A Assembleia Nacional de Cuba
iniciou hoje, dia 18 de abril, um dia antes do inicialmente previsto, uma sessão de dois dias para constituir
a IX Legislatura e eleger o novo Presidente. É uma transição histórica depois
de seis décadas de poder dos irmãos Castro.
A escolha do sucessor de Raúl Castro, irmão do falecido comandante
Fidel, deverá recair em Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez na
véspera de perfazer 58 anos. Mais do que as parecenças com o ator Richard Gere,
espera-se para ver o papel que irá desempenhar no país e no quadro internacional
o homem que sobreviveu à sucessão.
Os trabalhos começaram às 9 horas
locais (14
horas, em Lisboa) e a eleição
deverá ser confirmada pelos delegados amanhã, 19 de abril, aniversário da
vitória militar na Baía dos Porcos, local onde, em 1961, exilados cubanos
formados e apoiados pela CIA tentaram invadir a ilha para derrubar Fidel Castro
do poder.
A respeito deste evento da Assembleia
Nacional, José Paulo Fafe, analista e consultor de marketing político
avisa:
“Não pensemos que vai mudar tudo de uma vez, mas
também não vai ficar tudo como até aqui”.
Este singular conhecedor da realidade de
Cuba, onde viveu entre 1975 e 1977, e que visita com regularidade, disse à TVI24 que Díaz-Canel “é suficientemente sagaz para marcar Cuba nos
próximos anos”. Deverá estar no poder durante dois mandatos de cinco anos,
ou seja será presidente até 2028 com o apoio de Raúl Castro. Com efeito, quando
este o nomeou vice-presidente
do Conselho de Estado, em 2013, deu um sinal claro de que era Díaz-Canel que desejava como sucessor,
como refere José Paulo Fafe, sendo que o “sucessor anunciado, sobreviveu a essa
sucessão”, ou seja, resistiu a tensões e jogos de bastidores, “com os quais não
é fácil de lidar, num país de partido único”.
Díaz-Canel foi o primeiro filho da revolução
a chegar ao cargo, pois nasceu em 1960, um ano após a tomada do poder pelos
barbudos da Sierra Maestra, sob a liderança de Fidel Castro, com Raul e Che
Guevara. Paulo Fafe revela:
“Houve tentativas ao
longo dos últimos anos, sobretudo de certos setores como a intelligentsia
militar para que houvesse alternativa a Díaz-Canel, que passaram até pelo ‘lançamento’
do nome do filho de Raul, Alejandro Castro Espín, um militar”.
A sobrevivência aos enredos tecidos nos
bastidores do poder poderá constituir uma primeira prova de força do novo
presidente. É recordado, como exemplo dos que não se aguentam no mecanismo de
sucessão o caso de Carlos Lage Dávila, o médico que foi
vice-presidente do Conselho de Estado até março de 2009 e visto como forte sucessor
mesmo de Fidel Castro. Porém, desapareceu na linha da sucessão ao ser destituído
por Raúl.
***
Inevitavelmente, nos últimos dias e horas,
multiplicam-se na imprensa internacional, os perfis de Miguel Díaz-Canel. Apelidado
de Richard Gere das Caraíbas pelas parecenças físicas com o ator
norte-americano, refere-se a sua paixão desde muito jovem pela música dos
Beatles, o uso de computadores e novas tecnologias, sem lhe causar repulsa ou desdém,
o poder das novas tecnologias, muito pelo contrário.
Licenciado em Engenharia eletrónica, nasceu
em Placetas, cidade do município de Villa Clara, filho duma professora e dum
operário e bisneto dum espanhol das Astúrias. Refere o jornal El País,
que é casado pela segunda vez e tem dois filhos do primeiro casamento. No
final da década de 80 do século passado, ingressou na União dos Jovens
Comunistas e passou a secretário do Partido em 1994, na sua província.
Em Villa Clara, ganhou a imagem de dirigente
mais aberto, sem uniforme, tendo até apoiado um centro cultural onde havia
espetáculos de travestismo. No entanto, foi subindo na nomenclatura do regime
até chegar a Ministro da Educação e, em 2013, vice-presidente de Raúl Castro,
que dele então disse, num discurso, que “não é um novato ou improvisado”.
Díaz-Canel é um homem de Raúl Castro, um quadro do partido, que, de
alguma forma, desafia o estilo do dirigente cubano e tentará pensar pela sua
cabeça. Mas, apesar das diferenças, sobretudo de
estilo, não se espera uma “rutura em Cuba nos próximos tempos”, sobretudo do
ponto de vista ideológico. A este respeito, o já mencionado José Paulo Fafe
sublinha:
“Na realidade dos
cubanos, a questão ideológica pouco se coloca. O que se coloca é a questão
económica. São poucos os que se preocupam com os partidos, ao fim de tantos
anos a viver com partido único. De uma forma direta, o que interessa às pessoas
é ter dinheiro no bolso. E, nesse aspeto, Díaz-Canel pode ter um papel
importante.”.
Como presidente de Cuba terá a
continuidade de Raúl Castro como líder máximo do Partido Comunista,
contracenando com os Estados Unidos de Donald Trump, na outra margem do
estreito da Florida, a pouco mais de 150 quilómetros de mar, aparentemente mais
agrestes para Havana que os de Obama desde a abertura do relacionamento combinada
entre Raúl e Obama.
A nível interno, continuarão as reformas
de Raúl, em que poderá haver a indução de mudanças, designadamente na permissão
e estímulo a pequenas empresas, favorecendo alguma livre iniciativa. A relação com
os EUA poderá manter-se, quanto mais não seja, como está. Na prática, após a
saída de Obama, poucas mudanças se verificaram: não deixou de haver embaixadas;
as remessas de cubanos nos EUA continuam a chegar; e Trump precisa de ter
alguma cautela porque tem pela frente uma comunidade cubana de 3.ª geração,
muito diferente dos primeiros exilados, mais atenta e que voltou até a poder ir
a Cuba.
***
Com previsões e inevitáveis incertezas, a
19 de abril vira-se a página na história política de Cuba, ilha que há quase 60
anos desafia a superpotência dos EUA. Porém, algo, muito ou pouco, irá mudar. Vamos
ver se Díaz-Canel se aguenta.
O velho Castro
deixa de ser Presidente de Cuba, para cumprir com o compromisso de limitar os
cargos políticos a dois mandatos consecutivos, segundo a emenda constitucional
que ele próprio promoveu, e entrega o poder a uma geração mais jovem de líderes
comunistas. Neste arranque histórico da era pós-castrista, os jovens esperam
mais reformas e oportunidades económicas e menos restrições no setor privado. A
este propósito, o empreendedor Leo Canosa sublinha:
“Penso
que o Governo cubano deveria olhar mais favoravelmente para os proprietários de
negócios privados. Ajudam a economia. Têm de existir em Cuba para que as
pessoas possam sobreviver.”.
***
Quando Miguel Díaz-Canel chegou à
cúpula do Partido Comunista de Cuba, em 2003, Fidel Castro elogiou-lhe “alto
sentido de trabalho coletivo”, a “exigência com os subordinados”, o “afã de
superação” e a “sólida firmeza ideológica”. E o elogiado não desiludiu. Fazendo
jus ao percurso político iniciado vários anos antes, pautado pela discrição e
pela eficiência, chegou a Ministro da Educação e depois a vice-presidente do
Conselho de Ministros, até alcançar o estatuto de possível sucessor de Raúl
Castro na presidência do país.
O processo de substituição acontece um dia antes do
inicialmente previsto e a apenas dois dias de Díaz-Canel completar 58 anos,
sendo que esta decisão do Conselho de Estado de antecipar a sessão constitutiva
da IX Legislatura da Assembleia Nacional do Poder Popular (única câmara
parlamentar) se
justifica, segundo a agência cubana de notícias (ACN), pela intenção de “facilitar o desenvolvimento dos passos que requerem
uma sessão de tal importância”.
Raúl Castro, de 86 anos, deixará a cadeira
presidencial de Cuba, em cumprimento da limitação de mandatos a um máximo de 10
anos decretada por ele mesmo. E, a confirmar-se o cenário previsto, o
engenheiro eletrónico, muitas vezes referido como o Richard Gere cubano,
tornar-se-á (em 60 anos) o primeiro
Chefe de Estado do sem o apelido Castro e o primeiro civil.
Miguel Díaz-Canel integra a primeira geração de
líderes cubanos nascidos após a revolução. Nasceu em 1960, um ano após a queda
de Fulgêncio Batista, e ingressou na União de Jovens Comunistas no final da
década de 1980. De 1994 a 2003 foi secretário do partido na sua província natal
fazendo parte do passado o cabelo comprido e o gosto assumido pelos Beatles e
pelos Rolling Stones. Deu nas vistas pelo estilo informal, sendo comum vestir
velhas T-shirts com a imagem de Che Guevara, e por
preferir circular de bicicleta, sempre disponível para “ouvir as pessoas”,
mostrando-se ”sensível aos seus problemas”. Foi também nessa época que tomou
medidas irreverentes, como licenciar o bar El Mejunje, conhecido pela ligação
ao movimento LGBT de Cuba. É, no entanto, um defensor da essência do
“castrismo”, leal aos princípios inerentes ao regime. Abraham Jiménez, da
revista digital “El Estornudo”
considera que Díaz-Canel “já deixou claro
que não será o homem da mudança”.
***
A ilha dos paradoxos, habituada
durante 59 anos a que tudo mude para que tudo continue igual, verá os 605
deputados da Assembleia Nacional do Poder Popular (concorreram às eleições gerais de
março numa lista única, em que todos ganhavam e nenhum perdia), escolher entre as suas fileiras o
sucessor do octogenário Castro, há dez anos no poder, depois dos 49 do irmão
Fidel. Ninguém na América Latina ocupa o poder há tanto tempo como os irmãos
Castro.
O novo Presidente passará a chefiar o Conselho de
Estado, cujos membros serão eleitos no mesmo dia. No novo Parlamento estarão,
ainda, os homens e as mulheres mais poderosos do país, a começar pelo Ministro
dos Negócios Estrangeiros, Bruno Rodríguez, e o da Economia, Marino Murillo.
Também lá estão os chefes do Exército, Leopoldo Cintra Frías e Ramón Espinosa,
e a chefe política de Havana, Mercedes López de Acea, juntamente com Mariela
Castro, filha de Raúl e responsável pelo Centro Nacional de Educação Sexual.
Acima de todos estará o ainda vice-presidente do
Conselho de Estado, Díaz-Canel, chamado a prosseguir a revolução cubana sob a
tutela do mais novo dos Castros, que se manterá à frente do Partido Comunista
Cubano (PCC), a “força dirigente superior da
sociedade e do Estado”.
A eleição de Díaz-Canel, líder duma
geração de funcionários provinciais do PCC, consagra um político formado pela
revolução, que não combateu na Sierra Maestra porque ainda não tinha nascido.
Representa, ainda, a ascensão do primeiro civil à mais alta magistratura,
exercida desde 1959 por dois militares com uniformes verde-azeitona.
O futuro homem-forte de Cuba é um dirigente hábil que
logrou manter-se em segundo plano enquanto outros, dotados de maior carisma ou
popularidade, iam caindo como fruta madura, incluindo os primeiros delfins
escolhidos por Fidel. Cauteloso, nos últimos meses extremou as suas declarações
mais ortodoxas para que ninguém pudesse ver nele um Gorbatchev cubano. Isto
levou alguns a considerá-lo marioneta de Raúl, com fios manobrados pelos
militares e pelo PCC. E o Richard Gere cubano, como lhe chamam as seguidoras
mais entusiastas, “demonstrou obediência, lealdade e capacidade de gestão”, como
resume ao Expresso o politólogo
Arturo López-Levy, professor da Universidade do Texas e autor do livro “Raúl Castro e a nova Cuba”, sem edição
portuguesa, que explicita:
“Tem
uma imagem de quadro político eficiente, com atitude dialogante e práticas
populares entre os setores revolucionários, com um manejo mais moderno dos
novos códigos. Tem a seu favor um grupo de quadros nas províncias e o aparelho
central do Governo, além dos funcionários do partido que cresceram sob a sua
tutela e orientação.”.
Os analistas apostam que a nomeação de Díaz-Canel
induzirá alterações na Constituição. Já não há necessidade institucional de ser
um Castro (Fidel ou Raúl) a exercer a presidência simultânea
do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros. E o politólogo Álvaro Alba vaticina:
“A
própria Assembleia pode proceder à reforma para dividir o poder entre os
presidentes do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros. Vimos isso na
URSS aquando da morte de Estaline, tendo o poder sido repartido entre Khrushchev
(secretário-geral do partido), Malenkov (Conselho de Ministros) e Beria (Ministério
do Interior).”.
O principal desafio de Díaz-Canel é a economia, no
meio duma nova escalada com os EUA – Trump travou o degelo que Obama encetara
após mediação do Papa – e da deriva sem limites da aliada Venezuela. O
economista Pavel Vidal, antigo funcionário do Banco Central sustenta:
“Em
termos financeiros estamos numa situação muito parecida com a de 2008, com a economia
afundada na crise. Faltam reformas para que o país consiga sustentar uma taxa
de crescimento decente e alcance uma nova forma de inserção internacional.”.
Qual será a agenda de Díaz-Canel? Especialistas e
cubanólogos observam o estro do país caribenho, que mostra muitas dúvidas e
poucas certezas. E há uma conclusão na boca de Vidal:
“A
economia e a sociedade necessitam de mais mudanças. O novo Presidente terá de
avaliar os custos e benefícios políticos, nomeadamente do seu baixo capital
político inicial, da pouca legitimidade democrática e da menor legitimidade
histórica.”.
***
Cuba vai
mudar, mas devagar. Poderá suceder ali algo do que se passa com a China: abertura
da economia ao sistema de economia de mercado, mas recrudescimento do regime político
de partido único, ficando o Estado mais na sombra a controlar dentro e fora do
país as empresas que vestem a camisa exterior e funcional das nossas SA.
Se calhar,
a Ilha precisa de reforço da democracia política espelhada na Constituição e
nas leis, mas também praticada através de eleições pluralistas e da intervenção
crítica no quotidiano sem tédio, cansaço ou esgotamento. Os cidadãos merecem!
2018.04.18 – Louro de
Carvalho
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