Há pormenores
que parecem anódinos, mas cujo peso é deveras relevante. Depois de o Administrador
Diocesano ter feito um certo ponto de situação sobre o modo como os
colaboradores o ajudaram a conduzir a diocese do Porto durante a vacatura da
sede, de ter feito memória de Dom António Francisco e de ter publicamente
entregue a diocese ao Bispo recebido como um dom de Deus e ter prometido, em
nome de toda a comunidade, inteira obediência e total disponibilidade, Dom
Manuel Linda fez uma primeira saudação a todos os presentes.
Nessa alocução,
deixou uma mensagem de reconhecimento a todos os que se encontravam presentes (é
de assinalar a presença do Ministro da Defesa Nacional e dos diversos chefes de
estado-maior das Forças Armadas e do comandante geral da GNR e do Diretor
nacional da PSP ) e
àqueles que, por motivos ponderosos, se viram impedidos de comparecer; fez uma
referência ao seu mestre Dom António Taipa, a quem agradeceu a condução da
diocese neste interstício de vacância da sede; traçou as linhas programáticas
da abrangência no sentido de contar com todos e cada um, especificando detalhadamente
os diversos grupos e setores de agentes pastorais, e de fazer chegar a ação da
Igreja a todos os setores e lugares da sociedade em estreita cooperação com
todos os que têm a missão de promover o bem comum; elegeu os sacerdotes como
porta-estandartes do sagrado no mundo de profanidade; e fez sua uma referência do
seu antecessor na entrada na diocese a 6 de abril de 2014: “A nossa Diocese do Porto vem de longe com uma bela
história de caminho de [fiéis] esclarecidos, conscientes e responsáveis, inseridos na vida e na
cultura do nosso tempo e com uma reconhecida audácia de missão. Todos somos
necessários e imprescindíveis!”.
E repetindo como seu o último segmento “Todos somos necessários e
imprescindíveis!”, deu a palavra de ordem: “Então, mãos à obra!”. E acrescentou
um convite humilde e discreto, mas claro, explícito e mobilizador: “Rezai
comigo e rezai por mim”.
***
O convite
a rezar com o Bispo e pelo Bispo não pode ser entendido como um pró-forma ou
como um mimetismo em relação ao atual Papa Francisco. A meu ver, tem de ser
entendido no âmbito do ser e da missão da Igreja. Com efeito, a exemplo de
Cristo orante – frequentou a sinagoga (vd Lc 4,16) várias vezes se retirava para
orar, ensinou os discípulos a rezar (vd Mt 6,9; Lc 11,1-2), pediu-lhes que orassem e
vigiassem (vd Lc 22,40.46)
com Ele (e
não eram capazes) e
rezou ao Pai aquando da ressurreição de Lázaro (vd Jo 11,41-42) e no alto da Cruz (Mt
27,46; Mc 15,34; Lc 23,34.46)
– os primeiros cristãos (At 2,42; 4,24-26) eram assíduos à oração (os
apóstolos até aguardaram o Espírito Santo reunidos no cenáculo em oração com
Maria, mãe de Jesus – At 1,14).
Assim se pode ver como a oração é uma vertente importante do ser da Igreja e,
em coerência com esse ser orante, a missão há de envolver o convite à oração,
porque sempre que dois ou três se reunirem em nome de Cristo, Ele garante a sua
presença no meio deles (cf M718,19-20). Por outro lado, o Senhor assegura
que tudo o que pedirmos ao Pai em nome d’Ele, o Pai o concederá (Jo
16,23) e Cristo o fará
(Jo
14,13), para que o
Pai seja glorificado no Filho.
É a oração
que prepara e fortalece o ensino dos apóstolos e sustenta a celebração da
fração do pão. Sem a disponibilidade para a oração e para um estilo de vida
orante, não é possível acolher a Palavra de Deus e é uma temeridade proclamá-la
(o
orador será sino que tange, mas obviamente oco por dentro). Sem a oração a celebração eucarística
saberia a magia ou ilusionismo e as obras sócio-caritativas da Igreja não
passavam da mera ação filantrópica. Por isso, o prelado diocesano do Porto tem
toda a razão no convite explícito que faz à oração com ele e por ele. Será a
oração, iluminada pelo ensino apostólico e a suportar a celebração da fração e
comunhão do pão e do vinho, feitos corpo e sangue de Cristo, que garantirá a união fraterna, de modo que os crentes vivam
unidos e possam, querendo, possuir tudo em comum e, vendendo terras e outros
bens, possam distribuir o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de
cada um (cf At 2,42-47). Talvez seja
oportuno perguntar pela razão por que o ser cristão hoje não desperta a
simpatia do povo nem faz com que o Senhor também agora aumente, todos os dias,
o número dos que têm entrado no caminho da salvação (cf id et ib). Será a falta de oração, a falta de assiduidade ao ensino
dos apóstolos (aclamam-se Papas e Bispos, mas
ouvem-se pouco; compram-se bíblias, mas lê-se e medita-se pouco a Bíblia…)?
Provavelmente, vai-se muito à missa, rezam-se
muito terços, mas não se procura ter com os outros um só coração e uma só alma
ou fecham-se às corações às necessidades e aos problemas dos outros. E talvez
se dê esmola para despacho de consciência ou descarte do incómodo, sem olhar
para o outro e sentir a sua necessidade e valorizar a sua dignidade.
Recordo que
Dom Manel Linda, ao referir os consagrados de vida contemplativa e de vida
ativa, assinalava a necessidade que temos do exemplo deles e delas e também a
necessidade que temos da sua intercessão. Isto leva-nos a pensar na comunhão dos
santos que professamos quando proclamamos o Símbolo
dos Apóstolos. Em igreja, a oração é sempre pessoal e comunitária. Mesmo quando
um crente está sozinho e fala com seu Pai celeste, deve fazê-lo em união com os
demais. E nunca deve rezar exclusivamente por si, mas deve louvar, agradecer,
pedir perdão e pão por si e pelos demais; e deve saber que em união com ele estão
muitos irmãos e irmãs – vivos e defuntos – que rezam por si. É a mútua intercessão,
é o interesse mútuo, a participação nos méritos de uns e de outros e,
infelizmente, a participação no pecado de cada um dos outros, sobretudo se formos
responsáveis por omissão, cooperação ou por escândalo ou ainda por envolvimento
ativo ou passivo em estruturas de pecado.
***
Às vezes,
papagueamos a tríplice missão da Igreja de ensinar, santificar e pastorear e
facilmente a atribuímos ao Bispo, que tem a plenitude da participação no múnus sacerdotal
de Cristo. E esquecemos que na base da santificação está a oração, que prepara
e confirma a pregação e a escuta da Palavra e que impulsiona e vivifica a
caridade.
Ora, o
Bispo que entenda como fundamental o apelo a que rezem consigo e por si tem
autoridade para reconhecer “os enormes contributos que os múltiplos setores da
sociedade podem dar para esta necessária e urgente sensatez humana, para se
obstar à inversão dos polos: a transmissão dos valores na família, o
inestimável contributo da cultura, a força ordenadora da lei justa, o papel
organizador da atividade político-administrativa, a prevenção ou repressão
atribuídas às Forças Armadas e às Forças de Segurança, etc.”. Porém, tem força para afirmar que, no entanto,
“Esta obra de salvação está confiada
primordialmente à Igreja, como guardiã da memória d’Aquele que ‘por nós homens
e para nossa salvação desceu dos Céus’. A comunidade crente atualiza essa
salvação agindo, simultaneamente, em dois âmbitos: internamente, na
santificação, isto é, no tornar os corações mais sensíveis, mais semelhantes ao
de Cristo; externamente, contribuindo para a humanização das organizações e das
estruturas, no respeito pela autonomia das realidades terrenas.”.
E, na homilia da Missa da entrada solene no exercício do seu múnus
pastoral, o Bispo do Porto, depois de pronunciar os segmentos acabados de
transcrever, assumiu que “esta é a nossa
missão”. E prosseguiu, justificando com o que pressente de
necessário no mundo e na decorrência da missão da Igreja:
“Mesmo sem o reconhecer, esta é a
fermentação evangélica que o nosso mundo anseia. Sim, há muitas linguagens e
compete-nos sermos especialistas na sua decifração. E uma das que mais ressoam
por aí é o grito da opressão do sem-sentido que tanto fecha a pessoa no seu
individualismo narcisista como o conduz ao abandono dos outros. Ser presença de
Igreja neste mundo passa, consequentemente, por “comover [os corações] para
desconvocar a angústia e aligeirar o medo”, para usar a belíssima expressão de
Agustina Bessa Luís.”.
Depois, privilegiando a “ação pastoral de ‘comover’ os corações”,
diz que para ela conta “com todos”, em especial com os jovens, “com as sapatilhas
calçadas”. E acrescenta:
“Este tempo só aceita jogadores titulares em
campo, não no banco de suplentes. Jovens e pessoas de todas as idades.”.
Mas deixa um recado aos pastores, que os distingue dos
burocratas. Assegurando que “o cristianismo é proximidade”, diz “o que faz a
diferença entre o burocrata e o pastor: um conta o número de ovelhas, o outro
procura cuidar delas”.
Já tinha ficado assente que contava com todos e todos “como
titulares e em campo”, obviamente “treinados e capitaneados pelos bispos e
padres”, mas “não para gáudio destes, mas para, mais organicamente, obter bons
resultados e marcar pontos no atuar da salvação no mundo”. E, não se retirando “a
determinante importância aos pastores”, eleva-se “o timbre de o ser”.
Agora, quase a terminar, deixa o desafio claro aos fiéis em
Cristo: “Estamos todos na barca de Pedro:
ou navegamos ou nos afundamos. Então, o melhor será remarmos em conjunto.”.
Por fim, pegando no “gesto das Câmaras Municipais do Porto e
de Vila Nova de Gaia de atribuição do nome de Dom António Francisco dos Santos
à nova ponte, estrutura de aproximação e de encontro”, viu neste tributo à
Diocese do Porto uma “interpelação” feita a si, pessoalmente, “qual seja a
necessidade de nunca me esquecer de que um bispo é, por natureza e mandato
divino, ‘um pontífice’, um construtor de pontes”. E prometeu tentá-lo “com a ajuda divina” que implora “por intermédio da ‘Rosa mística’,
a Virgem Santa Maria, venerada como Senhora da Assunção em toda a Diocese e
como Senhora da Vandoma nesta nossa cidade episcopal”.
E, firmando-se no lema do presente ano pastoral “Movidos pelo
amor de Deus”, apelou: “vamos à nossa
obra, irmãos”.
***
Enfim, temos Bispo do Porto. Veremos se teremos Igreja no
Porto!
2018.04.17
– Louro de Carvalho
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