O comunicado
do Conselho de Ministros de 5 de abril de 2018 abre com a informação de foi
aprovado na generalidade, naquele dia, “o Decreto-Lei que define os
princípios de organização do currículo dos Ensinos Básico e Secundário, que
será agora colocado em consulta pública”. É um diploma
que “representa mais um passo na concretização de uma política educativa que
garanta a igualdade de oportunidades, promovendo o sucesso educativo” e que “vem
conferir autonomia curricular às escolas, reforçando a flexibilidade dos
currículos, de modo a que sejam aprofundadas e enriquecidas as aprendizagens
essenciais”.
As
principais alterações contidas neste diploma são: adaptação do currículo ao Perfil dos Alunos à saída da escolaridade
obrigatória, como finalidade dos 12 anos de escolaridade; generalização a Autonomia e Flexibilidade Curricular,
conferindo às escolas a possibilidade de gerir até 25% do tempo disponível, de
forma não impositiva, adequando tempos, espaços e metodologias aos seus
projetos curriculares; eliminação dos instrumentos de dualização precoce,
extinguindo-se os cursos vocacionais do ensino básico; introdução da área de Cidadania e Desenvolvimento no
currículo; introdução da flexibilidade no Ensino Secundário, dando aos alunos
dos diferentes cursos e vias a possibilidade de permutar disciplinas; e
eliminação dos requisitos discriminatórios no acesso ao Ensino Superior dos
alunos do Ensino Profissional e do Ensino Artístico especializado.
Complementarmente,
o Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, no fim do Conselho de
Ministros, anunciou que efetivamente as
escolas vão poder gerir como quiserem um quarto do seu tempo de funcionamento,
adaptando os espaços, atividades e métodos aos seus projetos curriculares
próprios, segundo um decreto-lei ora aprovado e que define os currículos
dos ensinos básico e secundário.
O Ministro disse aos jornalistas que este modelo “é um importante
instrumento de trabalho, de equidade e de promoção do sucesso escolar”. E sustentou que, com a
possibilidade de cada escola ser responsável por parte do currículo dos seus
alunos, “sempre numa lógica não impositiva”, alarga-se às escolas públicas “uma
ferramenta de trabalho que até aqui estava garantida apenas às escolas
privadas”. Com essa ferramenta poderão, como disse, por exemplo, cruzar-se
ou fundir-se disciplinas.
No ensino básico, acaba-se com os
cursos vocacionais, e os alunos do ensino profissional e ensino artístico
especializado passam a estar nas mesmas condições que todos os outros para
entrar no ensino superior, acabando-se com “requisitos discriminatórios” agora
existentes.
***
***
Os diretores de grupamentos de escolas e de
escolas não agrupadas (poucas) acreditam
que “mais escolas vão querer aderir à flexibilização no próximo
ano letivo”.
Diz um dos representantes
dos diretores de escolas públicas que, no próximo ano letivo, todas as escolas
poderão ter mais autonomia para gerir currículos, sendo que o projeto-piloto
funcionou melhor no ensino básico do que no secundário.
A
experiência do Ministério da Educação, que passa por dar autonomia às escolas
para flexibilizar currículos, está a acontecer em 236 escolas públicas e
privadas. Abrange apenas inícios de ciclo: 1.º, 5.º, 7.º e 10.º. Para o próximo
ano letivo, além da continuidade por parte das já aderentes (repetindo 1.º,
5.º, 7.º e 10.º e prosseguindo nos: 2.º, 6.º, 8.º e 11.º), mais escolas públicas vão querer aderir à
flexibilização curricular. A convicção é de Filinto Lima, presidente da ANDAEP
(Associação
Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), que acredita que o projeto-piloto que este ano deu flexibilidade curricular a
mais de 230 escolas públicas e privadas funcionou melhor no ensino básico do
que no secundário. Defende o ilustre:
“No próximo ano letivo vai haver mais adesão
de escolas. Quando aparece algo diferente, nós, portugueses, temos receio e
pensamos logo que o melhor é deixar os outros ir à frente. Mas, quando os que
vão à frente têm feedback positivo,
os outros – neste caso, as escolas – também vão querer entrar e criar projetos
à sua medida.”.
Recorde-se
que, entre outros aspetos, no projeto-piloto, as escolas podiam gerir
livremente 25% do tempo letivo disponível, o que implicava poderem escolher
diferentes formas de organização, abordagem e métodos de ensino nas salas de
aula. Sobre isto, Filinto Lima aduz:
“Esta é
uma boa medida porque o Ministério da Educação não obriga ninguém a aderir. Tinha algum receio que houvesse uma
universalização obrigatória do projeto de flexibilização e isso iria contra a
autonomia das escolas. Mas com estes contornos é positivo. Esta é a verdadeira
autonomia. As escolas não querem
gerir dinheiros, querem é gerir currículos.”.
Do contacto
que tem tido com outros diretores de agrupamentos escolares, Filinto Lima diz
sentir que no ensino básico tudo está a correr bastante bem. O mesmo não se
pode dizer do secundário. O projeto-piloto ocorreu apenas em turmas de início
de ciclo, ou seja, do 1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos. E justifica:
“No ensino secundário surgem dificuldades em
virtude do modelo de acesso ao ensino superior. O secundário é muito virado para os exames e, devido à forma como está
criado, é um ciclo perdido. É um ciclo em que os alunos se preparam para
os exames, para aquela hora e meia.”.
Por isso
mesmo, aproveitou o ensejo para voltar a falar de um assunto em que tem vindo a
insistir há muito tempo: é preciso
discutir o modelo de acesso ao ensino superior. Era muito importante
fazermos esta discussão nesta altura, pois é uma boa oportunidade para pais,
alunos, professores pensarmos se é este o modelo que queremos ter de acesso ao
ensino superior e se ele nos serve. Neste sentido, desafiou também os reitores
a falarem sobre este assunto, pois é uma oportunidade para falarem de um
assunto que, com certeza, lhes interessa. Por outro lado, pressupõe que esta é
uma discussão que sente que o Governo também quer ter.
É de
recordar que, em fevereiro, o
diretor para a Educação da OCDE esteve em Portugal. Ao falar sobre
este projeto-piloto, disse haver uma tensão crescente nas salas de aulas: de um
lado estava o novo perfil do aluno e o novo modelo que representa a forma como
os professores querem dar aulas e, do outro, a responsabilidade de preparar os
estudantes para terem bons resultados nos exames nacionais.
E enquanto
nos diapositivos de Andreas Schleicher se lia a questão “O dilema: ensinar para o mundo de amanhã ou para o exame nacional?”, o próprio verbalizava a profecia: “Um dia, Portugal vai ter que alinhar o seu
sistema de exames com este novo perfil do aluno”.
Sem exames
nacionais, esta tensão não se sente no 1.º e no 5.º o ano de escolaridade. Já o
7.º tem como horizonte o final de ciclo com as provas finais em Português e
Matemático. Em termos genéricos, Filinto Lima refere:
“No básico é mais fácil de ser implementado,
não há a problemática dos exames. O que me dizem os diretores é que há um ou
outro constrangimento, mas as escolas estão satisfeitas com os modelos que
implementaram. No terreno há 236 escolas e cada escola tem o seu projeto,
por isso há 236 projetos diferentes. E o sucesso tem a ver com isso: não há nenhum fato feito pelo ministério,
cada escola faz o fato à sua medida, há 236 fatos.”.
E, esperando
que não seja uma medida educativa que dura só o tempo duma legislatura, diz:
“Esta é uma grande medida, estrutural, e o Governo
tem obrigação de chamar a si a oposição, de ter a sua aprovação. Daqui a 6 anos
vamos provavelmente ter um governo de direita – é a alternância democrática
habitual em Portugal – e vai mudar tudo outra vez sem se saber porquê. A escola precisa de estabilidade. Precisa do
tal Pacto de Educação de que fala o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.”.
***
Por mim,
já aqui adverti que a flexibilização curricular e o Perfil do Aluno oportunamente
definido não são compatíveis com a cultura do teste e do exame final. Por isso,
a escola pública e a escola devem centrar-se nas condições propícias à
provocação das aprendizagens de forma integradora, integrante, integrada e
integral. A prova de aferição, que deveria ser aplicada por amostragem –
suficiente e menos onerosa –, deve ser elaborada em função da perceção do
estado do ensino/aprendizagem e das eventuais introduções de melhoria no
sistema.
Não se
justifica definir aprendizagens essenciais, bastando que haja programas
elaborados de forma adequada ao nível etário dos alunos em cada ano de
escolaridade e que a respetiva escola transponha para o seu projeto curricular
o que entender que deve transpor, no que deve ser acompanhada por agentes
aferidores da exigência e das possibilidades locais. A definição das
aprendizagens essenciais pode mesmo constituir um alçapão de facilidade para
escolas com ambição académica em detrimento da aprendizagem consistente.
E
tenha-se a coragem de dizer às Universidades e aos Institutos Politécnicos que
escolham os seus candidatos através das provas de conhecimentos e testes
psicotécnicos e/ou de aferição do perfil humano, podendo obviamente um dos
esteios complementares (que não o único) ser a média de classificações
no ensino secundário. Em alternativa, pode o CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas) e o CCISP (Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos) promover a elaboração de uma
prova geral de acesso a aplicar a todos os candidatos, como já esteve em uso no
país e vigora noutros países.
Quanto
ao pacto da educação, ele parece dispensável se um qualquer governo resolver
ter um pouco de juízo e for induzido em não proceder a nenhuma alteração de
fundo sem uma avaliação do estado de coisas que pretende alterar. Agora, se
todos os governos têm marcado a sua agenda política, como é que se há de
estranhar que um determinado governo não enverede por esse caminho. E não é um
pacto que vai demover um Executivo das suas intenções programáticas. Nesse aspeto,
como noutros, o Parlamento poderia estar mais atento!
Recordo
que Roberto Carneiro impulsionou uma ampla reforma educativa entre 1987-1989. E
uma Ministra da Educação de Governo da mesma área político-partidária em 1995
pegou na tesoura da simplificação de programas do ensino secundário – sem
avaliar os programas, mas em função dos exames finais! Nuno Crato, em 2013/2014 passou uma esponja
por programas que estavam em vigor desde 2009 e mandou elaborar novos; e pelas
metas de aprendizagem que foram elaboradas em 2010/2011, determinando a
elaboração das metas curriculares.
Quem tem
telhados de vidro não atira pedras.
2018.04.07 –
Louro de Carvalho
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