sábado, 28 de abril de 2018

Percebo não ter havido ilegalidade, mas não ter infringido ética, não


Veio à liça, em meados de abril, a questão da duplicação de subsídios de deslocação aos deputados das Regiões Autónomas. Embora, matéria seja grave, pergunto-me por que motivo a lebre só agora foi levantada. A perceção pública é a de que a maioria parlamentar está a passar por crise de subsistência, a direita esquece que também tem responsabilidades na legislação vigente e vem aí um ano com duas eleições importantes. Bom para agitação das águas!

O que vem acontecendo
Com efeito, durante cerca de três anos, nenhum dos 7 deputados da Madeira e dos Açores que receberam tais subsídios se questionou sobre a sua justeza. Era absolutamente normal, para eles, receberem 500 euros por semana do Parlamento para poderem efetuar viagem a casa (ainda que não a efetuassem) e o subsídio à mobilidade extraparlamentar como o pago aos demais residentes nas regiões autónomas exatamente para o mesmo fim (para os Açores, o reembolso é acima dos 134 euros, sem teto máximo; para a Madeira, acima dos 90 euros, até um máximo de 400 euros). Na verdade, isto sucede há muitos anos, mas a razão por que se fala em três anos, é que, em 2015, o subsídio de viagem deixou de ser processado para as operadoras de transportes para ser pago diretamente aos deputados em causa.
Sendo assim, apenas eventualmente se alterou uma coisa: os deputados passaram a receber aquele apoio independentemente da existência ou não das viagens. Resta saber se dantes, no regime de avença às operadoras, a Assembleia da República (AR) lhes exigia qualquer comprovativo da efetuação das viagens por parte dos respetivos deputados. É que, se não era exigido tal comprovativo, só mudaram em 2015 os beneficiários do apoio: os deputados em vez das operadoras. O Estado, habituado a perder sempre, perdia na mesma.
***
O que diz a Lei em termos genéricos
Nos termos do n.º 3 do art.º 15.º do Estatuto do Deputado, os deputados têm direito, entre outros a Livre-trânsito, considerado como livre circulação em locais públicos de acesso condicionado, mediante exibição do cartão de Deputado; Passaporte diplomático por legislatura, renovado em cada sessão legislativa; Cartão de Deputado (cujo modelo e emissão são fixados por despacho do Presidente da Assembleia da República); Remunerações e subsídios que a lei prescrever; Proteção à maternidade e à paternidade; Uso e porte de arma; e Prioridade nas reservas de passagem nas empresas públicas de navegação aérea durante o funcionamento efetivo da Assembleia ou por motivos relacionados com o desempenho do seu mandato.
E, nos termos do art.º 16.º (deslocações), os deputados, no exercício das funções ou por causa delas, têm direito a subsídios de transporte e ajudas de custo correspondentes, sendo os princípios gerais a que obedecem fixados por deliberação da AR. Quando em missão oficial ao estrangeiro, os deputados terão direito a um seguro de vida, de valor a fixar pelo Conselho de Administração da AR, a qual também poderá estabelecer, mediante parecer favorável do Conselho de Administração, um seguro que cubra os riscos de deslocação dos deputados no País ou os decorrentes de missões ao estrangeiro. Por outro lado, a AR assume os encargos de assistência médica de emergência aos Deputados, quando em viagem oficial ou considerada de interesse parlamentar pela Conferência de Líderes.
Porém, importa analisar mais em detalhe o estatuto remuneratório dos nossos deputados.
***
Estatuto remuneratório dos deputados
O regime jurídico aplicável é, segundo o site do Parlamento, o seguinte:
Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos – Lei n.º 4/85, de 9 de abril (retificada pela declaração de 28 de junho de 1985), alterada pelas Leis n.º 16/87, de 1 de junho, n.º 102/88, de 25 de agosto, n.º 26/95, de 18 de agosto, n.º 3/2001, de 23 de fevereiro, e n.º 52-A/2005, de 10 de outubro; Estatuto dos Deputados – Lei n.º 7/93, de 1 de março, alterada pelas Leis n.os 24/95, de 18 de agosto, 55/98, de 18 de agosto, 8/99, de 10 de fevereiro, 45/99, de 16 de junho, 3/2001, de 23 de fevereiro (Declaração de Retificação n.º 9/2001, de 13 de março), 24/2003, de 4 de julho, 52-A/2005, de 10 de outubro, 43/2007, de 24 de agosto, 44/2006, de 25 de agosto,  45/2006, de 25 de agosto, e n.º 16/2009, de 1 de abril; Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007 – publicado em Diário da República, 1.ª série n.º 159, de 20 de agosto (Declaração de Retificação n.º 96-A/2007, publicada no DR, n.º 202, 1.ª Série de 19 de outubro de 2007), com as alterações introduzidas pelo Regimento da Assembleia da República n.º 1/2010, de 14 de outubro; e Princípios gerais de atribuição de transporte e alojamento e de ajudas de custo – Resolução da Assembleia da República n.º 57/2004, de 6 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Resoluções da Assembleia da República n.os 12/2007, de 20 de março, 101/2009, de 26 de novembro, e 60/2010, de 6 de julho, e 164/2011, de 29 de dezembro.
***
As remunerações para o ano de 2018 – vencimentos mensais e despesas de representação mensais, consagradas em Lei são as seguintes: 
Valores estabelecidos nos art.os 7.º e 16.º da Lei n.º 4/85, de 9 de abril, que define o Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, com as retificações introduzidas pela declaração de 28 de junho de 1985 e as alterações introduzidas pelas Leis n.os 16/87, de 1 de junho, 102/88, de 25 de agosto, 26/95, de 18 de agosto, 3/2001, de 23 de fevereiro e 52-A/2005, de 10 de outubro:
Cargo
Vencimento ilíquido
Despesas de representação
Remuneração ilíquida
Presidente da AR
Vice-Presidente da AR
Membro do CA
Presidente de Grupo Parlamentar
Secretário da Mesa da AR
Presidente de Comissão Parlamentar
Vice-Presidente de Grupo Parlamentar (com um mínimo de 20 deputados)
Vice-Secretário da Mesa da AR
Deputado (em regime de exclusividade)
Deputado
5.799,05
3.624,41
3.624,41
3.624,41
3.624,41
3.624,41

3.624,41
3.624,41
3.624,41
3.624,41
2,370,07
925,81
925,81
760,65
760,65
555,49

555,49
555,49
370,32
0,00
8.169,12
4.550,22
4.550,22
4.365,06
4.365,06
4.179,90

4.179,90
4.179,90
3.994,73
3.624,41

Outros abonos e direitos:
Durante o funcionamento do plenário e/ou e comissões: deputados residentes fora dos concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro, Amadora e Odivelas – 69,19 €/dia,  a título de ajuda de custo em cada dia de presença em trabalhos parlamentares; deputados que residentes nos concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro, Amadora e Odivelas – 23,05 €/dia, a título de ajuda de custo em cada dia de presença em trabalhos parlamentares; deputados residentes em círculo diferente daquele por que foram eleitos para deslocação ao círculo eleitoral – 69,19 €/dia, até dois dias por semana, nas deslocações que, para o exercício das suas funções, efetuem ao círculo por onde foram eleitos, durante o funcionamento efetivo da AR; deputados residentes no seu círculo eleitoral e dentro dos concelhos de Cascais, Barreiro, Vila Franca de Xira, Sintra, Loures, Oeiras, Seixal, Amadora, Almada e Lisboa – 0,36 €/km, em cada dia de presença em trabalhos parlamentares; deputados residentes no seu círculo eleitoral, mas fora dos concelhos de Cascais, Barreiro, Vila Franca de Xira, Sintra, Loures, Oeiras, Seixal, Amadora, Almada e Lisboa – 0,36 €/km – uma viagem semanal de ida e volta entre a residência e a AR, condicionada à presença em trabalho parlamentar na respetiva semana; deputados residentes fora do seu círculo eleitoral, mas dentro dos concelhos de Cascais, Barreiro, Vila Franca de Xira, Sintra, Loures, Oeiras, Seixal, Amadora, Almada e Lisboa – 0,36 €/km,  em cada dia de presença em trabalhos parlamentares; deputados residentes fora do seu círculo eleitoral e fora dos concelhos de Cascais, Barreiro, Vila Franca de Xira, Sintra, Loures, Oeiras, Seixal, Amadora, Almada e Lisboa – 0,36 €/km - uma viagem semanal de ida e volta entre a residência e a AR, condicionada à presença em trabalho parlamentar na respetiva semana, acrescido de duas viagens mensais de ida e volta entre a capital do distrito do círculo eleitoral de origem e a residência; deputados residentes nas Regiões Autónomas – o montante de uma viagem de avião de ida e volta na classe económica por semana, entre o aeroporto da residência e Lisboa, acrescido da importância da deslocação entre aquele aeroporto e a residência; deputados eleitos pelos círculos da emigração da Europa residentes no respetivo círculo eleitoral – uma viagem de avião de ida e volta na classe económica por semana e cuja duração não seja superior a três horas e trinta minutos, entre o aeroporto da cidade de residência e Lisboa, acrescida da importância da deslocação entre aquele aeroporto e a residência; deputados eleitos pelos círculos da emigração de fora da Europa residentes no respetivo círculo eleitoral – duas viagens mensais de ida e volta, em avião, na classe económica e cuja duração não seja superior a três horas e trinta minutos entre o aeroporto da cidade de residência e Lisboa, acrescidas da importância da deslocação entre aquele  aeroporto e a residência.
Deslocações em trabalho político no círculo eleitoral: deputados residentes fora do seu círculo eleitoral e eleitos pelos círculos eleitorais do Continente – 0,36 €/km – valor semanal correspondente ao dobro da média de quilómetros verificada entre a capital do distrito e as respetivas sedes de concelho; deputados residentes nas Regiões Autónomas – valor semanal resultante do quociente da divisão do valor médio das tarifas aéreas interilhas por 0,36 €.
Deslocações em trabalho político: a) Em território nacional – 376,32€/mês; b) Nos círculos de emigração, Europa – 5.411,36 €/ano; Fora da Europa – 12.897,49 €/ano
Deslocações de deputados no país em representação da AR – 69,19 €/dia por ajudas de custo.
Deslocações de deputados ao estrangeiro em representação oficial – 100,24 €/dia a título de ajudas de custo.
Direito a viatura oficial – Presidente da AR; Vice-Presidentes da AR; deputados que tenham exercido as funções de Presidente da AR; Presidente do Conselho de Administração e Gabinete dos Secretários da Mesa. Porém, devem manifestar expressamente a sua opção entre o abono para despesas de transporte dentro do território continental da República ou a utilização da referida viatura. Esta opção valerá também para as outras deslocações dentro do território continental da República em representação da AR, a menos que outra decisão seja comunicada para essa deslocação, conforme o disposto nas alíneas a), d) e e) do n.º 8 do artigo 1.º da Resolução da Assembleia da República n.º 57/2004, de 6 de agosto.
Comunicações. No exercício das suas funções, os deputados têm direito a utilizar gratuitamente computadores portáteis, PDAs, acesso à internet móvel (GPRS/3G), serviços postais e sistemas de telecomunicações, bem como à utilização da rede informática parlamentar e de outras redes eletrónicas de informação, sendo também assegurada a utilização pelos deputados de linhas verdes, sistemas automatizados de informação e outras formas de divulgação das suas atividades parlamentares e de contacto com os eleitores, a nível central e nos círculos eleitorais.
Seguro de vida. É garantido a todos os deputados um seguro de vida.
Cuidados de saúde. A AR dispõe de um Gabinete Médico e de Enfermagem, ao qual compete prestar cuidados médicos e de enfermagem gerais ou de emergência aos deputados e pessoal da AR. Assim, no decorrer das sessões plenárias, há um médico em permanência no Gabinete. Nos restantes dias, os médicos prestam consultas em horários específicos e a prestação de cuidados de enfermagem é assegurada todos os dias durante as horas de expediente.
Mais, o Parlamento dispõe, também, de um seguro de grupo para todos os deputados, que inclui um seguro de saúde.
Os deputados beneficiam, ainda, do regime geral da Segurança Social, aplicável a todos os trabalhadores em Portugal (o que inclui proteção em caso de doença, maternidade/paternidade, desemprego, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte).
Pensões. No atinente a pensões, os deputados encontram-se abrangidos pelo regime geral podendo, contudo, optar por manter qualquer outro regime de proteção social a que tenham direito, devido à especificidade da sua atividade profissional. Além disso, nos termos da Lei n.º 4/85, de 9 de abril de 1985, até outubro de 2005, os deputados tinham direito a uma subvenção mensal vitalícia a partir do momento em que cessavam as funções de deputado, desde que tivessem desempenhado essas funções pelo menos durante doze anos (o equivalente a três legislaturas). Este regime foi revogado pela Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro de 2005, mas encontra-se em vigor para os deputados que, no momento da sua revogação, já tinham conquistado o direito de beneficiar de tal regime.
***

Reações e apreciação
As reações da opinião pública são geralmente de indignação e confirmação de descrença nos políticos. Deputados visados reagiram pelo silêncio, demissão, promessa de reembolso à Ar e declarações. As declarações do açoriano Presidente do PS e líder da sua bancada parlamentar assentam no facto de não ter infringido a lei nem qualquer quadro ético. E o Presidente da AR em comunicado cobriu tais declarações e entendeu as críticas como ataque de caráter aos políticos e, no seu discurso evocativo do 25 de Abril, declarou:
São desejáveis as críticas e até admissíveis os ataques políticos ao Parlamento e aos Deputados. Não são aceitáveis ataques de caráter, qualquer que seja o alvo. De qualquer Grupo Parlamentar ou Partido Político.”.
Entretanto, já pediu à Comissão de Ética que se debruçasse sobre o tema – o que devia ter feito de imediato, em vez das declarações em que deu cobertura às de Carlos César – tendo o presidente da Comissão de Ética, Luís Marques Guedes, já prometido levar o assunto à Comissão e o PSD ter garantido a disponibilidade para o estudo e a eventual revisão da matéria. 
Obviamente, porque a lei não é clara, suscita várias interpretações, pelo que não se pode falar propriamente em incumprimento (“odia restringenda”). Porém, o argumento de que sempre assim foi não colhe. E o quadro ético está beliscado pela prática e pela própria lei.
Como é fácil de ver, o quadro remuneratório e subsidial dos deputados é uma floresta, que se explica pela falta de coragem política de arriscar um vencimento consentâneo com as funções do deputado, embora tendo em conta o espectro dos salários no país. Outra razão é a indexação ao vencimento do Presidente da República em termos percentuais (50%).
Perante a indefinição existente na lei, as zonas cinzentas são usadas sempre em proveito dos “infratores”. Receber por dois carrinhos pode ser legalmente permitido, mas não deixa de ser eticamente contraindicado.
E é surpreendente que o Presidente da AR, a segunda figura do Estado, se tenha apressado a esgrimir a espada da inocência sublime para ilibar os deputados, garantindo que “não cometeram nenhuma ilegalidade, tendo beneficiado dos abonos e subsídios que sempre existiram, sem polémicas ou julgamentos de caráter”. Uma linha de raciocínio bem pobre. Um erro não fica desfeito ou atenuado por ser muitas vezes repetido. Quanto a caráter, diga-se que representantes do povo ou mesmo quaisquer cidadãos que recebem dinheiro público para compra de viagens já pagas têm, nesse campo, pouca defesa. Isto para não falar de indicação falsa de morada, para se mudar o quadro de subsídios a perceber.
Rodrigues, precipitando-se na defesa pública dos deputados, em vez de prometer solicitar os devidos esclarecimentos (e fazê-lo), logrou que esta mancha intempestivamente lançada sobre AR se espalhe com mais rapidez junto dos que (por tudo e por nada) metem os políticos todos no mesmo saco. Ao querer dar lição de ética aos populistas, estribou-lhes o discurso.
A ética, entendida no âmbito do termo grego Êthos (morada, estância…), é o próprio ser humano, o sujeito dos atos que pratica e que, pela sua iteração e consolidação, em articulação e interação com os demais, transforma em costume. Por isso, em certa medida, se identifica a ética com o caráter e a sua formação, pelo que esta será a ciência do homem enquanto sujeito de atos e hábitos. Porém, entendendo-a no quadro do termo grego Éthos (uso, costume…) ela terá como objeto o estudo dos atos que se podem tornar usos e costumes, aspirando à criação de bons atos humanos e à implantação de costumes irrepreensíveis. Como ciência pragmática implica o conhecimento da boa ordem que leva o homem a agir livremente, ou seja, é a ciência diretiva dos atos humanos enquanto ordenados para o fim último do homem e da sociedade em que se insere e em que interage, guiado pela razão – tendo, por objeto direto, os atos humanos e, por objeto indireto, tudo quanto se relacione com os atos humanos.
O comportamento ético e seu olhar implicam, em suma, quatro valores axiais: liberdade, justiça, imparcialidade e solidariedade. Aplicado a deputados, diga-se que nenhum foi obrigado a aceitar a candidatura e pode renunciar a todo o momento, deve ter e/ou exigir a oportunidade de, ser ouvido, intervir e pugnar pelas liberdades de todos e de cada um. Deve estudar bem as matérias, apreciar com a devida medida as opiniões alheias e ler os factos, primar pela seriedade e honestidade e querer para os demais o que pretende para si no âmbito da satisfação das necessidades, exercício dos direitos, cumprimento dos deveres, prémio do mérito e do trabalho. Deve pautar o pensamento, discurso e ação pelo interesse público, sem visar ou lesar injustamente este ou aquele interesse, aceitar a pluralidade de opiniões, discursos e ações. E deve primar cooperação e pela atenção e ajuda aos outros, em especial aos que mais precisam de integração política, social, cultural e económica.  
Mas o défice de ética pode estar na lei. A lei é a ordenação da razão para o bem comum da sociedade, efetuada e promulgada por quem tem o cuidado da mesma sociedade. Ora, para constituir uma eficiente ordenação da razão para o bem, a lei tem de ser justa; e a sua justiça desdobra-se em honestidade, utilidade e possibilidade. Com efeito, no quadro da possibilidade, ninguém pode ser obrigado ao impossível, ou seja, ao que é inatingível ou ao que é atingível só com excessiva dificuldade e incómodo; no quadro da utilidade, a matéria da lei deve ser idónea para o fim em vista – a vida em sociedade com paz, dignidade, ordem e progresso; e, no quadro da honestidade, a lei, pela negativa, nada deve conter contra os valores universais ou contra os da comunidade a que se dirige – por isso, é que algumas leis-quadro obrigam a auscultação prévia do destinatário – e, pela positiva, deve observar a justiça distributiva, respeitando a equidade de proporção na distribuição dos bens e dos encargos, beneficiando e aliviando ao máximo os pobres e onerando na justa medida os mais abastados, não permitindo subterfúgios e chico-espertismos. Enfim, a lei deve promover a justiça social. A lei, que deve ser ética, não esgota a ética, define o mínimo de ética a assumir por toda a coletividade ou pelas coletividades.
A ética republicana não serve de desculpa, porque república (res publica), no sentido originário, é a causa pública, para  qual todos devem convergir e cooperar segundo a sua condição e na qual todos têm, lugar, dignidade, direitos e deveres – em suma, a igualdade fundamental.
Por outro lado, a lei, pelo seu caráter abstrato, não pode ser feita para beneficiar este ou aquele em detrimento dos outros nem para tramar alguém devido a opinião, caráter ou atividade. Mas tem de prever a punição adequada do crime, contraordenação, infração e prevenir e corrigir os desvios ou os abusos.
Quanto a deputados, o estatuto remuneratório deve ser muito mais simplificado, o que passa por mexer no próprio estatuto do deputado. Do meu ponto de vista, os deputados à AR devem residir em Lisboa para o exercício das suas funções, devendo o Estado criar-lhes condições económicas e sociais para tal. As deslocações em trabalho político ao respetivo círculo eleitoral, em princípio, não deveriam colidir com a agenda do Plenário ou das Comissões que o deputado integra, como não deveria ser dispensado das sessões em que haja votação genérica e específica ou final de matérias relevantes. O vencimento do deputado (definido claramente para deputado em regime de exclusividade e para deputado não em regime de exclusividade) deve ser colocado numa tabela intermédia entre o do PR e o dos demais titulares de cargos políticos, mas não indexado em termos percentuais sempre a diminuir. Não se justifica o pagamento de senhas de presença em sessões; e as deslocações e ajudas de custo para trabalho político fora da AR e os subsídios para visita à família têm de ser planeados e comprovados e não podem acumular com outras benesses. Ademais, só deputado com função especial de representação (presidente e vice-presidentes da AR) é que deveria ter direito a pagamento por tais despesas. Outras funções seriam exercidas em regime de rotatividade sem aumento de salário. Se não, é de perguntar o que faz o deputado.
Talvez assim a AR ganhasse mais prestígio e simpatia.
2018.04.27 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário