Depois de
assinalar o termo dos seus dois anos de mandato na Presidência da República –
com o lançamento do livro “Dois anos
depois: júbilo e tragédia” (com imagens a
preto e branco dos incêndios de 2017 e a cores de momentos como a visita papal
a Fátima), uma aula a alunos duma escola
secundária e a visita a Oliveira do Hospital, zona de incêndios em outubro
passado (que não fez
na passagem de ano devido à intervenção cirúrgica a que teve de submeter-se), Marcelo Rebelo de Sousa chegou a Atenas para uma
visita de Estado, a 1.ª ao estrangeiro no alvorecer dos 60% do mandato
restantes e a primeira visita de Estado que
Portugal faz à Grécia desde a presidência de Jorge Sampaio, que visitou a
República Helénica em 2002.
Num
comunicado divulgado na semana passada, a Presidência da República indicou como
objetivos desta visita “reforçar os sólidos laços de amizade e cooperação”
entre Portugal e a Grécia e “também transmitir um sinal político de apoio às
autoridades gregas na gestão da crise migratória e de refugiados”.
A propósito da crise de migrantes e refugiados, o Chefe de Estado chega à
Grécia pouco mais de uma semana depois de Alexis Tsipras, ter promovido uma
remodelação no Governo, fazendo sair, entre outros, o responsável pela gestão
da crise migratória de 2015, Yannis Mouzalas, ex-Ministro para a Imigração, que
foi substituído por Dimitris Vitsas, deputado e dirigente do Syriza que, até
agora, ocupava o cargo de Ministro-Adjunto da Defesa.
A visita
presidencial, a convite do Presidente grego, Prokópis Pavlopoulos, decorrerá
até ao dia 14, com os refugiados e a Europa na agenda. Chegado a Atenas às 18
horas locais (16 horas em Lisboa), é
acompanhado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e
por deputados dos cinco maiores partidos com assento parlamentar. Assim,
integram a comitiva desta visita, além do chefe da nossa diplomacia, os
deputados Amadeu Albergaria, do PSD, Sofia Araújo, do PS, Álvaro Castelo
Branco, do CDS-PP, Paulo Sá, do PCP, e José Manuel Pureza, do BE, que é
vice-presidente da Assembleia da República.
No dia de
hoje, o único ponto do programa é uma receção à comunidade portuguesa, que,
segundo os registos oficiais, é composta por aproximadamente 600 pessoas, cerca
de 80% das quais residem na região metropolitana de Atenas. De acordo com dados
da Embaixada de Portugal na Grécia, prevalecem na comunidade emigrante
portuguesa profissionais da indústria farmacêutica, da hotelaria e representantes
de empresas nacionais. Mas um terço desta comunidade trabalha por conta
própria. No dia 13, depois de depositar uma coroa de flores no monumento ao
soldado desconhecido, na Praça Syntagma, Marcelo Rebelo de Sousa terá encontros
com o Presidente da República Helénica, Prokopios Pavlopoulos, com o Primeiro-Ministro
grego, Alexis Tsipras, e com o presidente do parlamento helénico, Nikos
Voutsis. À tarde, será agraciado com o título de doutor honoris causa pela
Universidade Nacional de Atenas, seguindo-se um jantar oficial organizado em
sua honra pelo Presidente da República Helénica. No dia 14, Marcelo Rebelo de
Sousa irá visitar um campo de refugiados em Tebas, a uma hora de carro de
Atenas, e um centro de apoio social a refugiados na capital da Grécia (um centro com capacidade para cerca de 700 refugiados e migrantes que ocupa
hoje as instalações de uma antiga fábrica do setor têxtil), onde se encontrará com a coordenadora do campo de refugiados da Organização Internacional
para as Migrações.
No mesmo dia e depois de um almoço com personalidades do mundo académico e
cultural – muitas delas com ligações a Portugal –, o Presidente da República
visita ainda, em Atenas, o Serviço Jesuíta aos Refugiados, um centro de apoio
social que tem como missão “acompanhar, servir e defender” os refugiados. Aqui,
adianta Belém, Marcelo encontra-se com “um grupo de voluntários portugueses que
tem vindo a desenvolver diversas atividades”. No mesmo dia, a questão
migratória também deve estar em cima da mesa, no Palácio Presidencial, durante
um debate aberto sobre “As raízes e o futuro da Europa”, com a
participação de Marcelo Rebelo de Sousa e Prokopios Pavlopoulos.
Na verdade,
segundo a Presidência da República, durante esta visita de Estado estarão em
cima da mesa “temas relevantes para ambos os países nos contextos europeu e
multilateral”.
O Presidente da
Grécia, Prokópis Pavlopoulos, esteve em Portugal em janeiro do ano passado,
numa visita de Estado de dois dias que começou em Coimbra, onde recebeu um doutoramento honoris
causa.
***
Após ter conseguido descrispar Portugal, Marcelo
vai ver se descrispa a Grécia. Com efeito,
o Presidente da República considerou, no passado dia 9, que os primeiros dois
anos de mandato foram cenário de intervenções explicativas com funções
preventivas, contribuindo para descrispar o clima político. No dia em que
completou dois anos na chefatura do Estado, assinalou a data com o lançamento
de um livro intitulado “Dois anos depois:
júbilo e tragédia” e falou sobre o seu desempenho no exercício de funções,
porfiando que não vai mudar e que não se melindra com as críticas.
E, em
resposta a questões dos jornalistas (na Sala de Jantar do Palácio de
Belém), assegurou que não se meterá “em
domínios que não são os seus, não se vai pôr no plano dos partidos, ou do
Governo, ou da oposição”, pois “não tem um papel a desempenhar, nem na
oposição, nem no Governo”.
Quanto
às críticas, declarou:
“A coisa mais natural em democracia é que
haja críticas. O unanimismo não existe senão em ditaduras. Como é que eu reajo?
Pois eu passei a minha vida como comentador a criticar, seria estranho que como
Presidente da República eu me melindrasse quando os outros me critiquem quando
eu critiquei os outros”.
Nesse aspeto
revela a coerência da reciprocidade da aceitação. Na verdade, Marcelo chegou a
atribuir notas ao desempenho de políticos, foi duro, displicente. E reagia,
pelo menos aparentemente, com frieza ao retorno que lhe chegava. Agora, o Chefe
de Estado refere que recebera “críticas iniciais sobre uma extroversão
excessiva”, frisando que a atividade intensa “foi intencional, tinha a ver com
a proximidade, decorre da maneira de ser do Presidente e decorria da situação
vivida pelo país”, e foi reforçada devido a “momentos trágicos em que isso foi
mais necessário”. E frisou que “o facto de intervir muito não quer dizer que
não seja tudo devidamente pesado” e que o fez “muitas vezes com funções
preventivas”. Depois, acrescentou:
“Quando entendo que há certas realidades que
precisam de ser explicadas rapidamente, antes que se convertam numa bola de
neve de difícil explicação ou de efeitos mais complexos, mais vale não deixar
que se convertam numa bola de neve e intervir rapidamente”.
Do seu ponto
de vista, nestes dois anos houve “um número muito pequeno de vetos” face à
quantidade de diplomas que lhe chegaram e o seu relacionamento com os outros
órgãos de soberania tem sido “muito pacífico – mais do que pacífico, muito
cordial”. E considerou:
“Como tem sido com os partidos políticos,
todos eles. O facto de nos encontrarmos com periodicidade desdramatizou os
encontros: não é para dissolver o parlamento, não é por causa de uma crise, é
para falarmos do país, naturalmente. E o mesmo com os parceiros sociais. Isso
foi positivo. Foi aquilo que se chamou descrispar.”.
Sente haver
quem entenda que “deveria ser muito mais duro” ou que “foi violento a mais numa
ou noutra intervenção em relação ao Governo”. Sobre a relação com o Governo,
esclareceu:
“Entendi que, no dia a dia, era muito
importante haver um trabalho conjunto, como continuo a entender, perante os
desafios que o país tem pela frente. Em momentos críticos em que senti que
havia o risco de descolagem do país em relação ao poder político, aí, fui, se
quiserem, um pouco mais incisivo, para que não houvesse uma abertura para
riscos populistas.”.
Frisou que
“o Presidente é o fusível de segurança do sistema” e que, se “não está lá
nesses momentos cruciais, que são poucos, por natureza, são excecionais, aparece
alguém a estar”.
E, ainda acerca
das críticas ao seu exercício do cargo, sustentou que “quem não está preparado
para estar muito impopular, então o melhor é dedicar-se a outra atividade que
não à atividade política”. Mas prometeu, para os próximos dois anos, “manter
exatamente o mesmo tipo de comportamento”, defendendo que o Presidente “tem de
ser frio a pensar, tem de ser medido nas declarações e medido no pensamento, e
depois tem de ser muito presente, muito próximo das pessoas e muito próxima em
termos afetivos”.
Reiterando
que, no essencial, não vai mudar o seu comportamento, elencou as suas
prioridades:
“Quer estabilidade, lutará pela
estabilidade. Quer Governo até ao final da legislatura, lutará por Governo até
ao final da legislatura. Quer uma área de Governo forte, lutará por área de
Governo forte. Quer oposições fortes, lutará por oposições fortes. Quer
prestígio das instituições, lutará por prestígio das instituições. Quer mais crescimento,
quer mais igualdade onde há desigualdades, lutará por isso.”.
***
É
perigoso que o Presidente diga que não vai mudar. Como qualquer mortal
singular, também o detentor dum alto cargo público – e o seu é o do vértice da
pirâmide do Estado – deve fazer o permanente exercício de autocrítica. Não vejo
clara legitimidade para o Chefe de Estado se colocar em rota de querer
oposições fortes ou fracas. Deve é aceitar que elas existam e tenham espaço,
mas não deve promovê-las. Oxalá que não vá agora também fazer isso para a
Grécia.
E não se
percebe o furo jornalístico que diz que o Presidente dá um tempo a Rui Rio,
pois, equacionará a hipótese de fazer presidências abertas. Porquê dar um tempo
ao líder do maior partido da oposição? E as suas digressões pelo país têm sido
presidências fechadas?
Reconheço
que o Presidente dá a mão ao Governo muitas vezes, mas comenta demasiado, entra
e detalhes. Embora veladamente, substitui-se algumas vezes ao TC escorado na
sua formação académica de Professor de Direito Constitucional e de Ciência
Política, quando a função de julgar a constitucionalidade da Lei ou de decreto
do Governo não é do Presidente, mas de outro órgão de soberania. Ao Presidente
cabe fazer um juízo político, o que dá azo à promulgação ou ao veto. E este é
que deve ser fundamentado no caso de se tratar de diploma do Parlamento.
E o
Chefe de Estado intervém muitas vezes sem necessidade e sem dar conta que a sua
atitude condiciona, por vezes previamente, o teor de uma iniciativa legislativa
ou o seu andamento. E é esquisito perder-se em explicações sobre diplomas que
promulga a propósito de insuficiências. Se são insuficientes, que vete! Se
promulga, promulga. A não ser em casos muito excecionais…
É certo
que Marcelo faz autocrítica, mas esta, elenca os atos, explica-os e
justifica-os, mas raramente reconhece erros e não dá ensejo a mudança, mesmo
que cirúrgica.
A
autocrítica, mesmo a presidencial, deve redundar em satisfação e em melhoria.
Já agora,
que não faça na Grécia o que fez em São Tomé: levar o Primeiro-Ministro por
aqui ou por ali. Que respeite o protocolo. É mais elegante e mais seguro.
2018.03.12 –
Louro de Carvalho
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