Adriano Moreira, político e professor catedrático jubilado,
foi homenageado no arranque do 27.º congresso centrista. O ex-presidente
histórico do CDS acredita que a matriz do partido não se alterou. Mostra-se satisfeito
com o rumo dos democrata-cristãos e acredita que Assunção Cristas é a melhor
personificação dos valores do partido.
Comovido,
este velho senador da democracia-cristã foi homenageado pelos congressistas, em
Lamego. O
homenageado chegou ao Pavilhão Multiusos de braço dado com a líder. E os dois
mil congressistas levantaram-se para aplaudir o histórico democrata-cristão,
que partilhou “a felicidade de ver o partido renascer”. E confidenciou aos congressistas,
em atitude de autocrítica:
“A minha geração deixa uma
herança pesadíssima”.
Mas prometeu: “Comigo a culpa não morre solteira”. E,
confessando-se “suficientemente comovido”, pela maneira como foi recebido no
Congresso, declarou:
“Eu morro com culpa, porque a minha
geração deixou uma pesada herança às gerações seguintes. Não fizemos tudo o que
era possível.”.
Tratando
Cristas como “a nossa presidente do partido”, Adriano Moreira começara por
homenagear figuras da democracia-cristã já falecidas, entre as quais as do “primeiro
mártir” do CDS, Adelino Amaro da Costa.
O discurso do antigo presidente do CDS-PP atravessou a história de Portugal
e da Europa, deixando dois ensinamentos que disse ser preciso ter em conta: “primeiro,
que a terra é única; depois, que é a morada de todos os homens”.
Disse ao congresso que já não tem idade para “ver esse triunfo que faz falta à Europa”, que seria ver “renascer a força da democracia cristã”.
Mas, acrescentou:
“Já há uma alegria suficiente: a de
ver a força que representa este congresso, com uma liderança entregue à geração
que recebe sem benefício de inventário a defesa dos interesses de Portugal, da
humanidade e dos valores da democracia cristã”.
Dizendo que “o
legado” que deixou ao CDS é o da democracia-cristã (Adriano
Moreira, 95 anos, líder do CDS de 1985 a 1988 e de 1991 a 1992), manifestou-se convicto de que esse legado “foi
assumido” pela atual líder do partido, ‘abençoando-lhe’ assim a liderança.
Saudou
expressamente os valores, que no seu entender, Cristas representa: “a sabedoria, a família, a liberdade de
pensamento” e, ainda, “a severidade
carinhosa com que as mulheres nos ajudam a corrigir as coisas”. E chegou
mesmo a comparar o que a direção deste partido, de cujo ideário o homenageado nunca
se afastou, está a fazer com o pontificado do Papa Francisco. Neste sentido,
confessou:
“Fui questionado à entrada sobre se o CDS estava a esquecer a matriz
democrata-cristã. Não está. Não é possível mudar o paradigma. Olhem para o Papa
Francisco. Ele não tem outro Evangelho. Mas tem de fazer uma adaptação aos
novos tempos. É isso que está a fazer.”.
Depois de ele
discursar, a líder subiu ao palco, abraçou o histórico dirigente democrata-cristão
e colocou-lhe na lapela o ‘pin’ com o
símbolo do partido. E do presidente da Juventude Popular, Francisco Rodrigues dos
Santos, recebeu um quadro alusivo aquela estrutura dos jovens.
***
Antes do seu
discurso, o histórico centrista foi homenageado num vídeo onde diversas figuras
ligadas ao partido lhe elogiaram a personalidade e o percurso político e
académico.
Paulo Portas, cuja presença no congresso chegou a ser anunciada,
surgiu apenas nesse vídeo, corporizando assim aquela que foi a sua única “aparição”
neste conclave dos centristas.
O ex-líder
do CDS contou que Adriano Moreira o ajudou, com a sua “luminosidade única”, a “compreender”
a segurança quando foi ministro da Defesa Nacional, o mundo quando foi ministro
dos Negócios Estrangeiros e Portugal quando foi vice-primeiro-ministro.
Portas enunciou
o principal princípio que atribui a Moreira: “As pessoas estão antes do Estado e as instituições antes dos grupos”.
Para o líder histórico do CDS, o que marcou todo o percurso do velho ‘senador’
democrata-cristã foi “o amor a Portugal”, “uma opção pelo humanismo cristão” e “uma
firme opção pela Europa da paz”.
***
A homenagem a Adriano Moreira, que levantou o Congresso em
prolongado aplauso, foi enquadrada pela apresentação do Senado, o órgão
consultivo do partido, que é reativado neste Congresso, e onde têm, por
inerência, assento todos os ex-presidentes filiados. Luís Queiró chamou ao
palco os membros do Senado presentes e leu os nomes de todos os senadores:
Aurélio Gomes Ferreira, Bento Colaço Serrano, João Maria Gonçalves Pereira
Oliveira, Armindo Santos Carneiro Gonçalves, Maria Celeste Capelo, Pedro
Martins de Jesus, Adelaide Freixinho, Manuel Maria Zagalo Pacheco, Fernando
Gião, Henrique Vilhena Pereira da Silva, José Esperança Lourenço, Nogueira de
Brito, Orísia Roque, Raquel Macedo, Miguel Anacoreta Correia, António José
Raimundo Batista, Vasco Morais Soares, António Augusto Fresco, Abel Castiço
Pedroso, Daniel Campelo da Rocha, José Fernandes Grilo, Luís Oliveira Caetano,
Maria Eugénia Câmara Santos Clara Gomes e Rui Meireles.
***
Adriano José Alves Moreira nasceu em Grijó de Vale Benfeito, a 6 de
setembro de 1922. É
advogado, professor de ciência política e relações internacionais e político português.
Estadista e estudioso de assuntos de política internacional, sobressaiu
pelo percurso académico e na ação como Ministro do Ultramar, no Estado
Novo, pondo em prática as teses do luso-tropicalismo e fazendo aplicar uma
série de reformas. Foi sob o seu Ministério abolido o Estatuto do
Indigenato, aprovado o Código de Trabalho Rural (considerado pela OIT um dos mais avançados à época) e abolido o regime de contratação.
No regime democrático, foi Presidente do CDS (Centro Democrático social,1986-1988 e,
interinamente, 1991-1992), em que ingressou a convite de
Freitas do Amaral e de Adelino Amaro da Costa.
Nascido no
concelho de Macedo de Cavaleiros, no norte de Portugal, é filho do
polícia António José Moreira (Macedo de Cavaleiros, Carrapatas, 31 de julho de 1898 – Macedo de
Cavaleiros, Grijó de Vale Benfeito, 13 de outubro de 1991) e de sua mulher Leopoldina do Céu
Alves (Macedo de
Cavaleiros, Grijó de Vale Benfeito, 3 de dezembro de 1905 – Macedo de
Cavaleiros, Grijó de Vale Benfeito, 17 de março de 1987). Licenciou-se em Direito pela Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa, em 1944, possuindo o doutoramento na
mesma área pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madrid.
Após a
conclusão da licenciatura, iniciou a carreira profissional na função pública
como jurista no Arquivo Geral do Registo Criminal e Policial, em 1944. Foi,
em 1947, admitido no departamento jurídico da sucursal em Portugal da
General Electric. Enquanto integrava esta empresa multinacional, fez o estágio
de advocacia junto de Teófilo Carvalho dos Santos, advogado conotado
com a oposição ao salazarismo. Advogado geral de todas as empresas da
General Electric, chegou a vice-presidente do Conselho de Administração do
grupo, onde pontificava Bacelar Bebiano, ex-Ministro das Colónias.
Como jovem,
começa por ser simpatizante da Oposição Democrática, inclusive assinando uma
lista do MUD (Movimento
de Unidade Democrática)
em 1945. Em 1948, acompanha Carvalho dos Santos no patrocínio da
família do general José Marques Godinho, estando em causa um processo
interposto pela família do general contra o Ministro da Guerra, Fernando
dos Santos Costa, por homicídio voluntário. Em razão desse patrocínio, acaba
preso no Aljube, onde é companheiro de cela de Mário Soares, que ali
se encontrava preso por motivos políticos.
Contudo, com o passar dos
anos e o estudo das teses luso-tropicalistas aproxima-se do ideário do Estado
Novo, embora mantendo relações de amizade com antissalazaristas históricos,
como Fernando de Abranches Ferrão e Acácio de Gouveia, além de Carvalho
dos Santos.
Concorreu a professor na Escola Superior Colonial, atual ISCSP,
onde viria a ascender a diretor. Contribuindo largamente para a reforma do
ISCSP, iniciou ali o estudo de ciências como sociologia, ciência política, relações
internacionais e ciências associadas a estas, como a estratégia e a
geopolítica, dando, assim, continuação ao projeto da Sociedade de
Geografia de Lisboa para a construção duma instituição formadora dos quadros
administrativos coloniais.
Salazar chamou-o
para Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, em 1959, e para
Ministro do Ultramar, em 1961, cargo em que se manteve até 1963. Foi,
com Manuel Sarmento Rodrigues, um dos responsáveis pela introdução
institucional, nos anos 1950, do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre no
ideário do Estado Novo nos meios universitários.
Na sua ação
como governante, coincidindo com a eclosão da Guerra Colonial em Angola,
viria a estabelecer uma política reformista, que teve como principal marca a
abolição do Estatuto do Indigenato (impedia a quase totalidade dos habitantes das colónias de
adquirir a nacionalidade portuguesa) permitindo aos indígenas aceder à
cidadania portuguesa, usufruindo do direito a fixarem-se e circularem em todas
as parcelas do território nacional, bem como do acesso à educação. Levou a cabo
a adoção do Código de Trabalho Rural (já referido); criou escolas do Magistério Primário; fundou o ensino superior
nas colónias, arrancando com os Estudos Gerais Universitários, em Angola
e Moçambique. Salazar manifestou-lhe posteriormente não concordar com várias
das suas políticas, afirmando-lhe que mudaria de ministro se não as alterasse.
Segundo conta o próprio, disse-lhe que “Vossa Excelência acaba de mudar de
ministro”. Entrevistado pela RTP2 em 2014, afirmou que “Salazar já estava
ultrapassado no seu tempo”.
No regime democrático, militou no CDS-PP, de que presidente. Foi deputado
durante 14 anos e professor quase a vida inteira e, como diz, “doutor em não
sei quantas coisas”.
***
A
homenagem do partido é merecida (e não precisava de ser
enquadrada no conselho dos senadores ora reativado), mas sabe a pouco. Merece
homenagem nacional. Se o seu percurso no antigo regime foi ambíguo (Quantos
democratas não o tiveram!),
é de salientar a sua obra pelo país e pela humanidade, ao tempo reconhecida.
Perdoa-se-lhe
a aproximação abusiva e excessiva da direção do CDS ao pontificado deste Papa, que
pouco tem a ver com o CDS – pois o discurso de Adriano Moreira, sobretudo nos
últimos anos, tem sido o discurso do sábio que interpreta a realidade com a
perspicácia de poucos.
2018.03.11
– Louro de Carvalho
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