O Plano de Estabilidade 2018-2022 apresentado pelo Governo ao Parlamento, no
passado dia 13, traz alguns dados relevantes na ótica dos observadores.
E parece que o Executivo não se esqueceu de ninguém: nem
dos contribuintes, a quem deixou a promessa de baixar o IRS; nem a Esquerda,
que vê um documento com sabor agridoce para o que eram as suas intenções (Centeno tira a folga do défice, maior, mas dá a almofada dos juros, menor); nem, implicitamente, de Marcelo e
Bruxelas, a quem foram deixados recados.
Aos contribuintes o Governo promete baixar o IRS
em 200 milhões de euros. Porém, trata-se de medida que só resultará em 2021, com
a fatura remetida ao próximo Governo. E há, de facto, outra medida para 2021, uma
medida adicional de alívio da carga fiscal em 2021, prometida pelo Ministro das
Finanças, sem especificar detalhes aquando da apresentação do documento.
Na verdade, no documento pode ler-se:
“As medidas de tributação direta
incluem a alteração dos escalões de IRS legislada em 2018 e com efeitos ainda
em 2019, a atualização da derrama de IRC em 2018 e uma nova medida de redução de
IRS em 2021 no montante de 200 milhões de euros”.
Com o presente cenário macroeconómico veio a confirmação
de notícias há tempos veiculadas pela Comunicação Social de que o défice baixará
para 0,7% do PIB em 2018, apesar do incómodo que a nova meta causou junto da
esquerda, sem ainda o documento ser conhecido. E o Governo tem a expectativa de
que, a partir de 2020, se apurem consecutivamente excedentes orçamentais até
2022.
Apesar desta novidade, a carga
fiscal calculada pelo Ministério das Finanças terá uma redução ligeira ao longo
do horizonte do exercício. Este ano, a carga fiscal ficará em 34,5% do
PIB, descendo para 34,4% no ano seguinte, patamar em que se manterá até 2022.
Globalmente, o Programa de Estabilidade fornece
uma visão mais otimista em relação às condições económicas e financeiras
que se antecipavam para o país: a economia vai continuar a crescer acima de 2%
nos próximos cinco anos, período durante o qual o desemprego baixará para
perto de 6% e a dívida pública desce 20 pontos para atingir os 102% do PIB em
2022.
Os partidos à esquerda do PS podem não ter vencido o
braço de ferro com Centeno na meta do défice de 2018, mas tiveram uma certa compensação:
a redução do custo da dívida permitirá uma folga de 74 milhões a utilizar em
investimentos estruturantes.
Há já uma lista de 38 investimentos considerados
prioritários e que se dividem em 13 áreas, sendo a saúde e
as vias de comunicação e transportes as que agregam o
maior número de projetos, com um total de 18. Entre eles, os cinco hospitais já
anunciados: Lisboa Oriental, Central do Alentejo, Seixal, Sintra e Madeira. Nos
transportes, destacam-se as ferrovias corredor sul e corredor norte, a expansão
das redes metropolitanas do Porto e de Lisboa, a Estrada Nacional 125 ou o IP3
Coimbra-Viseu.
Por outro lado, Centeno pronunciou, na conferência de imprensa em que
explicou as linhas do Pacto de Estabilidade, no dia 13, a expressão “sem despesismo, sem austeridade”
– expressão que foi publicada na conta de Twitter do Ministro das Finanças e
serviu para responder à esquerda, que pretendia um défice maior para reforçar investimento
público, e lembrar a Bruxelas e a Marcelo que o Governo se mantém no compromisso
com o equilíbrio das contas públicas. Disse Mário Centeno:
“A nossa escolha é ponderada e
responsável, com vista a um orçamento equilibrado e a um aumento da qualidade
de vida dos nossos cidadãos”.
Porém, nem tudo são rosas. À função pública o documento de Centeno
nega aumentos salariais para os trabalhadores do Estado em 2019. Só há verbas previstas
para pagar o descongelamento das progressões e para fazer recrutamentos. E, interpelado sobre este assunto durante a
apresentação do Programa de Estabilidade, o Ministro evitou responder
diretamente, apenas vincando que “a função pública tem vindo a ter, ao longo de
toda a legislatura, uma atenção muito especial por parte do Governo”.
***
Obviamente que o Pacto de Estabilidade não agrada a
todos. O Bloco de Esquerda foi o primeiro partido a reagir ao
documento e entrou a “pés juntos”, anunciando um projeto de resolução para o
Governo manter a meta do défice de 1,1% este ano, tal como constava do
Orçamento para 2018. Com efeito, como diz Mariana Mortágua, “foi negociado com
um défice de 1,1% e vamos propor que seja mantido esse compromisso”, pelo que
esta voz do descontentamento frisou que o partido vai pedir que “a folga
orçamental existente a partir da meta negociada seja devolvida à sociedade”.
O partido comunista não concorda com o Pacto, mas
refere que é um documento do Governo e que as medidas são analisadas em sede de
discussão do Orçamento do Estado. E o CDS quer propor que o Pacto seja votado
no Parlamento.
Todavia, o Programa de Estabilidade vem acompanhado duma
análise do Conselho das Finanças Públicas que deu parecer favorável às
previsões feitas pela equipa do Ministério das Finanças. Assim, no parecer
da entidade presidida por Teodora Cardoso, pode ler-se:
“As previsões para 2018 apresentadas
[…] afiguram-se como prováveis, quer face aos pressupostos assumidos para este
ano, quer face à conjuntura económica atual e os riscos implícitos”.
***
De acordo com o Programa de Estabilidade 2018-2022,
são quatro as metas gizadas pelo Executivo contra os incêndios: combate,
prevenção, indemnizações e reconstrução – no que se prevê um gasto de 230
milhões de euros em 2018. Recorde-se que, em 2017, um dos piores anos de
incêndios em Portugal, esta despesa totalizou os 60 milhões de euros (valores provisórios).
Como explica o Executivo no Programa de Estabilidade, “as
despesas canalizadas para a prevenção de incêndios têm enquadramento na
cláusula de ocorrências excecionais (unusual events), sendo igualmente excluídas da análise
aquando da avaliação do cumprimento dos objetivos estruturais”. Ou seja, o
cálculo do saldo estrutural não será afetado. A despesa deste ano com os
incêndios será considerada extraordinária (one-off) pela Comissão Europeia.
O investimento público vai crescer 8% em 2019,
em relação a este ano, para quase 5.000 milhões de euros, em resultado do
aumento do seu peso na economia. No último ano da legislatura, o Executivo
espera gastar mais 378 milhões do que em 2018, segundo os números do Ministério
das Finanças.
Centeno espera que o
investimento público, medido através da FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), atinja os 2,3% do
PIB em 2018 (o peso previsto no Orçamento do Estado aprovado em outubro
passado), para passar para 2,4% do PIB em 2019 e 2,6% do PIB
em cada um dos anos seguintes até 2022. São valores percentuais
que representam uma revisão em alta dos previstos há um ano,
quando o Executivo atualizou o Programa de Estabilidade pela última vez. Nessa
altura, o Ministro das Finanças acreditava que a FBCF pesaria 2,1% no PIB este
ano e em cada um dos seguintes (até 2021 – o último ano do horizonte daquela projeção).
As novas previsões representam um crescimento de 378 milhões de
euros no investimento público entre 2018 e 2019 e são já uma primeira
indicação sobre as linhas com que se tecerá o Orçamento do Estado para 2019, o
último da legislatura. Na verdade, a necessidade de reforço do
investimento público tem sido uma das principais exigências da esquerda junto
do Governo. Tanto assim é que o Bloco e o PCP querem que a
folga orçamental seja usada para os serviços públicos em vez de na redução do
défice. E, apesar de Centeno não abdicar do objetivo de continuar na redução do
desequilíbrio das constas públicas, o Governo decidiu, no Programa de
Estabilidade detalhar um conjunto de
investimentos prioritários, avaliados em cerca de 7.000 milhões de euros entre
2018 e 2022, sendo que algumas das obras mencionadas estão
em curso.
***
O Pacto de Estabilidade, com melhorias efetivas – não tanto
como era de desejar – mantém-se na continuidade da política governativa. E o país
está a atravessar um bom momento ao nível económico. Porém, entre os
indicadores melhorados, do défice ao emprego, e a sucessiva quebra de recordes,
do turismo aos juros da dívida, existem alguns problemas na economia que teimam
em não a deixar avançar. Além da precariedade laboral, a produtividade surge como um dos principais entraves ao progresso
da economia nacional.
Como refere João Amador, professor na Nova SBE e
investigador no Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal (BdP), a nossa produtividade tem tido uma evolução “desfavorável” nos
últimos anos, ficando muito abaixo de países como a Alemanha ou mesmo a Espanha.
Diz o especialista que não temos avançado a passos mais curtos (desde
2000 até 2016 evoluímos 63% em comparação com os 45% da Alemanha) mas, em 2017, o Eurostat prevê que o
país dê um passo atrás: a projeção é do recuo de 0,6% no nível de produtividade, recuo que não é
novidade, num percurso pautado por subidas modestas e outras descidas. E frisa
que uma baixa produtividade significa que, “para o nível de emprego que a
economia portuguesa está a criar, o produto interno cresce pouco”.
Geralmente, a produtividade é calculada apenas
dividindo a riqueza produzida pelo número de trabalhadores usado para a
conseguir, por ser uma fórmula mais simples. Isto tem desvantagens. Com efeito,
“produzir mais é diferente de produzir algo que
seja mais valorizado por quem compra“, tornando difícil
a comparação entre setores, como assinala Pedro Pita Barros, também professor
na Nova SBE.
Os motivos para a baixa produtividade das empresas
portuguesas são vários e interligam-se. João Amador fala dum nível baixo de capital por trabalhador, em comparação
com outros países mais avançados, assinalando que, “quando um trabalhador não
dispõe de maquinaria que incorpore o progresso tecnológico, é natural que a sua
capacidade produtiva seja menor”, sendo esta “uma questão estrutural” e que se
agravou durante o período de crise, dado o baixo nível de investimento. E Pita
Barros sustenta que existem “decisões erradas de
investimento em geral”, pois “nem sempre o investimento é realizado nos
projetos de maior retorno”. E isto deve-se à “falta de capacidade de gestão” sobretudo
nas pequenas e médias empresas e, por vezes, à existência de apoios públicos
que poderão servir de almofada a projetos menos promissores.
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Para lá dos problemas de investimento, o mercado de
trabalho também causa algum atrito. Por um lado, o baixo nível de escolaridade, sobretudo nas gerações mais velhas, prejudica a qualidade da gestão e pode impedir os colaboradores de adotarem métodos mais avançados de
trabalho. Por outro lado, há um elevado peso de contratos a termo, designadamente
contratos de curto prazo que induzem a empresa a não investir no
trabalhador porque sairá em breve, e o trabalhador a não investir em ser produtivo
na empresa porque pensa na cessação do emprego ou no próximo emprego. Não
existindo “soluções rápidas e milagrosas”, João Amador crê numa ação concertada
e continuada nas diferentes áreas, sendo que “várias pequenas reformas podem
ter mais impacto do que uma grande reforma que levanta frequentemente
grandes oposições”. E Pedro Pita Barros propõe uma escolha melhor dos projetos
em que se investe, sendo os setores transacionáveis (ou seja, os que permitem exportações) a melhor aposta para aproveitar os “escassos recursos financeiros
internos. Diz ser urgente a recuperação financeira das empresas, através de um
“reforço da solidez do sistema bancário e da sua capacidade de conceder
crédito”, enquanto “a capacidade de atrair investimento
estrangeiro deve ser encarada como prioritária”. Aconselha nova visão quanto
à vida útil dos negócios, pois as empresas “ou crescem por si, ou se juntam a
outras, ou desaparecem”, tendo a cultura de “dar mais um jeitinho” tido um
impacto negativo. E acrescenta que, entre as paredes que constroem o nosso tecido
empresarial, é necessário melhorar a qualidade da gestão,
“sobretudo das pequenas e médias empresas”, e manter o nível de
investimento na educação.
Por seu turno, Carla Marques, country manager da ManpowerGroup Portugal, diz
que, “na atual conjuntura, e mais do que nunca, o crescimento das empresas
depende do talento”. De facto, segundo ela, os trabalhadores vão moldando a sua
carreira e, simultaneamente, o futuro da organização. Com efeito, “os portugueses são trabalhadores de excelência, e
prova disso é o sucesso que alcançam além-fronteiras, sempre que lhes é
concedida essa oportunidade”. Ora, o primeiro passo
para estimular a produtividade é traçar objetivos claros, associados a um plano
de incentivos e de carreira, pois “a produtividade poderá ser
afetada se o trabalhador sentir que a empresa não tem planos para o mesmo, e
objetivos difusos”.
E a Randstad avança com bons motivos para se ser
produtivo. Mariana Canto e Castro, diretora de recursos humanos desta
recrutadora em Portugal, garante que “a produtividade aumenta, em qualquer
setor, de atividade ou função quando se gosta do local de trabalho e/ou da
função que se desempenha”. Ora, para que tal suceda, é
preciso ambiente de trabalho de equipa, uma comunicação transparente e uma
ética presente, bem como o reconhecimento quando as metas são alcançadas e a
veiculação duma visão positiva do futuro, de modo a fazer brilhar os olhos
dos trabalhadores e os resultados do negócio. Depois, há caraterísticas
comuns aos trabalhadores portugueses que podem justificar a boa fama
além-fronteiras e que beneficiam a produtividade: a “boa qualidade técnica”; a
capacidade de improviso, criatividade e resiliência; a bondade natural; e o
“não gostar de ser desconsiderado”. Mas, no geral, o
trabalhador português não é orientado para resultados e é emocionalmente
frágil, desmotivando-se com facilidade.
***
Vistas as razões, porque não se avança? Teríamos ter
um Pacto de Estabilidade melhor, com uma economia a diminuir a dívida e o défice
e a aumentar o rendimento e o investimento, Não?!
2018.04.15 – Louro de Carvalho
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