sábado, 7 de abril de 2018

No fim do 1.º trimestre nada sabemos sobre a proteção contra os fogos


A diretiva que estabelece os meios para combate aos fogos era usualmente apresentada antes do final de março. Este ano, nada se sabe. Obviamente, bombeiros e peritos estão preocupados. Não, não é apenas a nova Lei Orgânica da Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANPC) que está com atraso, como admitiu o Primeiro-Ministro no dia 4, no Parlamento.
Está com atraso considerável também a diretiva operacional nacional, que é urgente por estabelecer os meios que integram o DECIF (Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais) no respetivo ano.
A nova Lei Orgânica alegadamente não interfere com a atividade do verão e meses seguintes, mas o atraso da diretiva pode ser grave já que determina os meios e o modo de atuação no combate aos fogos florestais. A este respeito, o gabinete do Ministro da Administração Interna revelou ao Público que a diretiva “estará pronta nas próximas semanas”, mas sem especificar uma data qualquer.
Entretanto, Eduardo Cabrita, no passado dia 4, durante a interpelação do CDS ao Governo sobre a “preparação da próxima época de incêndios” e os atrasos na contratação das aeronaves, cujos valores e condições dos concursos dividem Executivo e empresas, declarou:
Enfrentamos aquilo que são os problemas reais com respostas efetivas. Face à dimensão do problema, Portugal está mais preparado do que alguma vez esteve para enfrentar este problema.”.
No dia 5, o Primeiro-Ministro deslocou-se ao Parlamento para o debate quinzenal. Questionado ali pelo PSD sobre a nova Lei Orgânica da ANPC, afirmou:
Aquilo que prevemos é que, no próximo mês, a Lei Orgânica da ANPC e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas possa ser aprovada em Conselho de Ministros”.
Ora, a 9 de novembro de 2017, aquando da posse do novo presidente da ANPC, tenente-general Mourato Nunes, o Ministro marcou-lhe até março de 2018 “o desafio” de apresentar “um novo modelo para” a ANPC, ser “necessária uma nova orgânica para esta nova missão da ANPC”.
Agora, interpelado pelos jornalistas sobre os atrasos na aprovação da nova lei orgânica, aduziu inexplicavelmente que os novos quadros legais da ANPC, do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) e da AGIF (Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais) “não vão ter nenhuma influência nos próximos meses”, argumentando que as novas leis orgânicas são “para o futuro, para vigorar em 2019” e que, portanto, “não vão desestabilizar a estrutura”.
Obviamente que não se pode estar mais em desacordo. As preditas novas leis orgânicas resultam da verificação da inadequação de meios, de descoordenações, de falhas e lacunas, de sobreposições e insuficiências e de indevidas interferências entre intervenientes e grupos. Por isso, deviam ter sido atempadamente estudadas as matérias em causa e apresentadas as propostas de lei ou projetos de decreto-lei para discussão pública e aprovação final em tempo útil. Dizer que são para futuro é a tautologia de sempre porquanto, em princípio, leges non respiciunt retro nisi aliud expresse caveatur.
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Ainda não se sabe quando será conhecida a Diretiva Operacional Nacional n.º 2, que estabelece os meios que integram o DECIF – nos últimos anos apresentada antes do final de março. E já lá vão sete dias. Ora, isto não pode deixar impávidos e serenos bombeiros e especialistas. Ao invés, como refere o Público de hoje, dizem-se “preocupados” e “apreensivos” com estes atrasos, especialmente com a diretiva.
Fernando Curto, presidente da ANBP (Associação Nacional de Bombeiros Profissionais), afirma que estão todos “muito preocupados”, pois está “tudo parado devido a estes atrasos”. E, tendo em conta que “o tempo urge e falta saber quase tudo”, lembra que, depois de conhecidos os diversos documentos, “eles ainda vão ter de passar por um período de consultas, de propostas de alteração e aprovação, o que pode levar a novos atrasos”. Mais, referindo-se às atuais condições atmosféricas, avisa que “estamos em abril, mês de águas mil, e está a chover, mas o tempo pode mudar a qualquer altura”, sendo esta “uma situação muito delicada”.
Na verdade, esta advertência é pertinente, quer em relação à metodologia da legística, que é de si muito morosa para que a lei tenha o mínimo de qualidade e de participação democrática, quer no atinente à putativa mudança das condições climatéricas – sendo de recordar que uma das causas (que não a principal) do desastre de outubro passado foi a previsão da aproximação de chuvas, que induziu queimadas cujo controlo poderia ter sido secundado pela precipitação, que afinal chegou com atraso e com muito vento.   
Por sua vez, Jaime Marta Soares, presidente da LBP (Liga dos Bombeiros Portugueses), também se diz “preocupado com os atrasos”. E, nesse tom profético que se tenta a utilizar para advertir, diz que “se tivermos mais um ano difícil, e tudo indica que vamos ter (e é neste segmento do “tudo indica que vamos ter” que reside o seu tom profético), devido às alterações climáticas, estes atrasos podem vir a revelar-se muito complicados”. O presidente da LBP sustenta que “com tudo o que devia ser conhecido até 30 de março, e não foi, cria-se uma situação em que já começa a ser tarde para preparar tudo como deve ser”. E vai mais adiante. Até o que foi publicado o não satisfaz.
Que pretenda tudo perfeito, concordo, mas não na acusação ao Governo de não ter acolhido “as propostas feitas pela LBP” ou que acolhera “aquelas que corrigiam erros primários”, mas não pagaram direitos de autor, mas as restantes não foram acolhidas”. Valha-nos Deus. Quantos não ficarão ofendidos por os seus nomes não figurarem nos normativos ou por não serem acolhidas todas as suas propostas. Também me cabe queixar por experiência própria, não?
Pois o rico não gostou da publicação, no dia 3, do documento publicado em Diário da República com a revisão do SGO (Sistema de Gestão de Operações), que define as funções, responsabilidades e níveis de decisão. E admite que as corporações de bombeiros voluntários podem, “face ao desconhecimento de como vai ser feita a próxima época de combate a incêndios florestais”, vir a “recusar responder às atividades dependentes da ANPC”. E, escudado na reunião dos dirigentes da LBP para o balanço das negociações com o Governo sobre o DECIF, que julgam “estar aquém do esperado”, especificou:
Estarão dispostos para responder às populações, já à ANPC vamos ver”.
Abstrusa distinção entre resposta às populações e resposta à ANPC!
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Não obstante, Domingos Xavier Viegas, coordenador do CEIF (Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais) da FCT-UC (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra) e autor dum relatório sobre o incêndio de Pedrógão Grande, desvaloriza o atraso da nova Lei Orgânica da ANPC, sustentando que “o atual dispositivo [da ANPC] existe, é sólido e mantém-se em vigor”. Porém, não deixa, de manifestar “alguma apreensão” pelo atraso da diretiva operacional nacional, que “causa alguma indefinição”.
Entretanto, mostra-se “confiante de que vão ser conseguidos os meios necessários para responder às situações que possam surgir”.

No mesmo sentido ressalta a opinião de José Manuel Moura, antigo comandante operacional da ANPC, afastado pelo Governo em 2016, que integrou a CTI (comissão técnica independente) na investigação dos incêndios de junho e outubro do ano passado. Sustenta a este respeito:
O atraso da nova Lei Orgânica da ANPC poderia ser relevante, se houvesse alteração de pessoas na estrutura, o que parece que não vai acontecer. Já o eventual atraso da Diretiva Operacional Nacional N.º 2, que habitualmente é conhecida em março, pode ser mais complicado, porque é esta que vai definir toda a estrutura.”.
E três comandantes regionais que o Público pretendeu ouvir, recusaram comentar os atrasos em virtude da sua situação funcional, mas consideram que os documentos em causa são “importantes e balizadores” de todo o sistema operacional.
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Por seu turno, para o presidente da CTI, João Guerreiro (antigo reitor e professor catedrático da Universidade do Algarve), o “grande ensinamento” das tragédias de 2017 é o de que o ataque inicial aos incêndios florestais é fundamental e será, no futuro, particularmente decisivo. E, neste sentido, declarou ao Público:
Nas condições meteorológicas que começam a afetar-nos com enorme intensidade, os incêndios ou são atacados logo no seu início, ou é muito difícil suprimi-los”.
E avisa que, para o ataque inicial ter êxito, há que juntar conhecimento e meios. Assim, sugere:
Recorrer aos modelos de previsão atmosférica incorporando conhecimento atualizado e garantir forças e meios capazes de, rapidamente, conseguirem extinguir as ignições, tenham elas a origem que tiverem”.
Ou seja, há que fazer “maior integração entre a investigação e a previsão com a componente operacional” e, em simultâneo, promover “uma maior qualificação e profissionalização das forças operacionais”.
Em resposta escrita a um conjunto de perguntas do Público, Guerreiro recorda algumas das principais conclusões dos dois relatórios da CTI, que resume em três ordens de questões: “a ausência de prevenção estrutural contra incêndios, por falta de estratégia, nas últimas décadas, para compensar o abandono do mundo rural e de medidas para a gestão da floresta; as alterações climáticas e o aparecimento de fenómenos atmosféricos extremos; e o modelo de combate aos incêndios florestais”. Em sua opinião, o modelo em vigor no ano passado era “pouco qualificado e com enorme dificuldade de coordenação”, além de estar “desfasado das duas primeiras questões e estruturado de forma muito segmentada”.
A CTI enfatizou a falta de prevenção nos dias das tragédias, até porque o IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) alertara para o risco extremo das condições meteorológicas em algumas zonas, que terão sido negligenciados. E Guerreiro insiste nesse ponto:
Se se tivessem utilizado as capacidades técnicas e científicas para antever o que se iria passar, é provável que os efeitos não tivessem sido tão devastadores”.
Contudo, Guerreiro prefere frisar o objetivo dos trabalhos da CTI de superação dos erros do passado e de identificação do que, no futuro, deve ser feito, do que deve ser evitado ou ser objeto de “alteração profunda do nosso sistema de Proteção Civil”. E, face a quanto já foi anunciado pelo Governo e embora saliente a escassez de informação sobre o que está a ser preparado para o verão deste ano, sublinha pela positiva “a criação da Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais, a aprovação da diretiva única, a contratação de coordenadores e de peritos da agência (em curso), [e] o reforço do corpo especial da GNR”. Elogia “a mobilização geral em torno da redução dos combustíveis vegetais e das preocupações quanto às medidas de autoproteção” das populações, mesmo sabendo que “há problemas estruturais que não se resolvem de um ano para o outro”. Sublinhando que o problema resultante da inexistência duma “cultura de afirmação da importância da floresta” e, nos últimos anos, do “alheamento das políticas públicas destas realidades”, não ficará resolvido “a curto prazo”, diz que o importante é que “se adotem iniciativas”, “se tomem decisões e “se avance solidamente nessa direção”.
Enfim, para Guerreiro, o novo modelo “parece teoricamente acertado”. Porém, “como em tudo, depende sobretudo da melhor ‘mistura’ da qualificação das pessoas, da disponibilidade do conhecimento, da convergência institucional, da mobilização social e da criação duma cultura favorável ao reconhecimento efetivo das funções diversificadas (económicas, sociais e ambientais) proporcionadas pela floresta.
(cf textos de Luciano Alvarez e Leonete Botelho, in Público, 2018.04.07, pgs 6-7; e cf Correio da Manhã on line, de hoje)
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No meio de atrasos e contradições, há, de facto, que apurar o sentido crítico, manter a cabeça fria, mas não extremar posições e, sobretudo, acalentar e semear alguma esperança conjugada com o sentido da realidade!
2018.04.07 – Louro de Carvalho

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