terça-feira, 13 de março de 2018

No 5.º aniversário da eleição do Papa Francisco: a força de um nome


Os crentes que gostaram mesmo da eleição rejubilam; e dos que a receberam com indiferença, muitos passaram a gostar, enquanto outros se mantêm na expectativa ou mesmo na oposição por quererem ser eles a ditar o rumo da Igreja, quando é o Espírito que a conduz e ela tem de avançar nas linhas da sinodalidade e da colegialidade. E, embora a cabeça da cristandade esteja historicamente em Roma, a Igreja subsiste, sobrevive e vive com pujança ou com debilidades nas Igrejas locais, sendo na autonomia e na interação que a riqueza da diversidade se congrega na unidade, segundo a máxima “in essentia unitas, ina caeteris libertas”.
O primeiro Papa jesuíta, proveniente da América Latina, o primeiro com o nome do Pobrezinho de Assis, Francisco, 265.º Sucessor de Pedro, quer uma Igreja com as portas abertas que saiba anunciar a todos a alegria do Evangelho: a Igreja em saída, missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica de amor.
L’Osservatore Romano”, o jornal do Vaticano, assinala hoje o 5.º aniversário de eleição do Papa Francisco, destacando a “força de um nome” inédito na história dos 266 pontificados da Igreja Católica. Refere o seu diretor, no editorial que abre a edição deste dia 13 de março:
Há cinco anos foram deveras poucos os que souberam prever a eleição em conclave do arcebispo de Buenos Aires e menos ainda os que esperavam o nome que teria sido escolhido pelo sucessor de Bento XVI depois da renúncia ao pontificado pela primeira vez depois de seis séculos”.
Giovanni Maria Vian recorda que nenhum Papa, antes, tinha escolhido chamar-se Francisco, que recorda a figura de São Francisco de Assis. O jornal do Vaticano apresenta como marcas do atual pontificado a atenção e a proximidade aos pobres, a pregação da paz e a preservação da criação. São, na ótica do diretor daquele diário “três componentes da mensagem cristã que estão a caraterizar o andamento dos dias do primeiro Papa americano, que é também o primeiro não europeu desde há quase treze séculos e o primeiro jesuíta”. E o texto acrescenta:
Indicando a necessidade para a Igreja de ir às periferias reais e metafóricas do mundo para anunciar o Evangelho, o arcebispo de Buenos Aires traçava pouco antes do conclave as linhas de um pontificado essencialmente missionário, linhas que dali a poucos meses teriam sido desenvolvidas no longo documento programático Evangelii gaudium”.
O diretor de “L’Osservatore Romano” sublinha a marca de alegria no pontificado, “não obstante as perseguições e o martírio de tantos cristãos, não obstante o desequilíbrio que aumenta entre norte e sul do mundo, não obstante a guerra mundial ‘aos bocados’ muitas vezes denunciada, não obstante a devastação do planeta”.
Vian assinala que a encíclica Laudato si’ foi acolhida “com interesse e esperança até por muitíssimas pessoas que parece não se identificarem com a Igreja”. E conclui:
Assim como está a chegar muito além dos confins visíveis da Igreja a palavra simples e apaixonada de um cristão que, carregando um grande peso, pede todos os dias que rezem por ele”.
No interior do jornal de hoje, cinco convidados escrevem sobre cinco palavras, neste aniversário do pontificado: Misericórdia, Periferias, Pobres, Saída e Diabo.
Por seu turno, o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, fala num pontificado de “alegria, anúncio e evangelização”, que colocou a Igreja em movimento. E refere:
Uma das caraterísticas do pontificado do Papa Francisco é esta dimensão de uma Igreja em saída, uma Igreja em movimento,  daí o convite urgente que o Papa fez, desde o início, para não ficarmos parados”.
O colaborador mais direto de Francisco admite, em entrevista ao portal de notícias do Vaticano, ‘Vatican News’, que nem todas as críticas ao Papa sejam bem-intencionadas. E assinala:
Provavelmente, sem julgar ninguém, é precisamente este dinamismo que o Papa imprimiu e quer imprimir na Igreja que desperta juízos diferentes, contrastantes e por vezes, opostos. Em certo sentido, todos os Pontificados foram alvo de críticas, não?”.
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O Vatican News apresenta alguns dados de sintetização destes cinco anos de Pontificado: duas encíclicas, Lumen fidei, sobre a fé, continuando o que fora escrito por Bento XVI, e Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum, pois a preservação da Criação (Terra e Comunidades) não é dever de todos, mas sobretudo dos cristãos; duas exortações apostólicas, Evangelii gaudium, texto programático do Pontificado para uma Igreja em saída, fortemente missionária, e Amoris laetitia, sobre o amor na família; 23 cartas apostólicas em forma de Motu proprio (reforma da Cúria Romana, gestão e transparência económica, reforma do processo de nulidade matrimonial, tradução de textos litúrgicos, com indicações para uma maior descentralização e mais poderes às Conferências Episcopais…); inúmeras Constituições Apostólicas; dois Sínodos sobre a família: o Jubileu dedicado à Misericórdia, proclamado pela Bula “Misericordiae vultus” e coroado pela Carta Apostólica “Misericordia et misera”; 22 viagens internacionais com mais de 30 países visitados e 17 visitas pastorais na Itália; 8 ciclos de catequese na audiência geral das quartas-feiras (Profissão de fé, Sacramentos, Dons do Espírito Santo, Igreja, família, misericórdia, esperança cristã, Santa Missa); quase 600 homilias sem texto escrito (nas Missas do dia em Santa Marta); mais de 46 milhões de seguidores no Twitter e mais de 5 milhões no Instagram. Sem contar os inúmeros discursos, mensagens e cartas, e os milhões de homens, mulheres e crianças de todo o mundo, encontrados, abraçados, acariciados.
O Papa aposta na Igreja de portas abertas que saiba anunciar a todos a alegria e a frescor do Evangelho, igreja acolhedora, com “espaço para todos com sua vida fadigada”, não um repositório de dogmas a tentar controlar a graça em vez de a comunicar e facilitar, uma Igreja que aceite correr o risco de ser “ acidentada, ferida e suja” para chegar ao meio do povo e estar no meio do povo, em vez de autorreferencial, mas doente pelo fechamento sobre si mesma e pelo “conforto de se apegar às suas próprias seguranças”. Pede o abandono dum estilo defensivo e negativo, de mera condenação, para propor a beleza da fé, que é caminhar para Deus, encontrá-Lo e saborear a alegria do encontro com Deus, que inevitavelmente leva ao encontro com os irmãos. E a aposta de Francisco passa a um convite a deixarmo-nos surpreender pelo Espírito Santo, o verdadeiro protagonista da Igreja, que, soprando onde quer, continua a falar e a contar-nos “coisas novas”. Francisco pronunciou uma das palavras mais fortes do Pontificado em Istambul, em novembro de 2014: “perturba”. Na verdade, o Espírito Santo “perturba”, porque “move, faz caminhar, impulsiona a Igreja a ir para frente”, sendo muito mais fácil e mais seguro” reclinar-se nas próprias posições estáticas e inalteradas”. Seria muito mais reconfortante crer que a verdade seja “possuir” um pacote de doutrinas, muito bem concatenado, que possamos gerir bem, ao invés de aderirmos à verdade, que é Cristo e pertencermos nós mesmos à Verdade: é o Espírito que nos guia a toda a verdade e à verdade toda. O cristão tem sempre muito a aprender porque Deus Se revela cada vez mais e com mais clareza, apesar das nossas neblinas. Tanto assim é que Francisco pode dizer que tem muitas dúvidas, sendo, “em um sentido positivo”, “um sinal de que queremos conhecer melhor Jesus e o mistério de seu amor por nós”. E essas dúvidas fazem-nos crescer. Foi assim que Pedro, ante os pagãos pôde dizer:
Estou a compreender que Deus não faz discriminação entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10,34-35).
Cresce, assim, com a largueza e a magnanimidade do Espírito, a inteligência da fé.
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Os primeiros gestos do novo Papa caíram bem na opinião pública e a imprensa tornou-se amiga. Quase todos falavam bem do Pontífice vindo de muito longe. Entretanto, as críticas começaram a encontrar o seu caminho. E ainda bem. Na verdade, Jesus acautelou: “Ai de vós quando todos falarem bem de vós” (Lc 6,26). Uma certa direita acusa o Papa de ser comunista, por ele atacar o atual sistema económico liberal como “injusto na raiz” e dizer coisas como: “esta economia mata”, prevalece a “lei do mais forte” que “come o mais fraco”. E fala até desfalecer de migrantes, refugiados, pobres, descartados; ou hoje “os excluídos não são só explorados, mas são resíduos, são restos”. Outra direita finge gostar deste Santo Padre cita-o para abono das suas teses alegadamente alinhadas com o Evangelho. As esquerdas, concordando com ele, elogiando-o e citando-o como convém, acusam o Papa de estar parado em questões éticas: defende a vida, contra o aborto e a eutanásia; afirma que “não é ser progressista pretender resolver problemas eliminando uma vida humana”; defende a família baseada no matrimónio unicamente entre um homem e uma mulher; condena a teoria do género como “erro da mente humana”; denuncia a ditadura do pensamento único e as colonizações ideológicas, também nas escolas, que correm o risco de se tornarem campos de reeducação; adverte quanto a questões da diminuição do direito à objeção de consciência; critica a obsessiva e superficial proliferação de direitos individuais, “individualistas”, sem a preocupação com os próprios deveres e os direitos do outro; e assinala a contradição de, enquanto se fala de novos direitos, haver pessoas que ainda passam fome e não têm acesso aos demais bens da civilização e da cultura.
Também engrossou a ousadia e o volume das críticas dentro da própria Igreja a ponto de alguns (poucos, mas estrategicamente posicionados) acusarem o Papa de heresia por alegadamente romper com a Tradição secular da Igreja. Outros levam a mal por se irrita porque “bate” em quem está perto e acaricia quem longe. Contrapõem-no aos predecessores. No entanto, não reparam que o Papa não modificou nem pretende modificar nada na doutrina da Igreja. Lembra é aspetos esquecidos ou pouco aforados e quer repor as prioridades da Igreja, ler os sinais dos tempos e gerar uma postura mais pastoral na aplicação da doutrina.
Bento XVI já havia convidado à reflexão sobre o discernimento para a Comunhão aos divorciados e recasados em certos casos. E João Paulo II já respondera a Dom Lefebvre, há 40 anos, explicando o significado da Tradição que “tem origem nos Apóstolos, progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo”. Com efeito, o Papa polaco afirmava:
A compreensão, tanto das coisas quanto das palavras transmitidas, cresce (...) com a reflexão e o estudo dos crentes. Mas é acima de tudo contraditória uma noção de Tradição que se opõe ao Magistério universal da Igreja, do qual é detentor o Bispo de Roma e o Corpo dos Bispos. Não se pode permanecer fiel à Tradição, rompendo o vínculo eclesial com o qual Cristo mesmo, na pessoa do apóstolo Pedro, confiou o ministério da unidade na sua Igreja.”.
E o Papa Francisco sustenta:
A autodestruição ou o fogo amigo é o perigo mais sorrateiro. É o mal que ataca de dentro; e, como disse Cristo, todo reino dividido acaba em ruínas”.
O Papa cita frequentemente o diabo: é Ele que tenta destruir a Igreja. A sua “é uma guerra suja” e “nós, ingénuos, estamos ao seu jogo”.
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Estão ainda em andamento duas ações fortemente promovidas por Francisco. Uma é a reforma da Cúria, difícil devido à complexidade da reorganização duma instituição secular (“fazer reformas em Roma é como limpar a Esfinge do Egito com uma escova de dentes” disse o Papa, citando Dom De Mérode). A outra é a luta contra os abusos sexuais na Igreja. Alguns membros da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, por ele criada, renunciaram, denunciando resistências e atrasos. O Papa reitera a “tolerância zero” porque “não há lugar no ministério para aqueles que abusam de crianças”. E vai avante. Além disso, fez guerra e continuará a fazê-la, se for preciso, a outros escândalos como Vatileaks2 ou as finanças do Vaticano e, em especial, o funcionamento do IOR (Instituto para as Obras Religiosa). Nada detém o Papa Bergoglio.
O Pontífice vindo da Argentina promove a cultura do encontro, no campo ecuménico e no campo inter-religioso, na frente social e política e no nível meramente humano. Move-se rumo à unidade, mas sem omitir as diferenças e as identidades. Foi importante o seu papel no degelo entre os Estados Unidos e Cuba, bem como no processo de paz na Colômbia e na África Central. Ataca os fabricantes e vendedores e compradores de armas. Denuncia veementemente as perseguições aos cristãos, provavelmente mais graves hoje do que no passado, no “silêncio cúmplice de tantas potências” que podem detê-las. Lança apelos contra o tráfico de seres humanos, “uma nova forma de escravidão”. É a paz como estilo de vida que se deseja.
É incontestável que a palavra central do pontificado seja “misericórdia”, no decurso do profundo sentido da encarnação do Verbo. Francisco percebe que esta é uma palavra que escandaliza e ainda mais a insistência nela. Deus é inultrapassável no amor pelas suas criaturas. No entanto, traça bem vincadamente uma linha vermelha como limite: a corrupção. O corrupto é quem não sabe que é corrupto, que recusa a misericórdia divina. E Deus não se impõe, propõe-se. Existe um juízo final. É por isso que o Papa parece dramaticamente encantado o capítulo 25 do Evangelho de Mateus: “Eu estava com fome e você me deu comer...”. No ocaso da vida, seremos julgados pelo amor, pela atenção, proximidade, dedicação.
É, neste lastro da atenção, misericórdia, diálogo, cooperação que Francisco escalpeliza o clericalismo na Igreja e quer mais espaço aos leigos, às mulheres e aos jovens, não propriamente para substituírem os padres, mas para a assunção das responsabilidades que lhes competem. Assim, pretende que os pastores não se refugiem nas suas redomas acasteladas, mas sirvam e, servindo, tenham “o cheiro das ovelhas”. Afirma que os leigos devem descobrir cada vez mais a sua identidade na Igreja, para poderem agir em consequência. Não devem eles permanecer à margem das decisões. Relança o papel das mulheres, mas olhando para o seu mistério, não para a sua funcionalidade: não se trata de uma luta pelo poder ou de reivindicações difíceis ou praticamente impossíveis, como o sacerdócio ministerial. Trata-se, sobretudo, de refletir sobre a hermenêutica da mulher e confiar-lhes missões de estudo e cargos de responsabilidade porque, segundo ele, Maria é mais importante do que os próprios Apóstolos. E convida os jovens a terem um maior protagonismo e a incomodarem os pastores com sua criatividade.
Em suma, o Bispo de Roma exorta todos os cristãos a serem “evangelizadores com Espírito” para “anunciar a novidade do Evangelho com audácia, em voz alta e em todos os momentos e lugares, também contra a corrente”, tocando “a carne sofrida dos outros”, dando “razão da nossa esperança, mas não como inimigos que apontam o dedo e condenam”, mas apóstolos que testemunham e profetizam. E frisa para cada um aplicar a si mesmo:
Se eu consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já é suficiente para justificar o dom da minha vida”.
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Assim seja!
2018.03.13 – Louro de Carvalho

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