O
semanário Expresso de hoje dá conta
do óbito do ex-contador, ex-contabilista ou ex-guarda-livros de Auschwitz
e refere:
“Öskar Gröning, que morreu no passado dia 11
num hospital alemão, à espera de estar suficientemente bem de saúde para ser
admitido na cadeia onde iria cumprir quatro anos de prisão, um dos últimos
alemães a serem condenados (e a verem
indeferidos todos os pedidos de perdão e de amnistia) por crimes de guerra
ligados ao Holocausto, no seu caso por cumplicidade no assassínio de 300 mil
judeus húngaros, deportados em 1944 para o campo de exterminação nazi de
Auschwitz, na Polónia, onde ele, cabo das Waffen SS exercendo funções
administrativas (antes da guerra fora
caixa num banco) recolhia, ordenava e remetia, depois, para Berlim os
dinheiros retirados aos presos levados para o campo, antes de estes serem
encaminhados para os fornos de gás. (Havia
moeda grega, italiana, francesa, polaca, holandesa, checa, até dólares
americanos, além de marcos: a caça ao judeu abrira em toda a Europa ocupada).”.
Mais diz que o falecido assegurava que “não matara nem torturara ninguém e poucas
barbaridades vira”. Quanto às barbaridades vistas, faremos menção mais
adiante.
***
Dado o caráter tardio do julgamento e a ambiguidade
da matéria, bem como o tempo que levou a confirmar-se o óbito para informação
pública, o caso merece alguma atenção.
O criminoso de guerra nazi, conhecido como
“contabilista de Auschwitz”, morreu aos 96 anos, no passado dia 11 de março,
segundo o que anunciaram os media alemães. Foi
protagonista de um dos últimos grandes julgamentos relativos ao Holocausto.
Um porta-voz
do procurador de Hannover, Oliver Eisenhauer, declarou à agência France-Presse ter sido informado do seu falecimento
pelo advogado de Oskar Gröning,
condenado em 2015 a 4 anos de prisão por cumplicidade na morte de 300 mil
judeus, sem poder confirmá-lo oficialmente. Com efeito, a única informação que
tinham estava suportada por uma carta do seu advogado “segundo a qual ele
estaria morto”, dizia Eisenhauer, explicando “ainda não dispor” de certidão de
óbito que devia ser dirigida pelo município às autoridades judiciais, um processo que se prolongou por
vários dias.
O diário
regional alemão Hannoversche Allgemeine
Zeitung e, depois, a radiotelevisão pública NDR tinham anunciado a morte, citando o advogado. Segundo o
semanário Der Spiegel, o antigo cabo das Waffen SS morreu no hospital,
já no dia 9.
Oskar
Gröning foi um dos últimos antigos nazis que responderam em tribunal pelos seus
atos, mais de 70 anos depois do final da Segunda Guerra Mundial. Durante o
processo, apresentou os seus pedidos de desculpa e evocou uma “infração moral”.
Foi
condenado a 4 anos de prisão em 2015 por crimes relacionados com o Holocausto,
sendo assim um dos últimos acusados devido a ações nazis, tendo a pena surgido
em razão do papel cúmplice de Gröning na morte de cerca de 300 mil pessoas em
Auschwitz, designadamente judeus deportados que foram enviados para as câmaras
de gás em 1944.
No final de
2017, a justiça alemã ordenou a sua detenção, mas o idoso tentou todos os
recursos para escapar,
solicitando inclusive um pedido de clemência. Os seus esforços não resultaram,
mas a justiça também ainda não executou na prática a sua decisão de o manter
sob detenção.
Não teve efetivamente
contacto direto com as mortes, pois o seu papel era contar o dinheiro tirado às
vítimas.
Assumiu, em
tribunal, “culpa moral” pelo que fez em Auschwitz, que incluía enviar fundos
para Berlim, de modo a financiar a máquina de guerra nazi. Na verdade, não se
trata de um cúmplice indiferenciado ou de um simples apontador ou guardador de
bens, por exemplo para restituir às famílias dos executados. Foi mesmo acusado
de ter “ajudado o regime nazi a beneficiar economicamente de assassínios em
massa” ao enviar o dinheiro dos deportados para Berlim e de ter ajudado “à
seleção”, separando, à entrada no campo, os deportados aptos para o trabalho
dos que seriam imediatamente mortos.
A batalha
legal que envolveu “contabilista de Auschwitz”é tida como um dos últimos grandes julgamentos
relativos ao Holocausto.
***
Julgado na Alemanha por cumplicidade
na morte de centenas de milhares de pessoas, pediu perdão às vítimas do campo
de concentração, durante a abertura do processo judicial e declarou que,
relativamente à questão da responsabilidade penal, cabia ao tribunal decidir. A
moldura penal ia de 3 a 15 anos de prisão por cumplicidade e ele poderá ter
sido o último nazista julgado.
O arguido, usando um pulôver sem
mangas, camisa branca listrada e óculos, entrara na sala de audiências com um
dos advogados e caminhando com um andador. A audiência foi realizada numa sala
de espetáculo devido à grande presença da imprensa e das 67 partes civis,
sobreviventes e descendentes das vítimas, e começou com a prestação do
juramento de três intérpretes que fizeram uma tradução simultânea em inglês,
hebraico e húngaro.
Oskar Gröning – viúvo, aposentado e
pai de dois filhos já entrados em idade – relatou a sua adesão voluntária à
Waffen SS, em outubro de 1940, com o seu primeiro posto na administração e
depois transferido para Auschwitz em 1942, onde permaneceu até 1944.
Descrevendo a vida quotidiana em
Auschwitz, esforçou-se por marcar a diferença entre o seu trabalho e o dos
guardas que estavam diretamente envolvidos no extermínio dos prisioneiros,
assegurando que a sua tarefa consistia principalmente em “evitar os roubos nas
bagagens dos deportados, “um importante mercado negro” dentro do campo.
Porém, foi acusado de ter “ajudado o
regime nazista a tirar rendimento económico dos assassinatos em massa”,
enviando o dinheiro dos deportados a Berlim, e de ter ajudado na “seleção” que
separava os deportados considerados aptos para o trabalho dos que eram
imediatamente executados.
Além disso, insistiu que solicitou em
três ocasiões a transferência para a frente de combate, em vão, a justificar a intenção
de abandonar o campo, comovido pelas cenas que havia assistido.
Logo depois da sua chegada, em
novembro de 1942, tinha visto um guarda matar um bebé que estava sozinho e a
chorar, pegando nele pelos pés e atirando-o contra um vagão. O seu superior
admitiu que este facto não era particularmente aceitável, mas considerou que a sua
saída do campo era impossível.
Três semanas depois, patrulhando o
campo, ouviu gritos “de deportados, cada vez mais e mais fortes e desesperados,
antes de morrerem” nas câmaras de gás, e disse que depois assistiu à cremação
de corpos.
Eva Kor, uma sobrevivente de
Auschwitz de 81 anos que chegou dos Estados Unidos, perdeu os pais e duas irmãs
no campo. Embora considere Gröning um “assassino” pela sua participação num “sistema
de assassinatos em massa”, apreciou os seus esforços. E afirmou aos jornalistas
que o facto de o ver à frente lhe dava conta de que “ele fez o melhor que pôde
com o seu corpo e o seu espírito, pois tem muitas dificuldades físicas e,
sobretudo, emocionais”.
O ex-contador, que voltou à Alemanha
depois da guerra, nunca se escondeu. Antes de ser acusado pela justiça, havia
contado à imprensa e à televisão o seu passado em Auschwitz, explicando querer
“combater o negacionismo”.
O seu processo judicial ilustra a
severidade crescente da justiça alemã com os antigos nazistas, desde a
condenação em 2011 de John Demjanjuk, ex-guarda do campo de concentração de
Sobibor (Polónia), a 5 anos de prisão.
Cerca de 1,1 milhão de pessoas,
incluindo cerca de 1 milhão de judeus da Europa, morreu entre 1940 e 1945 no
campo de Auschwitz-Birkenau.
***
Não é só em
Portugal que a Justiça é lenta, ambígua e ineficaz. Como é impossível um
cidadão que vivia na Alemanha à vista de toda a gente só ver um processo
judicial contra si em 2015, tendo já passado 71 anos desde os alegados crimes
de cumplicidade.
Depois, é
certo que o arguido confessou a adesão voluntária às SS. Porém, 71 anos depois,
o tribunal, talvez sem apurar se o indivíduo se limitara a cumprir ordens ou se
foi um cúmplice ativo, decreta uma pena de prisão efetiva de quatro anos,
difícil de aplicar em virtude das más condições de saúde do homem e até da
idade mais que provecta.
Isto ou é
brincar à justiça ou é mascarar uma esponjada sobre ações criminosas no quadro
do Holocausto. E que dizer da veridicidade da confissão do arguido que
regressou à Alemanha para evitar a negação do Holocausto?
Valha-nos
Deus! O Expresso dá-nos a chave de
resposta à questão:
“Tinha a consciência tão tranquila que, em
2005, entrou numa polémica pública na imprensa, condenando negacionistas que,
de boca em boca, na sua região, espalhavam que o Holocausto nunca existira e
era uma invenção judia contra o povo alemão. ‘Vi tudo – as câmaras de gás, as
cremações, o processo de seleção [das pessoas a executar]. Um milhão e meio de
judeus foram assassinados em Auschwitz.
Eu estava lá’.”.
E foi isto
que o levou a tribunal, para sua surpresa, pois na República Federal da
Alemanha e, depois, na Alemanha reunificada, só era julgado o suspeito de
prática pessoal de atrocidades até que, num julgamento de Munique, em 2011, o
juiz declarou que o guarda de campo ucraniano, condenado por cumplicidade no
assassinato de 28 mil judeus, sabia que integrava uma organização cujo intento
era o assassínio em massa. E, vai daí, muitos nonagenários têm ido a tribunal.
Capricho da Justiça ou de quem a administra!
Finalmente,
como é possível levar tanto tempo a confirmar um óbito num país que pretende
dar lições de organização, trabalho, justiça, dedicação e eficácia ao mundo, se
nem ali a justiça para mortos funciona? Também na Alemanha!
2018.03.24 –
Louro de Carvalho
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