Lacerda reiterou o compromisso de pagar 57
milhões de euros em dividendos relativos a um ano em que o lucro foi 27,3
milhões. Assim, não admira que as “reestruturações” aconteçam. Porém, como
concluiu brilhantemente, esta estratégia de pagar acima do resultado tem de
acabar.
Os CTT vão, efetivamente, dar aos acionistas o dobro do lucro em
dividendos este ano. Face ao resultado líquido positivo de 27,3 milhões de
euros em 2017, que caiu 56,1% em relação a 2016 (uma queda histórica), o dividendo proposto corresponde ao pagamento total
de 57 milhões de euros, isto é, um payout de 208,8%.
Mas se hoje os CTT são uma das empresas mais atrativas da bolsa a este nível, poderão
deixar de o ser já no próximo ano. É que a estratégia de pagar
mais aos acionistas do que o lucro obtido tem os dias contados. Francisco de
Lacerda, presidente executivo dos CTT, alertou na conferência
de imprensa de apresentação dos resultados realizada ontem, dia 7:
“O pagar acima do resultado do exercício era
a política que estava em vigor [em termos de dividendos]. Daqui em diante, a política voltará a ser pagar dividendos
limitados aos resultados que tivermos no exercício.”.
E a avaliar pelo guidance dos
Correios, a trajetória de queda do volume do correio (maior que o esperado:
a empresa estimava queda “entre 4% e 5%”) mantém-se numa
faixa entre os 5% e os 6% e é para continuar este ritmo. No entanto, “se a
queda for pior”, isso terá “obviamente implicações ao nível” do desempenho dos
CTT. Em 2017, a queda cifrou-se em 5,6%, acima do previsto no profit warning emitido em outubro. Foi precisamente
então que surgiu o corte nos dividendos, de 48 para 38 cêntimos por
ação, decisão que fez afundar a cotação dos títulos dos Correios. Desde
então, recuperaram ligeiramente, cotando nos 3,15 euros. O valor compara com o
mínimo de 3,043 euros atingido depois do alerta dos CTT em outubro.
A subida do preço dos combustíveis fez aumentar as
despesas, tendo sido 2017 “o
ano em que os custos da gasolina subiram”, como disse Lacerda, justificando a
subida de 6,5% dos gastos operacionais para 633,1 milhões de euros. Ainda
assim, as receitas dos CTT subiram 2,5% para 714,3 milhões de euros.
A boa notícia é que o segmento de expresso e encomendas
está a subir os volumes.
***
O plano de reestruturação resultante das
vicissitudes por que vem passando este grupo empresarial vai a bom ritmo, mas as
indemnizações pesam – e muito – nas contas.
Os CTT apresentaram um plano de reestruturação para obviar à queda no
tráfego do correio e no negócio dos certificados. Essa estratégia inclui um
plano para fechar 22 balcões de norte a sul do país e eliminar 1.000 postos de
trabalho até 2020, através de rescisões por mútuo acordo.
Da lista de lojas a encerrar, Francisco Lacerda referiu “20 lojas a menos e 23
postos a mais”. Ou seja, a empresa fechou duas dezenas
de balcões, passando-os a postos do correio, que são geridos por terceiros.
O fecho das lojas permite à companhia reduzir os custos fixos.
Quanto aos trabalhadores, o gestor avançou que a empresa já rescindiu com
mais de 200. Desse número, 161 pessoas saíram no 4.º trimestre do ano passado,
o que levou líder dos CTT a dar nota do bom ritmo do programa em curso,
afirmando haver “uma aceitação das pessoas em relação às propostas que são
feitas”. Ora, as saídas permitem poupar nas despesas, mas não no
imediato. Por isso, no curto prazo, o efeito foi precisamente o oposto: os CTT
tiveram de pagar “quase 12 milhões de euros” em indemnizações aos trabalhadores
que saíram. E ainda falta debater a saída de mais 800.
E, por falar em despesas, a rubrica dos gastos operacionais
cresceu 6,5%, com a empresa
a registar despesas na ordem dos 633,1 milhões de euros. Confrontado com este
número, o gestor apontou para os preços dos combustíveis: “2017 foi um ano em que os custos da gasolina subiram e somos sensíveis
a isso”. Mas obviamente não foi só isso.
***
O grande projeto dos CTT para o futuro é a aposta numa nova área, diferente
do negócio do correio, que está em queda face à digitalização das
comunicações. Trata-se do Banco CTT, que fechou o ano com
depósitos superiores a 619 milhões de euros, num total de 285 mil clientes.
Além do mais, tem já uma carteira de crédito à habitação de 66 milhões de
euros. No entanto, esta aposta da companhia ainda pesa nas contas. Lacerda
explicou que há um compromisso de realização de uma injeção
anual de capital e ontem, dia 7, o banco acabou por receber novo fôlego para
operar, por ter havido um aumento de capital, que foi de 25 milhões de euros
de dinheiro fresco. Com efeito, como referiu Francisco de Lacerda, há um
compromisso de reforçar “todos os anos” o capital do banco, até um determinado
ponto. E o presidente executivo espera um crescimento ligeiro dos rendimentos.
Questionado se sente pressão dos acionistas, sobretudo dos pequenos
acionistas que estarão a preparar uma posição concertada para a próxima
assembleia geral, Lacerda respondeu que “os acionistas são livres” de levar a
cabo as iniciativas que entenderem. E, concretamente sobre a Gestmin, a maior acionista
dos CTT, Lacerda diz que a acionista tem assento na administração e que as
posições são relativamente as mesmas que as da empresa.
Sobre a saída de Hernâni Santos, diretor nacional de operações, Francisco
de Lacerda diz que essa é uma questão do foro dos recursos humanos da companhia
e que se tratou, meramente, de uma saída de uma pessoa que estava há muitos
anos na empresa.
Sobre a venda de imóveis, Lacerda admite que “há de facto imóveis a serem
tratados, mas nenhum da dimensão da antiga sede”.
E, acerca do pagamento da devolução do valor da Taxa de Proteção Civil em Lisboa, via vale, Francisco de Lacerda
refere:
“Começámos dia 6 a pagar, portanto ontem.
Acabaremos em finais da semana que vem. Pagamos 450.000 pensões por mês pelo
país todo. Isso acontece nos primeiros dez dias do mês. Ou seja, não é um
acréscimo de atividade que seja um problema. Isso não nos vai criar um problema
sério.”
Em relação aos 35 milhões de euros de investimento previsto, Lacerda
explica que “estamos a falar de equipamentos e sistemas informáticos e de algumas
pequenas obras”.
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Em suma, a pressionar as contas houve sobretudo três fatores: a queda do tráfego de correio, os gastos com plano de saída de
trabalhadores e ainda a entrada da empresa Transporta
no Grupo.
Em relação ao negócio core dos CTT,
a distribuição de cartas, o operador dá conta duma quebra de
11,5% do EBITDA – lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações –
para os 75,4 milhões de euros. Isto acontece depois de o volume de correio
endereçado ter caído quase 5,6% para um total de 736 milhões de objetos
entregues pelos correios.
Também o negócio dos Serviços Financeiros,
que inclui a comercialização de certificados de poupança do Estado, viu o
EBITDA afundar 19,6% para 30,4 milhões de euros
Por outro lado, assumindo-se cada vez mais como uma alavanca de crescimento
de resultados dos CTT, o negócio de Expresso e Encomendas cresceu
11,4% em 2017 com as receitas a ascenderem a 134,6 milhões de euros. E,
relativamente ao Banco CTT, outra grande aposta da
administração, o volume de negócio atingiu os 7,6 milhões de euros, um
resultado ainda pouco expressivo face às receitas totais do grupo.
Quando à saída de trabalhadores da empresa, no âmbito do plano de
reestruturação, os encargos assumidos pelos CTT ascenderam a
11,9 milhões de euros, adicionando pressão sobre as contas. Foram 161 as
saídas efetivadas no seio do Plano de
Transformação Operacional em curso e que vai levar à saída de mais 800
funcionários nos próximos três anos. O grupo tinha no final de 12.163
trabalhadores no final do ano passado, mais 14 face a 2016. Apesar da
diminuição do número de efetivos, houve um aumento do número de trabalhadores
contratados a termo certo.
***
Face à quebra histórica nos resultados, segundo o
ECO, a empresa vai mudar a chefia de
topo na área core de tratamento e distribuição de correio. O sucessor vem de
fora.
É uma mudança sensível que ocorre bem no coração de um negócio em plena
crise nos correios. O diretor nacional de operações dos CTT está de saída para
dar início a um novo ciclo de gestão dentro da empresa. E, para substituir
Hernâni Santos, responsável pela área de distribuição e tratamento de correio,
que responde por 70% da força de trabalho da empresa, está em curso um processo de recrutamento externo. A transição, a
gerar desconforto entre os trabalhadores, vai ocorrer ainda na primeira metade
do ano.
Foi o próprio Francisco Lacerda, presidente dos CTT, quem tratou de anunciar
a mudança aos trabalhadores numa comunicação interna enviada a 12 de fevereiro.
Como justificação para esta substituição numa área vital no negócio dos
CTT, está a nova realidade do mercado e a fraca procura no segmento
de correio postal, circunstâncias que têm afetado de forma
particular a atividade da empresa.
No comunicado interno, a que o ECO
teve acesso, Lacerda escreveu:
“Como anunciámos nos últimos meses, a
reengenharia e readaptação das operações a uma nova realidade de mercado e
dimensão de procura será absolutamente central na Estratégia dos CTT. Temos um
objetivo de, a par com reforçar a qualidade no cumprimento dos critérios
definidos, introduzir no médio prazo cerca de 25 milhões de euros de poupança
nos custos operacionais associados a um ambicioso programa de
investimentos. O momento em que estamos aparece assim como o
adequado a uma transição de um ciclo de gestão.”.
E o momento para os CTT é este: o grupo terá fechado 2017 com um lucro de
38,66 milhões de euros, menos 40% face ao resultado líquido obtido um ano
antes, segundo as estimativas os analistas sondados pela Reuters.
Na comunicação enviada aos trabalhadores, Lacerda sublinhou o “contributo
ímpar [de Hernâni Santos] para a evolução e afirmação dos CTT como um operador
de referência no panorama internacional”. Por isso, percebe-se o cuidado com a
transição na chefia da área de operações, que tem o pelouro dos transportes,
tratamento e distribuição de correio, e que o próprio CEO espera que
seja “suave” e que promova uma “passagem de conhecimento” para o sucessor.
Trata-se de uma sucessão muito particular em que “Hernâni terá
nela um papel fundamental”, estando “a decorrer um processo de recrutamento
externo para a sua substituição”.
Lacerda remata a comunicação aos trabalhadores dizendo que, “como é óbvio,
a autoridade Hernâni nas suas funções manter-se-á intacta até à sua saída
efetiva, que prevemos que ocorra neste primeiro semestre de 2018”.
A empresa CTT tem cerca de 10.000 trabalhadores. Cerca de 7.000 trabalham
precisamente na área dos transportes, tratamento e distribuição. Além de
diretor das Operações, Hernâni Santos ocupa ainda vários cargos enquanto vogal
no conselho de administração de várias empresas do grupo: CTT Contacto, Mailtec
Comunicação e Mailtec Consultoria. Abandona agora o operador postal 38 anos
depois.
***
É caso para continuar a perguntar porque se fez uma privatização dum
serviço essencial no país – e sobretudo porque é que se fez tal operação através
da dispersão em bolsa – com uma longa tradição e uma competência global
reconhecida. Está visto que o mito de que os privados gerem melhor que os
gestores públicos não tem consistência. Tudo depende do grau de exigência que se
impõe e dos mecanismos de monitorização que sejam adotados.
Os administradores souberam satisfazer a ambição dos acionistas, mas não
souberam encarar a concorrência. E, no atinente ao banco, limitaram-se a
aproveitar a rede estruturada a nível nacional, mas eliminando todos os
segmentos não suscetíveis de gerar lucro.
Não pondo totalmente de lado a capacidade de uma entidade privada em restar
um serviço de interesse público, devo dizer que a vigilância estatal deve ser
apertada e urgir o cumprimento dos deveres que a índole do serviço requer. Isto
é o que não tem ido feito! E irá ser feito?
2018.03.08 –
Louro de Carvalho
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