O ex-presidente da Generalitat, Carles
Puigdemont, que se
encontra exilado desde que a Catalunha declarou unilateralmente a independência, foi detido no domingo, 25 de março, na
Alemanha, pouco depois de cruzar a fronteira da Dinamarca, em trânsito da Finlândia
para a Bélgica, onde estava exilado. E, depois de ouvido por um juiz (1.ª instância), ficou a
saber que fica em prisão preventiva na cidade do Norte da Alemanha de
Neumünster enquanto aguarda que a Justiça alemã decida sobre o pedido de
extradição enviado por Madrid, relata o El Mundo.
Segundo o que fonte oficial da Justiça alemã revelou àquela publicação
espanhola, esta medida era expectável, pois é comum, em casos de extradição,
optar por esta medida até o Supremo Tribunal tome uma decisão. A extradição, a acontecer,
pode demorar 60 dias ou mesmo 90 dias.
O Tribunal de Schleswig deliberará se os delitos de rebelião de que o juiz Llanera,
acusa Puigdemont têm equivalência no código penal alemão.
O advogado do ex-presidente do governo regional da Catalunha afirmou hoje que
o político estava cônscio dos riscos que corria ao viajar pela Europa, mas
desconhece se pedirá asilo na Alemanha, onde foi detido. Segundo o causídico, o
processo de extradição na Alemanha “não será muito diferente” do que se iniciou
na Bélgica. E refuta a asserção que todos fazem de que a extradição é
inevitável, dizendo que “não é verdade” e que a chave da defesa de Puigdemont será
demonstrar à justiça alemã que o ex-presidente catalão não teria garantias em
Espanha de ter um julgamento justo.
***
Esta tarde
esteve a declarar diante do juiz, que o informou sobre o mandado de captura
europeu. Caso Carles Puigdemont tivesse aceitado a extradição, o processo ficaria
concluído no prazo de 10 dias, mas como o ex-presidente da Generalitat se opôs,
então este segue para as mãos da procuradoria-geral do land alemão
de Schleswig-Holstei, que decidirá se existem ou não motivos para a extradição,
cabendo ao Tribunal Superior Regional ouvir depois ambas as partes e decidir no
prazo de 60 dias.
Puigdemont é
acusado de rebelião e peculato na organização do referendo de 1 de outubro e
consequente declaração unilateral de independência, ou seja, o antigo responsável
pelo Governo da Catalunha foi acusado de ter organizado o referendo de
autodeterminação em outubro de 2017, apesar de este ter sido proibido por
violar a Constituição espanhola. Ora, no passado dia 23, o Supremo Tribunal
espanhol acusou 13 separatistas de delito de rebelião pela participação no
processo de independência da Catalunha, entre os quais o ex-presidente do
executivo regional refugiado na Bélgica.
Por sua vez,
o Governo alemão defendeu hoje, em Berlim, que a decisão sobre o mandado de
detenção europeu contra o ex-presidente catalão compete “fundamentalmente à
Justiça” e que a crise catalã é um
“assunto interno” de Espanha. Com efeito, o porta-voz do Governo alemão,
Steffen Seibert, citado pela agência Efe, veio referir com toda a clareza que a
“Espanha é uma democracia e um estado de
direito” e considerou que é a Espanha quem “deve resolver internamente”
o problema.
Sobre a
eventualidade de Puigdemont pedir asilo à Alemanha, o porta-voz do Ministério
da Administração Interna disse tratar-se duma “possibilidade abstrata” e que, a
colocar-se, seria estudada, mas que, segundo ele, não havia uma iniciativa
nesse sentido.
***
Na sequência
do referendo, Madrid decidiu, a 27 de outubro de 2017, intervir na Comunidade
Autónoma, através da dissolução do parlamento regional, da destituição do
executivo regional e da convocação de eleições regionais que se realizaram a 21
de dezembro último. E veio formalmente dar um prazo até 22 de maio para a
Catalunha formar governo.
O bloco de
partidos independentistas, embora não detenha a maioria dos votos expressos,
manteve uma maioria de deputados no parlamento regional, mas está a ter
dificuldades para formar um novo executivo.
***
Está Puigdemont numa nova batalha legal, agora na Alemanha. O político que não queria ser preso “porque não tem
vocação para mártir” está cada vez mais abraçado pelo polvo da lei.
A detenção e
a prisão preventiva no estabelecimento prisional de Neumünster, no Estado mais
a norte da Alemanha, o Schleswig-Holstein, após ter sido ouvido por um juiz, constituem
um sério revés para o ex-presidente do governo da catalão. Saíra de forma
apressada da Finlândia, de regresso à Bélgica, para evitar a detenção na
sequência do pedido de reativação do mandado de detenção europeu. E o
presidente dos Ciudadanos, Albert Rivera pôde concluir: “Acabou-se a fuga do golpista”.
Obviamente, consoante
a avaliação do quadrante partidário que se pronuncie, Puigdemont é um golpista ou um herói/mártir. Golpista para parte
da sociedade espanhola, mas herói ou mártir para outra, em especial na
Catalunha, extremam as opções do líder do processo independentista entre
janeiro de 2016 e outubro do ano passado, que estão a começar a escassear.
Com a aventureira
opção de se autoexilar na Bélgica, o antigo jornalista e ex-presidente da
Câmara de Girona não enfrentou as consequências do referendo inconstitucional e
ilegal que convocou. E, em resultado da posição severa de Rajoy, patrocinada
por Felipe VI, o antigo e ainda líder político afirmou: “Não tenho vocação para mártir, tenho vocação para presidente”.
Foi uma
opção diferente da de outros dirigentes, a começar pelo vice-presidente da
Generalitat e líder da ERC, Oriol Junqueras. Os republicanos de esquerda e a extrema-esquerda
da CUP vêm criticando a opção de Puigdemont. É que, tendo em conta a formação
parlamentar e as medidas legais entretanto tomadas, bloqueou as hipóteses de
formação de governo.
Contudo, o Financial
Times, em novembro, titulou
na manchete “Um mártir em Bruxelas”. E
o início do texto seguia na mesma linha: “O
mundo tem um novo e heroico lutador pela liberdade”. Assinada pelo diretor
Robert Shrimsley, a peça começou a ser partilhada nas redes sociais pelos
nacionalistas catalães até se aperceberem de que era um texto satírico. É,
pois, entre o trágico e o ridículo que a crise política se desenrola na
Catalunha.
Iniciada em
Helsínquia, a viagem de automóvel e ferry de Puigdemont durou
mais de 20 horas e 1500 quilómetros e terminou de forma abrupta na localidade
de Schuby, pouco após ter cruzado a fronteira da Dinamarca com a Alemanha.
Faltavam cerca de 800 quilómetros para chegar a Waterloo, local histórico no
qual Napoleão perdeu o império e onde o independentista catalão aí fixara residência
e planeava montar o “conselho da república”. Era a mais recente jogada, um governo
à distância, mesmo sem ser eleito no Parlament
presidente do governo catalão.
A reativação
do mandado de detenção europeu pelo juiz do Supremo Tribunal Pablo Llarena, no
dia 23, obrigou-o a regressar mais cedo do Norte da Europa. Esperava que, alcançado
o reino dos belgas, teria hipóteses de aí permanecer, pois ali não existe o
crime de rebelião, de que a justiça espanhola o acusa, enfrentando, em caso de
condenação uma pena de 30 anos de prisão. Desta forma, evitaria a extradição. Por
outro lado, a justiça belga é sensível às alegações de violações de direitos
fundamentais. Ao El País, fontes
judiciais espanholas declaravam que as autoridades belgas só extraditariam
Puigdemont caso Madrid concordasse em julgá-lo apenas por peculato, cenário ora
posto de parte. Segundo o porta-voz de Puigdemont, Joan Maria Piqué, “o
presidente estava a caminho da Bélgica para se pôr, como sempre, à disposição
da justiça belga”. A lutar contra a extradição tinha o advogado especialista belga
em direitos humanos, Paul Bekaert, que agora declarou à Reuters ter o cliente optado por representação legal alemã e que o
processo, incluindo possíveis recursos, poderá “levar meses”. O caso poderá
chegar ao mais alto tribunal da Alemanha, a mesma instância que em 2005 causou disputa
judicial entre Berlim e Madrid, após negar a extradição para Espanha dum
suspeito de pertencer à Al-Qaeda, Mamoun Darkazanli. O Tribunal Federal
Constitucional recusou-se a entregá-lo com a justificação de que as leis de
extradição da UE destinadas a acelerar a entrega de suspeitos entre os Estados
membros violavam os direitos dos cidadãos alemães. Além disso, o Código Penal
alemão não contempla o crime de rebelião. O mais similar é o de alta traição. A
pena de prisão prevista é de 10 anos até prisão perpétua (na prática,
a partir dos 15 anos de prisão os condenados podem ser libertados) para “quem intente com violência ou ameaça de
violência” pôr fim ao Estado alemão como um todo ou ameace “a ordem
constitucional” da Alemanha.
Também a
polícia escocesa anunciou ter pedido a Clara Ponsatí, ex-conselheira da Educação
do governo de Puigdemont, que se entregue às autoridades. Ponsatí saíra de Bruxelas
para lecionar na Universidade de Saint Andrews. A Primeira-Ministra escocesa
Nicola Sturgeon lamentou a situação e reiterou o apoio à autodeterminação da
Catalunha.
***
A acusação
aos 25 dirigentes políticos secessionistas e a detenção de Puigdemont, Jordi
Turull, Josep Rull, Raül Romeva, Carme Forcadell e Dolors Bassa levaram à rua
milhares de catalães. Manifestantes e polícia entraram em confronto. As
autoridades contaram pelo menos 59 feridos (53 em Barcelona, 6 em Lleida), dos quais 8 polícias, detiveram 4 pessoas e identificaram
um número não divulgado. Um dos manifestantes identificados pelos Mossos d’Esquadra
em frente à delegação do governo espanhol na Catalunha é um agente policial
fora de serviço.
Como diz
António Martins da Cruz, que foi embaixador em Madrid, Espanha não tem, neste
caso presos políticos, mas detidos à espera de julgamento por crime de
rebelião, que é tipificado no código penal espanhol, que não noutros ordenamentos
jurídicos. São, pois, políticos presos. Mas Martins da Cruz, que também foi
Ministro dos Negócios estrangeiros, diz que a situação só pode piorar e a
violência aumentar. Com efeito, os independentistas quererão que as cenas
corram mundo pela comunicação social e pelas redes sociais; e Rajoy, que tem um
governo periclitante, com o Reino sem orçamento, esperará que a situação se
deteriore, a ver se ganha pontos com os moderados, mesmo na Catalunha, esperando
ganhar autoridade para repor a legalidade catalã e ganhar força em toda a
Espanha. Só que, segundo Martins da cruz, no que o acompanho, não vale dizer
que os arguidos estão sob a justiça, porquanto a solução tem de ser política. Ante
uma situação cristalizada, não é eficaz a mera aplicação judiciosa da lei por
parte dos tribunais. Tem de haver uma solução dialogada e negociada, talvez com
cedências mútuas!
Para bradarem
“Viva a Espanha!”, têm de respeitar e acarinhar a Catalunha.
2018.03.26 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário