A liturgia do Dia da Divina
Misericórdia, no II domingo de Páscoa apresenta-nos a comunidade de Homens
Novos que nasce da cruz de Cristo e da Sua ressurreição: a Igreja, cuja missão
consiste em revelar aos homens a vida nova que brota da ressurreição.
A 1.ª leitura (At 4,32-35) dá-nos o “retrato” da comunidade de
Jerusalém, os traços da ideal comunidade cristã: uma comunidade fraterna, com a
preocupação de conhecer Jesus e a Sua oferta de salvação, que se reúne para louvar
o Senhor na oração e na Eucaristia, que vive na partilha, na doação e no
serviço e que testemunha – com gestos concretos de desprendimento e de entrega –
a salvação que Jesus propõe e oferece aos homens e ao mundo.
A 2.ª leitura (1Jo 5,1-6) recorda aos membros da comunidade
que ser cristão não consiste apenas em aceitar a mensagem de Cristo como a mais
bela de todas, mas é, antes e acima de tudo, a adesão pessoal a Jesus Cristo. É
crer que Ele é Homem em carne e osso, ligado à nossa história, e o Messias,
Aquele em quem se cumprem as promessas de Deus à Humanidade, em suma o Filho de
Deus. Pela fé, alicerçada em Jesus Cristo, Messias e Filho de Deus que nos
introduziu, pela Sua Morte e Ressurreição, numa inefável relação com Deus e nos
pôs em comunhão com os homens filhos de Deus, nós participamos da Sua vitória
sobre o mal. Assim, a identificação do crente com Cristo – com a sua entrega
por amor ao Pai e aos homens – levará à ressurreição. Por isso, somos instados
a percorrer a vida com esperança (apesar das dificuldades, sofrimentos e hostilidades do
“mundo”), de olhos
postos nesse horizonte onde se desenha a salvação definitiva. Amando Deus e o Seu
Cristo, amamos os irmãos, o que se mostra cumprindo os mandamentos. E esse
amor, em consequência da fé, conduz-nos à vitória sobre o mundo, vitória que
consiste em participar na vitória de Cristo sobre o mundo, de Cristo que nos
ganhou pela água e pelo sangue, derramados na cruz, e de quem o Espírito dá
testemunho, porque o Espírito é a verdade.
E o Evangelho (Jo 20,19-31) coloca
Jesus vivo e ressuscitado como centro e gerador da comunidade cristã; é à Sua
volta que a comunidade se estrutura e é d’Ele que ela recebe a vida que a anima
e a missão que é chamada a desempenhar e que a leva a enfrentar as dificuldades
e as perseguições. Porém, é na vida da comunidade (na sua catequese, liturgia, amor,
testemunho) que os
homens veem a prova de que Jesus está vivo.
***
O Dia da Divina Misericórdia
Neste domingo,
dedicado à Divina Misericórdia por decisão de São João Paulo II no ano jubilar
do milénio, o Senhor mostra-nos, através do Evangelho, as suas chagas, “aquelas
chagas pelas quais fomos curados” (Is 53,5) e convida-nos, como a Tomé, a aproximarmo-nos, a
entrar no mistério destas chagas, o grande mistério do Seu amor misericordioso
por nós. Através destas chagas, “como que através duma brecha luminosa, podemos
ver e entrever todo o mistério de Cristo”: não só os sinais da Paixão gloriosa,
mas toda a Sua vida, “desde a Encarnação à Ressurreição, sinalizada pelo
cuidado dos mais pequenos, pela atenção privilegiada aos mais pobres, pela
proximidade com os doentes, pela oferta do perdão e da misericórdia aos
pecadores”. Na verdade, em Cristo “nada há que seja desprovido de compaixão” (MV 8). Ressuscitado, manifesta-Se aos discípulos, não para
um ajuste de contas, mas para os convidar a tocar as Suas feridas, a assumir a
realidade do pecado que fere o Seu coração. É aí que os discípulos experimentam
a abundância da misericórdia, que brota do lado aberto de Cristo e que, ao
mesmo tempo, Jesus derrama sobre eles o dom do Espírito Santo que os capacita para
receber e oferecer o perdão em nome do Ressuscitado.
Este desafio
a aproximar-se, para ver e tocar as chagas de Jesus e assim entrar e penetrar
no mistério da misericórdia divina tem sido recorrentemente lançado por
Francisco, quando nos convida “a tocar a
carne sofredora de Cristo” (EG 24; 270). E, na
Bula Misericordiae Vultus (para o
Jubileu da Misericórdia) o Papa vigorosamente
reitera e concretiza este apelo quando nos diz:
“Quantas feridas gravadas na carne de muitos
que já não têm voz, porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por causa da
indiferença dos povos ricos. Neste Jubileu, a Igreja sentir-se-á chamada ainda
mais a cuidar destas feridas, a aliviá-las com o óleo da consolação, a
enfaixá-las com a misericórdia e a tratá-las com a solidariedade e a atenção
devidas” (MV 15).
(Dom António Francisco dos Santos, in Homilia, 2016, Paços Ferreira)
***
A comunidade cristã de Jerusalém (At 4,32-35)
Descrita a irrupção do Espírito Santo sobre os discípulos
reunidos no cenáculo (cf
At 2,1-13) e após a
apresentação (através dum
discurso de Pedro) dum
resumo do testemunho dos primeiros discípulos sobre Jesus (cf At 2,14-36), Lucas vinca o resultado da
pregação dos apóstolos: as pessoas aderem massivamente (fala de três mil pessoas que, nesse
dia, se juntaram aos discípulos) e nasce a comunidade cristã de Jerusalém (cf At 2,37-41). São os primeiros passos dum
caminho que a Igreja de Jesus vai percorrer de Jerusalém a Roma (o cento do mundo coevo).
O trecho de hoje integra um conjunto de três sumários com que
Lucas descreve aspetos fundamentais da vida da comunidade. Este é o segundo
sumário, que vem a seguir à oração da Igreja a pedir a libertação de Pedro e é dedicado
à unidade e ao impacto que o estilo de vida cristã provocou no povo da cidade,
incluindo a partilha dos bens (os outros dois sumários tratam da vida em comum como consequência de
terem abraçado a fé – cf At 2,42-47 – e do testemunho da Igreja através da
atividade miraculosa dos apóstolos – At 5,12-16). Todavia, estes sumários não são retrato histórico
rigoroso da comunidade no início da década de 30 (embora com algumas bases históricas). Quando Lucas escreveu o relato (década de 80), tinha já arrefecido o entusiasmo
inicial dos cristãos: Jesus não voltara para instaurar o “Reino de Deus” e o
horizonte das primeiras grandes perseguições é visto com clareza. Nota-se algum
desleixo, monotonia falta de entusiasmo, divisão e confusão (começam a aparecer falsos mestres, com
doutrinas estranhas e pouco cristãs). Neste contexto, Lucas recorda o essencial da experiência
cristã e traça o quadro do que a comunidade deve ser.
Temos aqui a ação social da comunidade em prol dos mais
necessitados, decorrente de serem um só coração e uma só alma. O espírito de
caridade fraterna opera de modo que os mais abastados não considerem como seu o
que possuem, mas vendam e coloquem o produto à disposição dos apóstolos para
distribuição (é empregue
o verbo diadídômi, como em At 2,45) por cada um conforme as necessidades.
Esta comunidade ideal, que nasce do
Espírito e do testemunho dos apóstolos, é uma comunidade de irmãos, que vive num só coração e numa só alma, ou seja,
na unidade de pensamento e afeto. O coração significa, para um semita, a
inteligência, enquanto a alma se refere à vida afetiva. E esta unidade de
sentimento concretiza-se no desprendimento dos bens materiais. É a pobreza de
espírito em consequência e em favor de uma só fé e um amor comum.
O testemunho dos apóstolos tem como objeto o facto da ressurreição
de Cristo e como carisma, os milagres e a liberdade e valentia com que se
aplicam à pregação. Como é óbvio para eles, não podem calar-se e compete-lhes
obedecer a Deus e não aos homens.
A venda de bens e a dádiva do produto não eram obrigações
impostas, mas fruto da livre adesão. O verbo empregue a significar “dar” (dídômi) é o
mesmo de Lc 12,33 e Lc 18,22. Aludirá ao conselho – e não imposição sistémica –
de vender e dar aos pobres, que é recorrente em Lucas (a partir de Lc 9,20-26).
Enquanto em At 2,46, se diz que “tinham a simpatia do povo”,
aqui a frase é “uma grande graça operava em
todos eles” – podendo talvez significar a simpatia da parte do povo, mas de
certeza a simpatia e o beneplácito de Deus.
O cenário desta comunidade desprendida pode
ser hiperbólico, funcionando como apelo aos cristãos enfraquecidos do fervor
inicial, mas pode também significar a primitiva permeabilidade do exemplo
essénico, o qual, além da profissão celibatária, se regia pela disciplina da
ascese e do desprendimento dos bens pessoais em favor da vida em comum.
Em todo o caso, ressalta que a comunidade era assídua ao ensino
dos apóstolos, o que revela o empenho pessoal e comum em conhecer e acolher a
proposta de salvação que vem de Jesus, através do testemunho dos apóstolos (e não através dessas doutrinas
estranhas trazidas pelos falsos mestres e que ameaçavam invadir a comunidade); era assídua à oração, cimento da
relação com Deus e com os irmãos; era assídua à fração do pão, porque a
Eucaristia é o centro da vida cristã, funcionando como ponto de convergência e
ponto de irradiação; era assídua e benévola na partilha de bens e na atenção
aos necessitados, a ponto de se poder dizer que ali não havia necessitados. E,
se a necessidade invadia o coletivo, todos eram necessitados, pois viviam em
comum. Tanto assim era que Paulo organizou coletas em favor da Igreja de
Jerusalém.
Esta é uma comunidade que dava testemunho. Os gestos
realizados pelos apóstolos enchiam toda a gente de temor (At 2,43) – quer dizer, infundiam em quem os testemunhava a
inegável certeza da presença de Deus e seus dinamismos de salvação. Além disso,
a piedade, o amor fraterno, a alegria e a simplicidade dos crentes provocavam a
admiração e a simpatia do povo e a benevolência do Alto; esse modo de viver
interpelava os habitantes de Jerusalém e fazia com que aumentasse todos os dias
o número dos que aderiam à proposta de Jesus e à comunidade da salvação. A
primitiva comunidade, nascida do dom de Jesus e do Espírito é verdadeiramente
uma comunidade de homens e mulheres novos, que dá testemunho da salvação e anuncia
a vida plena e definitiva. Não sendo realmente uma comunidade ideal, dado que
havia tensões e problemas (como acontece com qualquer comunidade humana), a descrição de Lucas, baseada em
momentos de brilho, aponta a meta a que toda a comunidade deve aspirar,
confiante na força do Espírito. Trata-se, portanto, dum retrato da comunidade
ideal, que pretende servir de modelo à Igreja e às igrejas de todas as épocas e
lugares.
***
Todo o que nasceu de Deus vence o mundo (1Jo 5,1-6)
João, neste pequeno trecho da sua 1.ª carta, dá-nos, em jeito
de contraponto, uma breve, mas inestimável resenha – uma rica pérola – dos
temas por que sente especial predileção: a fé; o amor de Deus; a filiação
divina dos crentes; a observância obediente dos mandamentos; a vitória de
Cristo e dos crentes sobre a mundanidade; e o dom e o testemunho do Espírito. É
preciso assimilar cada uma das suas afirmações e entendê-las como interconexas
e interativas, evitando esquematizá-las ou separá-las, o que seria redutor e perigoso.
Não obstante, o texto pode repartir-se em dois pontos: exigências e poder da
fé; e a força de crer no testemunho de Deus.
Quanto ao primeiro ponto, fica evidente
que “aquele que crê que Jesus é o Cristo nasceu
de Deus e todo aquele que ama quem o gerou ama também quem por Ele foi gerado”.
Daqui resulta uma consequência vital: “reconhecemos
que amamos os filhos de Deus, se amamos a Deus e cumprimos os seus mandamentos”.
Com efeito, “o amor de Deus consiste
precisamente em guardarmos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são
uma carga”, mas um alívio da alma, “porque
todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo”. Ora, “este é o poder vitorioso que venceu o mundo: a nossa fé”. Pelo que
vem a propósito a pergunta: “E quem é que
vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é Filho de Deus?”.
E o segundo ponto surge como reforço da questão levantada. “Este, Jesus Cristo, é Aquele que veio com
água e com sangue; e não só com a água, mas com a água e com o sangue”. E sabemos
isto pelo testemunho do Espírito. Com efeito, “é o Espírito quem dá testemunho, porque o Espírito é a verdade”. E,
na sequência, viriam dois versículos concludentes:
“São três os que dão
testemunho: o Espírito, a água e o sangue; e os três coincidem no mesmo
testemunho” (1Jo 5,7-8).
***
A comunidade da Nova Aliança (Jo 19,19-31)
O cap. 19 do Evangelho de João integra a segunda parte do
Quarto Evangelho, onde nos é apresentada a comunidade da Nova Aliança. A
indicação de que estamos no “primeiro dia da semana” remete para o tempo novo,
o tempo subsequente à morte/ressurreição de Jesus, ao tempo da nova criação. A comunidade
criada a partir da ação de Jesus está reunida no cenáculo, em Jerusalém,
desamparada e insegura, cercada por um ambiente hostil. O medo vem do facto de
não terem ainda feito a experiência de Cristo ressuscitado.
O texto proclamado no II domingo de Páscoa, Dia da Divina Misericórdia, divide-se em
duas partes. A primeira (vv
19-23) relata uma
“aparição” de Jesus aos discípulos. Depois de sugerir a insegurança e
fragilidade da comunidade apostólica (o “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo”), o autor apresenta Jesus “no
centro” da comunidade (v
19b). Ao aparecer “no
meio deles”, Jesus assume-se como ponto de referência, fator de unidade,
videira em que se enxertam os ramos. A comunidade, que estava reunida no
desalento, passa a estar reunida à volta d’Ele, pois Ele é o centro aonde todos
vão beber a vida que faz vencer o “medo” e a hostilidade do mundo.
A esta comunidade fechada, com medo, mergulhada nas trevas da
hostilidade, Jesus transmite duplamente a paz (vv 19 e 21: é o “shalom” hebraico, no sentido de
harmonia, serenidade, tranquilidade, confiança, vida). Assegura, assim, aos discípulos
que venceu o que os assustava (a morte, a opressão, a hostilidade do mundo) e que, doravante, não têm qualquer razão para ter
medo.
Depois (v
20a), Jesus revela a sua
“identidade”: nas mãos e no lado trespassado estão os sinais do amor e da
entrega. É nesses sinais de amor e doação que a comunidade reconhece Jesus vivo
e presente no seu meio. A permanência desses “sinais” indica a permanência do amor
de Jesus: Ele é o Messias que ama e de quem brotarão a água e o sangue que
constituem e alimentam a comunidade. Os sinais mostram a continuidade do
Ressuscitado em relação ao Crucificado.
Em seguida (v 22), Jesus soprou
sobre os discípulos reunidos. O verbo aqui utilizado é o mesmo do texto grego
de Gn 2,7 (Deus soprou
sobre o homem de barro, infundindo-lhe a vida de Deus). Com o sopro de Gn 2,7, o homem
tornou-se um ser vivente; e com este “sopro” pascal, Jesus transmite aos
discípulos a vida nova que faz deles homens novos. Agora, os discípulos possuem
o Espírito, a vida de Deus, para poderem – como Jesus – dar-se generosamente
aos outros. É este Espírito que constitui, pelo Batismo, e anima, pela
Eucaristia (e pelas suas moções) a comunidade.
A segunda parte (vv 24-29) faz-nos uma catequese sobre a fé. João ensina que podemos fazer a
experiência da fé em Cristo vivo e ressuscitado na comunidade dos crentes, que
é o lugar natural onde se manifesta o amor e donde ele irradia. Tomé representa
os que vivem fechados em si próprios (está fora) e não fazem caso do testemunho da comunidade, nem percebem os sinais de
vida nova que nela se manifestam. Em vez de se integrarem e participarem da
experiência, pretendem obter uma demonstração particular de Deus. No entanto, Tomé
fará a experiência de Cristo vivo no interior da comunidade, porque no “dia do
Senhor” estará na e com a comunidade. Temos aqui uma clara alusão ao domingo, dia
em que a comunidade é convocada para celebrar a Eucaristia. Com efeito, é no
encontro com o amor fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra
proclamada, com o pão de Jesus partilhado, que se descobre o Ressuscitado. A
experiência de Tomé não é exclusiva das primeiras testemunhas; todos os
cristãos de todos os tempos e lugares podem fazer esta mesma experiência.
***
O melhor ato
de fé: “Meu Senhor e
meu Deus!”
Ao cair da tarde. Em Jerusalém, onde há dias ocorrera
a morte do Nazareno por crucifixão. A noite está a chegar. Rareiam os clarões
de luz. A hora do tempo marca o ritmo do coração e indicia o estado de ânimo: esperança
muito em baixo. Refugiados em casa, cheios de medo e portas trancadas, sobretudo
as do espírito encerrado ao futuro, estão os discípulos. O desfecho do sonho de
três anos deixou-os em estado de choque. O Rabi, em quem haviam depositado toda
a confiança, teve morte trágica, vítima de processo iníquo em que se empenharam
as forças religiosas e políticas. A hora era de trevas e os semáforos da
esperança não funcionavam. Restava a saudade engordada pela revisitação das
suas atitudes na Ceia, no Horto e na agonia, na prisão e nos passos rumo ao
Calvário. Retinham na memória a emblemática liberdade de Jesus, a dignidade da
sua postura e comportamentos, a determinação e firmeza dos gestos. Viviam a
vibração das emoções sentidas e o sentido amargo da deslealdade e debandada.
Abatidos, procuraram segurança numa casa onde se protegiam reciprocamente e se
interpelavam mutuamente com perguntas angustiadas. Como nós, eram especialistas
no sofrimento, mas céticos à experiência da Ressurreição. De facto já tinham
sido avisados (Jo 20,18).
Jesus apresenta-se no meio deles de modo simples. É
sempre Ele que toma a iniciativa e surpreende. E saúda-os amigavelmente: “A paz esteja convosco”. O narrador do
episódio não alude a qualquer censura pelo passado recente. Apenas refere que
lhes mostra as mãos e o lado, com as cicatrizes da paixão, sinais da identidade
de crucificado. É Ele, o mesmo, o Senhor.
Nova aurora começa a despontar: desanuvia-se o
espírito, renasce a esperança e enche-se de alegria o coração. É a primeira vez
que ver o Senhor enche de alegria – sustentou Dom Francisco Senra Coelho na homilia de
hoje na Senhora da Graça. No Antigo Testamento, a aproximação de Deus causava
medo e a sua visão causaria a morte. Por isso, o vidente cobria o rosto!
Aquele movimento interior do Cenáculo é estimulado por
Jesus ressuscitado que prossegue:
“A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me
enviou, também Eu vos envio a vós.”.
E para os guiar na missão apostólica e garantir a
fidelidade da mensagem, acrescenta:
“Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem
perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes,
ser-lhes-ão retidos.”.
É a confiança acrescida e credenciada, o tesouro do
perdão deixado em pobres “mãos de barro. E a missão começa pelos de casa. Tomé,
o ausente, recebe a boa notícia: “Vimos o
Senhor!”. E reage com desfaçatez prudente. O anúncio vinha de quem se tinha
“portado mal”, negando-O e fugindo. A Nova ultrapassa a imaginação, o que a
razão humana pode atingir. É arriscado aceitar, sem prova, o testemunho dado. A
cautela é a conselheira. Por isso, o discípulo prudente pretende ver a claro o
sinal dos cravos, meter a mão no peito aberto pela lança, experienciar os
sentidos, tocando as cicatrizes das chagas. E este desejo será satisfeito.
Passados oito dias, Jesus mostra-se novamente. Tomé
está na comunidade reunida. Jesus faz a saudação da paz e dirige-se a ele: “Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima
a tua mão e mete-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crente”. A oferta
ultrapassa a exigência, o amor aproxima e a misericórdia faz-se compaixão. E
Tomé nem precisa de tanto. A exclamação sai-lhe espontânea e convicta: “Meu Senhor e meu Deus!”. É a fé
incondicional, superadas as legítimas dúvidas, a resposta humana razoável
tocada pela luz divina, o encontro pessoal de quem faz experiência marcante
geradora de novos dinamismos de relação filial e de adoração.
O Evangelho de João é escrito para os cristãos que,
não tendo visto Jesus, são chamados ao discipulado, a viver a alegria da fé. “Felizes os que acreditam sem terem visto”,
replica Jesus abrindo horizontes de bem-aventurança a todas as gerações de
fiéis seguidores, a nós, portanto. Vale a pena refletir nesta verdade
interpelante e consoladora.
João conclui a narração garantindo que Jesus fez
muitas mais coisas que não estão escritas no livro, mas que estas ficam como
registo de factos ao serviço da fé em Jesus, o Filho de Deus, o Messias que dá
a vida a quem acredita em seu nome. E desde então, a história mostra tantas
maravilhas que o Senhor Jesus realiza por meio de quem O segue com fidelidade
criativa. E há muitas omissões e desvios que – no dizer do Papa no final da Via
Sacra, no Coliseu em Roma, a 30 de março de 2018 – nos devem causar vergonha e
esperança.
A nova presença de Jesus acontece, segundo João, nos
sinais que narra e em muitos outros. No texto em referência, enfatiza-se a
passagem do medo à paz do espírito, a comunidade reunida e aberta à novidade do
perdão, a escuta da Palavra testemunhada, a reconciliação fraterna, fruto da
penitência sacramental dos pecados, a celebração da eucaristia e o amor ao
domingo, dia escolhido por Ele para se manifestar aos Seus amigos e para o
envio do Espírito, garante da missão confiada à sua Igreja.
O Senhor está ao alcance do nosso olhar, a um clique
do nosso dedo, pelo se torna imperativo procurar vê-Lo nos sinais que nos deixa
e corresponder-Lhe na oração e serviço. Está no meio de nós sempre que nos
reunimos em Seu nome; está e convive connosco nos esforços de cada um/a por uma
vida digna de todos/as, na alegria de quem irradia o amor com que o Pai nos
ama.
(cf Georgino
Rocha, Jesus, o Senhor, convive connosco,
http://www.diocese-aveiro.pt/v2/?p=16386)
2018.04.08 –
Louro de Carvalho
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