Depois da Semana Santa vivida na densidade e profundidade do
mistério da Paixão do Senhor e da longa liturgia da Vigília Pascal na noite de
sábado para domingo, o 1.º dia da Páscoa celebra-se num clima de paz,
serenidade e alegria. É o momento de saborear a Boa notícia da Ressurreição de
Cristo e proclamar o “aleluia” do gozo e do louvor aos quatro ventos. É tempo
de reler à luz do acontecimento pascal a obra levada a cabo por Jesus de
Nazaré, que “Deus ungiu com o Espírito Santo e com o poder”, e por
quem “é oferecido o perdão dos pecados a todos os que Nele creem”. Dele todos
os profetas dão antecipadamente testemunho. (cf At 10,34a.37-40).
Na verdade, como prega o apóstolo Pedro, os judeus, não
sabendo o que faziam, mataram, “cravando-O na cruz pela mão de gente perversa, a
Jesus de Nazaré, homem acreditado por Deus com milagres, prodígios e sinais que
o próprio Deus realizou por seu intermédio” e que, depois, “foi entregue nas
mãos dos homens, conforme o desígnio imutável e a previsão de Deus. Porém, “Deus
ressuscitou-O, libertando-O dos grilhões da morte, pois não era possível que
ficasse sob o domínio da morte”. (cf At
2,22-24).
***
Todavia, o caminho para a receção do Ressuscitado não foi linear
e levou tempo a radicar-se no coração dos discípulos. Alguns chegaram lá mais
cedo, outros bem mais tarde e bastante confundidos. Os relatos dos
evangelistas, diferentes nalguns pormenores, revelam hesitações, medos,
descrença e gradualismo, embora com estádios diferentes de aceitação por parte
das diferentes testemunhas oculares e auditivas. O primeiro toque foi o
sepulcro vazio. E o primeiro a acreditar que Ele ressuscitara, sem o ter visto,
mas olhando a compostura do lençol e das ligaduras, foi João. Viu e acreditou
porque se lembrou da Escritura e da promessa. E a primeira pessoa a vê-Lo e a
falar com Ele foi Maria Madalena. Simão é referido em nota especial pela
primazia que detém no colégio apostólico. Nós hoje também olhamos com atenção
especial o sucessor de Pedro.
Assim,
Marcos relata que as mulheres de manhã, bem cedo, foram ao sepulcro. Olharam e
viram que a pedra, muito grande fora rolada para o lado. Entrando e vendo um jovem
sentado à direita, de túnica branca, ficaram assustadas. Ele disse-lhes: ‘Não vos assusteis! Buscais a Jesus de
Nazaré, o crucificado? Ressuscitou; não está aqui. Vede o lugar onde o tinham
depositado. Ide, pois, e dizei aos seus discípulos e a Pedro: ‘Ele precede-vos
a caminho da Galileia; lá o vereis, como vos disse’. Saíram, fugindo do
sepulcro, pois estavam a tremer e fora de si. E não disseram nada a ninguém,
porque tinham medo. (cf Mc 16,4-8).
Mateus
fala dum terramoto e da descida do Céu de um anjo, da sua aproximação e
da remoção da pedra sobre a qual se sentou. O seu aspeto de relâmpago e a
túnica branca como a neve fizeram tremer os guardas, que ficaram como mortos.
Mas às mulheres disse: “Não tenhais medo.
Sei que buscais Jesus, o crucificado; não está aqui, pois ressuscitou, como
tinha dito. Vinde, vede o lugar onde jazia e ide depressa dizer aos seus
discípulos: ‘Ele ressuscitou dos mortos e vai à vossa frente para a Galileia.
Lá o vereis.’ Eis o que tinha para vos dizer.”.
Afastando-se
rapidamente do sepulcro, cheias de temor e grande alegria, as mulheres correram
a dar a notícia aos discípulos. Jesus saiu ao seu encontro e disse-lhes: ‘Salve!’ Elas aproximaram-se, estreitaram-lhe
os pés e prostraram-se diante dele. E Ele disse-lhes: ‘Não temais. Ide
anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.’ (cf Mt, 28,2-10).
As
mulheres viram, segundo Mateus, um anjo e diz-se que foram a correr comunicar a
nova aos apóstolos, mas não se fala da reação deles.
Mais
adiante, Mateus refere a aparição aos apóstolos e que Jesus os enviou em missão
pelo mundo inteiro (cf Mt, 28,2-16-20).
Lucas,
no seu relato, fala da perplexidade e medo das mulheres por não acharem o corpo
de Jesus. Porém, dois homens em trajes resplandecentes, que lhes apareceram,
disseram: ‘Porque buscais o Vivente entre
os mortos? Não está aqui; ressuscitou! Lembrai-vos de como vos falou, quando
ainda estava na Galileia, dizendo que o Filho do Homem havia de ser entregue às
mãos dos pecadores, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia.’. Recordaram-se,
então, das suas palavras. Voltando do sepulcro, foram contar tudo isto aos Onze
e a todos os restantes. Mas as suas palavras pareceram-lhes um desvario, e
eles não acreditaram nelas. Pedro, no entanto, pôs-se a caminho e correu ao
sepulcro. Debruçando-se, apenas viu as ligaduras e voltou para casa, admirado
com o sucedido. (cf Lc 24,1-12).
Aqui,
as mulheres terão visto dois homens de trajes resplandecentes, que lhes deram a
nova e a contextualizaram e elas, recordadas das palavras de Jesus, acreditaram
e foram contar tudo aos Onze, que não creram nelas. Mas Pedro foi ao sepulcro
ver.
João,
no cap. 20, conta-nos o acontecimento em várias etapas.
Sem
excluir a presença de outras mulheres, menciona a retirada da pedra e a corrida
de Maria Madalena a dizer a Pedro e a João que o túmulo estava vazio.
Estes
dois apóstolos foram ao túmulo. João chegou primeiro e reparou que estavam os
panos espalmados no chão. Mas esperou por Simão Pedro, que “ficou admirado ao
ver os panos de linho espalmados no chão”, mas “que o lenço que tivera em
volta da cabeça não estava espalmado no chão juntamente com os panos de linho,
mas de outro modo, enrolado noutra posição. Entrou também o outro discípulo, que
tinha chegado primeiro. E este “viu e começou a crer, pois ainda não tinham
entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos. A
seguir, regressaram a casa”.
Depois,
conta João a aparição a Maria Madalena. Não parando de chorar junto do túmulo,
“contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o
corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés”, que lhe perguntaram: ‘Porque choras?’. Ao que respondeu que levaram
Senhor e não sabia onde o puseram. Porém, ao voltar-se, viu Jesus, de pé, sem O
reconhecer. E Jesus disse-lhe: ‘Mulher,
porque choras? Quem procuras?’. Ela, pensando que era o hortelão, desafia:
‘Se foste tu que o tiraste, diz-me onde o
puseste, que eu vou buscá-lo’. Jesus pronunciou o nome “Maria” e ela
reconheceu-O e, aproximando-se, chamou-lhe “meu mestre”. Mas Ele disse-lhe: ‘Não
me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmãos e
diz-lhes: Subo para o meu Pai, que é
vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus.’. Maria foi anunciar aos
discípulos: ‘Vi o Senhor!’. E contou
o que Ele lhe tinha dito.
Segundo
João, Maria encontrou, não um jovem, mas dois anjos – corresponderão aos dois
homens de traje resplandecente de Lucas – e foi a única que viu o Senhor nas
imediações do sepulcro e recebeu a mensagem que as outras tinham recebido via
mensageiros.
***
Entretanto,
é curioso voltarmos ao cap. 24 de Lucas. No mesmo dia, dois dos discípulos iam
a caminho de Emaús e discutiam sobre o sucedido. Entretanto, aproximou-se o próprio Jesus e
pôs-se com eles a caminho. Mas não O reconheceram. Ele
interrogou-os sobre o que discutiam. E um deles estranhou a sua suposta
ignorância e os dois explicaram que falavam sobre o atinente a Jesus de Nazaré,
esperando que fosse Ele o que viria redimir Israel, mas já era o terceiro dia desde
que se deu tudo isto. Frisaram que algumas mulheres foram ao sepulcro de
madrugada e, não achando o corpo, vieram dizer que lhes apareceram uns anjos,
que afirmavam que Ele vivia. Então, alguns dos discípulos foram ao sepulcro e
encontraram tudo como as mulheres tinham dito. Mas a Ele não o viram.
Aí,
ouviram a repreensão do suposto forasteiro e intruso, que lhes recordou que “o Messias tinha de sofrer essas coisas para
entrar na sua glória”. E, “começando por Moisés e seguindo por todos os
Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito”.
Fazendo
menção de seguir para diante, perto de Emaús, os dois insistiram, em nome da
hospitalidade, que ficasse com eles por ser noite, o que aceitou. E, quando se
pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir,
entregou-lho. Foi então que os olhos se lhes abriram e O reconheceram. Porém,
Ele desapareceu. E eles comentaram entre si: Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos
explicava as Escrituras?
Voltaram
imediatamente a Jerusalém e viram reunidos os Onze e os companheiros, que lhes
disseram: ‘Realmente o Senhor ressuscitou
e apareceu a Simão!’. E eles contaram o que lhes acontecera pelo caminho e
como Jesus se lhes dera a conhecer ao partir o pão.
Apareceu
como desconhecido, explicou as Escrituras no respeitante ao Messias. Ardia-lhes
o coração, mas só o reconheceram na fração do pão.
João,
por sua vez, relata a dupla aparição aos apóstolos reunidos no Cenáculo com
medo, no dia da Ressurreição ao entardecer e oito dias depois. No primeiro dia,
Jesus, pôs-se no meio deles, desejou-lhes a paz e mostrou-lhes as mãos e o
peito. Eles encheram-se de alegria por verem o Senhor. E Ele voltou a
desejar-lhes a paz e disse: ‘Assim como o
Pai me enviou, também Eu vos envio a vós’. Depois, soprou sobre eles e
disse-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo. Àqueles
a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes,
ficarão retidos.’.
Como
Tomé não estava presente, garantiu que se não vir “o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal e a
minha mão no seu peito”, não acreditará.
Passados
oito dias, Jesus veio de novo, pôs-se no meio deles e disse: ‘A paz seja convosco!’. E, a seguir, a
Tomé: ‘Olha as minhas mãos: chega cá o
teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo, mas
fiel.’. Mas Tomé respondeu: ‘Meu Senhor e meu Deus!’. E Jesus sentenciou: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que
creem sem terem visto!” (Jo 20,19-29).
Tomé,
que ficou na história como o apóstolo que duvida, bem poderia ficar como o que
exige um suporte para o ato de crer e como o discípulo que cai rezando o melhor
ato de fé e o que dá ocasião a que o Senhor ensine a dimensão fiducial da fé. Por
outro lado, Jesus não perde tempo e constitui-os enviados, com a força do
Espírito Santo, para pregarem e oferecerem o perdão dos pecados.
É
claro que Lucas acaba por narrar a aparição aos apóstolos ainda no mesmo cap.
24:
“Enquanto isto diziam [a conversa com os amigos de Emaús], Jesus
apresentou-se no meio deles e disse-lhes: ‘A paz esteja convosco!’ Dominados
pelo espanto e cheios de temor, julgavam ver um espírito. Disse-lhes, então: ‘Porque
estais perturbados e porque surgem tais dúvidas nos vossos corações? Vede as
minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não
tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho.’ Dizendo isto, mostrou-lhes
as mãos e os pés. E como, na sua alegria, não queriam acreditar de assombrados
que estavam, Ele perguntou-lhes: ‘Tendes aí alguma coisa que se coma?’ Deram-lhe
um bocado de peixe assado; e, tomando-o, comeu diante deles.” (Lc
14,36-43).
Tanto
em Emaús como em Jerusalém provocou ou aceitou a refeição. E, em Jerusalém,
mostrou as mãos e o peito e/ou os pés. Era preciso que vissem que era Ele.
Depois,
Lucas, aliás como João, dará conta das instruções que Ele deixa ao grupo dos
apóstolos:
“Depois, disse-lhes: ‘Estas foram as palavras que vos disse, quando
ainda estava convosco: que era preciso que se cumprisse quanto a meu respeito
está escrito em Moisés, nos Profetas e nos Salmos’. Abriu-lhes então o
entendimento para compreenderem as Escrituras e disse-lhes: ‘Assim está escrito
que o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia;
que havia de ser anunciada, em seu nome, a conversão para o perdão dos pecados
a todos os povos, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas destas
coisas. E Eu vou mandar sobre vós o que meu Pai prometeu. Entretanto,
permanecei na cidade até serdes revestidos com a força do Alto’.” (cf Lc
24,44-49).
E
Marcos (embora
alguns digam que foi um acrescento posterior) sintetiza todo este dinamismo:
“Ressuscitado de manhã, no 1.º dia da semana, Jesus apareceu primeiro a
Maria de Magdala, de quem expulsara 7 demónios. Ela foi anunciá-lo aos que
foram seus companheiros, que viviam em luto e pranto. Mas eles, ouvindo dizer
que Jesus estava vivo e fora visto por ela, não acreditaram. Depois, apareceu
com um aspeto diferente a dois deles que iam a caminho do campo. Eles voltaram
para trás a fim de o anunciar aos restantes. E também não acreditaram neles. Apareceu,
finalmente, aos próprios Onze, quando estavam à mesa, e censurou-lhes a
incredulidade e a dureza de coração em não acreditarem naqueles que o tinham
visto ressuscitado. E disse-lhes: ‘Ide pelo mundo inteiro, proclamai o
Evangelho a toda a criatura. Quem acreditar e for batizado será salvo; mas,
quem não acreditar será condenado. Estes sinais acompanharão aqueles que
acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão línguas novas, apanharão
serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum
mal; hão de impor as mãos aos doentes e eles ficarão curados.” (cf Mc
16,9-18).
***
Todavia,
por mais que nos esfalfemos em racionalizar a ressurreição, ela é aceite pela
fé com base na fidelidade de Deus, que não pode deixar de cumprir o que
promete, na bondade de Deus, que dá o dom da fé e querendo que o aceitemos e
cultivemos, e na vida de Cristo que Se entregou por nós, cumprindo a vontade do
Pai, garantindo a sua ressurreição e enviando por toda a Terra as testemunhas,
muitas das quais deram e continuam a dar a vida pela Boa Nova.
Na
verdade, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão, mas não somente a Simão.
Apareceu aos outros apóstolos e às mulheres, que pouco a pouco foram ganhando
consciência do acontecimento e da missão, fazendo discípulos de todos e todas
que estiveram disponíveis para a dilatação do Reino de Deus.
Compete-nos,
pois, aceitar a Páscoa, celebrá-la com o pão ázimo da pureza e da verdade e difundi-la
por este mundo que, embora muitas vezes admire Cristo, teima em não O aceitar ou
em ser-Lhe indiferente.
2018.04.01 –
Louro de Carvalho
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