quinta-feira, 22 de março de 2018

Montepio – entradas simbólicas de mil euros


Depois de tanta tinta gasta e tanta palavra proferida sobre SCML e Montepio Geral, era natural que fosse ouvido o testemunho do Presidente da CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade), Padre Lino Maia, e do Presidente da UMP (União da Misericórdias Portuguesas), Manuel Lemos. Isto, porque o Provedor da Misericórdia de Lisboa disse que a instituição que lidera só entraria no capital do banco se as outras instituições ligadas à economia social também entrassem. As diligências feitas junto das Caixas Agrícolas não tiveram sucesso. Restavam, pois as outras Misericórdias e as IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social).
Como recentemente se perspetiva a participação da SCML em 1% do capital do Montepio Geral, em termos quantitativos, 20 milhões de euros (e não os anteriormente badalados 200 milhões por 10%), restavam para as outras preditas entidades mais de 1%, em termos quantitativos entre 28 a 30 milhões.
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Questionado sobre esta matéria pelo ECO, Lino Maia diz que é “rigorosamente impossível” que as IPSS invistam 30 milhões no Montepio.
O presidente da CNIS garante que as IPSS que entrarem no Montepio, que serão poucas, irão aplicar apenas um “valor simbólico”, que fica muito aquém dos ditos 30 milhões.
Segundo foi propalado pela comunicação social, com base nas fontes, ficou apalavrado que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), as outras Misericórdias e as IPSS entrariam no capital do Montepio com um montante entre 45 e 48 milhões de euros, ficando com 2% do banco. Deste total, caberão 20 milhões à SCML. Porém, as outras Misericórdias afastam um contributo grande, apontando apenas para centenas de milhares. Então, seriam as IPSS a garantir os restantes 25 a 30 milhões.
Ora, o Presidente da CNIS, a entidade que representa as 2.970 IPSS em Portugal, vem garantir que “estamos muito longe desse valor”. E avançou ao ECO, numa entrevista telefónica, que as poucas instituições que decidirem entrar, em conjunto com a SCML, devem disponibilizar apenas mil euros, cada uma, sendo de igual valor o montante com que devem entrar as Misericórdias, como foi dito, também ao ECO, pelo presidente da União das Misericórdias.
Manuel Lemos até afirmou que há “um equívoco brutal” quando se fala em investimentos até 10 mil euros por parte das restantes Misericórdias. Disse o Presidente da UMP:
Se tivéssemos muito dinheiro… mas as misericórdias estão muito descapitalizadas”.
Segundo Lino Maia, a situação é idêntica nas IPSS, sendo “rigorosamente impossível” chegar a este valor, uma vez que as IPSS “não têm fundos”, dependendo de apoios estatais, contribuições dos utentes e de dádivas. Esta contribuição residual servirá apenas para reforçar a função do Montepio enquanto banco de economia social, na opinião do Presidente da CNIS, que diz não ter ideia de quantas IPSS manifestaram vontade de participar no capital do Montepio. Admitindo fazer uma sondagem sobre a matéria, limita-se, de momento, a avançar que, se houve alguma a aderir, foi por iniciativa própria, pois isso, em princípio, não passa pela CNIS.
Sobre um possível prazo para as IPSS demonstrarem interesse, o Presidente da Confederação refere que não está definida nenhuma data, pelo menos para já.
Em relação à hipótese de as Misericórdias porem mil euros cada e entrarem apenas 200 Misericórdias – o que daria 200 mil euros – e ficar o resto para as IPSS, Lino Maia respondeu:
É a mesma coisa que disse o Presidente da União das Misericórdias: pode ser uma adesão mais simbólica, com um valor mais simbólico. Podemos estar a falar de entradas com mil euros ou pouco mais do que isso. Mas, de facto, não há um valor definido. […] Estou absolutamente convencido de que não estamos a falar de valores desse género porque as IPSS não têm fundos. É possível que haja entradas simbólicas de mil euros. E não da parte de todas as IPSS, apenas de algumas. É rigorosamente impossível chegar a esse valor.”.
Ao ser questionado se, no caso de a contribuição das IPSS não alcançar o montante previsto, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa pode cobrir esse capital em falta, respondeu que não sabe, mas esclareceu que a SCML não é uma IPSS, é pública.
Porém, do meu ponto de vista, é aqui que bate o ponto. Se a SCML entrasse com 10% do capital, poria na administração do Montepio dois administradores. Entrando com 1%, já consegue lá ter um administrador não executivo. Pretenderá lá colocar mais? Tanto assim é que, ao ser interpelado quanto a esta matéria, o Padre Lino Maia disse “nim”. Vejamos:
Pergunta: “O provedor da SCML será administrador não executivo em troca de uma participação de 1% por 20 milhões. Se as misericórdias e IPSS pagarem 30 milhões por 1%, fará sentido terem algum representante na administração?”
Resposta: “Não foi falado. Não será uma via. Estamos a falar de valores muito simbólicos.”.
Réplica: “Se forem 30 milhões não serão assim tão simbólicos…”.
Tréplica: “Tenho a certeza que da parte das IPSS e misericórdias não se pode falar de 30 milhões de euros. Estamos muito longe desse valor.”.
Não podemos esquecer que a CEMG será uma SA. Assim, a administração há de representar os detentores das ações… e a SCML, pelos vistos, não dá ponto sem nó. É de desconfiar deste abaixamento brutal da ambição. 
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Em todo o caso, o Presidente da CNIS entrou na onda em certa medida, acreditando que um banco originado numa associação mutualista se transforma num banco social, como se uma cooperativa, cujo objetivo é defender os interesses e rentabilizar os bens dos cooperantes, fosse automaticamente ou pela pressão social fadada para a economia social ou para a ação social.
No equívoco entrou Lino Maia ao responder à questão do possível interesse das IPSS em entrar no capital de um banco ou à da importância de se criar um banco social em Portugal. Disse ele:
Penso que se justifica que haja um banco social e o Montepio responde em alguns aspetos a isso. Neste sentido, uma entrada das IPSS no capital do banco é mais um sinal que se dá à função do Montepio enquanto banco social.”.
Porém, há um aspeto fundamental em que o Padre Maia se segurou. Quando lhe perguntaram aonde vão as IPSS buscar o dinheiro, respondeu que isso cabia à gestão de cada instituição, mas apontou três fontes usuais: ajudas de Estado, que representam cerca de 42%; contribuições de utentes, que representam 50%; e filantropia, dádivas, etc., que representam 8%. E, depois, acrescenta algo importante que tem a ver com a participação ou não no capital dum banco: “Agora, não podemos pedir ao Estado mais dinheiro para entrar no capital do banco porque seria de algum modo quase lavagem de dinheiro”. 
A verdadeira razão pela qual se poe a questão da participação das IPSS é que muitas já tiveram de pedir emprestado dinheiro ao Montepio para ações sociais. E quem empresta quer definir regras. E diz o Padre Maia que “a CNIS esteve presente na negociação da linha de crédito e fundos de reestruturação a que o Montepio se candidatou e entrou. Nesse caso, estamos a falar no total de cerca de 50 milhões de euros que estão a ser reembolsados”.
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Por seu turno, o Presidente da UMP afirma que, se metade das instituições que lhe dizem respeito entrar no Montepio “é uma sorte”. E, mesmo as que entrarem, só deverão pôr mil euros cada uma. Com efeito, a SCML vai entrar no capital do Montepio, mas não o fará sozinha. Outras Misericórdias vão fazer o mesmo, mas não serão muitas. Se metade destas entidades entrar no capital “é uma sorte”. Por isso, este investimento não servirá para salvar o banco.
Reiterando que “há um equívoco brutal” quando se fala em investimentos até 10 mil euros por parte das restantes misericórdias, Manuel Lemos faz contas se entrarem 200 misericórdias, num universo de cerca de 400, “estamos a falar de 200 mil euros”, uma contribuição que fica muito aquém do que tem sido falado. É um montante, defende Manuel Lemos, que procura garantir a criação de um banco social, não será para salvar o Montepio.
Tomás Correia, presidente da Associação Mutualista Montepio Geral, afirmou, numa entrevista à RTP 3, que a SCML e algumas dezenas de Misericórdias deverão investir cerca de 48 milhões de euros para comprarem uma participação de 2% no banco. Mas esta entrada no capital da instituição financeira deverá ser gradual, confirmou fonte oficial da Santa Casa ao ECO. Inicialmente, a Santa Casa deverá entrar com menos de 20 milhões por 1% do banco. Os outros 1% (ou seja, 30 milhões) deverão ser adquiridos pelas outras misericórdias e IPSS.
Perante esta narrativa, o ECO perguntou ao Presidente da UMP se estava tranquilo com este investimento da Santa Casa e Misericórdias no Montepio. Ao que respondeu:
Há aí uma confusão muito grande… O investimento [das misericórdias] pode variar entre os mil e os 10.000 euros. Se multiplicar 1.000 euros por 400 misericórdias, estamos a falar de 400 mil euros. Isto se todas entrassem… mas penso que se entrar metade já é um número fantástico. Se entrarem 200 misericórdias estamos a falar de 200 mil euros. É um equívoco brutal.”.

Questionado se é a SCML que põe o resto, admite que sim, mas cabe à SCML responder a essa questão, pois “a posição da União das Misericórdias é meramente residual”. Mais afirmou que a possível entrada não será feita através da União, sendo cada Misericórdia a decidir por si.

Reitera a ideia de que, se entrar metade já é uma sorte, pelo menos agora… depois podem ir entrando. E afirma uma coisa estrondosa:
Mas, neste primeiro momento, é mais uma manifestação política do que financeira de que Portugal deve ter um banco de economia social. Há bancos de economia social em toda a Europa. Estamos a dizer às pessoas e aos representantes políticos que é bom para Portugal termos um banco de economia social. Não estamos a salvar o Montepio, nem a entrar no capital do Montepio para ter lugar no banco. Não é nada disso.”.

Quanto à hipotética rentabilidade do investimento no capital de um banco para as Misericórdias, refere que “falar de mil euros por instituição” não é falar de “rentabilidade”, mas “é para marcar uma posição política de que queremos um banco de economia social. 

E, quanto à hipótese de ser melhor aplicar os mil euros em ação social, rasga o segredo:

Isso não resolve nada porque para termos ação social estamos constantemente a recorrer à banca. Portanto, ao aplicarmos esses mil euros, estamos a criar condições para pôr ‘muitos mil euros’ na ação social. Nenhuma Misericórdia se vai descapitalizar por causa de mil euros. Se fossem 100 mil, 200 mil ou um milhão de euros… Isso sim.”.
Estamos a ver. Tanto Lino Maia como Manuel Lemos acreditam no Montepio como futuro banco social, o que não é sustentável; ambos sabem que as instituições cuja confederação ou união lideram não investem mais no banco por falta de recursos e não por uma questão de princípio, embora Lino Maia recuse pedir dinheiro ao Estado para investir num banco (não sei se não pediria a contribuintes ou a Mecenas); e ambos acusam a dependência das instituições dos empréstimos bancários e respetivas regras. Porém, a UMP quer dar um sinal político de que é preciso um banco de economia social.
E Manuel Lemos, afastando a ideia de rentabilidade, fala de economia social, dando exemplos de ações de economia social:
Há misericórdias a produzir vinho, gado, compotas, azeite. Isso sim é economia social. É por isso que precisamos de ir à banca, de ter um banco que perceba que o setor solidário em Portugal é fundamental para ajudar as pessoas. Não vamos pedir dinheiro para comprar iates. É para isto. Por isso é que queremos um banco de economia social. Se tivéssemos muito dinheiro… mas as Misericórdias estão muito descapitalizadas. Tem de ser olhado de forma positiva como mais um contributo do setor social e solidário e das Misericórdias para um Portugal mais coeso e mais justo. Não é para ganhar dinheiro. […] Se tivermos um banco forte de economia social podemos influenciar e muito.”.
Finamente, uma nota a dizer que tanto o Presidente da UMP como o Presidente da CNIS dizem não estar por dentro do processo e remetem respostas a algumas questões para a SCML. No entanto, já em julho e 2017, o Presidente da UMP admitia estar aberto a entrar no capital do Montepio, mas não queria “pôr o carro à frente dos bois” e dizia ser preciso que o Montepio se torne num banco de economia social.
Após uma audiência, no Palácio de Belém, em Lisboa, com o Presidente da República, em que o ‘dossier’ Montepio não foi analisado, Manuel Lemos disse que já tivera contactos com Pedro Santana Lopes, da Misericórdia de Lisboa, sobre o assunto e afirmou. “Vemos interesse num banco de economia social; estamos abertos a conversar, com certeza”. Mas evitou dar muitos pormenores sobre os prazos em que poderia existir uma decisão sobre o assunto.
Manuel Lemos disse então que as Misericórdias preferem “fazer as coisas com calma e em estreita cooperação com todas as entidades”, incluindo a direção do Montepio. Estas declarações do responsável da UMP surgiram três dias depois de ter sido assinado um memorando de entendimento entre a MGAM (Montepio Geral Associação Mutualista) e a SCML (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) a possibilitar a participação da SCML no capital do banco da associação.
Lemos defendia que à União das Misericórdias interessava um “banco de economia social”, que “apoie as Pequenas e Médias Empresas (PME), instituições de economia social e pessoas que precisam de pequenos empréstimos”. (vd CM, 3.7.2017: http://www.cmjornal.pt/cm-ao-minuto/detalhe/uniao-das-misericordias-aberta-a-entrar-no-montepio-mas-quer-banco-social).
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Percebem-se os intentos e as dificuldades das instituições, mas não se entende que os seus responsáveis – embora se exalte a sua dedicação e competência no quadro de gestão muito difícil de pessoas e bens – não deem respostas inequívocas e não mostrem conhecimento dos trâmites processuais que interessam ao futuro das mesas instituições.
2018.03.22 – Louro de Carvalho


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