É verdade que não existe memória de uma preocupação pública tão visível
como a que está em curso sobre a praga dos incêndios florestais, manifesta na
limpeza de terrenos, áreas envolventes de aglomerados populacionais,
habitações, fábricas, armazéns, estradas, etc.
Parece, entretanto, que o dispositivo integrado de prevenção, vigilância e
combate não está tão prestes como seria de desejar. A diretiva nacional tardou muito
e as leis orgânicas de diversas estruturas ainda nem sequer estão em discussão
pública. Em relação à reforma florestal, ainda a procissão vai no adro e
algumas insígnias e andores teimam em não se incorporar na procissão. E a
justiça tem dificuldade em investigar, acusar, julgar e puir as mãos criminosas
que fazem por ação ou negligência grave deflagrar os incêndios.
Dificilmente aprendemos com as más experiências de anos anteriores, sendo difícil
desinstalar a lógica dos negócios
Assim, não admira que especialistas norte-americanos nos venham dizer que “não há tempo a perder” em Portugal
relativamente a incêndios e que é necessária uma “intervenção sustentável e de longo prazo” que logre evitar tantos
hectares ardidos como em 2017.
O risco de incêndios catastróficos iguais ou piores aos de 2017 é real e
tem tendência para aumentar. Para isso concorrem, entre outros fatores, as alterações
climáticas, o desordenamento florestal, a primazia do negócio, o
enfraquecimento do Estado, a ineficácia da vigilância e da justiça, a acumulação
de mato, o custo das operações de limpeza, a ausência de mecanismos de compostagem
e comercialização de adubos orgânicos e de biomassa e o despovoamento do
Interior do país.
O pior cenário é antevisto no estudo “Gestão
de Incêndios Florestais em Portugal numa Nova Era – Avaliação dos Riscos de
Incêndio”, da coautoria do investigador norte-americano Mark Beighley. No relatório apresentado hoje, dia 20 de abril, no
Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, é claro: “sem uma intervenção séria e imediata, Portugal pode esperar uma
situação pior do que em 2017”.
Até 750.000 hectares podem arder. Os meios de combate nacionais entrariam
em colapso. Só uma intervenção internacional em massa consegue conter as
chamas.
Mais, “na próxima década, sem uma intervenção sustentável e de longo prazo,
é previsível um risco crescente de um ano extremo de incêndios, consumindo
500.000 hectares ou mais”, como os fogos de 2017, que fizeram mais de cem
mortos. A este respeito, o especialista Mark Beighley, que, com A. C. Hyde,
caraterizou o que deve ser “uma nova era” para a gestão dos incêndios
florestais em Portugal advertiu que “é
nisto que tem de se pensar e é para isto que tem que se planear”.
Mark Beighley sustentou que “os portugueses são o problema e, por isso, podem
ser a solução”, considerando que o número de fogos iniciados por milhão de
habitantes é absurdo: 1.488, ou seja, seis vezes mais do que Espanha, o segundo
país do sul da Europa com mais fogos por milhão, apesar de ser cinco vezes
maior e ter quatro vezes mais população. E referiu que a percentagem de fogos
com origem humana ronda os 98 por cento.
Segundo os especialistas, o descuido e a negligência juntam-se a “um oceano
de combustível inflamável” e às alterações climáticas que tendem a agravar o
calor e a seca.
Mark Beghley, que estudou o panorama dos incêndios em Portugal pela
primeira vez em 2004, conclui que, neste seu quarto estudo, “nada de
substancial mudou”. A única coisa que viu “foi aumentar o número de aviões,
helicópteros e meios de combate ao fogo”. Porém, diz que “isso pode ajudar num
ano normal, mas não resolveu o problema”.
O planeamento tem que refletir que as épocas de incêndios podem ser mais
longas, com grandes períodos de calor e baixa humidade.
As soluções propostas incluem bombeiros profissionalizados, mais jovens,
mais bem pagos e com carreiras atrativas para uma profissão que é “fisicamente
exigente” e que é mais necessária no interior do país, onde a população está
cada vez mais envelhecida.
Os especialistas dizem que, no ataque aos fogos, as florestas e terrenos cuidados
e limpos devem ter prioridade sobre os abandonados. E frisam que os
proprietários precisam de “incentivos financeiros” para colaborar na prevenção
e é preciso aumentar o número de equipas de sapadores com máquinas para criar e
manter caminhos corta-fogo.
E, quanto à paisagem florestal, entendem que deve ser “um mosaico” de
diferentes espécies e de árvores de diferentes idades, o que ajuda a abrandar a
progressão de fogos.
No que toca aos reacendimentos, responsáveis por 16% da área ardida, os
consultores admitem que com tantos fogos a que têm que dar atenção, os
bombeiros não conseguem apagar definitivamente todos os fogos, defendendo que
as Forças Armadas podem ser fulcrais na vigilância e rescaldo. Porém, têm de
ser aumentado o número dos seus efetivos e a alocação de equipamentos de proteção
pessoal e de combate ao rescaldo.
Mark Beghley reconheceu que falar no pior cenário é assustador, mas que as
pessoas talvez “precisem de ser assustadas ao ponto de mudarem o seu
comportamento”. Diz o investigador:
“Quem guia à noite pelas estradas
portuguesas vê o quê? Cigarros acesos atirados pelas janelas. Quando chove, é
uma coisa. Quando o tempo está quente e seco, não pode ser. As queimadas,
queimar lixo...fico chocado quando vejo isso. O comportamento tem de mudar.”.
***
Quem passa pelas nossas estradas e calcorreia as nossas serras e vales não
se apercebe de que tenha havido uma grande mudança no ordenamento florestal. Nem
os terrenos agrícolas estão protegidos contra os efeitos de incêndio em
terrenos florestais limítrofes em tempo de maturação dos produtos a colher, nomeadamente
no atinente a culturas cerealíferas e a algumas leguminosas.
Quanto a limpezas, estamos ainda muito atrasados. É a insuficiência de
meios, a falta de operadores de máquinas e instrumentos manuais, bem como o
custo de mão de obra e dos combustíveis. Muitos dos proprietários de terrenos a
limpar ou não têm meios ou residem longe das suas terras de origem ou das
localidades onde têm os terrenos. Os municípios ou não têm meios técnicos,
humanos e financeiros (por ocasião da troika, os municípios ficaram deveras
depauperados) ou são
levados ao respeito escrupuloso pela propriedade privada. E há uma solução para
isto: os municípios devem promover a oneração com o IMI de todo os terrenos
agrícolas e florestais (e não só os agregados a proprietários de prédios urbanos) e promover sem encargos para esses proprietários as
limpezas dos terrenos cuja acumulação de mato possa vi a prejudicar a
comunidade e para os transeuntes ocasionais.
E o Estado central deve dar o exemplo, promovendo a limpeza e vigilância de
suas matas e parques. Como foi possível planear a destruição do Pinhal de Leiria
sem o Estado saber?
Acresce que, depois, com as chuvas instantes que ocorreram e que se prevê
votarem a ocorrer, a maior parte das limpezas feitas tem de ser repetida porque
a vegetação recresce e volta a constituir perigo para populações e transeuntes.
E nas estradas de montanha, nas zonas de declive, apenas se deveria proceder à
limpeza das margens de talude superior à faixa de rodagem e de margem nivelada.
As estradas sem rail de proteção
contra ribanceira ou ravina tornam-se um perigo acrescido se tiverem a margem concordante
totalmente pelada.
***
Enfim, muito há para fazer em matéria de floresta e incêndios – aliás de segurança
e proteção de pessoas e bens. E é preciso pôr mãos à obra.
2018.04.20 –
Louro de Carvalho
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