Encerra-se,
11 de abril, a jornada de reflexão e catequeses proposta pelo Pontifício
Conselho para a Promoção da Nova Evangelização aos missionários da
misericórdia, instituídos no quadro do Ano Jubilar da Misericórdia, cuja ação
foi prolongada por mais dois anos e agora reconfirmada.
Durante cinco
dias, mais de 550 sacerdotes, dos 5 continentes, ouviram catequeses, ofereceram
testemunhos sobre as atividades pastorais desenvolvidas nas próprias dioceses e
puderam celebrar o sacramento da reconciliação, coração deste ministério
especial confiado pelo Papa.
Entretanto,
no dia de hoje, 10 de abril, em torno do Altar da Cátedra, na Basílica de São
Pedro, concelebraram a Missa com o Santo Padre, que pronunciou uma homilia
incisiva onde sublinha a delicadeza do ministério destes missionários.
Obviamente,
tudo parte da Ressurreição do Senhor e dela é preciso dar testemunho com força
e alegria. É esse testemunho que desperta a fé e a vida nova da comunidade nos
trilhos do Evangelho. Fica, assim, patente a necessidade do renascimento pessoal
e a vida da comunidade – as duas dimensões da ação destes missionários da
misericórdia.
O Pontífice
partiu da perícopa evangélica (Jo 3,7b-15) que
enfatiza, no encontro de Nicodemos com Jesus, a necessidade de cada um renascer
do Alto. Esta é a lógica de Deus, nascer pela água e pelo Espírito, que um
famoso mestre em Israel não entendia, porque esta lógica não se limita à razão,
mas mergulha no mistério da preciosa graça e da inefável misericórdia de Deus.
Ora, estes
missionários, imbuídos do primado do Pai não serão uns sacerdotes especialmente
“carismáticos, mas serão sacerdotes normais, simples, mansos, equilibrados” e,
sobretudo, capazes de se deixarem regenerar pelo Espírito, dóceis ao seu
ímpeto, interiormente livres movidos pelo vento do Espírito que sopra onde
quer.
Em relação
ao serviço à comunidade, estes padres têm de saber “inculcar no deserto do
mundo o sinal da salvação” – a cruz de Cristo, fonte de conversão e renovação.
Acentua o Papa que “é o Senhor morto e ressuscitado que gera a comunidade na
Igreja e, através da Igreja, na humanidade inteira”. Esta comunidade dos
atraídos pela cruz e animados pela ressurreição respira a fraternidade, vive
com liberdade a comunhão de bens espirituais e materiais e contagia o ambiente
que a emoldura, não deixando ninguém indiferente.
Sublinha
o Santo Padre que tanto na Igreja como no mundo as pessoas estão sedentas da
misericórdia, para que “a unidade querida por Deus em Cristo prevaleça sobre a
ação negativa do maligno, que se aproveita de tantos meios, em si bons, mas
que, se mal utilizados, dividem em vez de unirem”. Ora, convictos de que a
unidade é superior ao conflito, sabemos que, sem a misericórdia, este princípio
não tem força para atuar no concreto da vida e da história.
Mais diz
o Pontífice que estes missionários, ora confirmados neste ministério da
misericórdia, estão “confirmados sobretudo na grata confiança de serem eles
mesmos os primeiros a renascer sempre do Alto, do amor de Deus” e, ao mesmo
tempo, “confirmados na missão de oferecer a todos o sinal de Jesus exaltado da
terra, para que a comunidade seja sinal e instrumento de unidade no meio do
mundo”.
É
notável a evidência com que sobressaíram, na homilia papal, estas
caraterísticas da missão da misericórdia: o renascer do Alto, o serviço à
comunidade, um estilo contagioso, a unidade e a implicação pessoal na missão –
tudo numa linha de coerência intrínseca e de extrínseca consequência.
***
Também a Sala Regia, no Palácio Apostólico do Vaticano,
acolheu hoje, dia 10, os cerca de 550 missionários da misericórdia para quem o
Papa pronunciou um longo discurso, estruturado sobretudo a partir do texto do
profeta Isaías e da experiência do Apóstolo Paulo.
Com efeito,
o primeiro lanço de reflexão foi inspirado no texto do profeta Isaías onde se
lê:
“Eu respondi-te no tempo da graça e socorri-te no dia da
salvação […]. O Senhor consola o seu povo e tem misericórdia dos seus pobres.
Sião disse: ‘O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim’. Acaso pode
uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas
entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria.” (Is 49,8.14-15).
Diz Francisco que se trata dum texto perpassado pelo tema da
misericórdia. A benevolência, a consolação, a proximidade, a promessa de amor
eterno, como o da mãe ou a ele superior, são expressões que pretendem exprimir
a riqueza da misericórdia divina sem a poderem exaurir num só aspeto.
Por outro
lado, como se pode ver no capítulo 6 da 2.ª Carta de Paulo aos Coríntios, a
primeira indicação oferecida pelo Apóstolo é que os sacerdotes são
colaboradores de Deus, que escuta o brado dos seus filhos. E a mensagem de que
são portadores enquanto embaixadores em nome de Cristo é a de fazer as pazes
com Deus. O seu apostolado é buscar e receber o perdão do Pai, pois “Deus
necessita de homens que levem ao mundo o seu perdão e a sua misericórdia.” Por
isso, o Apóstolo faz o veemente apelo a que todos se reconciliem com Deus. Com
efeito, “é este o tempo favorável, é este o dia da
salvação” (2Cor 6,1).
Esta
responsabilidade de embaixadores da reconciliação, vincou o Papa, postula um
estilo de vida coerente com a missão recebida. Ser colaboradores da
misericórdia pressupõe, portanto, reconhecer a misericórdia de Deus
primeiramente na própria existência pessoal:
“É preciso partir sempre deste ponto firme:
Deus tratou-me com misericórdia. Esta é a chave para se tornarem colaboradores
de Deus.”.
Os
ministros, portanto, não se devem colocar acima dos outros como se fossem
juízes dos irmãos pecadores. Um verdadeiro missionário da misericórdia espelha-se
na experiência de Paulo: Deus escolheu-me; depositou a sua confiança em mim,
não obstante eu ser um pecador, para ser um seu colaborador.
Francisco
prosseguiu usando um dos seus neologismos, o termo “primeirar”, que exprime a
dinâmica do primeiro ato com o qual Deus vem ao nosso encontro. E recordou que
“a reconciliação não é, como se pensa frequentemente, uma nossa iniciativa
privada ou o fruto do nosso empenho”. A primeira iniciativa é do Senhor; é Ele
que nos precede no amor.
Portanto,
diante dum penitente, os ministros devem reconhecer alguém que já realizou o
primeiro fruto do encontro com o amor de Deus. E a tarefa dos confessores
consiste em não tornar vã a ação da graça de Deus, mas em ampará-la e permitir
que chegue à sua realização.
Mas
infelizmente, admitiu o Papa, pode acontecer que o sacerdote, com o seu
comportamento, afaste, ao invés de aproximar o penitente. E esclarece que “não
é preciso que faça sentir vergonha a quem já reconheceu o seu pecado e sabe que
errou, não é preciso investigar lá onde a graça do Pai já interveio”, pois, “não
é permitido violar o espaço sagrado de uma pessoa no seu relacionar-se com
Deus”. O confessionário não pode ser um instrumento inquisitório, mas um espaço
de acolhimento, em que a consciência da pessoa é ajudada e confirmada pelo
ombro paterno e amigo, o ombro de Deus.
Pelo
contrário, quando se acolhe o penitente, é preciso olhá-lo olhos nos olhos e
ouvi-lo para permitir que perceba o amor de Deus que perdoa apesar de tudo. O sacerdote
não o culpa pelo mal de que se arrependeu, mas encoraja-o a olhar para o futuro
com novos olhos, para olhar novamente para a vida com confiança e empenho.
E Francisco
pronunciou a frase mais emblemática da relação entre a misericórdia e a
esperança:
“A misericórdia abre à esperança, cria esperança
e nutre-se de esperança”.
Afinal, o
Deus que amou o mundo a ponto de dar o seu Filho jamais poderá abandonar
ninguém: o Seu amor estará sempre ali, próximo, maior e mais fiel do que
qualquer abandono. E os missionários da misericórdia são chamados a ser
intérpretes, testemunhas e distribuidores deste Amor.
2018.04.10 –
Louro de Carvalho
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