Pelo Decreto “Ecclesia
Mater”, publicado hoje, 3 de março, pela Congregação do Culto Divino e da
Disciplina dos Sacramentos, e datado de 11 de fevereiro de 2018, memória da bem-aventurada Virgem Maria
de Lurdes,
o Papa Francisco determinou a
inscrição da Memória da “Bem-aventurada Virgem, Mãe da Igreja” no Calendário
Romano Geral e escolheu para a sua celebração anual a segunda-feira depois do
Pentecostes.
O motivo da
celebração vem descrito de forma sucinta no Decreto: favorecer o crescimento do
sentido materno da Igreja nos Pastores, nos religiosos e nos fiéis, como,
também, da genuína piedade mariana. No texto assinado pelo Prefeito do
Dicastério, o Cardeal Robert Sarah, e subscrito pelo secretário, o Arcebispo
Artur Roche, pode ler-se:
“Esta celebração ajudará a lembrar que a
vida cristã, para crescer, deve ser ancorada no mistério da Cruz, na oblação de
Cristo no convite eucarístico e na Virgem oferente, Mãe do Redentor e dos
redimidos”.
Anexos ao
decreto, vêm os respetivos textos litúrgicos em latim, para a Missa, para o
Ofício Divino e para o Martirológio Romano. As Conferências Episcopais
providenciarão a tradução e aprovação dos textos, que, depois de confirmados,
serão publicados nos livros litúrgicos da sua jurisdição.
Também, de
acordo com o Decreto, fica autorizada a celebração da bem-aventurada Virgem
Maria onde, por norma do direito particular aprovado, já se celebra num dia
diferente com grau litúrgico mais elevado.
***
A propósito
da importância do mistério a que se reporta o Decreto, o Prefeito da
Congregação fez publicar um comentário seu em que tece relevantes considerações
sobre esta decisão pontifícia, de que destacam alguns aspetos.
Diz o Cardeal
que a maturação da veneração litúrgica de Maria vem na sequência da melhor
compreensão da sua inserção “no mistério de Cristo e da Igreja”, como se lê no
capítulo VIII da Lumen gentium (Constituição Dogmática sobre a Igreja) do Vaticano II e como ficou
reforçado com o reconhecimento que Paulo VI fez do facto ao proclamar Maria
como “Mãe da Igreja”, aquando da promulgação daquela Constituição conciliar, a
21 de novembro de 1964, no encerramento da 3.ª Sessão do Concílio.
Por outro
lado, o sentir do povo cristão, ao longo de dois mil anos, acolheu o elo filial
que une os discípulos de Cristo à sua Mãe, entendendo cabalmente o testemunho
explícito o Evangelista ao mencionar o testamento de Jesus prestes a morrer na
cruz (cf Jo 19,26-27). Após entregar a Mãe aos discípulos
e estes à Mãe, Jesus “entregou o espírito” tendo como fim a vida da Igreja, seu
corpo místico: assim, “do lado de Cristo adormecido na cruz nasceu o sacramento
admirável de toda a Igreja”. E continuam a vivificar a Igreja, pelo Batismo e
pela Eucaristia, a água e o sangue que jorraram do coração de Jesus na cruz,
sinal da totalidade da oferta redentora. Nesta comunhão alimentícia entre o
Redentor e os redimidos, Maria realiza a sua missão materna.
E o Decreto salienta
– coisa que o Cardeal Prefeito não fez expressamente no seu comentário – a posição
dos Padres da Igreja, relevando a afirmações premonitórias de Santo Agostinho e
de São Leão Magno. O primeiro de Maria que “é a mãe dos membros de Cristo” por
haver cooperado, pela sua caridade, para “o renascimento dos fiéis na Igreja”,
ao passo que o segundo, aduzindo que “o nascimento da Cabeça é também o nascimento
do Corpo”, diz que Maria “é, ao mesmo tempo, mãe de Cristo, Filho de Deus, e
mãe dos membros do seu corpo místico, isto é, da Igreja”. São considerações que
“derivam da maternidade divina de Maria e da sua íntima união com a obra do
Redentor, que culminou na hora da cruz”.
Assim o
lembra a passagem do Evangelho de João (vd Jo 19,25-34), tomada para a missa da nova Memória em conjunto com a
leitura do livro do Génesis, capítulo terceiro (vd Gn 3,9-15.20) e dos Atos dos Apóstolos capítulo primeiro (vd At 1,12-14) – como para a missa votiva de
“Santa Maria, Mãe da Igreja” aprovada pela Congregação do Culto Divino, em
1973, com vista ao Ano Santo da Reconciliação de 1975.
Depois, o
Cardeal Prefeito enquadra esta decisão pontifícia no historial subsequente à
reforma litúrgica decretada pelo Concílio, evidenciando a via evolutiva do
culto mariano nesta ótica. Com efeito, a
comemoração litúrgica da maternidade eclesial de Maria obteve lugar entre as
missas votivas, na editio altera do Missale Romanum (1975). No pontificado de João Paulo II, deu-se a
possibilidade às Conferências Episcopais de acrescentar o título de “Mãe da Igreja”
na Litania Lauretana; e, aquando do ano mariano, a Congregação do Culto Divino
publicou outros formulários de missas votivas sob o título de Maria Mãe e
imagem da Igreja na Coletânea de Missas da Virgem Santa Maria, com relevo para um Prefácio
específico. Foi também aprovada, ao longo dos anos, a inserção da
celebração da “Mãe da Igreja” no Calendário de alguns países, na segunda-feira
depois do Pentecostes, como noutras datas, foi inscrita em lugares peculiares
como na Basílica de São Pedro, que vêm da proclamação do título por Paulo VI,
como, ainda, no “Próprio” de Ordens e Congregações religiosas.
Atenta a
importância do mistério da maternidade espiritual de Maria, que na espera do Espírito
no Pentecostes (cf At 1,14), não parou de ocupar-se e de curar
maternalmente da Igreja peregrina no tempo, Francisco estabeleceu que, na segunda-feira
depois do Pentecostes, a Memória de Maria
Mãe da Igreja seja obrigatória para toda a Igreja de Rito Romano, tornando-se
evidente a conexão entre a vitalidade da Igreja do Pentecostes e a solicitude
materna de Maria com a mesma. Nos textos da Missa e do Ofício, o texto dos Atos
dos Apóstolos 1,12-24 ilumina a celebração litúrgica, como, também, o do
Génesis 3, 9-15.20, lido à luz da tipologia da nova Eva, constituída “Mater omnium viventium” sob a cruz do
Filho Redentor do mundo.
Deseja-se
esta celebração recorde a todos os discípulos de Cristo que, se queremos
crescer e enchermo-nos do amor de Deus, precisamos de enraizar a nossa vida
sobre três realidades: a Cruz, a Hóstia e a Virgem (Crux, Hostia et Virgo) – realidades misteriosas que Deus
deu ao mundo para estruturar, fecundar, santificar a nossa vida interior e nos
conduzir a Jesus Cristo.
***
Decreto
sobre a celebração da bem-aventurada
Virgem Maria, Mãe da Igreja no Calendário Romano Geral
A feliz veneração em honra à Mãe de
Deus da Igreja contemporânea, à luz das reflexões sobre o mistério de Cristo e
sobre a sua própria natureza, não poderia esquecer aquela figura de Mulher (cf
Gl. 4,4), a Virgem Maria, que é Mãe de Cristo e com Ele Mãe da Igreja.
De certa forma, este facto, já estava
presente no modo próprio do sentir eclesial a partir das palavras premonitórias
de Santo Agostinho e de São Leão Magno. De facto, o primeiro diz que Maria é a
mãe dos membros de Cristo porque cooperou, com a sua caridade, ao renascimento
dos fiéis na Igreja. O segundo diz que o nascimento da Cabeça é, também, o
nascimento do Corpo, o que indica que Maria é, ao mesmo tempo, mãe de Cristo,
Filho de Deus, e mãe dos membros do seu corpo místico, isto é, da Igreja. Estas
considerações derivam da maternidade divina de Maria e da sua íntima união à
obra do Redentor, que culminou na hora da cruz.
A Mãe, que estava junto à cruz (cf Jo
19,25), aceitou o testamento do amor do seu Filho e acolheu todos os homens,
personificado no discípulo amado, como filhos a regenerar à vida divina,
tornando-se a amorosa Mãe da Igreja, que Cristo gerou na cruz, dando o
Espírito. Por sua vez, no discípulo amado, Cristo elegeu todos os discípulos
como herdeiros do seu amor para com a Mãe, confiando-a a eles para que estes a
acolhessem com amor filial.
Dedicada guia da Igreja nascente,
Maria iniciou, portanto, a própria missão materna já no cenáculo, rezando com
os Apóstolos na expectativa da vinda do Espírito Santo (cf At 1,14). Ao longo
dos séculos, por este modo de sentir, a piedade cristã honrou Maria com os
títulos, de certo modo equivalentes, de Mãe dos discípulos, dos fiéis, dos
crentes, de todos aqueles que renascem em Cristo e, também, “Mãe da Igreja”,
como aparece nos textos dos autores espirituais assim como nos do magistério de
Bento XIV e Leão XIII.
Assim, resulta claramente, sobre qual
fundamento o beato papa Paulo VI, a 21 de novembro de 1964, por ocasião do
encerramento da terceira sessão do Concílio Vaticano II, declarou a bem-aventurada
Virgem Maria “Mãe da Igreja, isto é, de todo o Povo de Deus, tanto dos fiéis
como dos pastores, que lhe chamam Mãe amorosíssima” e estabeleceu que “com este
título suavíssimo seja a Mãe de Deus doravante honrada e invocada por todo o
povo cristão”.
A Sé Apostólica, por ocasião do Ano
Santo da Reconciliação (1975), propôs uma missa votiva em honra de Santa Maria,
Mãe da Igreja, que foi inserida no Missal Romano. A mesma deu a possibilidade
de acrescentar a invocação deste título na Ladainha Lauretana (1980), e publicou
outros formulários na Coletânea de Missas da Virgem Santa Maria (1986). Para
algumas nações e famílias religiosas que pediram, concedeu a possibilidade de
acrescentar esta celebração no seu Calendário particular.
O Sumo Pontífice Francisco,
considerando atentamente quanto a promoção desta devoção possa favorecer o
crescimento do sentido materno da Igreja nos Pastores, nos religiosos e nos
fiéis, como, também, da genuína piedade mariana, estabeleceu que esta memória
da bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja, seja inscrita no Calendário
Romano na segunda-feira depois do Pentecostes, e que seja celebrada todos os
anos.
Esta celebração ajudará a lembrar que
a vida cristã, para crescer, deve ser ancorada no mistério da Cruz, na oblação
de Cristo no convite eucarístico e na Virgem oferente, Mãe do Redentor e dos
redimidos.
Esta memória deverá, pois aparecer, em
todos os Calendário e Livros Litúrgicos para a celebração da Missa e da
Liturgia das Horas. Os respetivos textos litúrgicos são apresentados em anexo a
este decreto, e a sua tradução, aprovada pelas Conferências Episcopais, serão
publicados depois da confirmação por parte deste Dicastério.
Onde a celebração da bem-aventurada
Virgem Maria, Mãe da Igreja, por norma do direito particular aprovado, já se
celebra num dia diferente com grau litúrgico mais elevado, pode continuar a ser
celebrada desse modo.
***
O vínculo de
Maria com a liturgia, evidente desde a antiguidade, encontrou, há uns tempos e,
em especial, hoje, no Rito Romano mais explícita manifestação ampliando a luz mariana”
do Missal e do Ofício para tornar visível a maturação da piedade litúrgica para
com a Mãe do Senhor e da Igreja, na continuação do Vaticano II. O n.º 103 da Sacrosanctum Concilium (SC – Constituição
sobre a Sagrada Liturgia)
responde ao porquê e ao como da inserção do culto mariano na
celebração dos mistérios de Cristo:
“No
ciclo anual da celebração dos mistérios de Cristo, a Santa Igreja venera com
amor especial a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, indissoluvelmente
unida à obra de salvação do seu Filho; em Maria admira e exalta o fruto mais
excelso da Redenção e contempla com alegria, como numa imagem puríssima, o que
ela mesma, toda ela, deseja e espera ser”.
Segundo os
Padres Conciliares, “o indissolúvel vínculo de Maria com a obra salvífica de
Cristo, perenemente atualizada na ação litúrgica” (cf SC 5-7; 103) é o critério fundamental para a
Igreja exprimir a sua veneração litúrgico-mariana. Nas orações litúrgicas: a
Igreja dirige-se sempre e só a Deus “recordando” o que Ele fez em Maria por
nós, na linha do Magnificat (Lc 1,46,55), por a ter escolhido desde toda a
eternidade em razão de Cristo, por no-la ter dado como Mãe. Já nos hinos,
antífonas, responsórios, a Igreja dirige-se também diretamente a Maria
louvando-a e suplicando-lhe.
Mas um outro
critério a liturgia mariana: o horizonte eclesiológico. Na verdade, sendo Mãe e
membro da Igreja, sua figura e modelo, Maria é a primícia e a imagem perfeita
da comunidade dos redimidos. Por isso, Santo Ambrósio exortava: “Esteja em cada um a alma de Maria para
glorificar o Senhor; esteja em cada um o espírito de Maria para exultar em Deus”.
E a Igreja, reconhecendo-se
em Maria como num espelho, aprende a viver o mistério de Cristo, a caminho da
plena participação na Jerusalém do céu.
Celebrar
Maria corresponde a celebrar os mistérios do Senhor. Não se trata de duas
orientações cultuais, uma para Deus e outra para Maria, mas da mesma e única: “A
Igreja celebra em primeiro lugar a obra de Deus no mistério pascal de Cristo, e
nele encontra a Mãe intimamente ligada ao Filho”.
A presença de
Maria na celebração move-se entre memória, mediação materna, exemplaridade,
comunhão. Distingue-se da presença de Cristo pelo facto de não ser autónoma,
mas relativa e dependente da real presença do mistério pascal de Cristo
operante no memorial. E, em relação aos Santos, distingue-se pelo lugar verdadeiramente
“único” de Maria na história da salvação.
Que o Decreto
“Ecclesia Mater”, através da Liturgia,
produza frutos na Igreja e em cada um dos sues membros, para que Jesus Cristo
nos conduza a todos ao Pai.
2018.03.03 – Louro de Carvalho
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