domingo, 29 de abril de 2018

A ambiciosa diretiva estratégica do EMGFA – 2018-2021


No início do seu mandato como CEMGFA (Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas), o Almirante António Silva Ribeiro diz ao que vem em documento que tem uma parte doutrinária teórica com finalidade antropagógica militar, vindo, a seguir, as orientações e os objetivos a atingir com as muitas medidas setoriais.
Em conformidade com tal pressuposto, o CEMGFA deu a público a Diretiva Estratégica para os anos de 2018 a 20121. Segundo o CEMGFA,
… O Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) necessita de uma estratégia que oriente a sua transformação, promovendo uma permanente adaptação aos desafios decorrentes de fatores externos e uma melhoria contínua do desempenho interno, à luz das circunstâncias da organização, tendo em vista garantir a relevância e a utilidade da Instituição Militar para Portugal e os Portugueses…”.
Segundo os observadores, o documento de 44 páginas, com bom tratamento gráfico, inaugura, a este nível, uma novidade nas Forças Armadas Portuguesas.
Independentemente dos resultados que venham a verificar-se, há uma nova política de comunicação no EMGFA, com a preocupação de transmitir diretamente ao público interessado, no fundo à opinião pública, informação que até ao presente apenas era tratada a nível interno ou era mesmo inexistente. E, mesmo a nível da Defesa Nacional – desde a publicação ainda pelo governo anterior do “pacote” Defesa 2020 –, este tipo de documentos, regra geral, não é publicado ou é passado apenas a jornalistas selecionados para fazerem a sua interpretação, naturalmente legítima, mas, para muitos, insuficiente.
Anote-se, a propósito, que a nível de informação sobre Defesa Nacional e Forças Armadas, o único documento com interesse e utilidade usualmente é dado a público pelo Ministério da Defesa Nacional é o Anuário Estatístico da Defesa Nacional, sempre com muito atraso – atraso de sempre – o que torna o seu interesse apenas histórico, não permitindo qualquer utilidade para, por exemplo, avaliar com rigor o que tem sido executado nesta área da Defesa Nacional e Forças Armadas. O último Anuário publicado reporta-se a 2015 e só está também disponível o de 2014, tendo sido “apagados” do site do Governo, há meses, todos os anteriores desde 2003. Pensam os observadores que seria uma boa altura para (re)colocar os antigos Anuários on-line de novo e apressar a publicação dos referentes a 2016 e 2017. 
O procedimento agora iniciado pelo CEMGFA tem ainda uma outra finalidade – correndo mesmo um risco – a de permitir, no final do período em causa, a leitura de cada um sobre o que foi efetivamente conseguido. 
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Nos termos da “Nota Introdutória” à predita Diretiva, o EMGFA precisa duma estratégia que “oriente a sua transformação, promovendo uma permanente adaptação aos desafios decorrentes de fatores externos e uma melhoria contínua do desempenho interno, à luz das circunstâncias da organização, tendo em vista garantir a relevância e a utilidade da Instituição Militar para Portugal e os Portugueses”, como já foi referido acima. E é à luz desta necessidade que o documento, elaborado em articulação com a Marinha, o Exército e a Força Aérea, estabelece as “Orientações Estratégicas” para o horizonte temporal referenciado, “enquadradas pelas orientações da tutela política e pela documentação estratégica de defesa nacional vigente”, no quadro da qual “decorre a estratégia militar”. Quer isto simplesmente dizer que a estratégia militar não é uma estratégia subordinante, mas, sim, uma estratégia subordinada à da defesa nacional sobre a qual a tutela política formula as orientações pertinentes, de acordo com a Constituição (Vd CRP, art.º 275.º/3).
Além disso, a Diretiva desencadeia a implementação dum processo de “formulação, operacionalização e controlo da estratégia” com vista a “orientar a evolução da organização num horizonte temporal de três anos”. Para tanto, “adota quatro Perspetivas de Gestão Estratégica de natureza genética, estrutural, operacional e de missão” e os “Temas Estratégicos – interoperabilidade, otimização, flexibilidade e eficácia” – que representam grandes ideias-chave que orientam o processo de execução estratégica em cada perspetiva.
Os preditos “Temas Estratégicos” e o quadro de Valores que pauta a atuação dos que servem nas Forças Armadas (FA), “constituem o enquadramento concetual” que baliza, no longo prazo, “a forma como o EMGFA e as Forças Armadas cumprem a sua Missão”.
No âmbito desta postura estratégica institucional, o CEMGFA, retoma o teor essencial do seu discurso do dia 2 de março de 2018, em que apresentou a Visão sobre a direção que o EMGFA e as Forças Armadas devem seguir, tendo em conta as circunstâncias do meio envolvente e que o documento segue nas suas linhas gerais e que se sintetiza no seguinte: “servir Portugal com relevância, contribuindo para construir as Forças Armadas do futuro”.
Obviamente, tal como então foi definido, “a concretização desta Visão deverá assentar numa liderança determinada, com personalidade, originalidade e arrojo, materializando-se em três Orientações Estratégicas concretas”: reforço da credibilidade da Instituição Militar; superação das dificuldades em pessoal e material; e aproveitamento de todas as oportunidades existentes. São orientações que plasmam as grandes linhas da estratégia do EMGFA para o período em causa, considerando o contexto estratégico de “crescente complexidade e incerteza”, em que tanto as ameaças como as oportunidades são potenciadas por “fenómenos transnacionais e pelas correspondentes mudanças nos domínios político, militar, económico, social e tecnológico”. Assim, a avaliação que sustenta a Diretiva assenta numa análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats) do ambiente estratégico, com vista à adequada identificação dos Objetivos Estratégicos prioritários, que almejam o aproveitamento das oportunidades e a superação das ameaças da conjuntura, bem como a exploração das potencialidades e a colmatação das vulnerabilidades do EMGFA e das Forças Armadas. Tais Objetivos Estratégicos observam as Perspetivas de Gestão indicadas e enquadram-se nas Orientações Estratégicas estabelecidas, permitindo a construção do Mapa da Estratégia do EMGFA para o corrente mandato.
Para facilitar a concretização dos Objetivos Estratégicos e auxiliar o alinhamento estratégico dos órgãos do EMGFA, são identificadas as principais ações a desenvolver (Linhas de Ação). E, porque é a primeira vez que o processo estratégico – constituído pelas fases de formulação, operacionalização e controlo da estratégia – será implementado no EMGFA, são estabelecidos os principais passos e respetivo calendário de implementação, devendo ser iniciada a avaliação do progresso de concretização dos objetivos no 2.º semestre de 2018. Neste âmbito, é relevante a definição de indicadores de desempenho adequados à medição da consecução dos objetivos, bem como das metas correspondentes a cada indicador, trabalho a realizar neste 2.º trimestre.
Esta Diretiva deve constituir-se em documento inovador, com capacidade de fazer ver para lá do horizonte, mobilizando as vontades de todos os militares e civis para o desenvolvimento do EMGFA, potenciando o emprego das FA no cumprimento da sua tríplice missão: garantir a defesa militar da República; contribuir para a segurança nacional e internacional; e apoiar o desenvolvimento e o bem-estar das populações. Assim e de acordo com o organograma e o texto, o corpo do documento abrange o desenvolvimento dos seguintes itens:
Missão (em três subitens) – garantir a defesa militar da República, contribuir para a segurança nacional e internacional e apoiar o desenvolvimento e o bem-estar das populações.
Perspetivas de Gestão e Temas Estratégicos. A perspetiva genética (planeamento, direção e controlo) tem como tema estratégico a interoperacionalidade; a perspetiva estrutural (organização) tem como tema estratégico a eficiência; e a perspetiva operacional (forma como as FA empregam as suas capacidades no desempenho das tarefas com vista à missão) tem como tema estratégico a flexibilidade. Estas perspetivas concorrem para a Perspetiva de Gestão correspondente à Missão, cujo Tema Estratégico é a eficácia.
Valores – disciplina, lealdade, honra, integridade e coragem.
Visão – servir Portugal com relevância, contribuindo para construir as FA do futuro.
Orientações Estratégicas – reforçar a CREDIBILIDADE, SUPERAR as dificuldades e Aproveitar as OPORTUNIDADES.
Objetivos Estratégicos (definidos com base na SWOT): FORTALECER as capacidades operacionais; DINAMIZAR a edificação da capacidade de ciberdefesa nacional; POTENCIAR a Academia de Comunicações e Informação da NATO; REFORÇAR o reconhecimento e as capacidades do Instituto Universitário Militar; REESTRUTURAR os órgãos do EMGFA; MELHORAR o Sistema de Saúde Militar e o HFAR (Hospital das Forças Armadas); INCREMENTAR o contributo das FA para a ação externa da Defesa Nacional; OTIMIZAR o apoio das FA a emergências civis; e APROFUNDAR a cooperação operacional com o SSI (Sistema de Segurança Interna) e o SIRP (Sistema de Informação da República Portuguesa).
Linhas de Ação. São definidas grandes Linhas de Ação para cada Objetivo Estratégico, começando pelos objetivos que se enquadram na Perspetiva Genética, seguidos pelos de âmbito Estrutural, para concluir nos Operacionais. E constituem-se como os elementos orientadores do processo de alinhamento estratégico dos órgãos do EMGFA, que será concretizado através da elaboração dos respetivos Planos de Iniciativas Estratégicas.
E Operacionalização e Controlo. Os Objetivos Estratégicos estabelecidos serão materializados através dos Planos de Iniciativas Estratégicas a elaborar pelos órgãos do EMGFA, de forma alinhada e coerente. Para isso, as diferentes Iniciativas Estratégicas são deduzidas a partir das grandes Linhas de Ação. Destaca-se a realização de: pontos de situação da execução estratégica; revisões operacionais, de periodicidade semestral; revisões estratégicas, de periodicidade anual.
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Esta Diretiva ambiciosa vem alinhada com o conceito de estratégia de defesa e com o recente despacho do Ministro da Defesa Nacional, assinado no passado dia 12 de março, a estabelecer as orientações políticas para o que deve ser a “ambição” dos militares portugueses, constituindo a nova diretiva do “ciclo de planeamento” da defesa militar para o período de 2018/2021. Nele se destaca o reforço que o Governo preconiza das missões externas das FA, seja para integrar forças da NATO e da União Europeia (UE), seja no quadro das relações bilaterais.
Outro novo rumo para o que é definido como a “ambição” das FA é a confirmação do duplo uso, civil e militar, do Exército, à semelhança do que acontece com a Marinha e a Força Aérea nas operações de salvamento. A participação efetiva dos militares nas operações de prevenção e combate aos incêndios rurais – missão já iniciada pelo RAME (Regimento de Apoio Militar de Emergência) do Exército, em Abrantes – fica assim consolidada na nova estratégia.
Também ganham novo fôlego, nesta diretiva de defesa militar, as “Ações Externas da Defesa Nacional”, porque se fundem as duas categorias em vigor: cooperação técnico-militar e forças nacionais destacadas, respetivamente, com objetivo de treino e formação e com a projeção de militares, por exemplo, em ações de manutenção da paz ou humanitárias. Escreve Azeredo Lopes no seu despacho:
A arquitetura de segurança e defesa de Portugal tem no sistema de defesa coletiva da OTAN o seu alicerce principal, a que se deve acrescentar o pilar da Política Comum de Segurança e Defesa da UE, que se tem afirmado como ator de crescente relevância, enquanto produtor de segurança na esfera internacional”.
E, mais adiante, refere:
No século XXI, a defesa do território nacional faz-se muito para além das nossas fronteiras físicas, na vizinhança próxima ou alargada, pela participação em teatros de operação exigentes como, por exemplo, no Mali, no Afeganistão, na República Centro Africana e no Iraque”.
No presente, o risco de Portugal ser objeto de “ataque” convencional é muito reduzido ou quase nulo. Com efeito, sublinha Azeredo Lopes, “no atual contexto securitário, não são identificáveis ameaças “clássicas” à soberania e integridade territorial nacionais, pelo que “um planeamento de defesa rigoroso pressupõe pensar e adequar o sistema de forças a cenários realistas e plausíveis para o seu emprego, apto para o desempenho de mais de um tipo de missão e, sempre que possível, com dupla valência militar-civil”. Assim, o Governo quer que sejam “constituídos dois conjuntos de Forças, tendo em vista o cumprimento do nível de ambição das Forças Armadas” e que este conceito seja “atualizado na próxima Diretiva Ministerial de Planeamento de Defesa Militar”. Haverá, pois, um conjunto de “Forças Permanentes”, com missões de defesa dos espaços terrestre, marítimo, aéreo e cibernético; missões de vigilância, fiscalização e controlo do espaço marítimo e aéreo; operações de proteção e, se necessário, evacuação de cidadãos nacionais ou estrangeiros; e outras missões de “interesse público, designadamente de busca e salvamento, de apoio médico e sanitário, do sistema de Gestão Integrada dos Fogos Rurais ou missões de colaboração com as autoridades competentes no âmbito da Proteção Civil”. E haverá o conjunto das “Forças Atribuídas à Participação em Missões ou Operações no Exterior”, cuja ação compreende o “cumprimento de compromissos assumidos no plano internacional, seja para integrar Forças de Reação Rápida da OTAN ou da UE, seja para participar em operações de manutenção de paz, humanitárias, de gestão de crises ou segurança cooperativa, no quadro multilateral da ONU, da OTAN e da UE, ou ainda num quadro multinacional ou bilateral (Forças Nacionais no Exterior)”. E fica salientado que “a maior exigência do atual ambiente estratégico e a evolução tecnológica, conjugadas com a exigência de maior rigor orçamental e a limitação dos recursos disponíveis” torna “imperativo um processo de planeamento de defesa realista, rigoroso e adequado às ameaças que Portugal efetivamente enfrenta no curto, médio e longo prazo”. (vd também DN de 16 de abril).
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Enfim, teremos FA prontas – interoperacionais, eficientes, flexíveis eficazes? Não é preciso mobilizar mais gente nem alocar mais e melhores meios? E se houvesse risco de invasão externa? E somos capazes de impedir ou travar o terrorismo?
2018.04.29 – Louro de Carvalho

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