Veio à
liça, em meados de abril, a questão da duplicação de subsídios de deslocação
aos deputados das Regiões Autónomas. Embora, matéria seja grave, pergunto-me
por que motivo a lebre só agora foi levantada. A perceção pública é a de que a
maioria parlamentar está a passar por crise de subsistência, a direita esquece
que também tem responsabilidades na legislação vigente e vem aí um ano com duas
eleições importantes. Bom para agitação das águas!
O
que vem acontecendo
Com efeito, durante cerca de três anos,
nenhum dos 7 deputados da Madeira e dos Açores que receberam tais subsídios se
questionou sobre a sua justeza. Era absolutamente normal, para eles, receberem
500 euros por semana do Parlamento para poderem efetuar viagem a casa (ainda que não a
efetuassem) e o subsídio à mobilidade extraparlamentar como o pago aos demais residentes
nas regiões autónomas exatamente para o mesmo fim (para os Açores, o
reembolso é acima dos 134 euros, sem teto máximo; para a Madeira, acima dos 90
euros, até um máximo de 400 euros). Na verdade, isto sucede há muitos
anos, mas a razão por que se fala em três anos, é que, em 2015, o subsídio de
viagem deixou de ser processado para as operadoras de transportes para ser pago
diretamente aos deputados em causa.
Sendo assim, apenas eventualmente se
alterou uma coisa: os deputados passaram a receber aquele apoio
independentemente da existência ou não das viagens. Resta saber se dantes, no
regime de avença às operadoras, a Assembleia da República (AR) lhes exigia
qualquer comprovativo da efetuação das viagens por parte dos respetivos
deputados. É que, se não era exigido tal comprovativo, só mudaram em 2015 os
beneficiários do apoio: os deputados em vez das operadoras. O Estado, habituado
a perder sempre, perdia na mesma.
***
O que diz a Lei em termos genéricos
Nos termos do n.º 3 do art.º 15.º do Estatuto do Deputado, os deputados têm
direito, entre outros a Livre-trânsito, considerado como livre circulação
em locais públicos de acesso condicionado, mediante exibição do cartão de
Deputado; Passaporte diplomático por
legislatura, renovado em cada sessão legislativa; Cartão de Deputado (cujo modelo e emissão são fixados por despacho do Presidente da
Assembleia da República);
Remunerações e subsídios que a lei
prescrever; Proteção à maternidade e à
paternidade; Uso e porte de arma;
e Prioridade nas reservas de passagem nas
empresas públicas de navegação aérea durante o funcionamento efetivo da
Assembleia ou por motivos relacionados com o desempenho do seu mandato.
E, nos termos do art.º 16.º (deslocações), os deputados, no exercício das funções ou por causa delas, têm direito a
subsídios de transporte e ajudas de custo correspondentes, sendo os princípios
gerais a que obedecem fixados por deliberação da AR. Quando em missão oficial
ao estrangeiro, os deputados terão direito a um seguro de vida, de valor a
fixar pelo Conselho de Administração da AR, a qual também poderá estabelecer,
mediante parecer favorável do Conselho de Administração, um seguro que cubra os
riscos de deslocação dos deputados no País ou os decorrentes de missões ao
estrangeiro. Por outro lado, a AR assume os encargos de assistência médica de
emergência aos Deputados, quando em viagem oficial ou considerada de interesse
parlamentar pela Conferência de Líderes.
Porém, importa analisar mais em detalhe o estatuto
remuneratório dos nossos deputados.
***
Estatuto remuneratório dos deputados
O regime
jurídico aplicável é, segundo o site do
Parlamento, o seguinte:
Estatuto
remuneratório dos titulares de cargos políticos – Lei n.º 4/85, de 9 de abril (retificada
pela declaração de 28 de junho de 1985), alterada
pelas Leis n.º 16/87, de 1 de junho, n.º 102/88, de 25 de agosto, n.º 26/95, de
18 de agosto, n.º 3/2001, de 23 de fevereiro, e n.º 52-A/2005, de 10 de
outubro; Estatuto dos Deputados – Lei n.º 7/93, de 1 de março, alterada
pelas Leis n.os 24/95, de 18 de agosto, 55/98, de 18 de agosto, 8/99,
de 10 de fevereiro, 45/99, de 16 de junho, 3/2001, de 23 de fevereiro (Declaração
de Retificação n.º 9/2001, de 13 de março), 24/2003,
de 4 de julho, 52-A/2005, de 10 de outubro, 43/2007, de 24 de agosto, 44/2006,
de 25 de agosto, 45/2006, de 25 de agosto, e n.º 16/2009, de 1 de abril; Regimento
da Assembleia da República n.º 1/2007 – publicado em Diário da
República, 1.ª série n.º 159, de 20 de agosto (Declaração
de Retificação n.º 96-A/2007, publicada no DR, n.º 202, 1.ª Série
de 19 de outubro de 2007), com as
alterações introduzidas pelo Regimento da Assembleia da República n.º 1/2010,
de 14 de outubro; e Princípios gerais de atribuição de transporte e alojamento e de ajudas
de custo – Resolução da Assembleia da República n.º
57/2004, de 6 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Resoluções da
Assembleia da República n.os 12/2007, de 20 de março, 101/2009, de
26 de novembro, e 60/2010, de 6 de julho, e 164/2011, de 29 de dezembro.
***
As
remunerações para o ano de 2018 – vencimentos mensais e despesas de
representação mensais, consagradas em Lei são as seguintes:
Valores
estabelecidos nos art.os 7.º e 16.º da Lei n.º 4/85, de 9 de abril,
que define o Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, com
as retificações introduzidas pela declaração de 28 de junho de 1985 e as
alterações introduzidas pelas Leis n.os 16/87, de 1 de junho, 102/88,
de 25 de agosto, 26/95, de 18 de agosto, 3/2001, de 23 de fevereiro e 52-A/2005,
de 10 de outubro:
Cargo
|
Vencimento ilíquido
|
Despesas de representação
|
Remuneração ilíquida
|
Presidente
da AR
Vice-Presidente
da AR
Membro do
CA
Presidente
de Grupo Parlamentar
Secretário
da Mesa da AR
Presidente
de Comissão Parlamentar
Vice-Presidente
de Grupo Parlamentar (com um mínimo de 20 deputados)
Vice-Secretário
da Mesa da AR
Deputado (em regime de
exclusividade)
Deputado
|
5.799,05
3.624,41
3.624,41
3.624,41
3.624,41
3.624,41
3.624,41
3.624,41
3.624,41
3.624,41
|
2,370,07
925,81
925,81
760,65
760,65
555,49
555,49
555,49
370,32
0,00
|
8.169,12
4.550,22
4.550,22
4.365,06
4.365,06
4.179,90
4.179,90
4.179,90
3.994,73
3.624,41
|
Outros
abonos e direitos:
Durante o
funcionamento do plenário e/ou e comissões: deputados residentes fora dos concelhos de Lisboa,
Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro,
Amadora e Odivelas – 69,19 €/dia, a título de ajuda de custo em cada dia
de presença em trabalhos parlamentares; deputados que residentes nos concelhos
de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada,
Seixal, Barreiro, Amadora e Odivelas – 23,05 €/dia, a título de ajuda de custo
em cada dia de presença em trabalhos parlamentares; deputados residentes em
círculo diferente daquele por que foram eleitos para deslocação ao círculo
eleitoral – 69,19 €/dia, até dois dias por semana, nas deslocações que, para o
exercício das suas funções, efetuem ao círculo por onde foram eleitos, durante
o funcionamento efetivo da AR; deputados residentes no seu círculo eleitoral e
dentro dos concelhos de Cascais, Barreiro, Vila Franca de Xira, Sintra, Loures,
Oeiras, Seixal, Amadora, Almada e Lisboa – 0,36 €/km, em cada dia de
presença em trabalhos parlamentares; deputados residentes no seu círculo
eleitoral, mas fora dos concelhos de Cascais, Barreiro, Vila Franca de Xira,
Sintra, Loures, Oeiras, Seixal, Amadora, Almada e Lisboa – 0,36 €/km – uma
viagem semanal de ida e volta entre a residência e a AR, condicionada à
presença em trabalho parlamentar na respetiva semana; deputados residentes fora
do seu círculo eleitoral, mas dentro dos concelhos de Cascais, Barreiro, Vila
Franca de Xira, Sintra, Loures, Oeiras, Seixal, Amadora, Almada e Lisboa – 0,36
€/km, em cada dia de presença em trabalhos parlamentares; deputados
residentes fora do seu círculo eleitoral e fora dos concelhos de Cascais,
Barreiro, Vila Franca de Xira, Sintra, Loures, Oeiras, Seixal, Amadora, Almada
e Lisboa – 0,36 €/km - uma viagem semanal de ida e volta entre a residência e a
AR, condicionada à presença em trabalho parlamentar na respetiva semana,
acrescido de duas viagens mensais de ida e volta entre a capital do distrito do
círculo eleitoral de origem e a residência; deputados residentes nas Regiões
Autónomas – o montante de uma viagem de avião de ida e volta na classe
económica por semana, entre o aeroporto da residência e Lisboa, acrescido da
importância da deslocação entre aquele aeroporto e a residência; deputados
eleitos pelos círculos da emigração da Europa residentes no respetivo círculo
eleitoral – uma viagem de avião de ida e volta na classe económica por semana e
cuja duração não seja superior a três horas e trinta minutos, entre o aeroporto
da cidade de residência e Lisboa, acrescida da importância da deslocação entre aquele
aeroporto e a residência; deputados eleitos pelos círculos da emigração de fora
da Europa residentes no respetivo círculo eleitoral – duas viagens mensais de
ida e volta, em avião, na classe económica e cuja duração não seja superior a
três horas e trinta minutos entre o aeroporto da cidade de residência e Lisboa,
acrescidas da importância da deslocação entre aquele aeroporto e a
residência.
Deslocações
em trabalho político no círculo eleitoral: deputados residentes fora do seu círculo eleitoral e eleitos pelos círculos
eleitorais do Continente – 0,36 €/km – valor semanal correspondente ao dobro da
média de quilómetros verificada entre a capital do distrito e as respetivas
sedes de concelho; deputados residentes nas Regiões Autónomas – valor semanal
resultante do quociente da divisão do valor médio das tarifas aéreas interilhas
por 0,36 €.
Deslocações
em trabalho político: a) Em território
nacional – 376,32€/mês; b) Nos círculos de emigração, Europa – 5.411,36 €/ano;
Fora da Europa – 12.897,49 €/ano
Deslocações
de deputados no país em representação da AR – 69,19 €/dia por ajudas de custo.
Deslocações
de deputados ao estrangeiro em representação oficial – 100,24 €/dia a título de ajudas de custo.
Direito a
viatura oficial – Presidente
da AR; Vice-Presidentes da AR; deputados que tenham exercido as funções de
Presidente da AR; Presidente do Conselho de Administração e Gabinete dos Secretários
da Mesa. Porém, devem manifestar expressamente a sua opção entre o abono para
despesas de transporte dentro do território continental da República ou a
utilização da referida viatura. Esta opção valerá também para as outras
deslocações dentro do território continental da República em representação da AR,
a menos que outra decisão seja comunicada para essa deslocação, conforme o
disposto nas alíneas a), d) e e) do n.º 8 do artigo 1.º da Resolução da
Assembleia da República n.º 57/2004, de 6 de agosto.
Comunicações. No exercício das suas funções, os deputados têm
direito a utilizar gratuitamente computadores portáteis, PDAs, acesso à
internet móvel (GPRS/3G), serviços
postais e sistemas de telecomunicações, bem como à utilização da rede
informática parlamentar e de outras redes eletrónicas de informação, sendo
também assegurada a utilização pelos deputados de linhas verdes, sistemas
automatizados de informação e outras formas de divulgação das suas atividades
parlamentares e de contacto com os eleitores, a nível central e nos círculos
eleitorais.
Seguro de
vida. É
garantido a todos os deputados um seguro de vida.
Cuidados de
saúde. A AR
dispõe de um Gabinete Médico e de Enfermagem, ao qual compete prestar cuidados
médicos e de enfermagem gerais ou de emergência aos deputados e pessoal da AR.
Assim, no decorrer das sessões plenárias, há um médico em permanência no
Gabinete. Nos restantes dias, os médicos prestam consultas em horários
específicos e a prestação de cuidados de enfermagem é assegurada todos os dias
durante as horas de expediente.
Mais, o
Parlamento dispõe, também, de um seguro de grupo para todos os deputados, que
inclui um seguro de saúde.
Os deputados
beneficiam, ainda, do regime geral da Segurança Social, aplicável a todos os
trabalhadores em Portugal (o que inclui proteção em caso de doença,
maternidade/paternidade, desemprego, doenças profissionais, invalidez, velhice
e morte).
Pensões.
No atinente a pensões, os deputados encontram-se abrangidos pelo regime geral
podendo, contudo, optar por manter qualquer outro regime de proteção social a
que tenham direito, devido à especificidade da sua atividade profissional. Além
disso, nos termos da Lei n.º 4/85, de 9 de abril de 1985, até outubro de 2005,
os deputados tinham direito a uma subvenção mensal vitalícia a partir do
momento em que cessavam as funções de deputado, desde que tivessem desempenhado
essas funções pelo menos durante doze anos (o equivalente a três legislaturas).
Este regime foi revogado pela Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro de 2005, mas
encontra-se em vigor para os deputados que, no momento da sua revogação, já
tinham conquistado o direito de beneficiar de tal regime.
***
Reações e apreciação
As reações da opinião pública são
geralmente de indignação e confirmação de descrença nos políticos. Deputados
visados reagiram pelo silêncio, demissão, promessa de reembolso à Ar e declarações.
As declarações do açoriano Presidente do PS e líder da sua bancada parlamentar
assentam no facto de não ter infringido a lei nem qualquer quadro ético. E o
Presidente da AR em comunicado cobriu tais declarações e entendeu as críticas
como ataque de caráter aos políticos e, no seu discurso evocativo do 25 de
Abril, declarou:
“São desejáveis as críticas e até admissíveis
os ataques políticos ao Parlamento e aos Deputados. Não são aceitáveis ataques
de caráter, qualquer que seja o alvo. De qualquer Grupo Parlamentar ou Partido
Político.”.
Entretanto, já pediu à Comissão de Ética
que se debruçasse sobre o tema – o que devia ter feito de imediato, em vez das
declarações em que deu cobertura às de Carlos César – tendo o presidente da
Comissão de Ética, Luís Marques Guedes, já prometido levar o assunto à Comissão
e o PSD ter garantido a disponibilidade para o estudo e a eventual revisão da
matéria.
Obviamente, porque a lei não é clara,
suscita várias interpretações, pelo que não se pode falar propriamente em
incumprimento (“odia restringenda”). Porém, o argumento de que sempre assim foi não
colhe. E o quadro ético está beliscado pela prática e pela própria lei.
Como é fácil de ver, o quadro
remuneratório e subsidial dos deputados é uma floresta, que se explica pela
falta de coragem política de arriscar um vencimento consentâneo com as funções
do deputado, embora tendo em conta o espectro dos salários no país. Outra razão
é a indexação ao vencimento do Presidente da República em termos percentuais (50%).
Perante a indefinição existente na lei, as
zonas cinzentas são usadas sempre em proveito dos “infratores”. Receber por
dois carrinhos pode ser legalmente permitido, mas não deixa de ser eticamente
contraindicado.
E é surpreendente que o Presidente da
AR, a segunda figura do Estado, se tenha apressado a esgrimir a espada da inocência
sublime para ilibar os deputados, garantindo que “não cometeram nenhuma ilegalidade, tendo beneficiado dos abonos e
subsídios que sempre existiram, sem polémicas ou julgamentos de caráter”.
Uma linha de raciocínio bem pobre. Um erro não fica desfeito ou atenuado por
ser muitas vezes repetido. Quanto a caráter, diga-se que representantes do povo
ou mesmo quaisquer cidadãos que recebem dinheiro público para compra de viagens
já pagas têm, nesse campo, pouca defesa. Isto para não falar de indicação falsa
de morada, para se mudar o quadro de subsídios a perceber.
Rodrigues, precipitando-se na defesa pública
dos deputados, em vez de prometer solicitar os devidos esclarecimentos (e fazê-lo), logrou que esta
mancha intempestivamente lançada sobre AR se espalhe com mais rapidez junto dos
que (por
tudo e por nada) metem os políticos todos no mesmo saco. Ao querer dar
lição de ética aos populistas, estribou-lhes o discurso.
A ética, entendida no âmbito do termo
grego Êthos (morada, estância…), é o próprio
ser humano, o sujeito dos atos que pratica e que, pela sua iteração e
consolidação, em articulação e interação com os demais, transforma em costume.
Por isso, em certa medida, se identifica a ética com o caráter e a sua
formação, pelo que esta será a ciência do homem enquanto sujeito de atos e
hábitos. Porém, entendendo-a no quadro do termo grego Éthos (uso, costume…) ela terá como objeto o estudo dos atos
que se podem tornar usos e costumes, aspirando à criação de bons atos humanos e
à implantação de costumes irrepreensíveis. Como ciência pragmática implica o
conhecimento da boa ordem que leva o homem a agir livremente, ou seja, é a
ciência diretiva dos atos humanos enquanto ordenados para o fim último do homem
e da sociedade em que se insere e em que interage, guiado pela razão – tendo,
por objeto direto, os atos humanos e, por objeto indireto, tudo quanto se
relacione com os atos humanos.
O comportamento ético e seu olhar
implicam, em suma, quatro valores axiais: liberdade,
justiça, imparcialidade e solidariedade.
Aplicado a deputados, diga-se que nenhum foi obrigado a aceitar a candidatura e
pode renunciar a todo o momento, deve ter e/ou exigir a oportunidade de, ser
ouvido, intervir e pugnar pelas liberdades de todos e de cada um. Deve estudar bem
as matérias, apreciar com a devida medida as opiniões alheias e ler os factos,
primar pela seriedade e honestidade e querer para os demais o que pretende para
si no âmbito da satisfação das necessidades, exercício dos direitos,
cumprimento dos deveres, prémio do mérito e do trabalho. Deve pautar o
pensamento, discurso e ação pelo interesse público, sem visar ou lesar
injustamente este ou aquele interesse, aceitar a pluralidade de opiniões,
discursos e ações. E deve primar cooperação e pela atenção e ajuda aos outros,
em especial aos que mais precisam de integração política, social, cultural e
económica.
Mas o
défice de ética pode estar na lei. A lei é a ordenação da razão para o bem
comum da sociedade, efetuada e promulgada por quem tem o cuidado da mesma
sociedade. Ora, para constituir uma eficiente ordenação da razão para o bem, a
lei tem de ser justa; e a sua justiça desdobra-se em honestidade, utilidade e possibilidade. Com efeito, no quadro da possibilidade, ninguém pode ser obrigado
ao impossível, ou seja, ao que é inatingível ou ao que é atingível só com
excessiva dificuldade e incómodo; no quadro da utilidade, a matéria da lei deve ser idónea para o fim em vista – a
vida em sociedade com paz, dignidade, ordem e progresso; e, no quadro da honestidade, a lei, pela negativa, nada
deve conter contra os valores universais ou contra os da comunidade a que se
dirige – por isso, é que algumas leis-quadro obrigam a auscultação prévia do destinatário
– e, pela positiva, deve observar a justiça distributiva, respeitando a
equidade de proporção na distribuição dos bens e dos encargos, beneficiando e
aliviando ao máximo os pobres e onerando na justa medida os mais abastados, não
permitindo subterfúgios e chico-espertismos. Enfim, a lei deve promover a
justiça social. A lei, que deve ser ética, não esgota a ética, define o mínimo
de ética a assumir por toda a coletividade ou pelas coletividades.
A ética
republicana não serve de desculpa, porque república
(res
publica), no sentido
originário, é a causa pública, para qual
todos devem convergir e cooperar segundo a sua condição e na qual todos têm,
lugar, dignidade, direitos e deveres – em suma, a igualdade fundamental.
Por
outro lado, a lei, pelo seu caráter abstrato, não pode ser feita para
beneficiar este ou aquele em detrimento dos outros nem para tramar alguém
devido a opinião, caráter ou atividade. Mas tem de prever a punição adequada do
crime, contraordenação, infração e prevenir e corrigir os desvios ou os abusos.
Quanto a
deputados, o estatuto remuneratório deve ser muito mais simplificado, o que
passa por mexer no próprio estatuto do deputado. Do meu ponto de vista, os
deputados à AR devem residir em Lisboa para o exercício das suas funções,
devendo o Estado criar-lhes condições económicas e sociais para tal. As
deslocações em trabalho político ao respetivo círculo eleitoral, em princípio,
não deveriam colidir com a agenda do Plenário ou das Comissões que o deputado
integra, como não deveria ser dispensado das sessões em que haja votação
genérica e específica ou final de matérias relevantes. O vencimento do deputado
(definido
claramente para deputado em regime de exclusividade e para deputado não em
regime de exclusividade)
deve ser colocado numa tabela intermédia entre o do PR e o dos demais titulares
de cargos políticos, mas não indexado em termos percentuais sempre a diminuir.
Não se justifica o pagamento de senhas de presença em sessões; e as deslocações
e ajudas de custo para trabalho político fora da AR e os subsídios para visita
à família têm de ser planeados e comprovados e não podem acumular com outras
benesses. Ademais, só deputado com função especial de representação (presidente
e vice-presidentes da AR)
é que deveria ter direito a pagamento por tais despesas. Outras funções seriam exercidas
em regime de rotatividade sem aumento de salário. Se não, é de perguntar o que
faz o deputado.
Talvez
assim a AR ganhasse mais prestígio e simpatia.
2018.04.27 – Louro
de Carvalho
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