Os relatórios elaborados na sequência dos
incêndios florestais dos meses de junho e outubro de 2017 tinham de produzir
consequências na ação do Estado a concretizar na legislação, na tomada de medidas
de prevenção e de combate aos incêndios e na gestão da floresta.
Segundo algumas das conclusões do relatório da
Comissão Técnica Independente sobre os fogos de outubro, a legislação produzida
não está suficientemente fundamentada do ponto de vista técnico-científico. A ser
verdade, ela terá de ser melhorada. E o Primeiro-Ministro, no contexto das contradições
com que o dito relatório foi acolhido, prometeu lê-lo com humildade e tirar as
necessárias consequências. Por seu turno, Marcelo Rebelo de Sousa já veio
prometer apoio no quadro da melhoria da legislação, se for o caso. E os
partidos já procederam ao debate premonitório no Parlamento, salientando-se que
uns, esquecidos de que a legislação anterior não foi observada pelos
governantes em exercício, agora atiram-se ao Governo pelo lado da sua suposta incompetência.
E este parece esquecer-se de que, ao longo dos anos, não esteve fora da cena
política, pois a governação tem-se repartido, como tem convindo, entre PS e PSD/CDS.
Por outro lado, sabe-se que não basta atacar o problema
apenas do lado da prevenção e do combate aos incêndios. Mesmo que haja uma
entidade unificada com a responsabilidade da prevenção e combate aos incêndios,
de pouco vale se não conseguir alocar os meios suficientes e adequados à tarefa
e provocar a partilha do conhecimento pelo diálogo entre a profissionalização crescente
dos seus agentes e a experiência acumulada dos amadores e dos elementos
sabedores das populações. A título de exemplo, recordo que há uns anos, técnicos
devidamente credenciados estavam a laborar no terreno com vista ao projeto da
retificação e alargamento duma estrada municipal. Chamei à atenção para o facto
de estarem a lidar com um terreno muito esponjoso. Nada ligaram porque
supostamente eram eles que sabiam. Todavia, estando a obra prestes a ser dada
por concluída, verificaram a verdade do que lhes dissera; e houve aumento de
trabalhos e de aquisição de mais materiais e também mais perda de tempo. E tudo
se paga!
***
Entretanto, o Governo, pela voz do Ministro da Agricultura, Capoulas Santos (que entende
que a União Europeia não deve mexer na PAC), anunciou,
no passado dia 28 de março, no Parlamento, a criação da “Empresa Pública de Desenvolvimento e Gestão
Florestal”, que entrará em funcionamento dentro de semanas em
Figueiró dos Vinhos, um dos concelhos afetados pelos incêndios de 2017.
Diz o governante que empresa a constituir, que está em fase final de
organização, “tem como
objetivo fundamental demonstrar como é possível gerir de forma rentável a
floresta, particularmente nas zonas de minifúndio”.
A intervenção de Capoulas Santos concluiu o debate que decorreu na
Assembleia da República sobre o relatório da comissão técnica independente para
a análise dos incêndios de 14 a 16 de outubro do ano passado, que provocaram 49
mortes.
Em declarações aos jornalistas, o Ministro da Agricultura, Florestas e
Desenvolvimento Rural explicou que o objetivo desta empresa de gestão
florestal “visa demonstrar como pode ser
profissionalmente gerida a floresta, como pode dar rendimento e como se pode
prevenir os incêndios”.
Segundo o Ministro, esta empresa vai procurar identificar os prédios
rústicos. Sublinhando que a empresa pública florestal vai entrar em
funcionamento a “muito curto prazo”, sendo “uma questão de semanas”, disse que
“eventualmente nas pessoas mais idosas esses prédios são objeto de
arrendamento, o que garantirá um rendimento anual aos
proprietários”.
Na sua intervenção no plenário da Assembleia da República, Capoulas Santos
anunciou também que foi concluído “há poucos dias o pagamento
integral dos apoios a 23.746 agricultores”, num montante superior a 62 milhões
de euros, sendo estes fundos “exclusivamente nacionais”. O governante
avançou também que “estão em pagamento, contra a apresentação dos respetivos
comprovativos, outros cerca de 30 milhões”, 25 dos quais de fundos comunitários,
no âmbito do “Programa de Desenvolvimento Rural 2020”, e 5,5 milhões para apoio
à recuperação das vinhas ardidas, o que perfaz um apoio público superior a 92
milhões de euros.
Capoulas Santos também revelou que foram assinados, no final da semana
anterior, os contratos, envolvendo autarquias e diversas organizações e
empresas da fileira florestal, que permitiram a criação de 26 parques de
receção e armazenamento de madeira queimada.
O relatório fora entregue à Assembleia da República no dia 20. E nele
concluiu-se que falhou a capacidade de “previsão e programação” para “minimizar
a extensão” do fogo na região Centro (onde ocorreram as mortes), perante as previsões meteorológicas de temperaturas
elevadas e vento.
Os peritos consideram que tem de haver “flexibilidade para ter meios de
previsão e combate em qualquer época do ano” e defendem a criação de uma
unidade de missão para reorganizar os bombeiros.
Os incêndios destruíram total ou parcialmente cerca de 800 habitações
permanentes, quase 500 empresas e extensas áreas de floresta nos distritos de
Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu.
***
A criação de
EGF fazia parte do pacote de medidas aprovadas no final do ano passado no
Parlamento. E o Governo deu o primeiro passo com esta empresa pública que
deverá servir de estímulo, abrindo o caminho para a criação de outras empresas
do género noutras zonas do país e de iniciativa privada. Importa que a iniciativa
privada surja e seja apoiada.
Capoulas
Santos salientou, como antes já o fizera Eduardo Cabrita, que “o Governo
analisa o segundo relatório e está disponível a acolher as suas sugestões e
reclamações, quer sobre prevenção, ações ou organização dos serviços públicos”.
Recorde-se
que o Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que interveio no
debate, afirmou que o combate aos incêndios florestais em 2018 vai ser
reforçado com mais 240 viaturas ligeiras e pesadas.
Assim, o
Ministro referiu que 140 viaturas vão para o Grupo de Intervenção de Proteção e
Socorro (GIPS) e para o Serviço de Proteção da Natureza e do
Ambiente (SEPNA) da GNR, 80 para os corpos de
bombeiros e 20 para a Força Especial de Bombeiros (FEB).
Foi o esforço
de mobilização do Governo que “permitiu, por ajuste direto, a adjudicação de
140 viaturas ligeiras e pesadas para as estruturas de combate inicial e de
combate ampliado, tal como também a aquisição de 100 viaturas, quer para corporação
de bombeiros, relativamente a 80 viaturas, quer para a Força Especial de
Bombeiros”.
O Ministro
destacou ainda medidas criadas para a próxima época de incêndios florestais,
como a profissionalização nos bombeiros voluntários, e referiu que as corporações
de bombeiros voluntários vão ter mais oito dezenas de equipas profissionais, o
equivalente a mais 400 elementos com estatuto profissional.
Eduardo
Cabrita afirmou que a Autoridade Nacional de Proteção Civil está a ser dotada
com os meios adequados de apoio técnico para “garantir a estabilidade de
resposta no próximo verão”.
O Ministro
da Administração Interna referiu também que o Governo aproveitou o relatório da
comissão técnica independente para tirar conclusões para “fazer de tudo para
que o futuro seja diferente” em matéria de planeamento, combate, prevenção e
respostas aos desafios estruturais.
***
Tudo bem.
Quanto mais e melhor o Governo fizer, melhor para o país. E as vozes críticas,
devidamente fundamentadas e sustentadas, devem continuar a fazer-se ouvir para
incremento e melhoria das medidas e sua implementação. Devem, no entanto,
abster-se ou conter-se na crítica badalada e meramente demolidora.
Quanto a mim,
penso que não basta a gestão do que temos em floresta, mas é preciso pensar o
reordenamento da mancha florestal, abolindo o regime da monocultura e
organizando o sistema de escoamento do combustível decorrente das operações de limpeza,
que não devem ser feitas uma vez por ano, porque o matagal renasce e recresce.
O dinheiro
não chega a tudo e os particulares não têm meios. Talvez haja chegado o tempo
de as empresas beneficiárias das matérias-primas decorrentes da exploração
florestal renunciarem a alguma margem de lucro e criarem um fundo de limpeza. Recordo
que antigamente havia um regime que foi abolido: nalguns municípios, cada
família dava um dia de trabalho para a freguesia ou o equivalente em dinheiro. Se
isso acontecesse hoje, os municípios poderiam ser solicitados a efetuar a limpeza
dos terrenos confrontantes com as vias públicas e com os aglomerados
populacionais.
Quanto ao
Estado, talvez devesse colocar os seus agentes a cuidar assiduamente destas tarefas
de arejamento e limpeza da sua floresta e dos seus parques e promover a punição
das mãos criminosas incendiárias. Todos sabem que as há, mas, quando detetadas,
vêm repousar dos trabalhos…
2018.03.31 – Louro de Carvalho
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