No início do
seu mandato como CEMGFA (Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas), o Almirante António
Silva Ribeiro diz ao que
vem em documento que tem uma parte doutrinária teórica com finalidade
antropagógica militar, vindo, a seguir, as orientações e os objetivos a atingir
com as muitas medidas setoriais.
Em
conformidade com tal pressuposto, o CEMGFA deu a
público a Diretiva Estratégica para os anos de 2018 a 20121. Segundo o CEMGFA,
“… O Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) necessita de uma
estratégia que oriente a sua transformação, promovendo uma permanente adaptação
aos desafios decorrentes de fatores externos e uma melhoria contínua do
desempenho interno, à luz das circunstâncias da organização, tendo em vista
garantir a relevância e a utilidade da Instituição Militar para Portugal e os
Portugueses…”.
Segundo os
observadores, o documento de 44 páginas, com bom tratamento gráfico, inaugura,
a este nível, uma novidade nas Forças Armadas Portuguesas.
Independentemente
dos resultados que venham a verificar-se, há uma nova política de comunicação
no EMGFA, com a preocupação de transmitir diretamente ao público interessado,
no fundo à opinião pública, informação que até ao presente apenas era tratada a
nível interno ou era mesmo inexistente. E, mesmo a nível da Defesa Nacional –
desde a publicação ainda pelo governo anterior do “pacote” Defesa 2020 –, este
tipo de documentos, regra geral, não é publicado ou é passado apenas a
jornalistas selecionados para fazerem a sua interpretação, naturalmente
legítima, mas, para muitos, insuficiente.
Anote-se, a
propósito, que a nível de informação sobre Defesa Nacional e Forças Armadas, o
único documento com interesse e utilidade usualmente é dado a público pelo
Ministério da Defesa Nacional é o Anuário Estatístico da Defesa Nacional, sempre
com muito atraso – atraso de sempre – o que torna o seu interesse apenas
histórico, não permitindo qualquer utilidade para, por exemplo, avaliar com
rigor o que tem sido executado nesta área da Defesa Nacional e Forças Armadas.
O último Anuário publicado reporta-se a 2015 e só está também disponível o de
2014, tendo sido “apagados” do site do
Governo, há meses, todos os anteriores desde 2003. Pensam os observadores que seria
uma boa altura para (re)colocar os antigos Anuários on-line de novo e apressar
a publicação dos referentes a 2016 e 2017.
O
procedimento agora iniciado pelo CEMGFA tem ainda uma outra finalidade –
correndo mesmo um risco – a de permitir, no final do período em causa, a
leitura de cada um sobre o que foi efetivamente conseguido.
***
Nos
termos da “Nota Introdutória” à predita
Diretiva, o EMGFA precisa duma estratégia que “oriente a sua transformação,
promovendo uma permanente adaptação aos desafios decorrentes de fatores
externos e uma melhoria contínua do desempenho interno, à luz das
circunstâncias da organização, tendo em vista garantir a relevância e a
utilidade da Instituição Militar para Portugal e os Portugueses”, como já foi
referido acima. E é à luz desta necessidade que o documento, elaborado em
articulação com a Marinha, o Exército e a Força Aérea, estabelece as “Orientações Estratégicas” para o
horizonte temporal referenciado, “enquadradas pelas orientações da tutela
política e pela documentação estratégica de defesa nacional vigente”, no quadro
da qual “decorre a estratégia militar”. Quer isto simplesmente dizer que a
estratégia militar não é uma estratégia subordinante, mas, sim, uma estratégia
subordinada à da defesa nacional sobre a qual a tutela política formula as
orientações pertinentes, de acordo com a Constituição (Vd
CRP, art.º 275.º/3).
Além
disso, a Diretiva desencadeia a implementação dum processo de “formulação,
operacionalização e controlo da estratégia” com vista a “orientar a evolução da
organização num horizonte temporal de três anos”. Para tanto, “adota quatro Perspetivas de Gestão Estratégica de
natureza genética, estrutural, operacional e de missão” e os “Temas
Estratégicos – interoperabilidade, otimização, flexibilidade e eficácia” – que
representam grandes ideias-chave que orientam o processo de execução
estratégica em cada perspetiva.
Os
preditos “Temas Estratégicos” e o
quadro de Valores que pauta a atuação dos que servem nas Forças Armadas (FA), “constituem o enquadramento
concetual” que baliza, no longo prazo, “a forma como o EMGFA e as Forças
Armadas cumprem a sua Missão”.
No
âmbito desta postura estratégica institucional, o CEMGFA, retoma o teor
essencial do seu discurso do dia 2 de março de 2018, em que apresentou a Visão
sobre a direção que o EMGFA e as Forças Armadas devem seguir, tendo em conta as
circunstâncias do meio envolvente e que o documento segue nas suas linhas
gerais e que se sintetiza no seguinte: “servir
Portugal com relevância, contribuindo para construir as Forças Armadas do
futuro”.
Obviamente,
tal como então foi definido, “a concretização desta Visão deverá assentar numa
liderança determinada, com personalidade, originalidade e arrojo,
materializando-se em três Orientações
Estratégicas concretas”: reforço da credibilidade da Instituição Militar;
superação das dificuldades em pessoal e material; e aproveitamento de todas as
oportunidades existentes. São orientações que plasmam as grandes linhas da
estratégia do EMGFA para o período em causa, considerando o contexto
estratégico de “crescente complexidade e incerteza”, em que tanto as ameaças
como as oportunidades são potenciadas por “fenómenos transnacionais e pelas
correspondentes mudanças nos domínios político, militar, económico, social e tecnológico”.
Assim, a avaliação que sustenta a Diretiva assenta numa análise SWOT (Strengths,
Weaknesses, Opportunities, Threats)
do ambiente estratégico, com vista à adequada identificação dos Objetivos Estratégicos prioritários, que
almejam o aproveitamento das oportunidades e a superação das ameaças da
conjuntura, bem como a exploração das potencialidades e a colmatação das
vulnerabilidades do EMGFA e das Forças Armadas. Tais Objetivos Estratégicos observam as Perspetivas de Gestão indicadas e enquadram-se nas Orientações Estratégicas estabelecidas,
permitindo a construção do Mapa da Estratégia do EMGFA para o corrente mandato.
Para
facilitar a concretização dos Objetivos
Estratégicos e auxiliar o alinhamento estratégico dos órgãos do EMGFA, são
identificadas as principais ações a desenvolver (Linhas de Ação). E, porque é a primeira vez que
o processo estratégico – constituído pelas fases de formulação,
operacionalização e controlo da estratégia – será implementado no EMGFA, são
estabelecidos os principais passos e respetivo calendário de implementação,
devendo ser iniciada a avaliação do progresso de concretização dos objetivos no
2.º semestre de 2018. Neste âmbito, é relevante a definição de indicadores de
desempenho adequados à medição da consecução dos objetivos, bem como das metas
correspondentes a cada indicador, trabalho a realizar neste 2.º trimestre.
Esta
Diretiva deve constituir-se em documento inovador, com capacidade de fazer ver
para lá do horizonte, mobilizando as vontades de todos os militares e civis
para o desenvolvimento do EMGFA, potenciando o emprego das FA no cumprimento da
sua tríplice missão: garantir a defesa
militar da República; contribuir para
a segurança nacional e internacional; e apoiar
o desenvolvimento e o bem-estar das populações. Assim e de acordo com o
organograma e o texto, o corpo do documento abrange o desenvolvimento dos
seguintes itens:
Missão (em três subitens) – garantir a defesa militar da
República, contribuir para a segurança nacional e internacional e apoiar o desenvolvimento
e o bem-estar das populações.
Perspetivas de Gestão e Temas
Estratégicos. A
perspetiva genética (planeamento, direção e controlo) tem como tema estratégico a interoperacionalidade; a perspetiva
estrutural (organização)
tem como tema estratégico a eficiência;
e a perspetiva operacional (forma como as FA empregam as suas
capacidades no desempenho das tarefas com vista à missão) tem como tema estratégico a flexibilidade. Estas perspetivas
concorrem para a Perspetiva de Gestão correspondente à Missão, cujo Tema
Estratégico é a eficácia.
Valores – disciplina, lealdade, honra,
integridade e coragem.
Visão – servir Portugal com relevância,
contribuindo para construir as FA do futuro.
Orientações Estratégicas – reforçar a CREDIBILIDADE,
SUPERAR as dificuldades e Aproveitar as OPORTUNIDADES.
Objetivos Estratégicos (definidos com
base na SWOT):
FORTALECER as capacidades operacionais; DINAMIZAR a edificação da capacidade de
ciberdefesa nacional; POTENCIAR a Academia de Comunicações e Informação da
NATO; REFORÇAR o reconhecimento e as capacidades do Instituto Universitário
Militar; REESTRUTURAR os órgãos do EMGFA; MELHORAR o Sistema de Saúde Militar e
o HFAR (Hospital
das Forças Armadas);
INCREMENTAR o contributo das FA para a ação externa da Defesa Nacional; OTIMIZAR
o apoio das FA a emergências civis; e APROFUNDAR a cooperação operacional com o
SSI (Sistema
de Segurança Interna)
e o SIRP (Sistema de Informação da República Portuguesa).
Linhas de Ação. São definidas grandes Linhas de
Ação para cada Objetivo Estratégico, começando pelos objetivos que se enquadram
na Perspetiva Genética, seguidos pelos de âmbito Estrutural, para concluir nos
Operacionais. E constituem-se como os elementos orientadores do processo de
alinhamento estratégico dos órgãos do EMGFA, que será concretizado através da
elaboração dos respetivos Planos de
Iniciativas Estratégicas.
E Operacionalização e Controlo. Os
Objetivos Estratégicos estabelecidos serão materializados através dos Planos de
Iniciativas Estratégicas a elaborar pelos órgãos do EMGFA, de forma alinhada e
coerente. Para isso, as diferentes Iniciativas Estratégicas são deduzidas a
partir das grandes Linhas de Ação. Destaca-se a realização de: pontos de
situação da execução estratégica; revisões operacionais, de periodicidade
semestral; revisões estratégicas, de periodicidade anual.
***
Esta
Diretiva ambiciosa vem alinhada com o conceito de estratégia de defesa e com o
recente despacho do Ministro da Defesa Nacional, assinado no passado dia 12 de
março, a estabelecer as orientações
políticas para o que deve ser a “ambição” dos militares portugueses,
constituindo a nova diretiva do “ciclo de planeamento” da defesa militar para o
período de 2018/2021. Nele se destaca o reforço que o Governo preconiza das missões externas das FA, seja para integrar forças da NATO e da União
Europeia (UE), seja no quadro das relações
bilaterais.
Outro novo
rumo para o que é definido como a “ambição” das FA é a confirmação do duplo
uso, civil e militar, do Exército, à semelhança do que acontece com a Marinha e
a Força Aérea nas operações de salvamento. A participação efetiva dos militares
nas operações de prevenção e combate aos incêndios rurais – missão já iniciada
pelo RAME (Regimento de Apoio Militar de Emergência) do Exército, em Abrantes – fica assim consolidada na nova estratégia.
Também ganham
novo fôlego, nesta diretiva de defesa militar, as “Ações Externas da Defesa
Nacional”, porque se fundem as duas categorias em vigor: cooperação
técnico-militar e forças nacionais destacadas, respetivamente, com objetivo de
treino e formação e com a projeção de militares, por exemplo, em ações de
manutenção da paz ou humanitárias. Escreve Azeredo Lopes no seu despacho:
“A arquitetura de segurança e defesa de Portugal tem no sistema de
defesa coletiva da OTAN o seu alicerce principal, a que se deve acrescentar o
pilar da Política Comum de Segurança e Defesa da UE, que se tem afirmado como
ator de crescente relevância, enquanto produtor de segurança na esfera
internacional”.
E, mais
adiante, refere:
“No século XXI, a defesa do território nacional faz-se muito para além
das nossas fronteiras físicas, na vizinhança próxima ou alargada, pela
participação em teatros de operação exigentes como, por exemplo, no Mali, no
Afeganistão, na República Centro Africana e no Iraque”.
No presente,
o risco de Portugal ser objeto de “ataque” convencional é muito reduzido ou
quase nulo. Com efeito, sublinha Azeredo Lopes, “no atual contexto securitário,
não são identificáveis ameaças “clássicas” à soberania e integridade territorial
nacionais, pelo que “um planeamento de defesa rigoroso pressupõe pensar e
adequar o sistema de forças a cenários realistas e plausíveis para o seu
emprego, apto para o desempenho de mais de um tipo de missão e, sempre que
possível, com dupla valência militar-civil”. Assim, o Governo quer que sejam “constituídos
dois conjuntos de Forças, tendo em vista o cumprimento do nível de ambição das
Forças Armadas” e que este conceito seja “atualizado na próxima Diretiva
Ministerial de Planeamento de Defesa Militar”. Haverá, pois, um conjunto de
“Forças Permanentes”, com missões de defesa dos espaços terrestre, marítimo,
aéreo e cibernético; missões de vigilância, fiscalização e controlo do espaço
marítimo e aéreo; operações de proteção e, se necessário, evacuação de cidadãos
nacionais ou estrangeiros; e outras missões de “interesse público,
designadamente de busca e salvamento, de apoio médico e sanitário, do sistema
de Gestão Integrada dos Fogos Rurais ou missões de colaboração com as
autoridades competentes no âmbito da Proteção Civil”. E haverá o conjunto das “Forças
Atribuídas à Participação em Missões ou Operações no Exterior”, cuja ação
compreende o “cumprimento de compromissos assumidos no plano internacional,
seja para integrar Forças de Reação Rápida da OTAN ou da UE, seja para
participar em operações de manutenção de paz, humanitárias, de gestão de crises
ou segurança cooperativa, no quadro multilateral da ONU, da OTAN e da UE, ou
ainda num quadro multinacional ou bilateral (Forças Nacionais no Exterior)”. E fica salientado que “a maior exigência do atual
ambiente estratégico e a evolução tecnológica, conjugadas com a exigência de
maior rigor orçamental e a limitação dos recursos disponíveis” torna “imperativo
um processo de planeamento de defesa realista, rigoroso e adequado às ameaças
que Portugal efetivamente enfrenta no curto, médio e longo prazo”. (vd também DN de 16 de abril).
***
Enfim,
teremos FA prontas – interoperacionais, eficientes, flexíveis eficazes? Não é
preciso mobilizar mais gente nem alocar mais e melhores meios? E se houvesse
risco de invasão externa? E somos capazes de impedir ou travar o terrorismo?
2018.04.29 – Louro de Carvalho
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