Num sábado
deste mês de abril, por motivos imprevistos, dei comigo em visita à Igreja
Paroquial de Arões, no concelho de Vale de Cambra. Apesar de situada num
concelho do distrito de Aveiro e de a maior parte das freguesias deste concelho
serem paróquias da diocese do Porto, as paróquias de Junqueira e de Arões
pertencem ao Bispado de Viseu pela via da zona pastoral de Lafões.
A freguesia
de Arões, cujo orago é São Simão, era abadia da apresentação dos Condes da
Feira e teve foral a 10 de Fevereiro de 1514. Tem uma área de 39,78 km² de
área e 1 459 habitantes, segundo o censo de 2011. A sua densidade populacional
é 36,7 hab/km².
Os
principais lugares povoados são: Arões, Agualva, Cabrum, Campo D’
Arca, Casal Velide, Carvalhal do Chão, Chão de Carvalho, Cercal, Covo, Ervedoso,
Felgueira, Lomba, Mouta Velha, Paraduça, Salgueira, Souto Mau, Moções e Quinta da Peninha – um disperso conjunto de
e nichos populacionais nos entrefolhos da Serra da Freita.
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A freguesia
foi anexa ao concelho de Oliveira de Azeméis pelo decreto de 21 de novembro de
1895 que suprimiu o concelho de Macieira de Cambra, sendo incorporada naquele
mesmo concelho pelo decreto de 13 de Janeiro de 1898. E passou ao concelho
de Vale de Cambra pelo decreto de 31 de Dezembro de 1926, que o criou e
estabeleceu na povoação de Gandra da então freguesia de Vila Chã.
A sua
história custodial e arquivística esteve na posse da Igreja paroquial até à
criação do Registo Civil, em 1911, publicada no Diário do Governo n.º 41 de 20
de fevereiro de 1911, data em que as paróquias foram obrigadas por lei, a
entregar os livros de registos de Batismo, Casamento e Óbitos às repartições do
Registo Civil.
Este fundo
esteve na posse do Arquivo da Universidade de Coimbra até ao ano de 1976, já
que, apesar de ter sido criado em 1965, pelo Decreto n.º 46350, de 22 de maio,
o Arquivo Distrital de Aveiro só viria a dispor de instalações seis anos mais
tarde, tendo, no ano de 2002, transferido a documentação para as atuais
instalações do Arquivo Distrital de Aveiro.
(cf http://digitarq.adavr.arquivos.pt/details?id=1096301)
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Entretanto,
na localidade de Arões, sede da paróquia e freguesia, sobressai a Igreja
Paroquial de São Simão, de arquitetura maneirista, rococó e modernista.
Com
efeito, hoje mantém-se o corpo principal do templo do século XVIII com a
capela-mor praticamente intacta, de altar-mor em talha dourada do século XVIII
(alguns
dizem dos fins do século XVII),
embora restaurada, fachada principal rococó, com a escultura do orago munido do
serrote, e torre sineira maneirista.
No
entanto, a organização do espaço litúrgico já não é como dantes, mas obedece
largamente à nova hermenêutica da reforma decretada pelo Concílio Vaticano II,
sem causar graves estragos na traça originária, a meu ver, e sem riscos para a
segurança do complexo arquitetónico e dos fiéis que frequentam este espaço
sagrado.
Agora,
as liturgias decorrem num espaço diferente que se obteve com a supressão da
parede lateral direita da antiga nave, dando origem a uma ampla e extensa nave
perpendicular àquela, a que se segue um anteparo com portas envidraçadas (servindo
de choradouro) e, rodando
à direita um quarto de volta, encontra-se a saída principal, de modo que o
temporal – chuva e ventania – não perturba as celebrações. A entrada pela
lateral fica assim ampla dando para um espaçoso largo fronteiro à agora entra
no complexo em que se insere o templo. Desse largo se divisam as instalações da
sede da Junta de Freguesia, a um lado, com um monumento moderno com várias pedras
ao alto, não sei se a significar os diversos lugares da freguesia; e, do outro
lado, as novas instalações do Centro Social Paroquial. Em frente à antiga fachada
da igreja espraia-se o cemitério qual santo campo onde figuram os monumentos
que guardam os restos mortais de tantos filhos e filhas da Terra.
Obviamente,
juntamente com a nova construção teve de se proceder ao reforço do suporte da
antiga nave para suprir a ausência da antiga parede.
A nova
nave tem, do lado esquerdo de quem entra, um conjunto de portas que dão para
salas de reuniões, catequese, arquivo, etc; e, do esquerdo, as modernas estações
da via-sacra.
Depois,
todo o cenário litúrgico decorre frente aos fiéis na parede esquerda da antiga
nave, agora quase na íntegra forrada a madeira e em frente da qual se colocou,
devidamente centrado, o altar da celebração eucarística, ficando à sua direita
o ambão para as leituras e a pregação.
Para
esse altar, agora o centro do templo, concorre olhar da assembleia litúrgica e
os movimentos do celebrante, que preside, e acólitos, que servem o altar, bem
como os que ajudam à participação da assembleia. E para ele caminham os
neófitos depois da celebração batismal junto à respetiva pia (manuelina) postada junto da antiga entrada
principal da igreja. É a caminhada da Igreja-Povo para a Eucaristia, memorial
da Paixão e Ressurreição de Cristo, que celebramos em assembleia em união com
todos os que se regeneraram pelas águas Batismo no mistério da Morte, Sepultura
e Ressurreição do Senhor. Assim, em termos icónicos, fica adequada a escultura
da Cruz em que está fixo o Cristo, já não morto, mas Ressuscitado, ainda com as
marcas das chagas (a doutrina não deixa separar o Cristo
ressuscitado do Cristo padecente, pois sem um atributo o outro não faria
sentido em termos da economia da Salvação)
– a fazer a conexão entre a pia batismal e ao altar da Eucaristia.
Depois,
na linha da piedade eucarística, fica a imagem do Sagrado Coração de Jesus a
fazer a ponte entre o altar da celebração da Eucaristia e o da reserva
eucarística com o sacrário, para adoração, que se mantém, na antiga e atual
capela-mor.
E,
também a fazer transição entre a capela-mor e o novo espaço litúrgico, fica o
órgão a que se junta o grupo coral e eventualmente um conjunto instrumental.
Aliou-se,
deste modo, o espírito da reforma litúrgica à necessidade de ampliação do
espaço sagrado para maior comodidade dos crentes. Dantes, não havia bancada nos
templos: as pessoas apinhavam-se incomodamente e, para a mistura ser mais
decente, separavam-se os homens das mulheres, sendo que muitos dos homens
ocupavam lugar no chamado coro da igreja, que só era usado para coro nas missas
solenes.
Agora
estamos mais à vontade num espaço litúrgico como o descrito!
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Por fim,
uma palavra sobre o orago.
Simão ou Simão
Apóstolo ou Simão Zelote ou Simão Cananeu foi um dos doze primeiros apóstolos
de Jesus Cristo. Entre todos os apóstolos é o menos citado nos Evangelhos. Também chamado Zelota ou Zelote, nasceu em Caná, na Galileia.
Foi um dos
doze primeiros apóstolos escolhidos por Jesus, conforme o Evangelho de Lucas e os
Atos dos Apóstolos:
“Naqueles dias, Jesus foi para a montanha a
fim de rezar. E passou toda a noite em oração a Deus. Ao amanhecer, chamou os
seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de apóstolos:
Simão, a quem deu o nome de Pedro, e seu irmão André, Tiago e João, Filipe e
Bartolomeu, Mateus e Tomé, Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado Zelota,
Judas, filho de Tiago e Judas Iscariotes, aquele que se tornou traidor.”
(Lc 6, 12-16; Cf At 1,13).
Nos
Evangelhos de Marcos e de Mateus, o seu nome aparece na lista dos doze
apóstolos escolhidos, mas é citado como “Simão, o cananeu” (Mt 10,4) e (Mc 3,18). Alguns
biblistas dizem que tanto “Zelota” como “cananeu” foram acrescidos ao seu nome
para diferenciá-lo de Pedro que também era Simão. Cananeu é relativo à Terra de
Canaã (Palestina) e Zelota pode fazer referência à sua participação na
seita ultranacionalista e não religiosa chamada “Os Zelotes”, ou zeladores,
conservadores das tradições hebraicas e que lutavam para a libertação de Israel
da dominação dos Romanos. Porém, a palavra grega Cananeu e a
palavra Zelote, derivada do aramaico, significam a mesma coisa
“zeloso”.
Como os outros primeiros apóstolos, Simão participou
em todas as missões dos discípulos:
“Então Jesus chamou seus discípulos e
deu-lhes poder para expulsar os espíritos maus, e para curar qualquer tipo de
doença e enfermidade. […] Jesus enviou os Doze com estas recomendações: Não
tomeis os caminhos dos pagãos e não entreis nas cidades dos samaritanos. Ide
primeiro às ovelhas perdidas da casa de Israel. Ide e anunciai: O Reino do Céu está próximo.” (Mt
10,1.5-7).
Segundo os Evangelhos sinóticos (assim são chamados os textos de
Mateus, Marcos e Lucas, por poderem ser lidos em visão de conjunto), Jesus enviava os apóstolos em
pares, para pregar o Evangelho. Isto na primeira experiência missionária sob a
supervisão direta de Jesus, mas que pode ter servido de paradigma para as
primeiras viagens apostólicas na expansão da Igreja. A Igreja sempre foi uma Igreja
em saída, como frisou em Santa Maria da Feira o saudoso Bispo Dom António
Francisco, a 23 de setembro de 2016.
A crer no escritor Eusébio, Simão foi o sucessor de Tiago na
Igreja de Jerusalém, nos trágicos anos da destruição da cidade santa. E, de
acordo com a tradição, Simão teria ido ao Egito juntamente com Marcos e Filipe
e, depois, seguido para a Bretanha e a Espanha. Teria chegado à Ásia Menor e,
desse ponto, teria viajado em companhia de Judas Tadeu pela Mesopotâmia e pela
Síria. Chegando à Pérsia juntou-se a outros apóstolos que por ali
evangelizavam. A sua pregação era muito parecida
com a dos outros apóstolos que foram para o Oriente, tida por alguns
como ascética e judaica, tal como a preservada na Epistola
canónica de São Judas.
Segundo o cronista cristão Hegésipo, o apóstolo Simão
teria sofrido o martírio durante o império de Trajano, contando já com a avançada
idade de 120 anos. Porém, as versões sobre o seu martírio são de índole
duvidosa: teria morrido crucificado ou teria sido queimado numa fogueira, na
Arménia. Porém, a tradição católica diz que Simão teria sido serrado vivo, pelo
que São Simão é representado na Igreja Católica por uma imagem segurando um
livro aberto na mão direita (o livro aberto
simboliza a evangelização dinâmica, significando que a Palavra de Deus é sempre
atual) e um longo serrote na mão
esquerda, ferramenta utilizada para o seu martírio.
Com os olhos fitos no livro, o Apóstolo recorda o amor
a Deus acima de todas as coisas.
A Igreja Católica festeja o dia de São Simão,
juntamente com São Judas, em 28 de outubro.
Que o Santo proteja os povos de Arões do serrote
nefasto da corrupção, da maledicência e da malquerença e que o seu templo sirva
a todos de utilidade espiritual.
2018.04.23 –
Louro de Carvalho
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