Segundo o que foi veiculado pela comunicação
social nos últimos dias, Hans Asperger, o médico que identificou o que mais tarde seria conhecido
como síndrome de Asperger (mercê
do nome do inventor), doença relacionada com o autismo, terá
colaborado com o regime nazi, enviando crianças para o
programa de eutanásia nazi para serem assassinadas.
Obviamente
que chamar àquele mecanismo programa de eutanásia não passa dum terrível
eufemismo. Trata-se, antes dum mecanismo de eugenia, defendido pelo regime em
que nasceu a II Guerra Mundial. Bastava não ser da raça ariana para já não ser
considerado imune de deficiência congénita. Ao contrário de outros posicionamentos,
o regime nazi considerada a eliminação dos judeus por razões biológicas.
Quanto aos
seres marcados pela síndrome de Asperger, é de referir a ironia de
num momento se decidir pela dita eutanásia e no momento seguinte se descobrir o tratamento para a doença.
A polémica hipótese foi investigada, segundo o JN on line de ontem, pelo historiador e médico Herwig Czech, da
Universidade de Medicina de Viena, na Áustria, que concluiu que o pediatra
recomendou o envio de crianças com deficiência para ‘Am Spiegelgrund’, clínica
que praticava o programa de eutanásia nazi. Quase 800 (mais propriamente 789) crianças morreram eutanasiadas por não terem suficiente higiene racial
entre 1940 e 1945.
Asperger sempre negou ter colaborado com o império hitleriano, mas, segundo
Czech, o médico “acomodou-se ao regime nazi e foi recompensado”. É a conclusão
dum estudo divulgado pela revista especializada “Molecular Autism” e sustentado pelos seus editores, que sublinharam
a profundidade da investigação, apoiando todas as suas conclusões, sabendo
tratar-se dum tema delicado da história da Medicina. Na informação de
Czech, “o programa (de eutanásia infantil) serviu o objetivo nazi de projetar uma sociedade
geneticamente ‘pura’, eliminando as vidas de quem possa ser considerado um fardo”. Pela sua lealdade, o médico
austríaco foi recompensado com oportunidades de carreira. Em 1938, descreveu
pela primeira vez um grupo de crianças com a condição de ‘psicopatas autistas’
e assinou relatórios com ‘Heil Hitler’. A síndrome de Asperger, forma leve
de autismo, recebeu esse nome pelo contributo de Hans, pioneiro na pesquisa
sobre autismo. No programa de ‘eutanásia’ infantil, o médico examinou mais de
200 pacientes, dos quais 35 foram considerados ‘ineducáveis’ e mortos por
injeção letal e em câmaras de gás.
Estas novas conclusões estão a ser recebidas de forma cautelosa pela
comunidade ligada à Síndrome de Asperger. À BBC, Carol Povey, diretora do
Centro de Autismo da Sociedade Nacional Autista do Reino Unido, apelou a todas
as pessoas diagnosticadas com Asperger a que “não se deixem afetar de forma
alguma por uma história tão perturbadora”.
Asperger morreu em 1980, aos 74 anos, sabendo-se agora
que cooperou ativamente com o programa nazi. Porém,
o pediatra e psiquiatra negou sempre o seu envolvimento até à data da sua
morte.
Hans Asperger descobriu a doença em 1944, mas só em 1981 ela ficaria
registada como síndrome de Asperger.
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Hans
Asperger, que viveu entre 1906 e 1980, afirmava que protegera os seus doentes
do regime nazi. Pouco tempo antes de morrer, num discurso na Universidade de
Viena, chegou a afirmar que era perseguido pela Gestapo por recusar entregar-lhe
crianças doentes. Porém, a recente investigação, acima referida, a documentos
pessoais e relatórios médicos nunca dantes examinados revela que Asperger
enviava crianças para uma clínica onde se praticava eutanásia, a clínica Am
Spiegelgrund em Viena.
Czech,
o responsável pela investigação, afirma que Asperger “conseguiu adaptar-se ao
regime nazi e foi recompensado pelas suas afirmações e lealdade com
oportunidades de carreira”. E o editorial da mesma revista “Molecular
Autism”, escrito por académicos de Cambridge, afirma que Asperger “se
tornou voluntariamente parte da engrenagem da máquina de matar nazi” e “parte dos
olhos e ouvidos do III Reich”. O médico não era, no entanto, membro do partido
nazi e afirmava que salvava as crianças do programa de eugenia nazi.
O mencionado
historiador concluiu que Asperger fez de facto concessões à ideologia nazi para
conseguir progredir na carreira, o que “envolveu um certo grau de colaboração
com o aparelho de limpeza da raça.
***
A síndrome de Asperger é uma forma de
autismo que foi identificada por Hans Asperger em 1944, embora o médico a tenha
denominado de “psicopatia autista”, denominação por que ficou conhecida até
1981. Neste ano, a psiquiatra britânica Lorna Wing referiu-a como síndrome de
Asperger, passando a ser conhecida por esta designação a partir dali.
Assim, a síndrome de Asperger é uma forma de
autismo, pela qual os doentes têm maior dificuldade em dizer o que sentem e em
fazer amizades; e têm dificuldade em perceber o outro e o que o outro sente. Tem
muitas semelhanças com o autismo, mas estes doentes têm, apesar de tudo, menos
problemas em comunicar e têm muitas vezes inteligência acima da média.
Johann Hans Friedrich Karl Asperger, nascido numa fazenda nos arredores de Viena, a
18 de fevereiro de 1906, era o mais velho de três irmãos. Ainda muito novo,
mostrou talentos especiais com a linguagem e, nos primeiros anos de escola,
tornou-se conhecido por recitar o poeta austríaco Franz Grillparzer. Tinha dificuldade
em fazer amigos, sendo por muitos considerado “distante”, mas,
nos anos 1920, formou amizades que duraram a vida toda. Formou-se em Medicina em
1931 e assumiu a direção da estação ludo-pedagógica na clínica infantil da Universidade
em Viena, em 1932. Casou em 1935 e teve 5 filhos. Desde 1934 esteve envolvido
com a clínica psiquiátrica, em Leipzig. Com especial atenção em crianças fisicamente
anormais, submeteu em 1943, o artigo “Die
‘Autistischen Psychopathen’ im Kindesalter” (A psicopatia
autista na infância) à revista Archiv für Psychiatrie und Nervenkrankheiten,
que o publicou no ano seguinte – trabalho baseado em estudos que envolveram
mais de 400 crianças.
Observou que
o padrão de comportamento e habilidades descrito ocorria preferencialmente em
meninos; denominou-o de psicopatia autista, desordem da personalidade
que incluía: falta de empatia, baixa capacidade de formar amizades,
conversação unilateral, intenso foco num assunto de interesse especial e
movimentos descoordenados. Asperger chamava as crianças que estudou
de pequenos professores, devido à habilidade de discorrerem detalhadamente
sobre um tema. No entanto, como viajava pouco e todas as suas publicações eram
em alemão, apenas na década de 1980 o seu nome foi reconhecido como um dos
pioneiros no estudo do autismo. Além disso, o seu principal trabalho foi
publicado durante a Guerra. No final da II Guerra Mundial, serviu como soldado
na Croácia. Depois em 1944, foi contratado como professor na
Universidade de Viena e tornou-se diretor da clínica infantil em 1946. Tornou-se,
em 1957, professor na clínica infantil da universidade – a Universitäts-Kinderklinik,
em Innsbruck, e, desde 1962, manteve a mesma posição em Viena. Em 1964, encabeçou
o posto médico das SOS-Kinderdörfer (Aldeias SOS Infantis) em Hinterbrühl. Ficou professor emérito em 1977.
Trabalhou até ao fim, ministrando aulas até seis dias antes de morrer, a 21 de outubro
de 1980. Publicou 359 trabalhos, a maioria sobre dois temas: psicopatia
autista e morte.
***
Também conhecida
por seus estudos sobre o autismo foi a médica psiquiatra inglesa Lorna Wing, nascida a 7 de
outubro de 1928 e falecida a 6 de junho de 2014.
Tendo uma
filha autista, envolveu-se em pesquisas sobre distúrbios do desenvolvimento,
sobretudo os conexos com o espectro da desordem autista. Com outros pais de
crianças portadoras da síndrome, fundou a NAS (National
Autistic Society) no Reino
Unido, em 1962.
Nascida a
filha, na década de 50, a visão dominante do autismo era sob o
prisma psicanalítico, o que envolvia a análise primacial do tratamento
dado à criança pelos pais. Essa visão é atribuída aos estudos de Leo Kanner,
pois em textos sobre 11 crianças autistas questiona o papel dos pais na
produção do quadro evasivo no desenvolvimento dos pacientes, mas foi com os
escritos de Bruno Bettelheim que a ideia das “mães geladairas” teve infeliz
aceitação. Mais tarde, tal visão foi transformada, passando a sugerir
influência da genética e o desenvolvimento do cérebro.
Foi então
que Wing se juntou a Judith Gould para um estudo no bairro londrino de
Camberwell, em que descobriram que as crianças alvo de análise possuíam
elementos comuns nos vários distúrbios, sendo um deles a dificuldade de relacionamento
social. No autista, perde-se a capacidade imaginativa, que é aquela que nos
permite enfrentar as situações da vida e emerge a presença de grande dificuldade
de comunicação – carateres que Wing denominou de tríade.
No
diagnóstico de autismo usa-se a análise dos três défices, a “Tríade de Wing” (em homenagem
à proponente), atinentes
às dificuldades das crianças na imaginação, socialização e comunicação. Por
esse prisma, o número de crianças diagnosticadas como autistas, que no Reino
Unido é de 4 ou 5 por 10 mil, passa a ser de 15 a 20, quando relacionados à
tríade. E a doença ocorre 4 vezes mais em meninos que em meninas, mas nestas o
quadro tende a ser mais severo.
Wing criou
parâmetros para a diagnose do autismo, com a proposição de 6 pontos
básicos: verbalização correta, mas estereotipada e pedante; comunicação não verbal
caraterizada por gestos inadequados, voz sem entonação e poucas expressões
faciais; ausência de empatia; preferência pela repetição, aversão às mudanças;
defeitos de coordenação motora, como postura e movimentos; e boa memória
mecânica e limitados interesses especiais.
Morando
em Sussex, embora aposentada, trabalhava como consultora psiquiátrica no
Centro para Distúrbio sócio-comunicativo (Centre for Social and Communication
Disorders) no Elliot
House, da NAS. A entidade batizou o centro de autismo com o nome da Dra. Wing – NAS Lorna Wing Centre for Autism,
que é o primeiro no Reino Unido a tratar do diagnóstico, avaliação e serviço de
aconselhamento para crianças, adolescentes e adultos portadores da doença.
***
Nem sempre a
ciência e o cientista são imunes ao serventualismo a regimes políticos e
económicos, perversos e condicionantes da carreira (quem paga
manda) como também o estudo é motivado
por razões de família. Seja como for, bem-vindo o progresso. Mas haja
liberdade!
2018.04.20 –
Louro de Carvalho
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