sábado, 28 de abril de 2018

Fim da guerra das Coreias e desnuclearização da sua Península




No dia 27 de abril, o mundo pôde assistir ao histórico encontro entre os líderes da Coreia do Sul e da Coreia do Norte, a cimeira intercoreana em que Moon Jae-in e Kim Jong-un anunciaram, em comunicado conjunto, o fim da guerra e o empenho na desnuclearização da península.
Kim Jong-un, tomado pela emoção, atravessou a fronteira com a Coreia do Sul em Panmunjon para a 3.ª cimeira intercoreana desde o fim da guerra entre os dois países. Foi a 1.ª vez que um dirigente norte-coreano pisou solo da Coreia do Sul desde 1953, aquando da assinatura do armistício que pôs fim a 3 anos de guerra da Coreia. Antes, os dois líderes apertaram a mãos e o norte-coreano e convidou o presidente sul-coreano a atravessar também a fronteira para o lado do Norte. Para Moon, não foi uma estreia em solo norte-coreano. Filho de refugiados do Norte, acompanhou a mãe a uma reunião com familiares, em 2004, quando era assistente do Presidente Roo Moo-hyun. Desta vez, Moon e Kim caminharam lado a lado até à Casa da Paz, na parte sul de Panmunjon, onde foi assinado o armistício há 65 anos. E Kim Jong-un declarou:
Vim aqui decidido a dar um sinal de partida, à beira de uma nova história”.
Há meses, quando o regime norte-coreano tinha o mundo suspenso à beira da guerra lançando mísseis e fazendo o 6.º ensaio nuclear, não se imaginava este encontro. Mas, após o discurso de ano novo conciliatório de Kim, o ponto de viragem surgiu com os Jogos Olímpicos de inverno, em fevereiro, na Coreia do Sul, quando os dois países desfilaram sob a mesma bandeira. E agora, os dois líderes sentaram-se na Casa da Paz frente a frente face a uma mesa oval. Kim estava acompanhado da irmã e conselheira Kim Yo-jong e do responsável das relações intercoreanas, enquanto Moon tinha ao lado o líder dos serviços secretos e o chefe de gabinete.
Os jornalistas acompanharam de perto as primeiras palavras dos dois conferentes, todavia, as negociações decorreu à porta fechada. Kim chegara de limusina à zona desmilitarizada (DMZ – a faixa de 4 Km de largura que separa as Coreias ao longo dos mais de 250 Km de fronteira) acompanhado por 12 seguranças que ladeavam o veículo.   
No intervalo, os dois líderes deram um passeio e sentaram-se num banco ao ar livre, junto à vedação azul, para conversa longe dos microfones, assim como plantaram uma árvore. O pinheiro selecionado para o efeito nasceu em 1953, o ano do armistício, e foi plantado junto à estrada que Chung Ju-yung, fundador do grupo Hyundai, usou em finais dos anos 90 para levar 50 camiões cheios de vacas até ao Norte, num esforço de reconciliação. Em cerimónia muito simbólica, a árvore foi plantada em terra vinda da Coreia do Norte e da Coreia do Sul e regada com água trazida dum rio norte-coreano e dum rio sul-coreano. De luvas brancas, os dois líderes lançaram terra sobre a raiz do pinheiro e regaram-no com regadores verdes, antes do descerramento da placa com os nomes de ambos e a frase “plantar a paz e a prosperidade”. Após descrever a árvore como símbolo da “nova primavera” entre as Coreias, Kim dirigiu-se a Moon dizendo esperar que “a nossa relação possa crescer tal como este pinheiro”. E Moon respondeu: “Sim, espero que isso aconteça”.
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Pouco passava das 10 horas de Lisboa quando foi noticiado que Kim e Moon acabaram de assinar uma declaração conjunta para pôr fim à guerra da Coreia, empenhando-se em trabalhar para a “completa desnuclearização da península coreana”. Até final do ano, as duas Coreias assinarão o tratado que porá fim oficial ao conflito que terminou há 65 anos com um armistício.
Foi ainda anunciada uma visita de Moon à Coreia do Norte prevista para o outono e a abertura duma secção de interesses conjunta na cidade norte-coreana de Gaeseong para facilitar as consultas entre ambos os países. No comunicado conjunto, Kim e Moon comprometem-se a cessar todos os atos hostis entre Norte e Sul, transformar a DMZ numa zona de paz, organizar a reunificação de famílias separadas desde o tempo da guerra, ligar e modernizar as estradas e caminhos de ferro que atravessem a fronteira e manter a participação conjunta de atletas do Norte e do Sul em eventos desportivos, como os Jogos Asiáticos já este ano.
A cimeira foi encerrada com um jantar em que também participaram as duas primeiras-damas coreanas: a norte-coreana Ro Sol-ju; e a sul-coreana Kim Jung-sook. Uma tem 20 e poucos anos e dela pouco se sabe; a outra anda pelos 60 e é conhecida pela sua personalidade forte. Pelos vistos, pouco terão em comum, a não ser a paixão pela música. Jovem e elegante, Ri Sol-ju casou com Kim em 2009 e o casal tem três filhos, mas só, em 2012, ela foi apresentada pela 1.ª vez como a mulher do líder. Antes, cantou no grupo musical Unhasu, cujos elementos são escolhidos com base nos dotes vocais, no aspeto e na fidelidade ao regime. Aos 63 anos, Kim Jung-sook cantou no coral da câmara de Seul antes de casar e passar a cuidar dos dois filhos. Moon e Kim conheceram-se na universidade onde ela estudava canto clássico e ele cursava Direito ao mesmo tempo que militava contra a ditadura militar.
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Se o mundo estava de olhos postos na cimeira coreana, tem-nos agora na prometida cimeira entre Kim Jong-un e Donald Trump, ainda este ano, cujos preparativos os EUA estão há um mês a ultimar. Depois dum 2017 marcado por trocas de ameaças e insultos entre os dois líderes, o Presidente norte-americano enviou Mike Pompeo a Pyongyang, na qualidade de diretor da CIA, a preparar o terreno para essa reunião.
O encontro secreto teve lugar em meados de abril e só foi confirmado depois de ter acontecido. Desde então, houve mudanças. Pompeo deixou a agência secreta para se tornar Secretário de Estado dos EUA, o correspondente ao nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros. Assumiu o cargo na véspera de Kim se encontrar com o homólogo sul-coreano – reunião que marcou para sempre este 27 de abril de 2018, dia em que, pela 1.ª vez em 65 anos, um líder norte-coreano atravessou a fronteira que divide a península em dois. O encontro acabou, como se disse, com uma cartilha de princípios e o grande compromisso: enterrar o machado da guerra. Em 1959, as Coreias assinaram um armistício para suspenderem o conflito armado, mas nunca assinaram um tratado de paz. Ora, este poderá ser o primeiro fruto a colher da cimeira, que serviu de prelúdio à cimeira entre Trump e Kim. O objetivo da administração Trump, como os líderes coreanos também concordaram, é completar a desnuclearização da Península.
Genericamente, a Coreia do Norte quer garantia de segurança e respeito pela sua soberania. Em março, Kim disse ao Presidente chinês, Xi Jinping, que a desnuclearização da Península Coreana só pode ocorrer quando EUA e a Coreia do Sul adotarem medidas sincronizadas e progressivas para garantir a segurança do território norte-coreano. Nas entrelinhas, ficou a ideia de que Kim pedirá o fim das sucessivas sanções dos EUA e restante comunidade internacional impostas ao país devido aos testes nucleares e de mísseis, bem como a possibilidade de o líder norte-coreano pedir a Trump que reduza o número de tropas estacionadas no sul da Península como instrumento de “dissuasão”.
Com efeito, querer a desnuclearização e a paz monitorizadas por forças até agora inimigas não faz sentido. Talvez o faça uma monitorização levada a cabo por insuspeitas forças da ONU.
Em termos teóricos e técnicos, já que as Coreias nunca assinaram formalmente um acordo de paz, ainda estão em guerra. Kim, como o pai e o avô, seus antecessores, vê nos EUA e nas suas 30 mil tropas destacadas na Coreia do Sul uma ameaça à existência do seu país. Os exercícios militares conjuntos que os dois aliados organizam todos os anos na região, a par das não distantes no tempo campanhas militares dos EUA no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e, mais recentemente, na Síria, reforçam a ideia de Kim sobre a necessidade de ter armas nucleares para se proteger duma potencial invasão norte-americana. 
Por seu turno, a América, pretende, acima de tudo, que a Coreia do Norte ponha fim a todos os programas de armamento nuclear e mísseis balísticos, sobretudo depois de Kim ter ameaçado usá-los para atacar a América continental. Por outro lado, Trump – e isto é mais melindroso – quer ser recordado como o Presidente que conseguiu controlar Pyongyang e acabar com o estado de guerra entre as Coreias. 
Ainda não está agendada a cimeira. Até agora, Trump tinha prometido concretizá-la até junho. Nestes dias, anunciou que já tem alinhavadas “três ou quatro potenciais datas” e uma lista de “cinco locais” para a reunião. Se acontecer, será a primeira da História a juntar um Presidente norte-americano em funções e um líder norte-coreano.
Assim sendo, ainda não se tem a certeza de que a cimeira aconteça, embora pareça que tudo está encaminhado para tal, mas, em contraponto, em telefonema improvisado para o programa “Fox and Friends” da Fox News, o Presidente norte-americano declarou:
Posso sair [da reunião] muito rápido, com respeito, mas pode acontecer. Também pode dar-se o caso de o encontro nunca chegar a acontecer. Quem sabe?”.
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No entanto, Donald Trump saudou, ainda o dia 27, a cimeira entre os Chefes de Estado das duas Coreias e o respetivo acordo que prevê a “completa desnuclearização” da Península.
O acordo também prevê o fim oficial da guerra na Coreia, ao fim de 65 anos. Os combates acabaram há décadas, mas nunca foi assinado um acordo de paz e ocasionalmente ainda acontecem escaramuças ou incidentes entre soldados de cada lado da zona desmilitarizada que divide a península. Assim, Trump reagiu de forma entusiástica à notícia, recorrendo à sua rede social favorita, o Twitter, tendo escrito:
GUERRA DA COREIA TERMINA! Os Estados Unidos e todo o seu GRANDE povo devem ter muito orgulho no que está a acontecer na Coreia.”.
Noutra mensagem acrescentou com prudência:
Estão a acontecer coisas boas, mas só o tempo dirá!”.
E, num terceiro tweet, Trump agradece a ajuda do “grande amigo” o Presidente Xi, da China:
Sem ele teria sido um processo muito mais longo e duro”.
Trump prevê ainda encontrar-se com os dois chefes de Estado, separadamente, até junho.
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Num encontro, no dia 27, na Casa Branca com a chanceler alemã Angela Merkel, Trump confessou estar ansioso por conhecer Kim, mas sublinhou não repetir os erros anteriores. E prometeu manter “pressão máxima até que a desnuclearização aconteça”. Sem haver ainda uma data acertada para o encontro e estando ainda a ser negociado o local onde vai decorrer, no passado dia 23, Donald Trump deixava no ar a hipótese de não chegar a acontecer, esperando-se obviamente o contrário.
Recorde-se que, a 8 de março, Trump causou surpresa ao aceitar um convite de Kim para um encontro. Será a primeira vez que um presidente americano se reúne com um líder norte-coreano. E a verdade é que, há uns meses, ninguém imaginaria juntar dois homens que trocavam insultos. Enquanto a Coreia do Norte multiplicava os disparos de mísseis balísticos, alguns com capacidade para atingir os EUA, Trump garantia, em agosto, que as ameaças de Pyongyang seriam recebidas com “o fogo e a fúria, como o mundo jamais viu”. E Pyongyang respondia com uma ameaça direta a Guam, a ilha americana e base militar no Pacífico; e, a 3 de setembro, fazia o seu 6.º ensaio nuclear. Trump garantia na ONU estar pronto para “destruir totalmente a Coreia do Norte”, referindo-se a Kim como Rocket Man (homem foguete). Kim acusou o líder americano de ter “comportamento de doente mental”. Os dois compararam ainda o tamanho dos botões nucleares, com Trump a garantir que o americano é maior “e funciona”!
Porém, no discurso de ano novo em que voltava a ameaçar os EUA, Kim deixou a porta aberta ao diálogo com a Coreia do Sul e com a América. O ponto de viragem definitivo deu-se no mês seguinte, quando as Coreias desfilaram juntas sob a mesma bandeira na cerimónia de abertura dos jogos olímpicos de inverno.
Se esta aproximação tem um artífice é Moon Jae-in. O presidente sul-coreano, no poder desde maio de 2017, nunca escondeu o desejo de seguir os passos de outros líderes liberais como Kim Dae-jung ou Roo Moo-hyun, que se encontraram com Kim Jong-il,
No dia 27, Moon e Kim fizeram história na cimeira em que ditaram o fim da guerra da Coreia e o compromisso com a desnuclearização da península. E a comunidade internacional apressou-se a saudar o encontro e o documento assinado pelos dois líderes – do Japão à Rússia, da China aos EUA, passando pelo Secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, e por Portugal. Mas todos exigiram passos concretos, sobretudo quanto ao programa nuclear de Pyongyang.
O documento pouco esclarece sobre o que a Coreia do Norte tenciona fazer com o seu arsenal nuclear. António Guterres aplaudiu a “cimeira realmente histórica”, mas apelou a que os líderes coreanos transformem os seus compromissos em ações concretas.
Do esclarecimento sobre os próximos passos dependerá a existência e o sucesso da cimeira entre Kim e Trump. Os EUA já esclareceram que a desnuclearização da Coreia do Norte passa pela entrega de todas as armas nucleares. Mas Kim nunca admitiu fazê-lo. Por sua vez, Pyongyang, historicamente, exige que os americanos retirem as tropas estacionadas na Coreia do Sul e abdiquem de ter Seul sob o seu escudo de proteção antinuclear. Os EUA têm presença militar no país desde 1945 quando no final da II Guerra Mundial, que ditou o fim da ocupação japonesa da Península, se instalaram no Sul, ficando o Norte sob domínio soviético. Em 1950, quando o Norte invadiu o Sul, os americanos lideraram a ajuda a Seul, com apoio da ONU, tendo estado na assinatura do armistício três anos depois. Hoje, Washington continua a ser forte aliada de Seul. E ambas ganhariam com a normalização da relação com Pyongyang.
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O que se está a passar na relação entre as Coreias e entre a Coreia do Norte e os EUA pode parecer pouco. Porém, comparativamente com o que se via, dizia e fazia ainda na reta final do ano anterior, foi dado um grande passo, que o mundo parabeniza.  Esperamos que esse passo seja o prelúdio de muitos outros que é preciso dar no caminho da paz e na sã convivência dos povos. Que o tempo não faça reverter os acontecimentos positivos!
2018.04.28 – Louro de Carvalho

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