segunda-feira, 30 de abril de 2018

Coitada da inocente EDP!


O Governo corta 102 milhões às rendas a pagar à EDP pelos CMEC até 2027. É o resultado do facto de o Governo haver homologado as contas do regulador sobre o valor de 154,1 milhões de euros a pagar à EDP (menos 102 milhões de euros que o reclamado pela empresa) pela manutenção do equilíbrio contratual (CMEC).
Na decisão sobre o ajustamento final dos CMEC, a proposta da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) tem ‘luz verde’, “ainda que com a reserva relativa ao que vier a ser apurado e decidido no âmbito dos procedimentos relativos à auditoria que foi efetuada a respeito do risco de sobrecompensação e à identificação e apuramento do efeito financeiro das situações consideradas inovatórias ponderadas nos CMEC, que não existiam nos CAE [contratos de aquisição de energia]”.
A ERSE estimou, em setembro de 2017, em 154,1 milhões de euros os CMEC (apoio à produção de 16 centrais hídricas da EDP) até 2027, sendo que o grupo de trabalho constituído pela REN – Redes Energéticas Nacionais e pela EDP Produção chegou ao valor de 256,5 milhões de euros.
O Governo aguarda ainda os resultados da predita auditoria sobre o risco de sobrecompensação e à identificação e apuramento do efeito financeiro das situações consideradas inovatórias ponderadas nos CMEC, que não existiam nos CAE, que está a ser feita pela DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia), em articulação com a ERSE. O objetivo é perceber “se foram ponderados, no cálculo dos CMEC e respetivos ajustamentos, aspetos inovatoriamente definidos nos acordos de cessação dos CAE, em termos que permitam aferir da validade dos atos administrativos praticados e, no caso de existir alguma invalidade, apurar o impacto financeiro que os mesmos tiveram”. Isto é, o valor a pagar até 2027 poderá ser ainda inferior a 154,1 milhões de euros, se alguma das duas hipóteses em análise for verificada.
No parecer do consultor jurídico Gonçalo Capitão, a que Jorge Seguro Sanches, Secretário de Estado da Energia, dá seguimento, lê-se:
A diferença de valores [apurados pela ERSE e pela EDP/REN] resulta na sua quase totalidade do método de cálculo utilizado para apurar o preço médio de mercado disponível dos últimos dez anos, sendo que a interpretação defendida e utilizada pela ERSE no apuramento do montante do ajustamento final tem pleno acolhimento na lei”.
Além do apuramento dos custos, a ERSE defendeu que a alteração do quadro legal aplicável aos CMEC ou sua clarificação poderá reduzir ainda mais o valor apurado e comunicado ao Governo, podendo anular os 154 milhões de euros a pagar à EDP ou mesmo tornar este valor favorável aos consumidores.
Por força do Orçamento do Estado 2017, o apuramento dos CMEC passa a ser responsabilidade de uma unidade especializada da ERSE, em vez do grupo de trabalho REN e EDP. Ora, quando a ERSE divulgou as suas contas, em setembro, a “inocente” EDP rejeitou a estimativa do regulador sobre a revisibilidade dos CMEC de 154 milhões de euros até 2027, considerando que as variações propostas violam grosseiramente a lei, e prometeu tomar medidas.
OS CMEC estão a ser objeto de investigação do Ministério Público, que tem como arguido o antigo ministro da Economia, Manuel Pinho, o presidente executivo da EDP, António Mexia, e o ex-banqueiro Ricardo Salgado, entre outros, que apura “o processo legislativo, bem como os procedimentos administrativos relativos à introdução no setor elétrico nacional dos CMEC”.
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Os CMEC são compensação à cessação antecipada dos CAE, o que sucedeu na sequência da transposição de legislação europeia no final de 2004, tendo sido revistos em 2007 (é nesta revisão que entronca a arguição de Manuel Pinho). Ainda assim, mantiveram-se dois CAE – Turbogás e Tejo Energia –, que são geridos pela REN Trading.
São abrangidas pelo regime dos CMEC 16 centrais hídricas da EDP, cujos contratos terminarão faseadamente até 2027 (Alto Lindoso, Touvedo, Venda Nova, Vilarinho das Furnas, Pocinho, Valeira, Vilar-Tabuaço, Régua, Carrapatelo, Torrão, Crestuma-Lever, Caldeirão, Aguieira, Raiva, Pracana, Fratel).
Fonte oficial da EDP disse “desconhecer o documento referido” e adianta: “Assim que tomar conhecimento do mesmo irá analisá-lo e tomará as medidas e decisões que achar adequadas”.
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Neste contexto de polémica em que se encontra a EDP e alguns políticos e gestores, Eduardo Catroga, ex-chairman da elétrica diz que a “EDP está a ser alvo de campanha negativa de um lobby organizado”.
Numa entrevista de despedida – quase um mês após deixar o Conselho Geral e de Supervisão da EDP para assumir um cargo na China Three Gorges, o maior acionista da elétrica nacional –, Catroga afirmou que a EDP está a ser alvo duma campanha negativa, sendo que as acusações que lhe são imputadas não têm “consistência técnica”.
Segundo, o “apolítico”, as polémicas que têm envolvido a empresa, nomeadamente a que diz respeito aos CMEC, são um “conjunto de mitos” dum grupo organizado “com influência junto da opinião pública e de certos segmentos políticos e agentes de comunicação social”.
O economista aduz que “a realidade é que os supostos favorecimentos à EDP (…) que estão na origem das queixas desse lobby apresentadas a Bruxelas não têm, no fundo, consistência técnica como a própria Comissão Europeia já sentenciou”.
Ora, tudo leva a crer que Eduardo Catroga, premiado por ter posto a marca pessoal de êxito no texto do programa de ajustamento que nos trouxe a troika, não tem razão. Com efeito, a ERSE concluiu que, na última década, a EDP ganhou indevidamente 510 milhões de euros com os CMEC, pelo que lhe queria retirar 167,1 milhões de euros às rendas pagas. A energética, por sua vez, questionou as contas da ERSE e diz que está a perder com os CMEC, mais concretamente, 240 milhões de euros. E Catroga atirou:
Há uma mistura de grande incompetência técnica de alguns detratores, com a demagogia política de outros, e a falta de estudo da matéria de tantos outros
Entretanto, o chairman teve de abandonar o cargo por força da lei em razão da qual o economista não pôde renovar o mandato enquanto presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, tendo-o ocupado o lugar desde 2012. E o nome escolhido para lhe suceder foi o de Luís Amado, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de José Sócrates.
E, questionado se queria deixar alguma mensagem ao sucessor, Catroga disse não “deixar recomendações para a atuação” de Amado, pois “cada um tem o seu estilo e a sua filosofia de gestão quanto ao modo como entende as competências estatutárias”.
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Como ficou entrelido, o principal acionista da EDP, a China Three Gorges, propôs aos acionistas a renovação do mandato de António Mexia como CEO, para o período 2018/2020, e Luís Amado como novo chairman. É oficial, como consta de comunicado da CMVM.

Os acionistas da EDP – China Three Gorges, Oppidum Capital, Senfora, Fundo de Pensões do Grupo Millennium BCP e Sonatrachvotaram uma nova composição dos órgãos sociais na assembleia geral de 5 de abril. Tais alterações decorreram do facto de o mandato dos anteriores membros do conselho de administração executivo da EDP ter terminado a 31 de dezembro e, por isso, ter sido necessário eleger novos elementos.
O conselho de administração conta com 9 elementos, sendo que Manso Neto foi proposto para números dois de António Mexia, mas passa a haver presenças femininas no board: Maria Teresa Isabel Pereira e Vera Pinto Pereira – uma novidade, tendo em conta que no anterior conselho de administração não havia mulheres. Porém, a elétrica tenta responder às exigências em termos de quotas de género impostas às empresas cotadas, ou seja, tem de haver 20% de mulheres. Apesar de a continuidade de António Mexia à frente da EDP ter sido posta em causa por este ter sido constituído arguido na investigação do Ministério Público aos contratos entre o Estado e a EDP sobe rendas garantidas, a China Three Gorges reiterou publicamente a sua “total confiança” no CEO e voltou a propor a sua continuação no cargo que ocupa há mais de 11 anos. Contudo, houve rumores de que o principal acionista chinês – tem 23,3% do capital – teria andado, sem êxito, à procura de hipóteses para substituir Mexia na liderança da empresa.
Também o Conselho Geral e de Supervisão passa a ser constituído, no mínimo, por 9 elementos, mas sempre por mais elementos do que o número de administradores e que, preferencialmente, devem ser independentes. O cargo máximo deste órgão é ocupado pelo ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Sócrates, que substitui o histórico do PSD, Eduardo Catroga. Continuaram a ser propostos 21 nomes. João Carvalho das Neves, Celeste Cardona, Ilídio Pinho, Augusto Mateus ou ainda António Vitorino, que é presidente da assembleia geral. O antigo ministro das Finanças, Braga de Macedo também saiu, tal como António Gomes Mota.
Mas as mudanças não se ficaram por aqui. Os acionistas foram chamados a votar a PwC como Revisora Oficial de Contas (ROC), já que a KPMG, por lei tinha de ser substituída por ser ROC da elétrica há 13 anos. A PwC foi a empresa que terá apresentado a proposta mais competitiva.
A assembleia geral teve ainda a incumbência de eleger os 5 membros do Conselho de Ambiente e Sustentabilidade para o triénio 2018/20. O conselho de administração executivo propôs, além de José Manuel Viegas para presidente, António Gomes de Pinho, Joana Pinto Balsemão, Joaquim Poças Martins e Pedro Oliveira para vogais – “personalidades de reconhecida competência na área da defesa do Ambiente”, segundo o conselho de administração.
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Para deslindar o que se passa nesta polémica Estado-EDP, a Comissão Parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas deliberou uma audição ao Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, para “clarificar cabalmente” a situação dos CMEC.
Em causa está o requerimento apresentado pelo PCP, que sublinha a “necessidade de clarificar cabalmente o quadro que está colocado e a intervenção que será desenvolvida pelo Governo sobre esta matéria”. A votação foi transmitida à agência Lusa pelo presidente da comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, Hélder Amaral, que acrescentou ter sido também aprovado por unanimidade o requerimento do PSD para audição do Secretário de Estado da Energia sobre a interligação das redes de transporte de energia.
Relativamente aos CMEC, o tribunal obrigou a ERSE a mostrar à EDP o estudo sobre os pagos à elétrica desde 2007, que detetou uma sobrecompensação de 510 milhões de euros, segundo informação divulgada em março passado.
No final de setembro, o regulador do setor energético, como se disse, estimou em 510 milhões de euros o acréscimo pago à EDP pela introdução do regime dos CMEC, entre 1 de julho de 2007 e 31 de dezembro de 2017 – em substituição dos CAE –, e calculou o valor a pagar nos próximos dez anos, isto é, até 31 de dezembro de 2027 (data do último contrato).
Assim, a ERSE propôs ao Governo o pagamento de 154 milhões de euros, enquanto o grupo de trabalho técnico EDP/REN – Redes Energéticas Nacionais apurou um valor de ajustamento final de 256 milhões de euros para o mesmo período.
Além do diferendo nos valores, a elétrica liderada por António Mexia reclamou o acesso integral ao estudo, o que a ERSE recusou, mas que chegou a acontecer por decisão do tribunal.
Como solicitado na lei do Orçamento do Estado para 2017, o regulador fez as contas sobre o apoio à produção de 16 centrais hídricas da EDP e chegou a um montante de 154 milhões de euros por ano a pagar ao produtor (EDP) durante os próximos dez anos.
O outro requerimento do PSD visa que a audição a Jorge Seguro Sanches sirva ainda para “conhecer o atual estado dos projetos que constituem o plano de interligação e a forma como os custos de infraestruturas serão repartidos”. Este plano envolve, além de Portugal, Espanha e França e tem o intuito e cumprir a meta europeia de 10% do nível de interligações elétricas até 2020, prevendo infraestruturas como ligações entre Portugal e Espanha (pela Galiza) e Espanha e França (pelo Golfo da Biscaia e pelos Pirenéus).
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Por fim, embora em decisões sucessivas, os diversos partidos foram quebrando o silêncio político e atinaram em urgir a audição parlamentar de Manuel Pinho, que se disponibiliza, mas depôs de ser interrogado pelo Ministério Público.
Iremos ter esclarecimentos? Mudará alguma coisa a relação Estado-EDP/China? Irá o Estado enveredar pela via do acautelamento dos interesses públicos e deixar de ser comido pelos privados? Até quando a inocência de empresas como a EDP na relação com o Estado?
2018.04.30 – Louro de Carvalho

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