A este respeito, recordo coisas curiosas como a daquela
vez em que Jorge Coelho, quando em 1999 lhe fizeram saber que alguns festejavam
o facto de o PS não ter conquistado a maioria absoluta no Parlamento –
conseguiu apenas metade do número total dos assentos em São Bento –, respondeu:
“Cada um festeja aquilo que pode”. Outros
festejam a eleição dum deputado ou dum vereador ou o empate dum jogo ou o facto
de o seu clube não descer de divisão. E um político, bem conhecido da cena
pública, e altamente elogiado por um antigo Primeiro-Ministro como empresário de
sucesso, uma ocasião quis dar uma novidade ao pai e fê-lo nos termos seguintes:
“Pai, já sou ministro!”.
Neste 25 de abril, tanto Ferro Rodrigues como António
Costa, longe dos festejos triviais, assinalaram que a Constituição da República
Portuguesa, de 1976, já tem uma vigência mais longeva que a famigerada Constituição
Política da República Portuguesa de 1933 (11 de abril).
A este respeito, o Presidente da Assembleia da
República disse logo no início do seu discurso, na sessão solene evocativa de Revolução
Abrilina:
“A Sessão Solene do dia 25 de Abril
é sempre especial para a democracia portuguesa. Mas este ano é ainda mais
especial. Porque, este ano, a Constituição da República, aprovada em 1976,
ultrapassa em longevidade a Constituição de má memória de 1933. Uma prova da
maturidade do nosso regime democrático, consolidado pela luta do nosso povo e
nascido da coragem liderante dos Capitães do Movimento das Forças Armadas. Aqui
deixo pois uma merecida saudação aos Capitães de Abril e à Associação 25 de
Abril, na pessoa do Coronel Vasco Lourenço, cuja presença muito nos honra!
Éramos todos muito jovens. E ainda aqui estamos 44 anos depois, sempre prontos
para os combates da democracia.”.
Por seu turno, o Primeiro-Ministro, ao ser questionado,
no início da festa do 25 de Abril nos jardins de São Bento, sobre a forma como
recebeu o discurso proferido por Marcelo Rebelo de Sousa na Assembleia da
República, entre as várias respostas que deu aos jornalistas, avançou com uma citação
do Presidente da Assembleia da Republica sobre a vigência da Constituição da
República Portuguesa (42
anos contra os 41 da antecessora), referindo:
“Como disse o Presidente da Assembleia da
República, Ferro Rodrigues, este ano celebramos pela primeira vez o facto de a
Constituição de 1976 já ter vigorado mais tempo do que a antiga Constituição de
1933 do Estado Novo. Este é um bom sinal sobre a vitalidade da democracia, mas
temos de continuar a trabalhar para que este nosso regime esteja cada vez mais
forte.”.
Obviamente, Costa fez este
remoque num contexto mais alargado e com algum cinismo dada a moldura em que
surgiu a interpelação jornalística. A forma como terá recebido o discurso do Presidente
da República estava a ser extorquida capciosamente. Mas o Primeiro-Ministro não
deixou por mãos alheias os seus créditos políticos.
Em sintonia com as preocupações transmitidas pelo Presidente sobre
a democracia no discurso da sessão solene, Costa considerou que só o Chefe
de Estado pode esclarecer o que pretendeu dizer sobre “messianismo” e “endeusamento”
dos políticos. Com efeito, interpelado, no início da festa nos jardins de São
Bento, sobre a forma como recebeu o discurso proferido por Marcelo no
Parlamento, Costa alegou que só Marcelo pode esclarecer quem são os alvos: “Essa é uma pergunta que seguramente tem de
ser dirigida a ele”. E acrescentou:
“Para já, creio que não estava a falar de si
próprio, porque é o único em que nas sondagens surge com níveis de popularidade
absolutamente estratosféricos. Não sei [a quem se estava a referir].”.
O líder do Executivo advertiu que “é muito difícil
interpretar a arte moderna e nem sempre é possível interpretar os discursos
modernos”. Todavia, frisou que “o Presidente da República ficará encantado em
poder esclarecer sobre aquilo que lhe ia no espírito nesse momento”.
António Costa esclareceu, em seguida, que estava por dentro
das preocupações manifestadas pelo Chefe de Estado, já que o acompanhou na
visita a França por ocasião das comemorações do centenário da batalha de La
Lys, na I Guerra Mundial. E vincou:
“Percebi bem então a ligação que o Chefe de
Estado quis fazer entre a tragédia da Europa há cem anos e aquilo que nós
consideramos como um adquirido: A paz, a liberdade e a democracia. Mas a paz, a
liberdade e a democracia não são um adquirido.”.
Para Costa, embora
Portugal tenha já 44 anos de liberdade pós-25 de Abril, “importa continuar a
trabalhar para que essa liberdade seja eterna”.
E, sobre os fenómenos do
populismo, o Primeiro-Ministro também admitiu que a democracia corre riscos de
adoecer, mas sustentou que Portugal “tem
encontrado bons antídotos”.
Neste ponto, o Chefe do
Governo voltou a defender a importância de existirem sempre alternativas
políticas em democracia, assim como o caráter fundamental de as promessas serem
cumpridas. Disse ele:
“É importante que os
cidadãos saibam que, quando estiverem cansados de uma solução política, têm
outra alternativa para escolher. Mas também é importante que as pessoas sintam
que o poder político as respeita e que os compromissos assumidos são
respeitados. A ideia que se respeita os compromissos é essencial para dar força
à democracia e confiança aos cidadãos – e a confiança é o melhor antídoto
contra os populismos.”.
***
Mas o 25 de abril deste ano traz mais novidades.
***
Ferro Rodrigues anunciou o Centro Interpretativo como
homenagem ao constitucionalismo e à democracia. Disse o Presidente da Assembleia
da República num passo do seu discurso:
“É a pensar no futuro da
democracia e nas novas gerações que estamos a desenvolver aqui em frente, na
Casa Amarela da Assembleia da República, o projeto do Centro Interpretativo,
uma homenagem ao constitucionalismo e à democracia, que esperamos inaugurar em
2019, assinalando assim da melhor maneira os 45 anos do 25 de abril”.
No 44.º
aniversário da Revolução dos Cravos, teve lugar de destaque nas comemorações do
25 de abril, na residência oficial do Primeiro-Ministro – estacionada nos
jardins de São Bento ao lado dum conjunto de fotografias que atestam alguns dos
momentos mais marcantes daquele dia –, a chaimite Bula, viatura militar que
integrou a coluna de Salgueiro Maia de Santarém para Lisboa e que transportou o
ex-Presidente do Conselho, Marcello Caetano, quando saiu do Quartel do Carmo
após rendição.
O Fado, os
processos de manufatura da olaria preta de Bisalhães, de chocalhos e das
figuras em barro de Estremoz, como representantes nacionais do Património
Cultural Imaterial da Humanidade tiveram, por iniciativa de António Costa,
papel de relevo nas comemorações deste ano, na Residência de São Bento. As
atuações de Aldina Duarte, Ricardo Ribeiro e Filipe Raposo – com um espetáculo
de tributo a Zeca Afonso, da orquestra de alunos do Hot Clube de Portugal (que
este ano celebra 70 anos) e do projeto Enxada – foram os destaques das
participações musicais. Os gigantones, cabeçudos e bombos de Viana do Castelo
deram as boas vindas a todos os visitantes e, para os mais novos, decorreram
vários espetáculos de marionetas.
A
gastronomia portuguesa esteve representada com uma mostra e venda de produtos
regionais.
No âmbito da
participação cívica, os visitantes puderam contribuir com propostas para a
edição de 2018 do Orçamento Participativo Portugal.
Com efeito,
neste dia 25 de abril, a residência oficial do Primeiro-Ministro esteve de
portas abertas entre as 14,30 horas e as 19 horas. A este respeito, Costa
referiu que a abertura da Residência Oficial do Primeiro-Ministro aos cidadãos “é
uma forma de se festejar o 25 de Abril com esta casa aberta, porque é assim o
poder em democracia”. Também os jardins da Assembleia da República, contíguos
aos da Residência Oficial, estiveram abertos aos cidadãos, tendo milhares de
pessoas neles comemorado o 25 de Abril, e o Primeiro-Ministro e o Presidente da
Assembleia da República, Ferro Rodrigues, participado conjuntamente em
iniciativas na Residência Oficial.
O
Primeiro-Ministro referiu igualmente a importância que as comemorações do 25 de
Abril nos jardins da Residência Oficial dão este ano, novamente, ao património
imaterial português reconhecido de importância mundial pela UNESCO, “desde o fado, o cante alentejano, os chocalhos,
até aos bonecos de Estremoz”. Disse Costa que “temos aqui hoje muita coisa,
desde música, aos produtos regionais, teatro, artes circenses, além da mostra
do património imaterial, esclarecendo que “houve
a intenção de manifestar a nossa preocupação com as regiões do interior,
disponibilizando espaços para a valorização dos seus produtos locais”.
***
Outro facto
marcante deste 44.º aniversário da Revolução dos Cravos foi a inauguração do Jardim Mário Soares na antiga parte sul
do jardim do Campo Grande, em Lisboa, agora reabilitada, com a presença do
Presidente e da Vereação da Câmara Municipal de Lisboa.
O
Primeiro-Ministro afirmou:
“Temos a enorme responsabilidade de
continuar a manter vivas as árvores que Mário Soares plantou, sobretudo essa
grande árvore da democracia que ele semeou, que ajudou a fazer crescer e tratou
durante todos os anos da sua vida”.
Sustentou que
“nunca será de mais prestarmos homenagem àquele que foi tantas vezes a voz e o
rosto da nossa liberdade” e que a homenagem “é prestada num dia em que Mário
Soares, se aqui estivesse, apreciaria que nos lembrássemos dele”, “porque, se
devemos o 25 de Abril aos militares, também o devemos àqueles que durante 48
anos fizeram a sementeira que permitiu essa ação libertadora; e, entre eles,
está Mário Soares”. A homenagem “ocorre num local que era particularmente
importante para Mário Soares”, pois “este era o seu jardim”, onde esteve em
criança com o pai e, depois, com os filhos e os netos, tendo vivido toda a vida
num prédio junto ao jardim. E Costa afirmou que “este jardim tem duas simbologias:
a primeira “encerra um roteiro, que começa nos Restauradores, sobe com a
Liberdade, prossegue com a República e só podia terminar com Mário Soares; a
segunda é que Soares amava profundamente as árvores. E António Costa referiu os
jardins que o homenageado plantou na casa de Nafarros, no Palácio de Belém e no
cimo do prédio onde morava – acrescentando que “a razão profunda para o seu
amor aos jardins e às árvores tinha a ver com o seu amor à vida”, tendo Soares,
que não era crente, “encontrado na natureza uma forma de a vida poder ser
eterna, renascendo eternamente”.
***
Outra novidade é a ida provisória do Primeiro-Ministro
e membros do seu gabinete para o Terreiro do Paço/Praça do Comércio (instalações
antes ocupadas pelo Ministério do Mar) por motivo de obras, recomendadas pelo LNEC, no seu palacete de São
Bento – por
questões de segurança, sistema de climatização, instalação elétrica e proteção contra incêndios
– que deverão estar concluídas antes do 5 de outubro. Ou seja, por razões circunstanciais,
o Chefe do Governo – rei de junho a outubro – ocupará temporariamente o
Terreiro do Paço, o tradicional símbolo do Poder e das suas vicissitudes, aliás
onde está o todo-poderoso Ministério das Finanças!
***
25
de Abril sempre, mas com poder democrático!
2018.04.25
– Louro de Carvalho
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