Yanis Varoufakis,
que foi Ministro das Finanças grego nos primeiros tempos do Governo de Alexis Tsipras, esteve em
Portugal nas comemorações do 25 de Abril. Porém, a sua presença não se fica
pela festa. Tem recados para Portugal e para a Europa.
Não tem elogios para Mário Centeno, pois, com a sua eleição para a
liderança do Eurogrupo, “nada mudou”, disse o ex-ministro grego e líder do
movimento pan-europeu DiEM25, em entrevista ao “Público” hoje publicada.
Segundo Varoufakis, Centeno é um
“instrumento do Eurogrupo” e das políticas de Schäuble. Com efeito, para o
grego que diz que ainda não é político, mas que sempre foi politizado, “o fantasma de Wolfgang Schäuble ainda dita a
política”, o que representa “uma tragédia para o Eurogrupo”, pelo que atira:
“O vosso Ministro das Finanças é um homem
bom, mas no momento que aceitou a presidência do Eurogrupo tornou-se um
instrumento do Eurogrupo e não o seu contrário. [Olaf] Scholz vem do SPD
[Partido Socialdemocrata alemão], mas teve de jurar aliança ao programa de
Schäuble. Talvez acredite nele, talvez não. Mas vai cumpri-lo.”.
O antigo Ministro das Finanças grego teve recentemente um desentendimento
com o Ministro das Finanças português, depois de este ter dado os parabéns à
Grécia pelos bons resultados conseguidos em 2017. E Yanis explica a razão:
“Ele disse que ficava contente com o
crescimento da Grécia e que deveríamos fazer mais em termos de aplicação do
pacote do memorando para fazer este crescimento continuar. Isto é, de um modo
fascinante e preciso, errado. Primeiro: não há crescimento. Todos os anos na
Grécia se celebra o crescimento e há estatísticas que o mostram, e depois no
abril do ano seguinte surge a correção da estatística e vê-se que não houve
crescimento. Não há.”.
Para um grego, “celebrar um crescimento que não existiu é tornar a situação
ainda pior”. Estamos, segundo Varoufakis perante declarações vindas de “um Ministro
das Finanças que nunca seria Ministro das Finanças se o povo da Grécia não
tivesse lutado contra aquelas chamadas reformas na primavera de 2015”.
E Yanis Varoufakis diz uma coisa que, a ser verdade, é
muito grave. Segundo ele, Cavaco Silva pediu luz verde
ao Governo de Berlim para dar posse a António Costa: “Ele não queria dar posse a este Governo, mas Merkel não podia ser vista
a esmagar dois eleitorados em sucessão”.
E o “político” grego desenvolve:
“A única razão pela qual este Governo foi
permitido foi porque a Alemanha já tinha sofrido uma perda significativa de
capital político. Por isso, o Governo de esquerda – ainda bem que o têm – tem
uma dívida de gratidão para com aqueles que, como nós, lutámos contra as
chamadas reformas que o vosso Ministro das Finanças nos está a pedir para
engolir. E qual foi o sucesso do vosso Ministro aqui? Vocês conseguiram, por
causa da nossa luta – e isso é bom, nós queremos colaborar – impedir nova
austeridade, que foi tudo aquilo por que eu lutei, e não consegui, e a
austeridade continuou, e a recessão continuou.”.
***
Deixada a política em 2015, de forma
tonitruante, após a vitória do “não” no referendo grego e possibilitando que o
Governo de Alexis Tsipras aceitasse o programa acabado de ser chumbado, Varoufakis ressurgiu com o DiEM25,
movimento europeu que fundou com o filósofo croata Srecko Horvat, para
concorrer às eleições europeias do próximo ano com o mais parecido com uma
lista transnacional (que
o Parlamento Europeu não admite). E o segundo Conselho da lista transnacional reúne-se hoje, dia 26, em
Lisboa com 6 membros e 2 observadores.
É curioso que a Alemanha é o país
onde o movimento tem mais sucesso, mas onde não tem um partido associado. E o
cofundador confessa ao Público:
“O
problema na Alemanha (não só, mas a pergunta foi sobre a Alemanha) é que há
muitos progressistas mas estão divididos entre vários partidos. E cada partido
progressista está também ele próprio dividido.”.
E, a seguir, explica:
“O
SPD [Partido Socialdemocrata] tem excelentes pessoas, mas está totalmente
dominado por Scholz, que é uma outra versão de Schäuble. As pessoas com
quem devíamos trabalhar do SPD estão apanhadas nesta mistura. O mesmo com os
Verdes: há lá pessoas, especialmente na ala dominante, que pensam como Schäuble,
mas que reciclam. E Die Linke (A Esquerda) está muito dividido entre pró e antieuropeus.
Seria fantástico se estes partidos se dividissem e tivéssemos a criação de um
partido progressista, radical, europeísta, na Alemanha.”.
Assim, a ideia que preside à
estratégia do movimento é “não dividir os partidos, mas criar a infraestrutura
para os progressistas europeus se juntarem”. E querem estabelecer-se como partido
na Alemanha – embora não saibam que impacto virão a ter – mas estão convictos
de que a sua ideia de política de “New
Deal”, programa de investimento que contempla outras medidas como limites à
atuação dos bancos e estabelece o direito de todos a bens básicos, é aquilo de
que a Europa precisa.
Dizem estar “presentes em todo o lado”.
E, em Lisboa, na reunião do Conselho do movimento transnacional, anunciam o
nome. Têm representantes da Grécia, Alemanha, França (em especial Benoît Hamon, do movimento
Génération.s, ex-Partido Socialista, e o Partido Comunista Francês), Dinamarca, Polónia, e o Livre. Como
observadores estão partidos da Croácia, Eslovénia. E estão a fazer constantemente
uma “open cal” para “juntar mais
forças políticas para o resto da Europa”.
Quanto a respostas a uma das últimas
cartas abertas, dirigida a quatro políticos, incluindo Catarina Martins, do
Bloco de Esquerda, refere que têm uma resposta do Bloco de Esquerda dizendo da sua não
comparência porque discordam em duas coisas: “primeiro, nas listas
transnacionais que propomos; e, segundo, na nossa agenda federalista”. Com efeito,
“acham que devia haver um processo de assembleia democrática que levasse a uma
Constituição europeia”.
Neste aspeto, exprime o seu lamento e
desencanto, pois sempre pensou “que a esquerda se distingue pelo seu
internacionalismo e não por se esconder sob a fachada do Estado-nação”. Porém,
afirmando-se como “uma força unificadora”, continuarão a falar com os “amigos e
colegas potenciais, Catarina, Pablo [Iglésias], Jean-Luc [Melénchon], todos”. Isto, porque “é uma altura
muito difícil na Europa, e uma altura difícil para os progressistas”,
verificando-se que “os únicos que sabem unir-se são os banqueiros e os
fascistas”.
Pretendem que o número 25 no
nome do movimento seja um prazo-limite (o ano de 2025), a significar “uma urgência”, pois, “a Europa não
tem muito tempo, que cada mês em que está paralisada a União Europeia perde
legitimidade, e a imposição das mesmas políticas falhadas tende a tornar-se mais
autoritária, o que causa ainda mais perda de legitimidade”. Depois, entendem
que “os movimentos políticos têm de ter uma data de validade” e não acreditam
em políticos que querem manter-se para sempre”.
Concorrem às eleições europeias, mas gostariam de “contar com cem países”
porque, sendo internacionalistas, não acreditam “que os países acabem nas
fronteiras” e farão “campanha, de modo simbólico, no Reino Unido”, pois
gostavam de espalhar esta ideia porque acham que “este ‘New Deal’ europeu
é importante para outros progressistas noutros locais”.
Relativamente às críticas pela presença de Julian Assange na
plataforma do movimento, especialmente quanto às ações durante a campanha americana, Varoufakis
não vê que
tenham sentido. Com efeito, “Assange está prisioneiro num edifício horrível nos
últimos cinco, seis anos, sem poder ver o sol, simplesmente porque os EUA,
tanto o Partido Democrata como [Donald] Trump
estão a tentar fazê-lo desaparecer”. Isto, porque revelou todos os crimes que
estavam a ser cometidos pelos governos. E, segundo o dirigente grego, é por
essa razão que “precisa de ser protegido, respeitado, defendido”. Obviamente
que não estão em inteira sintonia, como diz, mas adverte:
“A
WikiLeaks sempre teve como política revelar segredos de Estado e não deixar os
poderosos descansar porque podem ser reveladas coisas desagradáveis sobre eles”.
***
E fala de economia e de política.
A comentar que,
em tempos, dissera que “ser economista era como ser um ateu num mosteiro”, confessa não acreditar na economia “como uma
ciência”, chamando-lhe “uma pseudociência”:
“Passei
a minha carreira a estudar os modelos mais sofisticados e posso dizer que foram
construídos para não ter nada a ver com o capitalismo existente. Isto é
exatamente o contrário da física. Não houve progresso na economia: não há crise
ou recessão que tenha sido corretamente prevista pelos economistas, e nunca vai
haver.”.
Ora, cá está um arrazoado cuja
autoria eu bem gostava que me fosse atribuída. Mas corresponde ao sentir de
muitos.
Em termos de política, diz que ainda
não é “político”,
mas que sempre foi “altamente politizado desde muito jovem porque vivia num Estado fascista,
como muitas pessoas em Portugal viveram num estado fascista”, cujo fim é o que
ontem acabámos de celebrar; mas que “nunca quis ser político, ministro,
deputado”, acreditando que “esses cargos só devem ir para quem não os quer”. Ora,
se alguém os quer, “devia ser imediatamente desqualificado”.
Declara-se não populista, pois “esse tenta prometer
tudo a todos” e “fala aos medos das pessoas para as convencer”. E, a este
propósito de promessas e populismo, relata um caso curioso:
“Em
setembro de 2014, alguns meses antes das eleições em que fui eleito deputado
pelo Syriza (nunca fui membro do partido) e depois me tornei Ministro das
Finanças, o partido publicou, sem o meu consentimento, o seu programa económico
onde prometiam algumas coisas, não muitas, mas algumas. E eu publiquei um
artigo, que pensei que significaria o fim da minha relação com Alexis Tsipras e
o partido, onde critiquei as promessas e disse que as únicas coisas que podia
prometer ao povo grego era sangue, suor e lágrimas. Não é algo que um populista
diga.”.
***
Finalmente, a referência à chegada ao
termo do programa da Grécia e a respetiva saída limpa lá para julho ou agosto.
Talvez esteja aqui a razão que o levou ao desentendimento em relação a
Centeno, que alguns esperavam ingenuamente que mudasse alguma coisa na Europa.
Diz que a já propalada “saída limpa” é “uma
piada de muito mau gosto que está a ser feita contra os gregos”. E explica:
“Vivendo
em Portugal sabe muito bem o que é um acordo de empréstimo. Tem três
componentes: novos empréstimos, novas medidas, novos pagamentos. E depois há o sistema de vigilância. Nós não
vamos ser Portugal, não vamos ter a vigilância que Portugal tem: vamos ter um
processo trimestral, com supervisão da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu,
em associação com o FMI – isso é a troika. A única coisa que
acaba no verão são os empréstimos.”.
E a previsão que faz sobre a Grécia é
desastrosa. Passos Coelho diria que vai lá chegar o Diabo. Varoufakis diz de
outro modo:
“Têm
30 milhões para pagar, não há mais dinheiro, e tenta-se estender e fazer
parecer que não há crise, esperando que, quando Merkel não for chanceler,
possam fazer qualquer coisa, mas, entretanto, a Grécia está num processo de
desertificação, como já disse. Porquê esperar? Estamos a perder 15 a 20 mil
jovens todos os meses. Claro que vão ter de fazer qualquer coisa porque a
dívida não é possível de pagar. E a Grécia vai-se tornar num Kosovo à
beira-mar, vazia, sob controlo de máfias locais e protetorado da União Europeia.”.
Quanto mais o povo parece estar a
sair do poço, tanto mais para baixo descai.
***
É a gramática dependencial – que
outros chamam gramática de valências – imposta aos povos pelo capitalismo dos
nossos dias. Deem os parabéns a Schäuble e a seus seguidores e mensageiros.
2018.04.26 – Louro de Carvalho
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