domingo, 15 de abril de 2018

Os aspetos mais relevantes do Plano de Estabilidade


O Plano de Estabilidade 2018-2022 apresentado pelo Governo ao Parlamento, no passado dia 13, traz alguns dados relevantes na ótica dos observadores.
E parece que o Executivo não se esqueceu de ninguém: nem dos contribuintes, a quem deixou a promessa de baixar o IRS; nem a Esquerda, que vê um documento com sabor agridoce para o que eram as suas intenções (Centeno tira a folga do défice, maior, mas dá a almofada dos juros, menor); nem, implicitamente, de Marcelo e Bruxelas, a quem foram deixados recados.
Aos contribuintes o Governo promete baixar o IRS em 200 milhões de euros. Porém, trata-se de medida que só resultará em 2021, com a fatura remetida ao próximo Governo. E há, de facto, outra medida para 2021, uma medida adicional de alívio da carga fiscal em 2021, prometida pelo Ministro das Finanças, sem especificar detalhes aquando da apresentação do documento.
Na verdade, no documento pode ler-se:
As medidas de tributação direta incluem a alteração dos escalões de IRS legislada em 2018 e com efeitos ainda em 2019, a atualização da derrama de IRC em 2018 e uma nova medida de redução de IRS em 2021 no montante de 200 milhões de euros”.
Com o presente cenário macroeconómico veio a confirmação de notícias há tempos veiculadas pela Comunicação Social de que o défice baixará para 0,7% do PIB em 2018, apesar do incómodo que a nova meta causou junto da esquerda, sem ainda o documento ser conhecido. E o Governo tem a expectativa de que, a partir de 2020, se apurem consecutivamente excedentes orçamentais até 2022.
Apesar desta novidade, a carga fiscal calculada pelo Ministério das Finanças terá uma redução ligeira ao longo do horizonte do exercício. Este ano, a carga fiscal ficará em 34,5% do PIB, descendo para 34,4% no ano seguinte, patamar em que se manterá até 2022.
Globalmente, o Programa de Estabilidade fornece uma visão mais otimista em relação às condições económicas e financeiras que se antecipavam para o país: a economia vai continuar a crescer acima de 2% nos próximos cinco anos, período durante o qual o desemprego baixará para perto de 6% e a dívida pública desce 20 pontos para atingir os 102% do PIB em 2022.
Os partidos à esquerda do PS podem não ter vencido o braço de ferro com Centeno na meta do défice de 2018, mas tiveram uma certa compensação: a redução do custo da dívida permitirá uma folga de 74 milhões a utilizar em investimentos estruturantes.
Há já uma lista de 38 investimentos considerados prioritários e que se dividem em 13 áreas, sendo a saúde e as vias de comunicação e transportes as que agregam o maior número de projetos, com um total de 18. Entre eles, os cinco hospitais já anunciados: Lisboa Oriental, Central do Alentejo, Seixal, Sintra e Madeira. Nos transportes, destacam-se as ferrovias corredor sul e corredor norte, a expansão das redes metropolitanas do Porto e de Lisboa, a Estrada Nacional 125 ou o IP3 Coimbra-Viseu.
Por outro lado, Centeno pronunciou, na conferência de imprensa em que explicou as linhas do Pacto de Estabilidade, no dia 13, a expressãosem despesismo, sem austeridade – expressão que foi publicada na conta de Twitter do Ministro das Finanças e serviu para responder à esquerda, que pretendia um défice maior para reforçar investimento público, e lembrar a Bruxelas e a Marcelo que o Governo se mantém no compromisso com o equilíbrio das contas públicas. Disse Mário Centeno:
A nossa escolha é ponderada e responsável, com vista a um orçamento equilibrado e a um aumento da qualidade de vida dos nossos cidadãos”.
Porém, nem tudo são rosas. À função pública o documento de Centeno nega aumentos salariais para os trabalhadores do Estado em 2019. Só há verbas previstas para pagar o descongelamento das progressões e para fazer recrutamentos. E, interpelado sobre este assunto durante a apresentação do Programa de Estabilidade, o Ministro evitou responder diretamente, apenas vincando que “a função pública tem vindo a ter, ao longo de toda a legislatura, uma atenção muito especial por parte do Governo”.
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Obviamente que o Pacto de Estabilidade não agrada a todos. O Bloco de Esquerda foi o primeiro partido a reagir ao documento e entrou a “pés juntos”, anunciando um projeto de resolução para o Governo manter a meta do défice de 1,1% este ano, tal como constava do Orçamento para 2018. Com efeito, como diz Mariana Mortágua, “foi negociado com um défice de 1,1% e vamos propor que seja mantido esse compromisso”, pelo que esta voz do descontentamento frisou que o partido vai pedir que “a folga orçamental existente a partir da meta negociada seja devolvida à sociedade”.
O partido comunista não concorda com o Pacto, mas refere que é um documento do Governo e que as medidas são analisadas em sede de discussão do Orçamento do Estado. E o CDS quer propor que o Pacto seja votado no Parlamento.
Todavia, o Programa de Estabilidade vem acompanhado duma análise do Conselho das Finanças Públicas que deu parecer favorável às previsões feitas pela equipa do Ministério das Finanças. Assim, no parecer da entidade presidida por Teodora Cardoso, pode ler-se:
As previsões para 2018 apresentadas […] afiguram-se como prováveis, quer face aos pressupostos assumidos para este ano, quer face à conjuntura económica atual e os riscos implícitos”.
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De acordo com o Programa de Estabilidade 2018-2022, são quatro as metas gizadas pelo Executivo contra os incêndios: combate, prevenção, indemnizações e reconstrução – no que se prevê um gasto de 230 milhões de euros em 2018. Recorde-se que, em 2017, um dos piores anos de incêndios em Portugal, esta despesa totalizou os 60 milhões de euros (valores provisórios).
Como explica o Executivo no Programa de Estabilidade, “as despesas canalizadas para a prevenção de incêndios têm enquadramento na cláusula de ocorrências excecionais (unusual events), sendo igualmente excluídas da análise aquando da avaliação do cumprimento dos objetivos estruturais”. Ou seja, o cálculo do saldo estrutural não será afetado. A despesa deste ano com os incêndios será considerada extraordinária (one-off) pela Comissão Europeia.
O investimento público vai crescer 8% em 2019, em relação a este ano, para quase 5.000 milhões de euros, em resultado do aumento do seu peso na economia. No último ano da legislatura, o Executivo espera gastar mais 378 milhões do que em 2018, segundo os números do Ministério das Finanças.
Centeno espera que o investimento público, medido através da FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), atinja os 2,3% do PIB em 2018 (o peso previsto no Orçamento do Estado aprovado em outubro passado), para passar para 2,4% do PIB em 2019 e 2,6% do PIB em cada um dos anos seguintes até 2022. São valores percentuais que representam uma revisão em alta dos previstos há um ano, quando o Executivo atualizou o Programa de Estabilidade pela última vez. Nessa altura, o Ministro das Finanças acreditava que a FBCF pesaria 2,1% no PIB este ano e em cada um dos seguintes (até 2021 – o último ano do horizonte daquela projeção).
As novas previsões representam um crescimento de 378 milhões de euros no investimento público entre 2018 e 2019 e são já uma primeira indicação sobre as linhas com que se tecerá o Orçamento do Estado para 2019, o último da legislatura. Na verdade, a necessidade de reforço do investimento público tem sido uma das principais exigências da esquerda junto do Governo. Tanto assim é que o Bloco e o PCP querem que a folga orçamental seja usada para os serviços públicos em vez de na redução do défice. E, apesar de Centeno não abdicar do objetivo de continuar na redução do desequilíbrio das constas públicas, o Governo decidiu, no Programa de Estabilidade detalhar um conjunto de investimentos prioritários, avaliados em cerca de 7.000 milhões de euros entre 2018 e 2022, sendo que algumas das obras mencionadas estão em curso.
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O Pacto de Estabilidade, com melhorias efetivas – não tanto como era de desejar – mantém-se na continuidade da política governativa. E o país está a atravessar um bom momento ao nível económico. Porém, entre os indicadores melhorados, do défice ao emprego, e a sucessiva quebra de recordes, do turismo aos juros da dívida, existem alguns problemas na economia que teimam em não a deixar avançar. Além da precariedade laboral, a produtividade surge como um dos principais entraves ao progresso da economia nacional.
Como refere João Amador, professor na Nova SBE e investigador no Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal (BdP), a nossa produtividade tem tido uma evolução “desfavorável” nos últimos anos, ficando muito abaixo de países como a Alemanha ou mesmo a Espanha. Diz o especialista que não temos avançado a passos mais curtos (desde 2000 até 2016 evoluímos 63% em comparação com os 45% da Alemanha) mas, em 2017, o Eurostat prevê que o país dê um passo atrás: a projeção é do recuo de 0,6% no nível de produtividade, recuo que não é novidade, num percurso pautado por subidas modestas e outras descidas. E frisa que uma baixa produtividade significa que, “para o nível de emprego que a economia portuguesa está a criar, o produto interno cresce pouco”.
Geralmente, a produtividade é calculada apenas dividindo a riqueza produzida pelo número de trabalhadores usado para a conseguir, por ser uma fórmula mais simples. Isto tem desvantagens. Com efeito, “produzir mais é diferente de produzir algo que seja mais valorizado por quem compra“, tornando difícil a comparação entre setores, como assinala Pedro Pita Barros, também professor na Nova SBE.
Os motivos para a baixa produtividade das empresas portuguesas são vários e interligam-se. João Amador fala dum nível baixo de capital por trabalhador, em comparação com outros países mais avançados, assinalando que, “quando um trabalhador não dispõe de maquinaria que incorpore o progresso tecnológico, é natural que a sua capacidade produtiva seja menor”, sendo esta “uma questão estrutural” e que se agravou durante o período de crise, dado o baixo nível de investimento. E Pita Barros sustenta que existem “decisões erradas de investimento em geral”, pois “nem sempre o investimento é realizado nos projetos de maior retorno”. E isto deve-se à “falta de capacidade de gestão” sobretudo nas pequenas e médias empresas e, por vezes, à existência de apoios públicos que poderão servir de almofada a projetos menos promissores.
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Para lá dos problemas de investimento, o mercado de trabalho também causa algum atrito. Por um lado, o baixo nível de escolaridade, sobretudo nas gerações mais velhas, prejudica a qualidade da gestão e pode impedir os colaboradores de adotarem métodos mais avançados de trabalho. Por outro lado, há um elevado peso de contratos a termo, designadamente contratos de curto prazo que induzem a empresa a não investir no trabalhador porque sairá em breve, e o trabalhador a não investir em ser produtivo na empresa porque pensa na cessação do emprego ou no próximo emprego. Não existindo “soluções rápidas e milagrosas”, João Amador crê numa ação concertada e continuada nas diferentes áreas, sendo que “várias pequenas reformas podem ter mais impacto do que uma grande reforma que levanta frequentemente grandes oposições”. E Pedro Pita Barros propõe uma escolha melhor dos projetos em que se investe, sendo os setores transacionáveis (ou seja, os que permitem exportações) a melhor aposta para aproveitar os “escassos recursos financeiros internos. Diz ser urgente a recuperação financeira das empresas, através de um “reforço da solidez do sistema bancário e da sua capacidade de conceder crédito”, enquanto “a capacidade de atrair investimento estrangeiro deve ser encarada como prioritária”. Aconselha nova visão quanto à vida útil dos negócios, pois as empresas “ou crescem por si, ou se juntam a outras, ou desaparecem”, tendo a cultura de “dar mais um jeitinho” tido um impacto negativo. E acrescenta que, entre as paredes que constroem o nosso tecido empresarial, é necessário melhorar a qualidade da gestão, “sobretudo das pequenas e médias empresas”, e manter o nível de investimento na educação.
Por seu turno, Carla Marques, country manager da ManpowerGroup Portugal, diz que, “na atual conjuntura, e mais do que nunca, o crescimento das empresas depende do talento”. De facto, segundo ela, os trabalhadores vão moldando a sua carreira e, simultaneamente, o futuro da organização. Com efeito, “os portugueses são trabalhadores de excelência, e prova disso é o sucesso que alcançam além-fronteiras, sempre que lhes é concedida essa oportunidade”. Ora, o primeiro passo para estimular a produtividade é traçar objetivos claros, associados a um plano de incentivos e de carreira, pois “a produtividade poderá ser afetada se o trabalhador sentir que a empresa não tem planos para o mesmo, e objetivos difusos”.
E a Randstad avança com bons motivos para se ser produtivo. Mariana Canto e Castro, diretora de recursos humanos desta recrutadora em Portugal, garante que “a produtividade aumenta, em qualquer setor, de atividade ou função quando se gosta do local de trabalho e/ou da função que se desempenha. Ora, para que tal suceda, é preciso ambiente de trabalho de equipa, uma comunicação transparente e uma ética presente, bem como o reconhecimento quando as metas são alcançadas e a veiculação duma visão positiva do futuro, de modo a fazer brilhar os olhos dos trabalhadores e os resultados do negócio. Depois, há caraterísticas comuns aos trabalhadores portugueses que podem justificar a boa fama além-fronteiras e que beneficiam a produtividade: a “boa qualidade técnica”; a capacidade de improviso, criatividade e resiliência; a bondade natural; e o “não gostar de ser desconsiderado”. Mas, no geral, o trabalhador português não é orientado para resultados e é emocionalmente frágil, desmotivando-se com facilidade.
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Vistas as razões, porque não se avança? Teríamos ter um Pacto de Estabilidade melhor, com uma economia a diminuir a dívida e o défice e a aumentar o rendimento e o investimento, Não?!
2018.04.15 – Louro de Carvalho


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