quarta-feira, 11 de abril de 2018

“Óscar Lopes é a Figura Eminente da Universidade do Porto 2018”


É o título da homenagem promovida pela Reitoria e pela Faculdade de Letras da Universidade Porto, que surge no seguimento dos eventos evocativos de personalidades eméritas da Universidade do Porto realizados na última década e que se desenvolve, ao longo do ano, através duma série de ações abertas à comunidade, que, em vários meses e diferentes espaços, pretendem recordar, mas sobretudo celebrar a vida e obra daquele que “foi um humanista e um sábio de muitos saberes”. Deste modo, a Reitoria e a FLUP corporizam uma iniciativa notável que “se propõe celebrar o legado desta personalidade ímpar da história da Universidade e figura central da cultura portuguesa da segunda metade do século XX e início do século XXI”.
Da página web da Universidade do Porto e do site da Fenprof respigo algumas notas sobre o ensaísta e professor que tive a oportunidade de conhecer, ouvir e interpelar.
Segundo o site da Fenprof, “o Prof. Óscar Lopes não foi apenas um grande professor e um grande investigador, o que já não seria pouco”, mas “também um grande intelectual, no sentido mais nobre, militante e empenhado do termo”. Foi “autor de uma obra vastíssima, como historiador da literatura, ensaísta, crítico literário e linguista” e “uma personalidade muito marcada, até 1974, pelo de silenciamento e mesmo pela repressão que lhe foi movida pelas instâncias do poder vigente, o que limitou, até então, a projeção da sua atividade como crítico, investigador e professor”. Já a UP desataca-o como “ensaísta, linguista e crítico literário e, entre muitos outros epítetos que cabem num percurso singular”, como “o primeiro diretor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) no pós-25 de abril”. 
Isabel Pires de Lima e Fátima Oliveira, professoras da FLUP e comissárias da iniciativa Óscar Lopes é a Figura Eminente da Universidade do Porto 2018, falam desta figura eminente que se apresentou ao mundo académico e ao publico em geral com “uma formação multifacetada, cobrindo simultaneamente os domínios da linguística, da música, da história, das línguas clássicas e modernas, da filosofia e da literatura e uma viva curiosidade intelectual” que a conduziram “ao constante diálogo interdisciplinar, com múltiplos saberes (lógica, neurociência, física, matemática)”.
São esses os vários aspetos de “uma personalidade multifacetada” que vão ser lembrados e retratados já a partir de 4 de abril, em Óscar Lopes, o Saber de Muitos Saberes, título da exposição evocativa que estará patente até 27 de abril, na Sala de Exposições Temporárias da Reitoria, patente de segunda a sexta-feira, entre as 10 horas e as 13, e das 14 às 18 horas. Com entrada livre, esta exposição documental está organizada em “seis núcleos, onde se poderão ver exemplares de muitos livros, artigos, cartas, fotografias e outros documentos relativos às diferentes facetas do Prof. Óscar Lopes, que foram cedidos em grande parte pela sua família”. Associados a cada núcleo estarão excertos de textos ou de entrevistas de Óscar Lopes, havendo ainda espaço para uma secção com depoimentos gravados de antigos alunos seus.
Após este momento inaugural, o programa da Figura Eminente 2018 prossegue na noite de 3 de maio, pelas 21,30 horas, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, com o concerto pela Orquestra Sinfónica da FEUP. Um mês depois, a 7 de junho, pelas 16 horas, a FLUP recebe a visita de Inês Duarte, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e coautora da Gramática da Língua Portuguesa, que ali dará uma conferência sobre Óscar Lopes e a Linguagem: O Olhar de um Cientista.
É também na Faculdade de Letras, alma mater de Óscar Lopes, que vai ter lugar o se espera ser um dos momentos altos do programa de comemorações. A 2 de outubro e, durante todo o dia – das 10,30 horas às 18 – juntará o filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço a vários outros ensaístas, escritores e professores universitários na área da literatura para uma jornada de debate dedicada ao tema Óscar Lopes: o Poder Seminal da Palavra.
O programa encerra a 22 de novembro, pelas 18 horas, na Reitoria da Universidade do Porto, palco escolhido para uma conferência a duas vozes sobre Óscar Lopes: Música e Literatura. A protagonizá-la estarão o musicólogo Mário Vieira de Carvalho e o maestro José Luís Borges Coelho, Doutor Honoris Causa da Universidade do Porto e fundador do Coral de Letras da Universidade do Porto, que atuará no final da sessão.
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Natural de Leça da Palmeira, onde nasceu a 2 de outubro de 1917, Óscar Lopes (1917-2013) licenciou-se em Filologia Clássica, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e em Ciências Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. A paixão pela história, literatura e pedagogia encaminhou-o para a carreira de professor do ensino secundário, que incluiu passagens pelo Liceu Nacional de Vila Real e pelos liceus Alexandre Herculano e Rodrigues de Freitas, no Porto.
Num trajeto onde o ensaísta e o professor caminhavam a par com o ativista político (militante do Partido Comunista Português, tendo integrado o seu comité central), Óscar Lopes foi  impedido, por motivos políticos, de lecionar no ensino superior antes do 25 de abril. Após a Revolução, ingressou na FLUP como professor catedrático (cabendo-lhe liderar os destinos da instituição até 1976) até à jubilação, em outubro de 1987. Foi vice-reitor da Universidade (1974-1975) no reitorado de Ruy Luís Gomes e responsável pela criação do Centro de Linguística da Universidade do Porto.
Paralelamente à carreira académica, foi um intelectual marcante e interventivo, tendo produzido vasta obra ensaística nos domínios da crítica e historiografia literárias e no da Linguística. Com o historiador António José Saraiva, escreveu “A Busca do Sentido e sobretudo a “História da Literatura Portuguesa”, obra que se mantém como referência fundamental no ensino daquela disciplina, pois conta com um número invulgar de edições e reimpressões, ficando assim bem evidente o amplo acolhimento que este manual conheceu, por parte de várias gerações de estudantes e de professores, em Portugal e no Brasil.
Os seus primeiros trabalhos foram sobre música e para um pequeno jornal de Sintra. Era um amante de música e chegou mesmo a fazer o curso do Conservatório de Música do Porto.
Autor de vasta e importante obra no domínio da Linguística, em que se destaca a Gramática Simbólica do Português – um esboço (projeto financiado e publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian, que parece carecer ainda de um desenvolvimento que faça jus a esta proposta de Óscar Lopes), o ensaísta chegou tarde à docência na Faculdade de Letras do Porto devido às suas políticas, tendo mesmo chegado a ser preso duas vezes durante a ditadura. O valor da sua obra foi várias vezes reconhecido, em vida, com algumas das mais importantes distinções nacionais no campo da cultura. Pelos trabalhos de ensaio e crítica recebeu o Prémio Rodrigues Sampaio da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto e o Prémio Jacinto do Prado Coelho (1985). Em 1989 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública; e, em 2006, com a Ordem da Liberdade. Faleceu a 22 de março de 2013 (95 anos de idade) o homem que marcou momentos da história do pensamento português e que nunca poderá ser esquecido pela sua cultura.
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Já em 2017, ano do centenário do seu nascimento, o Centro de Linguística da Universidade do Porto organizou o Colóquio Internacional de homenagem ao Professor Óscar Lopes. Esta homenagem ao fundador do CLUP e insigne linguista teve lugar nos dias 6 e 7 de junho de 2017, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tendo sido abordadas as seguintes áreas científicas principais: Semântica, Pragmática, Discurso (áreas em que desenvolveu a sua investigação); e também Fonologia, Linguística Histórica, Morfologia e Sintaxe. Foram bem-vindos vários trabalhos em outras áreas da Linguística (teórica e aplicada).
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M. Correia Fernandes, salientando, no dia 10, na Voz Portucalense, o eloquente título da predita exposição, frisa que o homenageado se distinguiu “por uma formação em campos de interesse diversificados, que iam desde as línguas clássicas da sua formação original, às literaturas modernas e contemporâneas, com óbvio realce para a literatura portuguesa,  em que se tornou um dos mais notáveis críticos da segunda metade do século XX e início do século XXI, passando pela linguística, a história, a filosofia e mesmo a matemática e a astrofísica”. Recorda “a disciplina que começou a lecionar após a reformulação dos cursos de Letras da Universidade do Porto, que se designou por “Linguística matemática e computacional”, visando “abrir novas orientações para a abordagem e o estudo” da disciplina. Refere, para lá da referida ‘História da Literatura Portuguesa’, “ publicada em colaboração com António José Saraiva, outra ‘História da Literatura Portuguesa’ (sobretudo de autores do século XX) publicada por “Estúdios Cor” e  conjuntos de críticas sobre autores do seu tempo, que reuniu com os títulos “Ler e depois: Crítica e Interpretação Literária”, 1 e 2, publicado por Inova, e ‘Álbum de Família’ também sobre escritores portugueses, em que elegeu os mais relevantes, ‘Entre Fialho e Nemésio’, e ‘Cifras do Tempo’, reunião de escritos seus em várias publicações literárias ou de pensamento”. E salienta que “muitos dos artigos que escreveu nos domínios da linguística foram reunidos no volume ‘Entre a Palavra e o Discurso. Estudos de Linguística 1977-1993’, edição com a coordenação de Fátima Oliveira e Ana Maria Brito, publicada por Campo das Letras”.
Na sua visão materialista, diz Fernandes, revelou “uma abertura à visão espiritual dos outros”. Sendo “um materialista dialético, membro reconhecido do Partido Comunista”, tinha “um estranho respeito pelas ideias alheias”.
Recordando a dedicação à governança da Faculdade, conta que, entre os visitantes, veio um dia o poeta João Cabral de Mello Neto, que teceu rasgados elogios à capacidade e justeza crítica de Óscar Lopes no que se refere à interpretação da poesia. Agradado pela referência, disse um dia:
Eu sei que estas matérias lhes parecem difíceis. Mas sigam o meu exemplo: eu fazia crítica literária, e creio que não o fazia mal, segundo este testemunho; vejam como agora me interesso por estas novas visões da linguagem: deve ser porque merecem atenção”.
Com trabalho insigne e insano, debruçou-se sobre as grandezas e misérias dos nossos melhores autores (Herculano, Camilo, Eça, Régio, Vitorino Nemésio, David Mourão Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues e outros), como Eugénio de Andrade, sobre cuja poesia escreveu “Uma espécie de música”.
2018.04.11 – Louro de Carvalho

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