De acordo com os resultados
parciais, o grande vencedor das eleições do dia 4 de março é o Movimento 5 Estrelas. A extrema-direita,
com a Liga Norte, também ganha
terreno. Mas nenhum partido conseguirá a maioria para formar governo.
O Movimento 5 Estrelas, um partido antissistema, foi o mais votado.
Segue na frente com quase 32% dos votos, para o Senado (31,79%) e mais de
32% para a Câmara dos Deputados (32,20%). Luigi di Maio, o líder do movimento, tem 31 anos e
durante a campanha garantiu não querer coligar-se com a velha política. O
segundo vencedor é Matteo Salvini, líder do partido ultranacionalista de
extrema-direita Liga Norte, que fez
campanha contra imigrantes e muçulmanos e conseguiu perto de 18% dos votos (7,89% no Senado e 17,71% na Câmara). E, a juntar a estas contas, está o movimento de Sílvio
Berlusconi, o Forza Itália com cerca
de 14% dos votos (14,43% no Senado e
13,94% na Câmara dos Deputados);
o partido Irmãos de Itália (4,35% no Senado e 4,27% na Câmara) e Quarto Polo (1,20%
no Senado e 1,30% na Câmara).
Estes resultados dão uma
vantagem à coligação liderada por Berlusconi, mas que junta também o Liga Norte de Salvini e o partido Irmãos de Itália. A coligação conseguiu cerca
de 37% dos votos (36,99% dos votos da
Câmara dos Deputados e 37,46% no Senado), mas os resultados e as circunstâncias deixam Salvini como líder da
direita italiana.
Se esta aliança vencer em termos
parlamentares, Matteo Salvini pode mesmo ficar em posição de exigir o cargo de
primeiro-ministro. Do lado dos perdedores, destaca-se um: Matteo Renzi. O
jornal La Repubblica fala de um
colapso do Partido Democrático. Com
efeito, o antigo primeiro-ministro que se demitiu após o referendo às reformas
constitucionais esteve na corrida para formar governo, mas o resultado (obteve 23,10% na Câmara dos Deputados e 23,16% no Senado) de pouco mais de 23% dos votos (Nas últimas eleições europeias tinha ultrapassado os 40%) não dá grande margem para uma coligação
centro-esquerda.
Estes resultados parciais
mostram as dificuldades nas negociações para formação de governo, pois nenhuma
coligação ou partido consegue maioria suficiente para avançar com um executivo.
A primeira reunião do Parlamento
está marcada para o dia 23, mas o Presidente italiano, Sergio Mattarela, só
deve abrir negociações formais para a formação do governo, no início de abril.
***
Os resultados apontam para a manutenção das
preocupações com que a UE aguardava as eleições gerais em Itália na linha do
que vem sucedendo. Em 2016, a Europa tremeu com o Brexit e a eleição de Trump. E,
em 2017, respirou de alívio com as vitórias mornas de Emmanuel Macron e Angela
Merkel. O ano de 2018 começou com a perspetiva de a Itália ir a votos, tendo no
horizonte instabilidade política e o crescimento dos movimentos populistas.
Se o coração da UE é Bruxelas, Roma, que não alberga
as grandes instituições europeias, é a capital em que que teve início a
aventura comunitária a 25 de março de 1957, com 6 nações a criar a CEE (Comunidade Económica Europeia), antecâmara
da UE (União Europeia). E ali vieram, em 2017, os ora 27 Estados-membros
assinalar a data e renovar a fidelidade ao projeto europeu, apesar da incapacidade
em esconder as muitas diferenças.
Agora, Roma arrisca-se a ser mais sombria para a UE. O
país regressou às urnas para eleger as duas câmaras do Parlamento, o que deveria
dar suporte ao futuro Governo. As sondagens revelavam a fragmentação do
eleitorado e a continuação do crescimento dos movimentos populistas, quer do
lado da extrema-direita, quer do lado do Movimento
Cinco Estrelas.
Entre os cenários possíveis, um apresenta-se como o
mais preocupante para os diretórios europeus: a coligação de movimentos
eurocéticos liderada por Movimento Cinco
Estrelas e Liga Norte. O
politólogo italiano Marco Lisi, investigador da Universidade Nova de Lisboa
nota que “as posições antieuropeístas do movimento têm vindo a ser muito mais
moderadas” e diz:
“Não sei se
será o mais plausível. O Movimento Cinco Estrelas tem tido uma grande
ambiguidade em termos de estratégia de alianças.”.
Também Isabel Meirelles, especialista em assuntos
europeus, vê a chegada do Movimento ao poder como o pior cenário. Diz a advogada
e vice-presidente do PSD:
“Seria um
partido que não cooperaria com a União Europeia. É um partido que, se pudesse,
até poria Itália fora desta organização que deu tanta paz, prosperidade e
desenvolvimento à Europa”.
Segundo os observadores, o crescimento dos movimentos
populistas é uma das faces da perda de poder dos partidos tradicionais que
impulsionaram a construção europeia. Nestes termos, afirma o investigador do
ISCTE Goffredo Adinolfi:
“Os italianos
não são muito europeístas. Já foram mais, agora são muito menos porque a Europa
é explorada em Itália como o alvo de todas as responsabilidades”.
Na verdade, a crise económica trouxe um novo padrão de
apoio à UE. Se no princípio do século a maioria dos italianos confiava no
projeto, o mesmo não acontece hoje. Segundo os dados do Eurobarómetro, desde
2011 são mais os italianos que tendem a não confiar na UE do que os que tendem
a confiar. Apesar de a maioria dos italianos apoiar o euro, o apoio à moeda
única caiu fortemente: de 81% em 2001 para 54% em 2016.
Goffredo Adinolfi, segundo o qual há um mal-estar que,
em vez de se concretizar em pedir mais redistribuição do rendimento, se
concretiza numa vontade de isolamento, verifica:
“Há muitas
forças que pensam que Itália deixou de crescer desde que entrou no euro e
associam as duas dinâmicas. Também não percebem o quanto seria importante uma
união mais forte.”.
Depois, a gestão da crise migratória leva os italianos
a questionar a UE, pois este país é um dos mais afetados pela crise de
refugiados, e modo que o tema da imigração tomou de assalto a campanha e domina
o debate político. Assim, a Europa passou a ser vista como sistema distante e
os emigrantes a ser considerados como quem rouba o trabalho e invade o espaço.
Em vez de pedirem mais direito ou menos precariedade, seguiram esta via. Neste
contexto, o racismo e a xenofobia marcaram a campanha eleitoral com a atribuição
da culpa às elites políticas, em especial ao líder do partido de
extrema-direita. Segundo alguns, Salvini tem um discurso que, de acordo com a
lei italiana, deveria ser julgado pelos comentários que faz sobre os
estrangeiros, pois, à sua pala, os cidadãos sentem-se legitimados a fazer também
este tipo de discurso.
As sondagens pré-eleitorais indicavam uma grande desconfiança
em relação aos estrangeiros e aos partidos tradicionais e que esta desconfiança
não é menor que noutros países europeus, mas que isto não se traduziria no voto
porque o assunto não é explorado exaustivamente.
***
Embora Roma não seja Berlim ou Paris na liderança do
projeto europeu, contudo tem um peso que não têm Atenas ou Lisboa, pois Itália
é um dos países fundadores da UE, a sua quarta maior economia e um dos
contribuintes líquidos do orçamento comunitário. Na irmandade do sul da Europa,
Itália apresenta-se como o irmão rico, mas que não consegue escapar aos
problemas do bloco, designadamente no desemprego, na banca e na dívida pública.
Tem uma dívida que representa 132% do seu Produto Interno Bruto. São
2.218.471,2 milhões de euros, a maior da Zona Euro e mais de 20% de toda a
dívida pública dos 19.
Assim, Isabel Meirelles entende que “estas eleições
vão definir se a União Europeia continua num ponto de equilíbrio ou não” e que
“o Governo que sair destas eleições vai ser determinante para se perceber o
futuro da Europa em todos os desafios, designadamente do Brexit”. A advogada
traça um quadro negro para o caso de as forças populistas chegarem ao governo.
Nota que, na Grécia, o Syriza “foi vergado” e hoje “até se parece acomodar bem
às regras” mas que o mesmo pode não suceder em Itália. Adverte que pode, no
limite, haver um referendo que pergunte aos italianos, tal como no Reino Unido,
se querem permanecer na UE ou nem tanto. O cenário dependerá do rumo que os
partidos decidirem tomar face a discursos muito ambíguos. Depois de ter
defendido um referendo ao euro, o líder do Movimento
Cinco Estrelas afirmou recentemente que o partido é “pró-europeu”.
No quadro atual, Isabel Meirelles crê que o regresso
ao poder do Partido Democrático seria
a melhor solução para a UE, por ser “o único partido que é manifestamente a
favor da Europa, do euro e dos aspetos de integração”, sendo todos os outros “eurocéticos
ou mesmo antieuropeus”.
Neste complexo tabuleiro, também Sílvio Berlusconi não merece a confiança dos
observadores, pois foi somando contradições em relação ao projeto europeu ao
longo da sua carreira, defende a introdução de moeda doméstica em Itália e a
utilização do euro no comércio internacional e advoga a deportação de 600 mil
migrantes ilegais. Por outro lado, é líder e fundador de um dos partidos que
construíram a Itália europeia, donde é oriundo o atual presidente do Parlamento
de Estrasburgo/Bruxelas, António Tajani, o qual é mesmo a escolha de Sílvio
Berlusconi para primeiro-ministro. Apesar disso, Il Cavaliere não
se inibe de ser crítico de Bruxelas, em especial quando está na oposição, e de
fechar alianças com a extrema-direita.
Apesar da incerteza que o voto em Berlusconi pode
representar, para Isabel Meirelles, o regresso da Força Itália ao poder pode ser um “mal menor” se comparado com
opções mais radicais – cenário que não se verifica só na Península Itálica. Com
efeito, a Europa encontra-se numa “lógica do mínimo denominador comum”. A euforia
dos anos 80 passou, a via para o federalismo “parece quase uma miragem”. “A
Europa tem de ser repensada” e “temos de seguir novamente o caminho dos
pequenos passos e negociar qualquer decisão que belisque as soberanias
nacionais com muito cuidado”.
No calendário eleitoral de 2018, Itália não está
sozinha. Multiplicam-se as eleições a leste, nomeadamente na Eslovénia e na
Hungria de Vitkor Orbán. É a antecâmara para 2019, ano em que os europeus votam
a composição do novo Parlamento de Estrasburgo.
***
O poder legislativo
italiano reside num Parlamento dividido em duas câmaras, ambas com a mesma
importância e função. Neste bicameralismo, uma maioria estável implica
conquistar mais de metade dos lugares disponíveis quer na Câmara dos Deputados
quer no Senado.
A lei eleitoral
italiana não está inscrita na Constituição e tem sido alterada sucessivamente
ao longo dos anos. A versão atual, aprovada em 2017, resulta de acordo entre o
centro-direita e o centro-esquerda. O Movimento
Cinco Estrelas votou contra e é, na ótica dos analistas, o principal prejudicado
com este sistema. A composição do Senado e da Câmara dos Deputados é escolhida numa
eleição mista: 61% dos parlamentares são eleitos pelo método proporcional e 37%
em círculos uninominais – círculos pequenos em que apenas uma pessoa é eleita. É
uma lei que premeia as coligações e o Movimento
Cinco Estrelas não coliga. Os círculos uninominais beneficiam os partidos
tradicionais, que têm forte implantação regional, como é o caso do
centro-esquerda e do centro-direita.
Além disso, entrou
em vigor um novo sistema para combater a fraude eleitoral. Tudo alterações que
tornam o processo de voto mais complexo e que atrasam a votação.
Com esta inovação,
o dia de votação em Itália fica marcado por algumas dificuldades sentidas pelos
eleitores. Houve, por exemplo problemas com os boletins de voto em Palermo. Um
erro fez com que tivessem de ser impressos novos boletins, atrasando a abertura
dos locais de voto.
Por outro lado, o ato eleitoral fica marcado por um curioso protesto contra Sílvio
Berlusconi. Uma ativista mostrou os seios e subiu para cima da mesa de voto
quando o ex-primeiro-ministro italiano se preparava para votar. E gritou “Time’s Up, Berlusconi” (O teu tempo acabou,
Berlusconi), em referência ao movimento
de denúncia de assédio sexual que tem marcado Hollywood.
De facto, mesmo que
a direita chegue ao poder, Sílvio Berlusconi não poderá ser primeiro-ministro,
dado que foi condenado por fraude fiscal e está impedido de exercer cargos
públicos.
***
Teremos de aguardar
os resultados, ver a real importância dos círculos uninominais e perceber até
que ponto as forças políticas italianas se acomodam à nova situação
parlamentar. Teremos uma solução à portuguesa de sentido contrário ou uma
solução à grega?
Para já, está em
cena uma consequência: o líder do Partido Democrata,
Matteo Renzi, apresentou a sua demissão do partido, depois de não ter
conseguido ir além do dum terceiro lugar nas eleições gerais. A notícia da
desta demissão começou a ser avançada logo pela manhã, mas só foi
oficialmente confirmada à tarde pelo próprio Renzi, que entende que “a derrota
obriga a que seja aberta numa nova página”.
O próximo líder do Partido Democrático, de
Centro-Esquerda, deverá ser escolhido em congresso, numa data ainda a
definir.
As próximas semanas serão de negociação entre os partidos,
parecendo bastante difícil de encontrar uma solução governativa.
2018.03.05 – Louro de Carvalho
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