quarta-feira, 28 de março de 2018

Em 2018, uma reflexão livre sobre a Páscoa


É uma reflexão livre. Nem podia ser de outra maneira, pois não seria de Páscoa. Com efeito, como discorre o Apóstolo, dantes estávamos sob o domínio dos elementos do mundo, a eles sujeitos como escravos. Porém, chegada a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido duma mulher, sob o domínio da Lei, para resgatar os que se encontravam sob o domínio da mesma Lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. E, porque somos filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do Filho, que clama: ‘Abbá! – Pai!’. Assim, já não somos escravos, mas filhos; e, se somos filhos somos também herdeiros, por graça de Deus. (cf Gl 4,4-7).
Por isso, celebrar a Páscoa significa celebrar a pessoa de Jesus Cristo que, por nós homens e para nossa salvação se fez homem, passou pelo mundo fazendo o bem; e esta passagem pelo mundo culminou na sua entrega por nós durante as festas da Páscoa judaica, especificamente na Ceia do Cenáculo, na Cruz sobre o Calvário, na sepultura escavada na rocha, na decida à mansão do mortos e nas aparições do Ressuscitado às mulheres e aos discípulos e apóstolos.
Não podemos esquecer que todos e cada um dos passos de Jesus constituíam um lanço para a consumação final da sua Páscoa, que nele passou a ser a nossa Páscoa.  
Assim, a celebração da Páscoa, como celebração de Jesus implica fazer memória dele, aderir a Ele, aceitar encontrá-lo onde Ele está – Sacramento da Eucaristia, assembleia litúrgica reunida, grupo orante, pessoa do Ministro sagrado e em todo o pobre, doente, marginalizado ou descartado. Celebrar a Páscoa implica aproximação, toque, visão, escuta, comunhão, ajuda, impulso ao crescimento, autonomia e cooperação do outro. É ser bom samaritano.
No entanto, a vida do Senhor entende-se e vive-se em pleno pela bitola da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. E é isto o que celebramos nos três últimos dias da Semana Santa como é o que celebramos todos os domingos e sempre que tornamos presente entre nós, na Missa, a entrega do corpo e sangue de Jesus (e a comunhão neles) na Ceia de quinta-feira da Semana Santa, a expiação de Cristo no Calvário e o vazio tumular porque Ele apareceu aos discípulos e os enviou em missão a todo o mundo pregar a liberdade, o perdão dos pecados, difundir a fé no Evangelho, alicerçar a esperança, instaurar a civilização do amor e a prática da caridade na justiça de modo que todos se sintam pessoas livres, dignas e úteis.
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 “Páscoa” vem do termo hebraico pesah e significa passagem. Para os cristãos é a passagem de Jesus da morte para a vida, trazendo a salvação para todos que creem nele (cf Jo 5,24). Quando morreu e ressuscitou, Jesus pagou o preço do pecado e deu-nos o novo ensejo de termos um relacionamento pessoal e comunitário com Deus (cf Rm 8,1-2). Foi para isso que o Filho de Deus desceu dos Céus e encarnou.
A Páscoa vem sendo celebrada pelos seguidores de Jesus desde os alvores do Cristianismo. E hoje pessoas de todo o mundo se juntam para comemorar essa grande vitória que mudou as vidas das pessoas e dos povos.
Como se disse, a Páscoa de Jesus teve o seu cume em contexto de Páscoa judaica. Na verdade, os judeus tinham e têm a festa da Páscoa, bem mais antiga que a Páscoa cristã. Como se lê no livro do Êxodo (cap. 12), quando Deus resolveu tirar do Egito o povo hebreu, enviou primeiro um anjo para exterminar o filho mais velho de todas as famílias egípcias, devido a Faraó não querer deixar partir os hebreus para a sua terra. Para evitar a praga, Deus mandou os judeus imolar e comer um cordeiro por família, em lugar do filho mais velho, e pôr o sangue à na padieira da porta de casa. Assim, o anjo passou mas não matou os filhos dos hebreus. Nessa noite saíram do Egito. Então, na festa judaica da Páscoa, a “passagem” significa a passagem do anjo da morte. Depois da libertação do Egito, os judeus passaram a celebrar esse dia de libertação todos os anos, comendo (de pé, rins cingidos, bordão na mão e sandálias nos pés) cordeiro e pães sem fermento com ervas amargas (cf Nm 9,2-3). Foi na altura dessa festa comemorativa Páscoa judaica que Jesus foi crucificado. Para os crentes, já não é o cordeiro que interessa, porque Jesus é o nosso cordeiro pascal que morreu em nosso lugar para que possamos ter vida eterna com Deus (Jo 3,16). Assim, a Páscoa cristã tem raízes na Páscoa judaica, mas ultrapassa-a e tem novos elementos e novo sentido.
Não só devemos ficar livres das prisões e dos sistemas de opressão e repressão, mas sobretudo do pecado pessoal e das estruturas sociais geradoras e fautoras do pecado contra Deus e contra o próximo. Deus celebra connosco a aliança, mas já não é a do Sinai, baseada na lei fria que nos conduziu ao Messias e selada no sangue do cordeiro ou do cabrito, mas a aliança nova, eterna e profunda, baseada na lei do amor consignada no sermão da Montanha, cuja portada e núcleo fundamental são as bem-aventuranças, e selada no sangue de Cristo. Embora seja fundamental celebrar por família, já não basta a família de sangue ou o povo cercado de fronteiras geográficas, étnicas, sociais, culturais, económicas, políticas ou religiosas. Importa fazer família com todos, criar comunidade e comunidade de comunidades – Igreja – que nos faça entrar em comunhão com Deus Pai, Filho e Espírito Santo, com o santuário da nossa consciência, com os irmão e com toda a criação. Já não é o Templo de Jerusalém que nos interessa, mas qualquer templo de pedra ou não, em que se possa adorar o Pai em espírito e verdade. Já não vigora o sacerdócio de Aarão, transmissível por hereditariedade e circunscrito a uma família, casta ou tribo, mas o sacerdócio de Cristo, único, inviolável e indefectível em que participam todos os que aceitam receber o Batismo e que servem de maneira eminente os ministros ordenados, independentemente da sua condição familiar, étnica, social, económica, política ou religiosa (anterior) e desejavelmente independentemente da condição sexual.
Este sacerdócio ministerial ao serviço da Eucaristia e da promoção do amor fraterno é como estes dois grandes valores legados por Cristo o testamento da Última Ceia. E a unidade dos filhos de Deus que andavam dispersos é regada pelo sangue de Cristo, derramado até à última gota no madeiro do Calvário, com uma grata herança: a mãe de Jesus é entregue ao discípulo e o discípulo recebe a mãe. E, depois do compreensível silêncio lutuoso e de desolação, surge a alegria de se ver Cristo ressuscitado, que abre os olhos e o coração para a Palavra das Escrituras sobre o Messias e cria nos discípulos a grande alegria da Fé, da Paz, do Espírito Santo, do envio apostólico e do perdão dos pecados.
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A Páscoa passou a traduzir-se nalguns símbolos. Os símbolos bíblicos da Páscoa são a ceia (com o pão e o vinho), que Jesus instituiu na Quinta-Feira Santa, antes de ser crucificado, e a cruz, que representa a sua morte. Também o peixe, mais associado ao tempo da Quaresma, que precede a Páscoa, era o símbolo usado entre os crentes da igreja primitiva para se identificarem.
A Páscoa acontece na primavera, altura em que muitas religiões pagãs tinham festas para celebrar o fim do inverno, a vida e a fertilidade. Por isso, o ovo e o coelho da Páscoa vêm dessas tradições pagãs, mas a dar à Páscoa esse sentido da nova vida, simbolizada pelo ovo, e o da fertilidade, simbolizada pelo coelho. Mas é pertinente acentuar esses símbolos não devem ser o foco da Páscoa, mas um pretexto para nos lembrarmos da ressurreição de Jesus, que nos deu uma nova vida e uma nova esperança. Ele agora fica mais simbolizado na cruz florida da redenção, no trigo do alimento e no vinho da alegria e da abundância.
Para os cristãos, o foco da Páscoa deve ser a morte e ressurreição de Jesus, o evento mais importante da História do mundo. É um tempo para lembrarmos esse milagre, gratos a Deus pela salvação.
Celebrar a Páscoa também tem de ser uma oportunidade de testemunhar Jesus junto das pessoas. Normalmente as pessoas precisam de saber da razão de ser desta celebração; e a Páscoa surge como oportunidade de informação e testemunho, a par da celebração. Muitas igrejas têm reuniões especiais e/ou atividades, que podem ser aproveitadas para convidar os amigos descrentes. E é um bom estar com a família e juntos agradecer o sacrifício e celebrar a vitória de Jesus. A celebração da vida faz-se nos corações, na família e na comunidade.
A celebração da Páscoa, porque Jesus Cristo “morreu para o pecado de uma vez para sempre e, na vida que tem, vive para Deus”, implica que “também nós nos consideremos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus” (cf Rm 6,10-11) e tenhamos a atitude  de procurar “as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus, e de aspirar às coisas do alto e não às coisas da terra” (cf Cl 3,1-2). E, assim, acolheremos o apelo paulino à boa disposição para celebrar a Páscoa:
Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma massa nova, do mesmo modo que sois ázimos. Pois Cristo, nosso cordeiro pascal, já foi imolado. Celebremos, pois, a festa não com fermento velho, nem com o fermento da malícia e da perversidade, mas com ázimos de pureza e de verdade.”.
De facto, Cristo veio ao mundo para dar testemunho da Verdade, para que a ouvindo, escutemos a voz do Senhor. E, com a voz dessa entrega, resgatou-nos para a liberdade. Por isso, devemos nela permanecer firmes e não nos sujeitarmos ao jugo da escravidão (cf Gl 5,1). E a forma de correspondermos ao chamamento à liberdade que Deus nos fez é fazermo-nos “servos uns dos outros”, porque “toda a lei da liberdade se cumpre plenamente nesta única palavra: Ama o teu próximo como a ti mesmo” (cf Gl 5,13-14).

Uma Boa e Santa Páscoa para todos os amigos e amigas, crentes e não crentes.

2018.03.28 – Louro de Carvalho

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