sexta-feira, 23 de março de 2018

Controlar a precariedade, mas de forma insuficiente


A OCDE pôs o dedo na ferida reconhecendo que o desemprego em Portugal baixou, mas a precariedade aumentou e o próprio Governo assume ter de reduzir a segmentação do mercado de trabalho e diz que tem medidas para isso. Sobre isto, o Ministério de Vieira da Silva admite:
 A proporção de contratos a prazo e outros contratos não permanentes no emprego por conta de outrem em Portugal é excessiva e ultrapassa de modo significativo a média europeia”.
Assim, o Governo quer limitar contratos a prazo e penalizar as empresas que abusem deles.
Vieira da Silva apresentou proposta que prevê a redução da duração máxima dos contratos a prazo, a limitação da renovação limitada desses vínculos, a taxa para empresas prevaricadoras, o reforço da contratação coletiva e a limitação do número de trabalhadores que podem ter contratos precários numa nova empresa. Estas e outras medidas constam de um pacote mais alargado apresentado hoje, dia 23, aos parceiros sociais na reunião de Concertação Social.
A expectativa é perceber como esta revisão da lei laboral seguirá as pretensões e exigências dos parceiros parlamentares mais à esquerda. Mais do que reforma profunda, o Governo procura resolver de forma cirúrgica os dois maiores problemas estruturais que identificou: a excessiva percentagem de vínculos de trabalho de natureza precária e o enfraquecimento da contratação coletiva. Não tem, pois, a ambição de uma revisão global do código laboral.
Entre as medidas previstas conta-se, em concreto, a redução da duração máxima dos contratos a prazo de três para dois anos, o que implica que uma empresa não possa contratar um trabalhador para cumprir funções supostamente temporárias por mais de dois anos.
Além disso, o Governo quer introduzir uma norma que impeça que as renovações possam ser superiores à duração do primeiro contrato. Assim, se uma empresa contrata um trabalhador por 6 meses, não pode renovar esse vínculo por mais um ano. Ou uma empresa não pode contratar um trabalhador por 6 meses, renovar uma primeira vez por outros 6 meses e, terminado esse período, oferecer novo contrato de 6 meses. Isto, porque a soma do segundo e terceiro contrato seria superior ao período de duração do primeiro contrato.
Vieira da Silva avança ainda a proposta da revogação da norma que permite que as empresas contratem a termo jovens à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração. Tal possibilidade manter-se-á só para desempregados de muito longa duração (mais de 2 anos no desemprego).
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Porém, a medida que terá mais impacto junto dos representantes patronais já foi antecipada por António Costa ontem (véspera da reunião da concertação social) em entrevista à revista Visão e confirmada hoje: Governo vai criar uma nova taxa para penalizar empresas que recorram abusivamente a contratos a prazo. E, ao contrário do que foi sendo avançado com alguma insistência – e que chegou mesmo a ser ponderado por Vieira da Silva – este agravamento não acontece via aumento da TSU (Taxa Social Única) paga pelas empresas, mas através da criação de uma nova taxa. Sem adiantar grandes detalhes, o Primeiro-Ministro antecipou apenas que a taxa “incidirá sobre as empresas que abusem da rotação relativamente ao respetivo setor”. O objetivo é não penalizar empresas que, por natureza, sejam obrigadas a recorrer com maior frequência a contratos a termo. Na entrevista, Costa chegou a dar exemplos dos setores do Turismo e da Agricultura, que, pelo tipo atividade que desempenham, muitas vezes condicionados por picos de sazonalidade, têm de recorrer mais vezes a estes mecanismos.
As regras da nova taxa, que são complexas, serão afinadas nos próximos meses: a taxa será progressiva e variará entre 1% a 2%, sendo que uma empresa mais prevaricadora pagará mais do que outras menos prevaricadoras; a contribuição será anual e calculada em função da massa salarial dos trabalhadores com contratos a prazo. E, para a taxa não se aplicar a todas as empresas indiscriminadamente, ter-se-á em conta a média setorial em que a empresa se insere. O Executivo até já definiu um calendário: até final de 2018, serão identificadas as médias por setor, sob consulta pública; no final de 2019, será cobrada a taxa. Esta medida permitirá um encaixe de 70 a 90 milhões de euros. Porém, o objetivo é imprimir uma “mudança de comportamentos” no mercado de trabalho português.
Entretanto, fica uma questão por esclarecer:
Se a nova taxa (de 1 a 2%) é calculada em função da massa salarial dos trabalhadores precários (presumivelmente baixa), até que ponto será compensatório para uma empresa converter contratos a prazo em contratos sem termo, que representam, naturalmente, mais encargos para a entidade empregadora?”.
O Governo reconhece que a medida ainda pode ser afinada, mas o princípio manter-se-á. Para compensar as empresas, o Executivo reforçará os apoios às empresas  que convertam vínculos precários em contratos sem termo.
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Estão ainda outras propostas em cima da mesa: as empresas que iniciem atividade não poderão ter mais do que 250 trabalhadores a termo (o limite atualmente é de 750); a lei será clarificada com vista a impedir que as convenções coletivas alterem o regime legal da contratação a termo, o que não está exatamente definido atualmente; e ficará também clarificado que, mesmo quando empresa e trabalhadores concordem na não renovação do vínculo temporário, o trabalhador terá sempre direito a compensação.
E, na predita entrevista, António Costa revelou ainda que serão adotados novos mecanismos para limitar “os fundamentos do recurso ao contrato a prazo” e confirmou uma medida que já constava do programa de Governo: o banco de horas individual vai ser eliminado.
Estão, assim, ainda a ser preparadas alterações nas regras dos contratos a termo incerto e do trabalho temporário. O Executivo vai reduzir a duração máxima dos contratos a termo incerto de 6 para 4 anos. E o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social estuda ainda a possibilidade de limitar o número permitido de renovações dos contratos temporários, que atualmente é inexistente: as empresas podem oferecer um contrato de um dia a um determinado trabalhador por semanas ou meses consecutivos. Ora, o Governo não se compromete ainda com o limite que a definir, mas a posição de princípio é essa. O grande objetivo é o reforço da transparência no recurso ao trabalho temporário.
Outro do objetivo do Ministro do Trabalho é reforçar o papel da contratação coletiva no mercado de trabalho português e combater a excessiva individualização da relação laboral.
O Governo pretende reservar para a contratação coletiva o mecanismo do banco de horas. Ou seja, na prática, os empregadores não poderão discutir individualmente com os trabalhadores essa possibilidade. Não haverá banco de horas individual. Assim, o banco de horas dependerá sempre do acordo coletivo.
Ao invés do que pretendiam os partidos mais à esquerda, sobretudo o PCP, que pretendiam mais, o princípio de caducidade da contratação coletiva não será revertido. É essa a garantia do Governo, que pretende apenas reforçar os mecanismos de negociação entre as partes.
Com a aprovação das novas regras, se empregadores e trabalhadores não chegarem a um acordo de convenção coletiva que se aproxime do fim, uma das partes pode pedir um prolongamento do prazo (máximo de 6 meses) e recorrer ao colégio de árbitros criado no CES (Conselho Económico e Social), com representantes de sindicatos, empresas e um árbitro escolhido por ambas as partes. E o colégio arbitral avaliará vários aspetos, incluindo a existência ou não do empenho de todas as partes na renovação da convenção coletiva. Terá, depois, um papel de mediador. No limite, pode não ser possível chegar a acordo e o colégio não poderá fazer nada.
O Governo vai ainda reforçar os meios da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e dos meios de apoio ao papel de conciliação e de mediação das leis laborais.
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Esta sexta-feira, o Governo apresentou aos parceiros sociais as suas propostas para a reforma da lei laboral, numa reunião que contou com a presença dos Ministros do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Vieira da Silva, a Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e ainda o Secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita.

Em suma, o combate à segmentação do mercado de trabalho foi assumido como prioridade do Governo: como se disse, a duração máxima de contratos a termo certo baixa para 2 anos, as renovações terão restrições e há mudanças nos contratos a termo incerto.

O Executivo sabe que o mercado de trabalho continua marcado por alta percentagem de vínculos precários. Por isso, este será um dos eixos de intervenção. Entre as medidas em debate com os parceiros sociais consta a redução da duração máxima dos contratos a termo certo e incerto, mantendo-se o número de renovações possíveis, mas com restrições. E o subsídio social de desemprego, que depende do nível de rendimentos das famílias, estará mais acessível.
Além da segmentação, há outras medidas, nomeadamente na área da contratação coletiva. O Executivo quer encerrar o debate com os parceiros no primeiro semestre do ano, para que algumas possam entrar em vigor ainda em 2018. 
Por norma, os contratos a prazo só podem ser celebrados estando em causa necessidades temporárias da empresa. Mas o Código do Trabalho admite a contratação a termo certo de desempregados de longa duração e de trabalhadores à procura de primeiro emprego – só o facto de estarem nesta situação permite aquele vínculo. O Governo quer mudar isto, prevendo que estas deixem de ser razões atendíveis, exceto no caso desemprego de muito longa duração.
Hoje o Código do Trabalho admite a contratação a prazo estando em causa o lançamento de nova atividade de duração incerta ou o início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores. O limite  baixa para 250 (abrangendo micro, pequenas e médias empresas).
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Parece que estas alterações ao Código de Trabalho controlam a situação de precariedade. Porém, resta combater os baixos salários e humanizar quer as condições de trabalho, quer a conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar. E uma questão fica no ar: O que pretende a Comissão Europeia, que critica a precariedade, com a exigência da diminuição da proteção dos contratos sem termo?
2018.03.23 – Louro de Carvalho

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