes que tenham o Espírito Santo como companheiro de caminhada, pois, muitas vezes temos medo do Espírito Santo e queremos “engaiolá-lo”. Não basta ser bons e viver como se o Espírito Santo não existisse.
Portanto, o segundo ensinamento papal do encontro é o da necessidade do discernimento em aliança com o Espírito Santo e em diálogo com alguém que escute e dê orientação. 
Por seu turno, um sacerdote mexicano, falando em nome de todos os demais da América Latina, perguntou ao Santo Padre como é possível manter o equilíbrio integral do sacerdote ao longo de seu percurso de vida. E obteve uma resposta centrada na importância da formação humana do presbítero. E o Papa oriundo da América Latina perorou:
É preciso ser pessoas normais, humanas, capazes de se alegrar com os outros, de sorrir, ouvir em silêncio um enfermo e consolar fazendo um carinho. É preciso ser pais, ser fecundos e dar vida aos outros. Sacerdotes pais e não funcionários do sagrado ou empregados de Deus.”.
E a terceira grande afirmação papal aos sacerdotes é a necessidade da formação humana do presbítero, em que acentua a necessidade de deixarem de ser funcionários do sagrado e de serem mesmo pais que têm o gosto de conhecer as ovelhas e manifestam a paternidade na solicitude e acompanhamento até a oferta da vida, se necessário, como o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas (cf Jo 10,7-18).
Um diácono, dos Estados Unidos, perguntou quais são os traços da espiritualidade do sacerdote diocesano, que, portanto, não se refere aos ensinamentos de um fundador ou de um outro. E o Pontífice respondeu com uma palavra que diz tudo: “diocesanidade”. À luz desta palavra-força o sacerdote deve cuidar do relacionamento com seu Bispo, mesmo que seja um tipo difícil, com os seus irmãos sacerdotes e com as pessoas da sua paróquia, que são seus filhos. E disse: “Se vós trabalhardes nestas três frentes, tornar-vos-eis santos”.
A quarta conclusão deste encontro é, pois, a chamada à atenção para o facto de haver uma espiritualidade do sacerdócio. Talvez o mal tenha sido a formatação do sacerdote diocesano (e mesmo do cristão) à imagem do cenobita, do monge. Há uma espiritualidade própria do leigo, uma espiritualidade própria do religioso e uma espiritualidade própria do sacerdote diocesano, que se denominava de secular, não por não ser religioso ou por não ter regras como os membros do chamado clero regular (que assim eram designados por obedecerem a uma regra de vida comum e por professarem explicitamente os conselhos ou valores evangélicos: pobreza voluntária, obediência inteira e castidade perpétua).
A quinta e última questão formulada ao Papa por um sacerdote das Filipinas, em representação dos padres estudantes da Ásia, versou a formação permanente. Perante a interpelação, Francisco recomendou o cuidado da própria formação: humana, pastoral, espiritual, comunitária. E diz que a formação permanente nasce da consciência da própria fraqueza. É, pois, importante conhecer os próprios limites. Então, imersos na cultura contemporânea, é fácil perguntar-se sobre como se vive a comunicação virtual, como se usa o próprio telemóvel, mas também é mister preparar-se para enfrentar as tentações atinentes à castidade – que virão naturalmente, como disse o Papa – e, depois, cuidar-se do orgulho, da atração pelo dinheiro, pelo poder e pelo conforto.
E, obviamente, a última questão faz ressaltar a formação sacerdotal nas quatro vertentes referidas, mas insistindo na necessidade de cuidar da formação humana, sem a qual as demais não têm consistência.  
***
Foi um bom momento para, em traços largos, o Pontífice fazer uma abordagem prática de vetores pertinentes da recente Ratio da formação sacerdotal para destinatários ora talvez mais preocupados com a formação académica, bem como ocasião para lançar umas linhas mestras para a autoformação ao longo da vida.
2018.03.16 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário