Vimos que no primeiro dia da reunião pré-sinodal, a 19 de março,
Francisco incitava os 315 jovens a falar com coragem, sem medo, porque eles têm
o direito de falar e de ser ouvidos, embora também devessem escutar o outro com
humildade e respeito.
Os
trabalhos inaugurados pelo Papa foram acompanhados por mais 15 mil
jovens, através de 6 grupos linguísticos no Facebook, incluindo o português,
com contributos incluídos no documento conclusivo.
E, no dia 25, Domingo
de Ramos Na Paixão do Senhor, sabendo que havia muitas maneiras de calar os
jovens para os distraírem, manipularem e não se deixarem interpelar por eles, o
Pontífice desafiou-os a que se decidissem a não se calarem, antes que as pedras
gritem.
Estes apelos-desafios trazem-me à memória o sobressalto democrático
a que apelou Cavaco Silva a 9 de março de 2011, no discurso da posse e inauguração
do seu segundo mandato presidencial, subentendendo referir-se a uma
manifestação de jovens agendada para o dia 12 de março daquele mesmo ano. Mas
há diferenças de atitude: o espírito do Papa é alimentar a participação eclesial
global e setorial e não propriamente ou somente a política; o fim é o congraçamento
e não a tensão; o Papa deu a cara estando presente quer na sessão inaugural
quer no fórum da Praça de São Pedro; e foi entregue um documento final que o
Pontífice e os dicastérios implicados vão analisar e que o Sínodo vai ter em
conta.
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A Via Sacra
Ora, no final duma semana de trabalhos, os jovens que
participaram, em Roma, na assembleia pré-sinodal de preparação para o Sínodo
dos Bispos que decorrerá em outubro foram convidados a participar numa Via
Sacra na Basílica de São João de Latrão, sob a presidência do Cardeal Kevin
Farrell, Presidente do Dicastério da
Família, Leigos e Vida. Em cada estação, a leitura da Bíblia era acompanha
da leitura dum testemunho dum jovem que já tinha morrido ou que tinha passado
por dificuldades. No final, Farrell desafiou os jovens a conseguirem “olhar
para Jesus e pedir a Graça de seguir o Seu exemplo, para não termos vergonha de
ver quem foi preso, está doente, foi abandonado ou abusado, pois “não podemos
mais fechar os nossos olhos para o sofrimento neste mundo”.
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O desafio à Igreja Católica a
assumir mudanças da era dos ‘social media’
Foi neste ambiente de simplicidade com os olhos em
Cristo presente na cruz do sofrimento dos homens que chegou ao fim a inédita
reunião pré-sinodal que levou ao Vaticano mais de 300 jovens de todo o mundo,
crentes e não crentes, para falarem da sua situação. E dela saíram apelos à
Igreja a assumir as mudanças da era dos ‘social media’. O documento conclusivo
dos trabalhos, divulgado pela sala de imprensa da Santa Sé refere:
“Desejamos uma Igreja acessível através das
redes sociais e dos vários espaços sociais”.
O texto original, que, ao contrário do habitual, é
vertido em inglês e não em italiano, explicita:
“O impacto dos ‘social media’ na vida dos
jovens não pode ser subestimado, as redes sociais são uma parte significativa
da identidade e do modo de vida dos jovens; os ambientes digitais têm um grande
potencial para unir pessoas por cima de distâncias geográficas, como nunca
antes”.
Porém, os participantes, incluindo três portugueses,
admitem que a tecnologia pode potenciar situações de isolamento e aborrecimento,
limitando os contactos a quem pensa da mesma forma. Com efeito, como assinala o
documento, “faltam espaços e oportunidades para encontrar-se com a diferença”. Por
outro lado, os participantes deixaram uma nota sobre o “desacordo” que existe
entre muitos jovens em relação a ensinamentos da Igreja Católica nas áreas mais
“controversas”, como a contraceção, o aborto, a homossexualidade ou o casamento.
E observam que “os jovens podem querer que a Igreja mude o seu ensinamento” ou,
pelo menos, que lhes dê acesso “a uma melhor explicação e a mais formação sobre
estas questões”. Neste sentido, sublinham que os jovens “em conflito” com o
ensinamento oficial querem “continuar a ser parte da Igreja” e que muitos
outros aceitam estes ensinamentos como “fonte de alegria”.
O documento convida os católicos a irem ao encontro
das pessoas nos locais onde elas socializam – nos bares, cafés, estádios ou
espaços culturais –, além de locais onde se vivem dificuldades, como
“orfanatos, hospitais, periferias, zonas de guerra, prisões, comunidades de
recuperação e bairros de luz vermelha”.
A reunião pré-sinodal, convocada por Francisco para
preparar a próxima reunião do Sínodo dos Bispos, que em outubro vai debater, no
Vaticano, o tema ‘Os jovens, a fé e o
discernimento vocacional’ produziu o aludido documento que, ao longo de 14
páginas, contém a síntese dos vários contributos recolhidos, manifestando o
desejo de uma “Igreja autêntica, uma comunidade transparente, honesta,
convidativa, comunicadora, acessível, alegre e interativa”.
O documento está dividido em três partes: os desafios e oportunidades dos jovens no
mundo de hoje; a fé e a vocação,
discernimento e acompanhamento; e a ação
educativa e pastoral da Igreja. Nele, os jovens oferecem a sua visão como
“instrumento de navegação” para uma maior compreensão da sua realidade por
parte da hierarquia católica. E, face a uma imagem de Igreja demasiado severa
ou moralista, os jovens esperam “uma Igreja acolhedora e misericordiosa”, que
ama todos.
As preocupações apresentadas passam por temas como a
sexualidade, a toxicodependência, os casamentos falhados, as famílias
desagregadas, os problemas sociais, a criminalidade organizada, o tráfico de
seres humanos, a violência, a corrupção, o feminicídio, as perseguições e a
degradação ambiental. “Inclusão,
acolhimento, misericórdia e ternura” são palavras-chaves nas propostas do
mundo juvenil à Igreja Católica, a que se somam desafios para o mundo, como a
paz, a “ecologia integral” ou uma “economia global sustentável”. Os
participantes denunciam ainda a “chaga da pornografia”, incluindo os abusos de
menores, e o “cyberbullyng”.
Em relação ao anúncio da mensagem cristã, os jovens
esperam “testemunhas autênticas” de fé, que saibam transmiti-la com paixão, e
propõem um “regresso às Escrituras”, à Bíblia, para aprofundar o conhecimento
da “pessoa de Cristo”.
O documento foi entregue no domingo ao Pontífice por
um jovem do Panamá, cujo país irá acolher a próxima edição internacional da Jornada Mundial da Juventude, em janeiro
de 2019.
***
As diferenças culturais e as
preocupações comuns dos jovens
Três participantes na
reunião pré-sinodal sublinharam, em conferência de imprensa, no Vaticano, a experiência
única e comentaram o documento dito “revolucionário”.
As diferenças culturais dos mais de 300 jovens que
participaram fisicamente na reunião pré-sinodal, que terminou no Vaticano, no
dia 24 de março, ajudaram a mostrar que as suas preocupações e sentimentos são
“muito semelhantes”. A este respeito, Laphidil Twumasi, uma jovem de origem
ganesa a viver em Itália, que integrou a equipa de redação do documento final
que apelidou de ” revolucionário”, afirmou que, “tendo diferentes bagagens
culturais, quase todos temos as mesmas ideias e pensamos sobre os mesmos
temas”. E acrescentou:
“Isso reforça a minha opinião de que temos o
mesmo objetivo e necessidade. Preocupamo-nos com o progresso da Igreja e da
sociedade em geral. E isto mostra que, como disse o Papa Francisco, nós,
jovens, não somos estúpidos e que a nossa voz deve ser ouvida e levada em
consideração.”.
Por seu turno, o jovem indiano Percival Holt sublinhou
que respeitar e sintetizar as preocupações que surgiram no pré-sínodo parecia uma
tarefa “hercúlea”, mas o processo resultou num documento “apelativo”.
Sustentando que a maioria dos jovens enfrenta uma
“tremenda crise de personalidade”, maioritariamente devido a pressões externas
e a falta de introspeção, de relação com o divino e com os outros, o jovem explicitou
que “a espiritualidade é importante para muitos de nós, mas é ambígua para
outros”. E reconheceu que os jovens, na Índia, enfrentam o “desenvolvimento
repentino de uma rápida globalização que causou uma exposição a um estilo de
vida que se tornou difícil de digerir, tornando-nos vulneráveis e dependentes
da tecnologia”.
A sua experiência mostra-lhe que os jovens são hoje
“mais sensíveis, práticos e objetivos e partilham sem problemas os seus
sentimentos e expectativas”. Porém, precisam de “quem os guie e acompanhe na
sua vida”. Por isso, considera o documento como “um grito dos jovens para que
sejam escutados e lhes seja indicado o caminho neste mundo caótico”.
Também Briana Santiago, uma jovem de 26 anos, do
Texas, nos EUA, que estuda filosofia em Roma, integrou o grupo das redes
sociais e destacou a qualidade da participação dos que não estiveram no
Vaticano, mas puderam contribuir via mundo digital. Disse ela:
“Os jovens que participaram através das
redes sociais manifestaram desejo de criar famílias unidas e fortes, desejo de
participação nas suas igrejas locais, honrar a beleza da liturgia, mergulhar na
tradição dos nossos predecessores, encontrar guias que ajudem a discernir e a
tomar decisões importantes”.
E salientou que nunca tiveram de “intervir devido à
falta de respeito ou linguagem menos própria que rapidamente pode ser
encontrada nas plataformas on line” e
que “a organização registou cerca de 15 mil participações on line”.
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O documento final a que se aludiu resulta do material
recolhido dos 20 grupos divididos por idiomas: 9 de língua inglesa, 4 de língua
espanhola, 4 de língua italiana e 3 de língua francesa; e, ainda, de 6 grupos
que apresentaram sugestões de jovens que não estavam fisicamente na reunião
pré-sinodal.
Laphidil Twumasi precisou que trabalharam “três dias
até à meia-noite no documento” e que o objetivo era “inscrever as ideias de
modo “direto, preciso, claro, fazendo com que todos os jovens, sem excluir
ninguém, se reconhecessem no documento”. E Briana Santiago acrescentou:
“Passámos mais horas em frente ao computador
do que imaginávamos, mas sentimo-nos maravilhados e com sentido de humildade
perante a profundidade da reflexão, o desejo de partilha, a vulnerabilidade e a
grande sinceridade que as respostas claramente demonstraram”.
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Uma Igreja transparente,
credível e em diálogo com modernidade
O Secretário-Geral
do Sínodo apresentou publicamente o documento resultante da reunião pré-sinodal,
em que se refere que os jovens
querem uma Igreja “transparente”, que “reconheça os erros do passado” e que
“dialogue com a modernidade”.
A síntese do documento que resulta da reunião
pré-sinodal, que desde o dia 19 juntou mais de 300 jovens para preparar a
próxima assembleia do Sínodo dos Bispos, em outubro, foi apresentada, na manhã do
dia 24, no Vaticano, pelo Secretário-Geral da assembleia sinodal, Cardeal
Lorenzo Baldisseri – um texto que apresenta “um grande desejo de transparência
e credibilidade”, em particular “dos pastores”, e pede que a Igreja reconheça “com
humildade os erros do passado e do presente e se empenhe com coragem a viver o
que professa”.
O responsável sinodal assinalou que os jovens procuram
educadores “com rosto humano”, disponíveis para “reconhecer a sua fragilidade”.
Numa outra “categoria fundamental do documento” que
apresenta a vocação, discernimento e acompanhamento, fica evidenciado o quanto os
jovens de hoje “sofrem com a falta de acompanhamento que os ajude a percorrer a
estrada da sua vida” e como pedem à comunidade cristã que “assuma a
responsabilidade” desta necessidade enquanto “guias autorizados”.
O Cardeal Baldisseri sublinha que os jovens falam numa
Igreja jovem, ou seja, “os jovens definem-se no plural como Igreja
jovem que não está em confronto com uma Igreja de adultos, mas dentro da Igreja”.
O Secretário-Geral
do Sínodo indicou o desejo de uma Igreja “extrovertida”, empenhada em
“dialogar sem preconceitos com a modernidade”, em particular com o mundo das
novas tecnologias, “cujo potencial deve ser reconhecido e o uso correto
orientado”.
Baldisseri registou ainda uma frase emblemática do documento:
“Uma
igreja atrativa é uma Igreja relacional”. Mais: os jovens preconizam
uma instituição de “diálogo, acolhimento, renovamento e de escuta”, “tal como o
Santo Padre pede desde o início do seu ministério petrino”. E, segundo o Cardeal,
os jovens deram nestes dias uma demonstração de “grande seriedade, de procura
apaixonada por um sentido, de generosa abertura e espontaneidade”.
O responsável sinodal assinala ainda a “confiança na
Igreja” e as “expectativas” que os jovens depositam nela.
***
Em síntese
Se é difícil para os jovens
sentirem que pertencem à Igreja e que a lideram, isso “é muito mais difícil
para as jovens mulheres”, lê-se no aludido documento que elenca as conclusões
dos jovens, que estiveram reunidos ao longo da semana em Roma e que foi
entregue ao Papa.
Mais
mulheres em posições de chefia na Igreja, maior poder de decisão para os jovens
e uma presença mais forte em espaços de lazer como bares, cafés ou
ginásios. São estes os pedidos dos jovens que participaram num encontro promovido
pelo Vaticano ao longo da passada semana. As conclusões foram apresentadas ao
Papa Francisco neste Domingo de Ramos na
Paixão do Senhor e serão discutidas pelos bispos no Vaticano, no próximo
Sínodo, em outubro.
A sugestão
mais repetida pelos jovens que participaram na reunião é a de uma maior
inclusão das mulheres nas posições de chefia da Igreja – ao todo, foi repetida
4 vezes no documento de 14 páginas que elenca as conclusões do grupo. O grupo
incita a Igreja a “empoderar jovens mulheres”, dando-lhes modelos a seguir, pois,
“se é difícil para os jovens sentirem que pertencem à Igreja e que a lideram, é muito mais difícil para as jovens
mulheres”.
Por outro
lado, o documento realça o distanciamento da Igreja face aos jovens, que querem
ser envolvidos nos processos de tomada de decisão. Pedem mais humildade e
transparência e queixam-se do “moralismo
excessivo” dos burocratas religiosos. Os jovens querem que a Igreja admita
que é feita por humanos e que, por isso, comete erros. No documento, o grupo
cita os escândalos de abuso sexual de menores como erros que
afastaram as pessoas da Igreja:
“Alguns mentores são postos num pedestal e,
quando caem, a devastação impacta a capacidade dos jovens de se comprometerem
com a Igreja”.
Estes jovens
querem uma Igreja mais próxima dos assuntos que costumam discutir, os meios que
costumam usar e dos espaços que costumam frequentar. Nestes termos, vincam:
“A Igreja devia encontrar formas novas e
criativas de encontrar as pessoas onde elas estão confortáveis e onde
naturalmente socializam: bares, cafés, parques, ginásios, estádios e outros centros
culturais populares”.
Querem uma
instituição mais presente no mundo tecnológico e pedem mais indicações sobre
como usar a tecnologia de forma responsável, evitando vícios como a
pornografia, por exemplo.
O grupo, que
integrou alguns membros não católicos, não cristãos e ateus, não chegou a
um consenso quanto aos temas da homossexualidade, aborto ou coabitação. Uns
pedem que a Igreja mude os ensinamentos nestas matérias; outros dizem-se
satisfeitos com a abordagem atual. Ainda assim, concordam que o diálogo devia
ser mais prático:
“Nós, na Igreja jovem, pedimos aos nossos
líderes para falarem em termos práticos acerca de assuntos como a homossexualidade
e as questões de género, sobre os quais os jovens já falam livremente”.
***
Os jovens
responderam assim ao repto do Papa, que os incitou a falarem de forma livre e
corajosa. Francisco notou que os jovens se afastavam da Igreja por encontrarem
“indiferença, julgamento e rejeição” – posição confirmada por este grupo, que
se exprimem nestes termos:
“Precisamos de uma Igreja que seja
acolhedora e misericordiosa, que aprecie as suas raízes e património e que ame
toda a gente, mesmo aqueles que não seguem os standards”.
***
E esta Igreja
é desejável, é possível e já existe, mas precisa de ser e estar sempre em
renovação.
2018.03.26 –
Louro de Carvalho
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