segunda-feira, 26 de março de 2018

Reunião pré-sinodal dos jovens ou um forte sobressalto eclesial?


Vimos que no primeiro dia da reunião pré-sinodal, a 19 de março, Francisco incitava os 315 jovens a falar com coragem, sem medo, porque eles têm o direito de falar e de ser ouvidos, embora também devessem escutar o outro com humildade e respeito.
Os trabalhos inaugurados pelo Papa foram acompanhados por mais 15 mil jovens, através de 6 grupos linguísticos no Facebook, incluindo o português, com contributos incluídos no documento conclusivo.
E, no dia 25, Domingo de Ramos Na Paixão do Senhor, sabendo que havia muitas maneiras de calar os jovens para os distraírem, manipularem e não se deixarem interpelar por eles, o Pontífice desafiou-os a que se decidissem a não se calarem, antes que as pedras gritem.
Estes apelos-desafios trazem-me à memória o sobressalto democrático a que apelou Cavaco Silva a 9 de março de 2011, no discurso da posse e inauguração do seu segundo mandato presidencial, subentendendo referir-se a uma manifestação de jovens agendada para o dia 12 de março daquele mesmo ano. Mas há diferenças de atitude: o espírito do Papa é alimentar a participação eclesial global e setorial e não propriamente ou somente a política; o fim é o congraçamento e não a tensão; o Papa deu a cara estando presente quer na sessão inaugural quer no fórum da Praça de São Pedro; e foi entregue um documento final que o Pontífice e os dicastérios implicados vão analisar e que o Sínodo vai ter em conta.  
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A Via Sacra
Ora, no final duma semana de trabalhos, os jovens que participaram, em Roma, na assembleia pré-sinodal de preparação para o Sínodo dos Bispos que decorrerá em outubro foram convidados a participar numa Via Sacra na Basílica de São João de Latrão, sob a presidência do Cardeal Kevin Farrell, Presidente do Dicastério da Família, Leigos e Vida. Em cada estação, a leitura da Bíblia era acompanha da leitura dum testemunho dum jovem que já tinha morrido ou que tinha passado por dificuldades. No final, Farrell desafiou os jovens a conseguirem “olhar para Jesus e pedir a Graça de seguir o Seu exemplo, para não termos vergonha de ver quem foi preso, está doente, foi abandonado ou abusado, pois “não podemos mais fechar os nossos olhos para o sofrimento neste mundo”.
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O desafio à Igreja Católica a assumir mudanças da era dos ‘social media’
Foi neste ambiente de simplicidade com os olhos em Cristo presente na cruz do sofrimento dos homens que chegou ao fim a inédita reunião pré-sinodal que levou ao Vaticano mais de 300 jovens de todo o mundo, crentes e não crentes, para falarem da sua situação. E dela saíram apelos à Igreja a assumir as mudanças da era dos ‘social media’. O documento conclusivo dos trabalhos, divulgado pela sala de imprensa da Santa Sé refere:
Desejamos uma Igreja acessível através das redes sociais e dos vários espaços sociais”.
O texto original, que, ao contrário do habitual, é vertido em inglês e não em italiano, explicita:
O impacto dos ‘social media’ na vida dos jovens não pode ser subestimado, as redes sociais são uma parte significativa da identidade e do modo de vida dos jovens; os ambientes digitais têm um grande potencial para unir pessoas por cima de distâncias geográficas, como nunca antes”.
Porém, os participantes, incluindo três portugueses, admitem que a tecnologia pode potenciar situações de isolamento e aborrecimento, limitando os contactos a quem pensa da mesma forma. Com efeito, como assinala o documento, “faltam espaços e oportunidades para encontrar-se com a diferença”. Por outro lado, os participantes deixaram uma nota sobre o “desacordo” que existe entre muitos jovens em relação a ensinamentos da Igreja Católica nas áreas mais “controversas”, como a contraceção, o aborto, a homossexualidade ou o casamento. E observam que “os jovens podem querer que a Igreja mude o seu ensinamento” ou, pelo menos, que lhes dê acesso “a uma melhor explicação e a mais formação sobre estas questões”. Neste sentido, sublinham que os jovens “em conflito” com o ensinamento oficial querem “continuar a ser parte da Igreja” e que muitos outros aceitam estes ensinamentos como “fonte de alegria”.
O documento convida os católicos a irem ao encontro das pessoas nos locais onde elas socializam – nos bares, cafés, estádios ou espaços culturais –, além de locais onde se vivem dificuldades, como “orfanatos, hospitais, periferias, zonas de guerra, prisões, comunidades de recuperação e bairros de luz vermelha”.
A reunião pré-sinodal, convocada por Francisco para preparar a próxima reunião do Sínodo dos Bispos, que em outubro vai debater, no Vaticano, o tema ‘Os jovens, a fé e o discernimento vocacional’ produziu o aludido documento que, ao longo de 14 páginas, contém a síntese dos vários contributos recolhidos, manifestando o desejo de uma “Igreja autêntica, uma comunidade transparente, honesta, convidativa, comunicadora, acessível, alegre e interativa”.
O documento está dividido em três partes: os desafios e oportunidades dos jovens no mundo de hoje; a fé e a vocação, discernimento e acompanhamento; e a ação educativa e pastoral da Igreja. Nele, os jovens oferecem a sua visão como “instrumento de navegação” para uma maior compreensão da sua realidade por parte da hierarquia católica. E, face a uma imagem de Igreja demasiado severa ou moralista, os jovens esperam “uma Igreja acolhedora e misericordiosa”, que ama todos.
As preocupações apresentadas passam por temas como a sexualidade, a toxicodependência, os casamentos falhados, as famílias desagregadas, os problemas sociais, a criminalidade organizada, o tráfico de seres humanos, a violência, a corrupção, o feminicídio, as perseguições e a degradação ambiental. “Inclusão, acolhimento, misericórdia e ternura” são palavras-chaves nas propostas do mundo juvenil à Igreja Católica, a que se somam desafios para o mundo, como a paz, a “ecologia integral” ou uma “economia global sustentável”. Os participantes denunciam ainda a “chaga da pornografia”, incluindo os abusos de menores, e o “cyberbullyng”.
Em relação ao anúncio da mensagem cristã, os jovens esperam “testemunhas autênticas” de fé, que saibam transmiti-la com paixão, e propõem um “regresso às Escrituras”, à Bíblia, para aprofundar o conhecimento da “pessoa de Cristo”.
O documento foi entregue no domingo ao Pontífice por um jovem do Panamá, cujo país irá acolher a próxima edição internacional da Jornada Mundial da Juventude, em janeiro de 2019.
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As diferenças culturais e as preocupações comuns dos jovens
Três participantes na reunião pré-sinodal sublinharam, em conferência de imprensa, no Vaticano, a experiência única e comentaram o documento dito “revolucionário”.
As diferenças culturais dos mais de 300 jovens que participaram fisicamente na reunião pré-sinodal, que terminou no Vaticano, no dia 24 de março, ajudaram a mostrar que as suas preocupações e sentimentos são “muito semelhantes”. A este respeito, Laphidil Twumasi, uma jovem de origem ganesa a viver em Itália, que integrou a equipa de redação do documento final que apelidou de ” revolucionário”, afirmou que, “tendo diferentes bagagens culturais, quase todos temos as mesmas ideias e pensamos sobre os mesmos temas”. E acrescentou:
Isso reforça a minha opinião de que temos o mesmo objetivo e necessidade. Preocupamo-nos com o progresso da Igreja e da sociedade em geral. E isto mostra que, como disse o Papa Francisco, nós, jovens, não somos estúpidos e que a nossa voz deve ser ouvida e levada em consideração.”.
Por seu turno, o jovem indiano Percival Holt sublinhou que respeitar e sintetizar as preocupações que surgiram no pré-sínodo parecia uma tarefa “hercúlea”, mas o processo resultou num documento “apelativo”.
Sustentando que a maioria dos jovens enfrenta uma “tremenda crise de personalidade”, maioritariamente devido a pressões externas e a falta de introspeção, de relação com o divino e com os outros, o jovem explicitou que “a espiritualidade é importante para muitos de nós, mas é ambígua para outros”. E reconheceu que os jovens, na Índia, enfrentam o “desenvolvimento repentino de uma rápida globalização que causou uma exposição a um estilo de vida que se tornou difícil de digerir, tornando-nos vulneráveis e dependentes da tecnologia”.
A sua experiência mostra-lhe que os jovens são hoje “mais sensíveis, práticos e objetivos e partilham sem problemas os seus sentimentos e expectativas”. Porém, precisam de “quem os guie e acompanhe na sua vida”. Por isso, considera o documento como “um grito dos jovens para que sejam escutados e lhes seja indicado o caminho neste mundo caótico”.
Também Briana Santiago, uma jovem de 26 anos, do Texas, nos EUA, que estuda filosofia em Roma, integrou o grupo das redes sociais e destacou a qualidade da participação dos que não estiveram no Vaticano, mas puderam contribuir via mundo digital. Disse ela:
Os jovens que participaram através das redes sociais manifestaram desejo de criar famílias unidas e fortes, desejo de participação nas suas igrejas locais, honrar a beleza da liturgia, mergulhar na tradição dos nossos predecessores, encontrar guias que ajudem a discernir e a tomar decisões importantes”.
E salientou que nunca tiveram de “intervir devido à falta de respeito ou linguagem menos própria que rapidamente pode ser encontrada nas plataformas on line” e que “a organização registou cerca de 15 mil participações on line”.
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O documento final a que se aludiu resulta do material recolhido dos 20 grupos divididos por idiomas: 9 de língua inglesa, 4 de língua espanhola, 4 de língua italiana e 3 de língua francesa; e, ainda, de 6 grupos que apresentaram sugestões de jovens que não estavam fisicamente na reunião pré-sinodal.
Laphidil Twumasi precisou que trabalharam “três dias até à meia-noite no documento” e que o objetivo era “inscrever as ideias de modo “direto, preciso, claro, fazendo com que todos os jovens, sem excluir ninguém, se reconhecessem no documento”. E Briana Santiago acrescentou:
Passámos mais horas em frente ao computador do que imaginávamos, mas sentimo-nos maravilhados e com sentido de humildade perante a profundidade da reflexão, o desejo de partilha, a vulnerabilidade e a grande sinceridade que as respostas claramente demonstraram”.
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Uma Igreja transparente, credível e em diálogo com modernidade
O Secretário-Geral do Sínodo apresentou publicamente o documento resultante da reunião pré-sinodal, em que se refere que os jovens querem uma Igreja “transparente”, que “reconheça os erros do passado” e que “dialogue com a modernidade”.
A síntese do documento que resulta da reunião pré-sinodal, que desde o dia 19 juntou mais de 300 jovens para preparar a próxima assembleia do Sínodo dos Bispos, em outubro, foi apresentada, na manhã do dia 24, no Vaticano, pelo Secretário-Geral da assembleia sinodal, Cardeal Lorenzo Baldisseri – um texto que apresenta “um grande desejo de transparência e credibilidade”, em particular “dos pastores”, e pede que a Igreja reconheça “com humildade os erros do passado e do presente e se empenhe com coragem a viver o que professa”.
O responsável sinodal assinalou que os jovens procuram educadores “com rosto humano”, disponíveis para “reconhecer a sua fragilidade”.
Numa outra “categoria fundamental do documento” que apresenta a vocação, discernimento e acompanhamento, fica evidenciado o quanto os jovens de hoje “sofrem com a falta de acompanhamento que os ajude a percorrer a estrada da sua vida” e como pedem à comunidade cristã que “assuma a responsabilidade” desta necessidade enquanto “guias autorizados”.
O Cardeal Baldisseri sublinha que os jovens falam numa Igreja jovem, ou seja, “os jovens definem-se no plural como Igreja jovem que não está em confronto com uma Igreja de adultos, mas dentro da Igreja”.
O Secretário-Geral do Sínodo indicou o desejo de uma Igreja “extrovertida”, empenhada em “dialogar sem preconceitos com a modernidade”, em particular com o mundo das novas tecnologias, “cujo potencial deve ser reconhecido e o uso correto orientado”.
Baldisseri registou ainda uma frase emblemática do documento: “Uma igreja atrativa é uma Igreja relacional”. Mais: os jovens preconizam uma instituição de “diálogo, acolhimento, renovamento e de escuta”, “tal como o Santo Padre pede desde o início do seu ministério petrino”. E, segundo o Cardeal, os jovens deram nestes dias uma demonstração de “grande seriedade, de procura apaixonada por um sentido, de generosa abertura e espontaneidade”.
O responsável sinodal assinala ainda a “confiança na Igreja” e as “expectativas” que os jovens depositam nela.
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Em síntese
 Se é difícil para os jovens sentirem que pertencem à Igreja e que a lideram, isso “é muito mais difícil para as jovens mulheres”, lê-se no aludido documento que elenca as conclusões dos jovens, que estiveram reunidos ao longo da semana em Roma e que foi entregue ao Papa.
Mais mulheres em posições de chefia na Igreja, maior poder de decisão para os jovens e uma presença mais forte em espaços de lazer como bares, cafés ou ginásios. São estes os pedidos dos jovens que participaram num encontro promovido pelo Vaticano ao longo da passada semana. As conclusões foram apresentadas ao Papa Francisco neste Domingo de Ramos na Paixão do Senhor e serão discutidas pelos bispos no Vaticano, no próximo Sínodo, em outubro.
A sugestão mais repetida pelos jovens que participaram na reunião é a de uma maior inclusão das mulheres nas posições de chefia da Igreja – ao todo, foi repetida 4 vezes no documento de 14 páginas que elenca as conclusões do grupo. O grupo incita a Igreja a “empoderar jovens mulheres”, dando-lhes modelos a seguir, pois, “se é difícil para os jovens sentirem que pertencem à Igreja e que a lideram, é muito mais difícil para as jovens mulheres”.
Por outro lado, o documento realça o distanciamento da Igreja face aos jovens, que querem ser envolvidos nos processos de tomada de decisão. Pedem mais humildade e transparência e queixam-se do “moralismo excessivo” dos burocratas religiosos. Os jovens querem que a Igreja admita que é feita por humanos e que, por isso, comete erros. No documento, o grupo cita os escândalos de abuso sexual de menores como erros que afastaram as pessoas da Igreja:
Alguns mentores são postos num pedestal e, quando caem, a devastação impacta a capacidade dos jovens de se comprometerem com a Igreja”.
Estes jovens querem uma Igreja mais próxima dos assuntos que costumam discutir, os meios que costumam usar e dos espaços que costumam frequentar. Nestes termos, vincam:
A Igreja devia encontrar formas novas e criativas de encontrar as pessoas onde elas estão confortáveis e onde naturalmente socializam: bares, cafés, parques, ginásios, estádios e outros centros culturais populares”.
Querem uma instituição mais presente no mundo tecnológico e pedem mais indicações sobre como usar a tecnologia de forma responsável, evitando vícios como a pornografia, por exemplo.
O grupo, que integrou alguns membros não católicos, não cristãos e ateus, não chegou a um consenso quanto aos temas da homossexualidade, aborto ou coabitação. Uns pedem que a Igreja mude os ensinamentos nestas matérias; outros dizem-se satisfeitos com a abordagem atual. Ainda assim, concordam que o diálogo devia ser mais prático:
Nós, na Igreja jovem, pedimos aos nossos líderes para falarem em termos práticos acerca de assuntos como a homossexualidade e as questões de género, sobre os quais os jovens já falam livremente”.
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Os jovens responderam assim ao repto do Papa, que os incitou a falarem de forma livre e corajosa. Francisco notou que os jovens se afastavam da Igreja por encontrarem “indiferença, julgamento e rejeição” – posição confirmada por este grupo, que se exprimem nestes termos:
Precisamos de uma Igreja que seja acolhedora e misericordiosa, que aprecie as suas raízes e património e que ame toda a gente, mesmo aqueles que não seguem os standards”.
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E esta Igreja é desejável, é possível e já existe, mas precisa de ser e estar sempre em renovação.
2018.03.26 – Louro de Carvalho

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