terça-feira, 10 de abril de 2018

O ministério dos missionários da misericórdia


Encerra-se, 11 de abril, a jornada de reflexão e catequeses proposta pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização aos missionários da misericórdia, instituídos no quadro do Ano Jubilar da Misericórdia, cuja ação foi prolongada por mais dois anos e agora reconfirmada.
Durante cinco dias, mais de 550 sacerdotes, dos 5 continentes, ouviram catequeses, ofereceram testemunhos sobre as atividades pastorais desenvolvidas nas próprias dioceses e puderam celebrar o sacramento da reconciliação, coração deste ministério especial confiado pelo Papa. 
Entretanto, no dia de hoje, 10 de abril, em torno do Altar da Cátedra, na Basílica de São Pedro, concelebraram a Missa com o Santo Padre, que pronunciou uma homilia incisiva onde sublinha a delicadeza do ministério destes missionários.
Obviamente, tudo parte da Ressurreição do Senhor e dela é preciso dar testemunho com força e alegria. É esse testemunho que desperta a fé e a vida nova da comunidade nos trilhos do Evangelho. Fica, assim, patente a necessidade do renascimento pessoal e a vida da comunidade – as duas dimensões da ação destes missionários da misericórdia.
O Pontífice partiu da perícopa evangélica (Jo 3,7b-15) que enfatiza, no encontro de Nicodemos com Jesus, a necessidade de cada um renascer do Alto. Esta é a lógica de Deus, nascer pela água e pelo Espírito, que um famoso mestre em Israel não entendia, porque esta lógica não se limita à razão, mas mergulha no mistério da preciosa graça e da inefável misericórdia de Deus.
Ora, estes missionários, imbuídos do primado do Pai não serão uns sacerdotes especialmente “carismáticos, mas serão sacerdotes normais, simples, mansos, equilibrados” e, sobretudo, capazes de se deixarem regenerar pelo Espírito, dóceis ao seu ímpeto, interiormente livres movidos pelo vento do Espírito que sopra onde quer.
Em relação ao serviço à comunidade, estes padres têm de saber “inculcar no deserto do mundo o sinal da salvação” – a cruz de Cristo, fonte de conversão e renovação. Acentua o Papa que “é o Senhor morto e ressuscitado que gera a comunidade na Igreja e, através da Igreja, na humanidade inteira”. Esta comunidade dos atraídos pela cruz e animados pela ressurreição respira a fraternidade, vive com liberdade a comunhão de bens espirituais e materiais e contagia o ambiente que a emoldura, não deixando ninguém indiferente.
Sublinha o Santo Padre que tanto na Igreja como no mundo as pessoas estão sedentas da misericórdia, para que “a unidade querida por Deus em Cristo prevaleça sobre a ação negativa do maligno, que se aproveita de tantos meios, em si bons, mas que, se mal utilizados, dividem em vez de unirem”. Ora, convictos de que a unidade é superior ao conflito, sabemos que, sem a misericórdia, este princípio não tem força para atuar no concreto da vida e da história.
Mais diz o Pontífice que estes missionários, ora confirmados neste ministério da misericórdia, estão “confirmados sobretudo na grata confiança de serem eles mesmos os primeiros a renascer sempre do Alto, do amor de Deus” e, ao mesmo tempo, “confirmados na missão de oferecer a todos o sinal de Jesus exaltado da terra, para que a comunidade seja sinal e instrumento de unidade no meio do mundo”.
É notável a evidência com que sobressaíram, na homilia papal, estas caraterísticas da missão da misericórdia: o renascer do Alto, o serviço à comunidade, um estilo contagioso, a unidade e a implicação pessoal na missão – tudo numa linha de coerência intrínseca e de extrínseca consequência.
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Também a Sala Regia, no Palácio Apostólico do Vaticano, acolheu hoje, dia 10, os cerca de 550 missionários da misericórdia para quem o Papa pronunciou um longo discurso, estruturado sobretudo a partir do texto do profeta Isaías e da experiência do Apóstolo Paulo.
Com efeito, o primeiro lanço de reflexão foi inspirado no texto do profeta Isaías onde se lê:
Eu respondi-te no tempo da graça e socorri-te no dia da salvação […]. O Senhor consola o seu povo e tem misericórdia dos seus pobres. Sião disse: ‘O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim’. Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria.” (Is 49,8.14-15).
Diz Francisco que se trata dum texto perpassado pelo tema da misericórdia. A benevolência, a consolação, a proximidade, a promessa de amor eterno, como o da mãe ou a ele superior, são expressões que pretendem exprimir a riqueza da misericórdia divina sem a poderem exaurir num só aspeto.
Por outro lado, como se pode ver no capítulo 6 da 2.ª Carta de Paulo aos Coríntios, a primeira indicação oferecida pelo Apóstolo é que os sacerdotes são colaboradores de Deus, que escuta o brado dos seus filhos. E a mensagem de que são portadores enquanto embaixadores em nome de Cristo é a de fazer as pazes com Deus. O seu apostolado é buscar e receber o perdão do Pai, pois “Deus necessita de homens que levem ao mundo o seu perdão e a sua misericórdia.” Por isso, o Apóstolo faz o veemente apelo a que todos se reconciliem com Deus. Com efeito, “é este o tempo favorável, é este o dia da salvação” (2Cor 6,1). 
Esta responsabilidade de embaixadores da reconciliação, vincou o Papa, postula um estilo de vida coerente com a missão recebida. Ser colaboradores da misericórdia pressupõe, portanto, reconhecer a misericórdia de Deus primeiramente na própria existência pessoal:
É preciso partir sempre deste ponto firme: Deus tratou-me com misericórdia. Esta é a chave para se tornarem colaboradores de Deus.”.
Os ministros, portanto, não se devem colocar acima dos outros como se fossem juízes dos irmãos pecadores. Um verdadeiro missionário da misericórdia espelha-se na experiência de Paulo: Deus escolheu-me; depositou a sua confiança em mim, não obstante eu ser um pecador, para ser um seu colaborador.
Francisco prosseguiu usando um dos seus neologismos, o termo “primeirar”, que exprime a dinâmica do primeiro ato com o qual Deus vem ao nosso encontro. E recordou que “a reconciliação não é, como se pensa frequentemente, uma nossa iniciativa privada ou o fruto do nosso empenho”. A primeira iniciativa é do Senhor; é Ele que nos precede no amor.
Portanto, diante dum penitente, os ministros devem reconhecer alguém que já realizou o primeiro fruto do encontro com o amor de Deus. E a tarefa dos confessores consiste em não tornar vã a ação da graça de Deus, mas em ampará-la e permitir que chegue à sua realização.
Mas infelizmente, admitiu o Papa, pode acontecer que o sacerdote, com o seu comportamento, afaste, ao invés de aproximar o penitente. E esclarece que “não é preciso que faça sentir vergonha a quem já reconheceu o seu pecado e sabe que errou, não é preciso investigar lá onde a graça do Pai já interveio”, pois, “não é permitido violar o espaço sagrado de uma pessoa no seu relacionar-se com Deus”. O confessionário não pode ser um instrumento inquisitório, mas um espaço de acolhimento, em que a consciência da pessoa é ajudada e confirmada pelo ombro paterno e amigo, o ombro de Deus.
Pelo contrário, quando se acolhe o penitente, é preciso olhá-lo olhos nos olhos e ouvi-lo para permitir que perceba o amor de Deus que perdoa apesar de tudo. O sacerdote não o culpa pelo mal de que se arrependeu, mas encoraja-o a olhar para o futuro com novos olhos, para olhar novamente para a vida com confiança e empenho.
E Francisco pronunciou a frase mais emblemática da relação entre a misericórdia e a esperança:
A misericórdia abre à esperança, cria esperança e nutre-se de esperança”.
Afinal, o Deus que amou o mundo a ponto de dar o seu Filho jamais poderá abandonar ninguém: o Seu amor estará sempre ali, próximo, maior e mais fiel do que qualquer abandono. E os missionários da misericórdia são chamados a ser intérpretes, testemunhas e distribuidores deste Amor.
2018.04.10 – Louro de Carvalho

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