segunda-feira, 5 de março de 2018

A União Europeia inquieta com eleições em Itália


De acordo com os resultados parciais, o grande vencedor das eleições do dia 4 de março é o Movimento 5 Estrelas. A extrema-direita, com a Liga Norte, também ganha terreno. Mas nenhum partido conseguirá a maioria para formar governo.
O Movimento 5 Estrelas, um partido antissistema, foi o mais votado. Segue na frente com quase 32% dos votos, para o Senado (31,79%) e mais de 32% para a Câmara dos Deputados (32,20%). Luigi di Maio, o líder do movimento, tem 31 anos e durante a campanha garantiu não querer coligar-se com a velha política. O segundo vencedor é Matteo Salvini, líder do partido ultranacionalista de extrema-direita Liga Norte, que fez campanha contra imigrantes e muçulmanos e conseguiu perto de 18% dos votos (7,89% no Senado e 17,71% na Câmara). E, a juntar a estas contas, está o movimento de Sílvio Berlusconi, o Forza Itália com cerca de 14% dos votos (14,43% no Senado e 13,94% na Câmara dos Deputados); o partido Irmãos de Itália (4,35% no Senado e 4,27% na Câmara) e Quarto Polo (1,20% no Senado e 1,30% na Câmara).
Estes resultados dão uma vantagem à coligação liderada por Berlusconi, mas que junta também o Liga Norte de Salvini e o partido Irmãos de Itália. A coligação conseguiu cerca de 37% dos votos (36,99% dos votos da Câmara dos Deputados e 37,46% no Senado), mas os resultados e as circunstâncias deixam Salvini como líder da direita italiana.
Se esta aliança vencer em termos parlamentares, Matteo Salvini pode mesmo ficar em posição de exigir o cargo de primeiro-ministro. Do lado dos perdedores, destaca-se um: Matteo Renzi. O jornal La Repubblica fala de um colapso do Partido Democrático. Com efeito, o antigo primeiro-ministro que se demitiu após o referendo às reformas constitucionais esteve na corrida para formar governo, mas o resultado (obteve 23,10% na Câmara dos Deputados e 23,16% no Senado) de pouco mais de 23% dos votos (Nas últimas eleições europeias tinha ultrapassado os 40%) não dá grande margem para uma coligação centro-esquerda.
Estes resultados parciais mostram as dificuldades nas negociações para formação de governo, pois nenhuma coligação ou partido consegue maioria suficiente para avançar com um executivo.
A primeira reunião do Parlamento está marcada para o dia 23, mas o Presidente italiano, Sergio Mattarela, só deve abrir negociações formais para a formação do governo, no início de abril.
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Os resultados apontam para a manutenção das preocupações com que a UE aguardava as eleições gerais em Itália na linha do que vem sucedendo. Em 2016, a Europa tremeu com o Brexit e a eleição de Trump. E, em 2017, respirou de alívio com as vitórias mornas de Emmanuel Macron e Angela Merkel. O ano de 2018 começou com a perspetiva de a Itália ir a votos, tendo no horizonte instabilidade política e o crescimento dos movimentos populistas.
Se o coração da UE é Bruxelas, Roma, que não alberga as grandes instituições europeias, é a capital em que que teve início a aventura comunitária a 25 de março de 1957, com 6 nações a criar a CEE (Comunidade Económica Europeia), antecâmara da UE (União Europeia). E ali vieram, em 2017, os ora 27 Estados-membros assinalar a data e renovar a fidelidade ao projeto europeu, apesar da incapacidade em esconder as muitas diferenças.
Agora, Roma arrisca-se a ser mais sombria para a UE. O país regressou às urnas para eleger as duas câmaras do Parlamento, o que deveria dar suporte ao futuro Governo. As sondagens revelavam a fragmentação do eleitorado e a continuação do crescimento dos movimentos populistas, quer do lado da extrema-direita, quer do lado do Movimento Cinco Estrelas.
Entre os cenários possíveis, um apresenta-se como o mais preocupante para os diretórios europeus: a coligação de movimentos eurocéticos liderada por Movimento Cinco Estrelas e Liga Norte. O politólogo italiano Marco Lisi, investigador da Universidade Nova de Lisboa nota que “as posições antieuropeístas do movimento têm vindo a ser muito mais moderadas” e diz:
Não sei se será o mais plausível. O Movimento Cinco Estrelas tem tido uma grande ambiguidade em termos de estratégia de alianças.”.
Também Isabel Meirelles, especialista em assuntos europeus, vê a chegada do Movimento ao poder como o pior cenário. Diz a advogada e vice-presidente do PSD:
Seria um partido que não cooperaria com a União Europeia. É um partido que, se pudesse, até poria Itália fora desta organização que deu tanta paz, prosperidade e desenvolvimento à Europa”. 
Segundo os observadores, o crescimento dos movimentos populistas é uma das faces da perda de poder dos partidos tradicionais que impulsionaram a construção europeia. Nestes termos, afirma o investigador do ISCTE Goffredo Adinolfi:
Os italianos não são muito europeístas. Já foram mais, agora são muito menos porque a Europa é explorada em Itália como o alvo de todas as responsabilidades”.
Na verdade, a crise económica trouxe um novo padrão de apoio à UE. Se no princípio do século a maioria dos italianos confiava no projeto, o mesmo não acontece hoje. Segundo os dados do Eurobarómetro, desde 2011 são mais os italianos que tendem a não confiar na UE do que os que tendem a confiar. Apesar de a maioria dos italianos apoiar o euro, o apoio à moeda única caiu fortemente: de 81% em 2001 para 54% em 2016.
Goffredo Adinolfi, segundo o qual há um mal-estar que, em vez de se concretizar em pedir mais redistribuição do rendimento, se concretiza numa vontade de isolamento, verifica:
Há muitas forças que pensam que Itália deixou de crescer desde que entrou no euro e associam as duas dinâmicas. Também não percebem o quanto seria importante uma união mais forte.”.
Depois, a gestão da crise migratória leva os italianos a questionar a UE, pois este país é um dos mais afetados pela crise de refugiados, e modo que o tema da imigração tomou de assalto a campanha e domina o debate político. Assim, a Europa passou a ser vista como sistema distante e os emigrantes a ser considerados como quem rouba o trabalho e invade o espaço. Em vez de pedirem mais direito ou menos precariedade, seguiram esta via. Neste contexto, o racismo e a xenofobia marcaram a campanha eleitoral com a atribuição da culpa às elites políticas, em especial ao líder do partido de extrema-direita. Segundo alguns, Salvini tem um discurso que, de acordo com a lei italiana, deveria ser julgado pelos comentários que faz sobre os estrangeiros, pois, à sua pala, os cidadãos sentem-se legitimados a fazer também este tipo de discurso. 
As sondagens pré-eleitorais indicavam uma grande desconfiança em relação aos estrangeiros e aos partidos tradicionais e que esta desconfiança não é menor que noutros países europeus, mas que isto não se traduziria no voto porque o assunto não é explorado exaustivamente.
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Embora Roma não seja Berlim ou Paris na liderança do projeto europeu, contudo tem um peso que não têm Atenas ou Lisboa, pois Itália é um dos países fundadores da UE, a sua quarta maior economia e um dos contribuintes líquidos do orçamento comunitário. Na irmandade do sul da Europa, Itália apresenta-se como o irmão rico, mas que não consegue escapar aos problemas do bloco, designadamente no desemprego, na banca e na dívida pública. Tem uma dívida que representa 132% do seu Produto Interno Bruto. São 2.218.471,2 milhões de euros, a maior da Zona Euro e mais de 20% de toda a dívida pública dos 19. 
Assim, Isabel Meirelles entende que “estas eleições vão definir se a União Europeia continua num ponto de equilíbrio ou não” e que “o Governo que sair destas eleições vai ser determinante para se perceber o futuro da Europa em todos os desafios, designadamente do Brexit”. A advogada traça um quadro negro para o caso de as forças populistas chegarem ao governo. Nota que, na Grécia, o Syriza “foi vergado” e hoje “até se parece acomodar bem às regras” mas que o mesmo pode não suceder em Itália. Adverte que pode, no limite, haver um referendo que pergunte aos italianos, tal como no Reino Unido, se querem permanecer na UE ou nem tanto. O cenário dependerá do rumo que os partidos decidirem tomar face a discursos muito ambíguos. Depois de ter defendido um referendo ao euro, o líder do Movimento Cinco Estrelas afirmou recentemente que o partido é “pró-europeu”.
No quadro atual, Isabel Meirelles crê que o regresso ao poder do Partido Democrático seria a melhor solução para a UE, por ser “o único partido que é manifestamente a favor da Europa, do euro e dos aspetos de integração”, sendo todos os outros “eurocéticos ou mesmo antieuropeus”.
Neste complexo tabuleiro, também Sílvio Berlusconi não merece a confiança dos observadores, pois foi somando contradições em relação ao projeto europeu ao longo da sua carreira, defende a introdução de moeda doméstica em Itália e a utilização do euro no comércio internacional e advoga a deportação de 600 mil migrantes ilegais. Por outro lado, é líder e fundador de um dos partidos que construíram a Itália europeia, donde é oriundo o atual presidente do Parlamento de Estrasburgo/Bruxelas, António Tajani, o qual é mesmo a escolha de Sílvio Berlusconi para primeiro-ministro. Apesar disso, Il Cavaliere não se inibe de ser crítico de Bruxelas, em especial quando está na oposição, e de fechar alianças com a extrema-direita.

Apesar da incerteza que o voto em Berlusconi pode representar, para Isabel Meirelles, o regresso da Força Itália ao poder pode ser um “mal menor” se comparado com opções mais radicais – cenário que não se verifica só na Península Itálica. Com efeito, a Europa encontra-se numa “lógica do mínimo denominador comum”. A euforia dos anos 80 passou, a via para o federalismo “parece quase uma miragem”. “A Europa tem de ser repensada” e “temos de seguir novamente o caminho dos pequenos passos e negociar qualquer decisão que belisque as soberanias nacionais com muito cuidado”.
No calendário eleitoral de 2018, Itália não está sozinha. Multiplicam-se as eleições a leste, nomeadamente na Eslovénia e na Hungria de Vitkor Orbán. É a antecâmara para 2019, ano em que os europeus votam a composição do novo Parlamento de Estrasburgo.
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O poder legislativo italiano reside num Parlamento dividido em duas câmaras, ambas com a mesma importância e função. Neste bicameralismo, uma maioria estável implica conquistar mais de metade dos lugares disponíveis quer na Câmara dos Deputados quer no Senado.
A lei eleitoral italiana não está inscrita na Constituição e tem sido alterada sucessivamente ao longo dos anos. A versão atual, aprovada em 2017, resulta de acordo entre o centro-direita e o centro-esquerda. O Movimento Cinco Estrelas votou contra e é, na ótica dos analistas, o principal prejudicado com este sistema. A composição do Senado e da Câmara dos Deputados é escolhida numa eleição mista: 61% dos parlamentares são eleitos pelo método proporcional e 37% em círculos uninominais – círculos pequenos em que apenas uma pessoa é eleita. É uma lei que premeia as coligações e o Movimento Cinco Estrelas não coliga. Os círculos uninominais beneficiam os partidos tradicionais, que têm forte implantação regional, como é o caso do centro-esquerda e do centro-direita.
Além disso, entrou em vigor um novo sistema para combater a fraude eleitoral. Tudo alterações que tornam o processo de voto mais complexo e que atrasam a votação.
Com esta inovação, o dia de votação em Itália fica marcado por algumas dificuldades sentidas pelos eleitores. Houve, por exemplo problemas com os boletins de voto em Palermo. Um erro fez com que tivessem de ser impressos novos boletins, atrasando a abertura dos locais de voto. 
Por outro lado, o ato eleitoral fica marcado por um curioso protesto contra Sílvio Berlusconi. Uma ativista mostrou os seios e subiu para cima da mesa de voto quando o ex-primeiro-ministro italiano se preparava para votar. E gritou “Time’s Up, Berlusconi” (O teu tempo acabou, Berlusconi), em referência ao movimento de denúncia de assédio sexual que tem marcado Hollywood.
De facto, mesmo que a direita chegue ao poder, Sílvio Berlusconi não poderá ser primeiro-ministro, dado que foi condenado por fraude fiscal e está impedido de exercer cargos públicos. 
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Teremos de aguardar os resultados, ver a real importância dos círculos uninominais e perceber até que ponto as forças políticas italianas se acomodam à nova situação parlamentar. Teremos uma solução à portuguesa de sentido contrário ou uma solução à grega?
Para já, está em cena uma consequência: o líder do Partido Democrata, Matteo Renzi, apresentou a sua demissão do partido, depois de não ter conseguido ir além do dum terceiro lugar nas eleições gerais. A notícia da desta demissão começou a ser avançada logo pela manhã, mas só foi oficialmente confirmada à tarde pelo próprio Renzi, que entende que “a derrota obriga a que seja aberta numa nova página”.
O próximo líder do Partido Democrático, de Centro-Esquerda, deverá ser escolhido em congresso, numa data ainda a definir. 
As próximas semanas serão de negociação entre os partidos, parecendo bastante difícil de encontrar uma solução governativa. 
2018.03.05 – Louro de Carvalho   

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