sábado, 24 de março de 2018

Da morte de Öskar Gröning ou “o contabilista de Auschwitz”


O semanário Expresso de hoje dá conta do óbito do ex-contador, ex-contabilista ou ex-guarda-livros de Auschwitz e refere:
Öskar Gröning, que morreu no passado dia 11 num hospital alemão, à espera de estar suficientemente bem de saúde para ser admitido na cadeia onde iria cumprir quatro anos de prisão, um dos últimos alemães a serem condenados (e a verem indeferidos todos os pedidos de perdão e de amnistia) por crimes de guerra ligados ao Holocausto, no seu caso por cumplicidade no assassínio de 300 mil judeus húngaros, deportados em 1944 para o campo de exterminação nazi de Auschwitz, na Polónia, onde ele, cabo das Waffen SS exercendo funções administrativas (antes da guerra fora caixa num banco) recolhia, ordenava e remetia, depois, para Berlim os dinheiros retirados aos presos levados para o campo, antes de estes serem encaminhados para os fornos de gás. (Havia moeda grega, italiana, francesa, polaca, holandesa, checa, até dólares americanos, além de marcos: a caça ao judeu abrira em toda a Europa ocupada).”.
Mais diz que o falecido assegurava que “não matara nem torturara ninguém e poucas barbaridades vira”. Quanto às barbaridades vistas, faremos menção mais adiante.
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Dado o caráter tardio do julgamento e a ambiguidade da matéria, bem como o tempo que levou a confirmar-se o óbito para informação pública, o caso merece alguma atenção.
O criminoso de guerra nazi, conhecido como “contabilista de Auschwitz”, morreu aos 96 anos, no passado dia 11 de março, segundo o que anunciaram os media alemães. Foi protagonista de um dos últimos grandes julgamentos relativos ao Holocausto.
Um porta-voz do procurador de Hannover, Oliver Eisenhauer, declarou à agência France-Presse ter sido informado do seu falecimento pelo advogado de Oskar Gröning, condenado em 2015 a 4 anos de prisão por cumplicidade na morte de 300 mil judeus, sem poder confirmá-lo oficialmente. Com efeito, a única informação que tinham estava suportada por uma carta do seu advogado “segundo a qual ele estaria morto”, dizia Eisenhauer, explicando “ainda não dispor” de certidão de óbito que devia ser dirigida pelo município às autoridades judiciais, um processo que se prolongou por vários dias.
O diário regional alemão Hannoversche Allgemeine Zeitung e, depois, a radiotelevisão pública NDR tinham anunciado a morte, citando o advogado. Segundo o semanário Der Spiegel, o antigo cabo das Waffen SS morreu no hospital, já no dia 9.
Oskar Gröning foi um dos últimos antigos nazis que responderam em tribunal pelos seus atos, mais de 70 anos depois do final da Segunda Guerra Mundial. Durante o processo, apresentou os seus pedidos de desculpa e evocou uma “infração moral”.
Foi condenado a 4 anos de prisão em 2015 por crimes relacionados com o Holocausto, sendo assim um dos últimos acusados devido a ações nazis, tendo a pena surgido em razão do papel cúmplice de Gröning na morte de cerca de 300 mil pessoas em Auschwitz, designadamente judeus deportados que foram enviados para as câmaras de gás em 1944.
No final de 2017, a justiça alemã ordenou a sua detenção, mas o idoso tentou todos os recursos para escapar, solicitando inclusive um pedido de clemência. Os seus esforços não resultaram, mas a justiça também ainda não executou na prática a sua decisão de o manter sob detenção.
Não teve efetivamente contacto direto com as mortes, pois o seu papel era contar o dinheiro tirado às vítimas.
Assumiu, em tribunal, “culpa moral” pelo que fez em Auschwitz, que incluía enviar fundos para Berlim, de modo a financiar a máquina de guerra nazi. Na verdade, não se trata de um cúmplice indiferenciado ou de um simples apontador ou guardador de bens, por exemplo para restituir às famílias dos executados. Foi mesmo acusado de ter “ajudado o regime nazi a beneficiar economicamente de assassínios em massa” ao enviar o dinheiro dos deportados para Berlim e de ter ajudado “à seleção”, separando, à entrada no campo, os deportados aptos para o trabalho dos que seriam imediatamente mortos.
A batalha legal que envolveu “contabilista de Auschwitz”é tida como um dos últimos grandes julgamentos relativos ao Holocausto.
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Julgado na Alemanha por cumplicidade na morte de centenas de milhares de pessoas, pediu perdão às vítimas do campo de concentração, durante a abertura do processo judicial e declarou que, relativamente à questão da responsabilidade penal, cabia ao tribunal decidir. A moldura penal ia de 3 a 15 anos de prisão por cumplicidade e ele poderá ter sido o último nazista julgado.
O arguido, usando um pulôver sem mangas, camisa branca listrada e óculos, entrara na sala de audiências com um dos advogados e caminhando com um andador. A audiência foi realizada numa sala de espetáculo devido à grande presença da imprensa e das 67 partes civis, sobreviventes e descendentes das vítimas, e começou com a prestação do juramento de três intérpretes que fizeram uma tradução simultânea em inglês, hebraico e húngaro.
Oskar Gröning – viúvo, aposentado e pai de dois filhos já entrados em idade – relatou a sua adesão voluntária à Waffen SS, em outubro de 1940, com o seu primeiro posto na administração e depois transferido para Auschwitz em 1942, onde permaneceu até 1944.
Descrevendo a vida quotidiana em Auschwitz, esforçou-se por marcar a diferença entre o seu trabalho e o dos guardas que estavam diretamente envolvidos no extermínio dos prisioneiros, assegurando que a sua tarefa consistia principalmente em “evitar os roubos nas bagagens dos deportados, “um importante mercado negro” dentro do campo.
Porém, foi acusado de ter “ajudado o regime nazista a tirar rendimento económico dos assassinatos em massa”, enviando o dinheiro dos deportados a Berlim, e de ter ajudado na “seleção” que separava os deportados considerados aptos para o trabalho dos que eram imediatamente executados.
Além disso, insistiu que solicitou em três ocasiões a transferência para a frente de combate, em vão, a justificar a intenção de abandonar o campo, comovido pelas cenas que havia assistido.
Logo depois da sua chegada, em novembro de 1942, tinha visto um guarda matar um bebé que estava sozinho e a chorar, pegando nele pelos pés e atirando-o contra um vagão. O seu superior admitiu que este facto não era particularmente aceitável, mas considerou que a sua saída do campo era impossível.
Três semanas depois, patrulhando o campo, ouviu gritos “de deportados, cada vez mais e mais fortes e desesperados, antes de morrerem” nas câmaras de gás, e disse que depois assistiu à cremação de corpos.
Eva Kor, uma sobrevivente de Auschwitz de 81 anos que chegou dos Estados Unidos, perdeu os pais e duas irmãs no campo. Embora considere Gröning um “assassino” pela sua participação num “sistema de assassinatos em massa”, apreciou os seus esforços. E afirmou aos jornalistas que o facto de o ver à frente lhe dava conta de que “ele fez o melhor que pôde com o seu corpo e o seu espírito, pois tem muitas dificuldades físicas e, sobretudo, emocionais”.
O ex-contador, que voltou à Alemanha depois da guerra, nunca se escondeu. Antes de ser acusado pela justiça, havia contado à imprensa e à televisão o seu passado em Auschwitz, explicando querer “combater o negacionismo”.
O seu processo judicial ilustra a severidade crescente da justiça alemã com os antigos nazistas, desde a condenação em 2011 de John Demjanjuk, ex-guarda do campo de concentração de Sobibor (Polónia), a 5 anos de prisão.
Cerca de 1,1 milhão de pessoas, incluindo cerca de 1 milhão de judeus da Europa, morreu entre 1940 e 1945 no campo de Auschwitz-Birkenau.
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Não é só em Portugal que a Justiça é lenta, ambígua e ineficaz. Como é impossível um cidadão que vivia na Alemanha à vista de toda a gente só ver um processo judicial contra si em 2015, tendo já passado 71 anos desde os alegados crimes de cumplicidade.
Depois, é certo que o arguido confessou a adesão voluntária às SS. Porém, 71 anos depois, o tribunal, talvez sem apurar se o indivíduo se limitara a cumprir ordens ou se foi um cúmplice ativo, decreta uma pena de prisão efetiva de quatro anos, difícil de aplicar em virtude das más condições de saúde do homem e até da idade mais que provecta.
Isto ou é brincar à justiça ou é mascarar uma esponjada sobre ações criminosas no quadro do Holocausto. E que dizer da veridicidade da confissão do arguido que regressou à Alemanha para evitar a negação do Holocausto?
Valha-nos Deus! O Expresso dá-nos a chave de resposta à questão:
Tinha a consciência tão tranquila que, em 2005, entrou numa polémica pública na imprensa, condenando negacionistas que, de boca em boca, na sua região, espalhavam que o Holocausto nunca existira e era uma invenção judia contra o povo alemão. ‘Vi tudo – as câmaras de gás, as cremações, o processo de seleção [das pessoas a executar]. Um milhão e meio de judeus foram assassinados em Auschwitz. Eu estava lá’.”.
E foi isto que o levou a tribunal, para sua surpresa, pois na República Federal da Alemanha e, depois, na Alemanha reunificada, só era julgado o suspeito de prática pessoal de atrocidades até que, num julgamento de Munique, em 2011, o juiz declarou que o guarda de campo ucraniano, condenado por cumplicidade no assassinato de 28 mil judeus, sabia que integrava uma organização cujo intento era o assassínio em massa. E, vai daí, muitos nonagenários têm ido a tribunal. Capricho da Justiça ou de quem a administra!
Finalmente, como é possível levar tanto tempo a confirmar um óbito num país que pretende dar lições de organização, trabalho, justiça, dedicação e eficácia ao mundo, se nem ali a justiça para mortos funciona? Também na Alemanha!
2018.03.24 – Louro de Carvalho 

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