Esta é a grande asserção do Papa Francisco
proferida, na Sala
Paulo VI, no
dia de hoje, 28 de abril, perante os cerca de 700 participantes na IV
Conferência Internacional, promovida pelo Pontifício Conselho para a Cultura,
sobre o tema: “Unidos para curar”. Disse o Santo
Padre:
“Quando vejo representantes de
culturas, sociedades e religiões diferentes unir as suas forças, para
empreenderem um percurso comum de reflexão e compromisso em prol de quem sofre,
fico muito feliz, pois a pessoa humana ‘é ponto de encontro e instrumento de
unidade’. De facto, diante do problema do sofrimento humano é preciso saber
criar sinergias entre pessoas e instituições, para superar os preconceitos e
cultivar maior consideração pela pessoa enferma.”.
Referindo-se
ao percurso da Conferência, o Papa sintetizou-o em quatro linhas: prevenir,
restabelecer, cuidar e preparar o futuro.
Explicando
cada uma destas linhas, Francisco frisou que “estamos cada vez mais cientes de
que muitos males podem ser evitados, se houver maior atenção pelo estilo de
vida e pela cultura que promovemos”. Eis porque é importante “prevenir”,
ou seja, ter uma perspetiva profética em relação ao ser humano e ao ambiente,
por uma cultura de equilíbrio para se viver melhor e com menos riscos, em diversos
âmbitos: educação, atividade física, observância dos códigos de saúde,
derivantes de práticas religiosas e diagnose. E sublinhou:
“Isto é particularmente
importante se pensarmos nas crianças e jovens, cada vez mais expostos aos
riscos de doenças, ligados às mudanças radicais da civilização moderna. É só
perceber o impacto que têm sobre a saúde o fumo, o álcool, as substâncias
tóxicas, que poluem o ar, a água e o solo, além do alto percentual de tumores.
Logo, torna-se urgente uma maior sensibilidade de todos por uma cultura de
prevenção para tutelar a saúde.”.
Nesta ordem
de ideias e preocupações, o Bispo de Roma realçou, com enorme satisfação, o
grande esforço da pesquisa científica na descoberta de novas curas, mormente em
âmbito regenerativo. Portanto, é preciso restabelecer e curar, mas, neste
contexto, é fundamental aumentar a nossa responsabilidade em relação ao ser
humano e ao ambiente. E ponderou:
“Enquanto a Igreja louva todo o
esforço de pesquisa e seus resultados para curar as pessoas que sofrem, recorda
um dos princípios fundamentais: ‘nem tudo o que é tecnicamente possível e executável
é eticamente aceitável’. A ciência sabe que tem limites e senso de
responsabilidade ética, pelo bem da humanidade. A verdadeira medida do
progresso visa o bem do homem na sua totalidade.”.
E, numa outra
e última linha, estendida pelo Papa, com base na temática da Conferência
Internacional: preparar o futuro, considerando o bem de toda a pessoa
humana, afirmou que “devemos refletir
sobre a saúde humana, não só em nível científico, mas também preservando e
tutelando o ambiente em que vivemos”.
E, no termo
da audiência, Francisco encorajou os participantes no Congresso e exortou-os a preparar
o futuro mediante uma dúplice ação: reflexão interdisciplinar, na presença de peritos, por um maior
intercâmbio de conhecimentos; e ações concretas pelos que mais sofrem.
***
Se a predita na IV
Conferência Internacional se centra na pessoa humana pelo lado da prevenção e
da cura dos males, evidenciando o sofrimento, Mons. Maurizio Bravi, observador
permanente da Santa Sé na Organização
Mundial do Turismo (OMT), através da
Sala de Imprensa da Santa Sé, referiu-se hoje ao Programa dos Itinerários Culturais do Conselho da Europa, a que a
Santa Sé aderiu formalmente a 21 de março de 2018.
Salientando que, mais do que o turismo e a arqueologia, o património
cristão é desafio e interpelação, frisou que a intenção do programa em
referência é mostrar
que “o rico património cultural dos países europeus é uma realidade que, apesar
de poliédrica, os une, como compartilhadas são as raízes históricas que a
geraram”. E, aqui, é de salientar que na cultura e pela cultura se vê o rosto
do homem e da comunidade com que interage e em que se desenvolve.
Não é por
acaso que, segundo o referido prelado, os itinerários culturais europeus se
apresentam como “uma tradução em chave cultural e turística dos valores
fundamentais a que o Conselho da Europa faz referência para a sua ação
política, como os direitos do homem, a democracia, o Estado de direito, o
diálogo e o intercâmbio intercultural; valores que ultrapassam as fronteiras
territoriais nacionais e que, na sucessão de diferentes períodos históricos,
encontraram expressões culturais eloquentes, que se tornaram parte do
património comum europeu”.
Como fica plasmado
no site do Secretariado Nacional da Pastoral
da Cultura (SNPC), a estreia oficial do programa dos
itinerários culturais europeus ocorreu em 1987, com a certificação do 1.º
itinerário, “Os Caminhos de Santiago de
Compostela”, destacando-se como significativo o facto de se ter começado
por uma antiga rota de peregrinação, ainda muito frequentada (talvez com
frequência renovada, promovida e intensificada), “a exprimir as aspirações e os destinos comuns do continente”, em cuja
história a dimensão religiosa desempenhou “papel importante e decisivo”.
A seguir,
nasceram e foram certificados outros 30 itinerários, alguns com referência
direta à tradição religiosa do continente: a Via Francigena (1994); a rota do património judaico europeu (2004); o itinerário
de São Martinho de Tours (2005); os sítios cluniacenses na Europa (2005); a Transromênica,
os itinerários do património românico europeu (2007); o itinerário
europeu das abadias cistercienses (2010); o itinerário europeu dos
cemitérios (2010); o itinerário dos caminhos de Santo Olavo (2010); os caminhos
dos huguenotes e dos valdenses (2013).
Entretanto,
o programa inicial foi-se estruturando e organizando nos procedimentos
relativos à certificação do “Itinerário
Cultural do Conselho da Europa” e nas estruturas operacionais e estratégias
da sua promoção. Neste aspeto, é de sublinhar “o desenvolvimento que conheceu o
binómio cultura-turismo, até confluir num plano de ação europeu do turismo,
para o qual os itinerários culturais contribuem grandemente”. E é de notar a relevância
da assinatura, em setembro de 2006, do memorando de cooperação entre o Conselho
da Europa e a OMT.
A execução
técnica dos objectivos do Acordo foi confiada ao Instituto Europeu dos Itinerários Culturais, sediado na antiga
abadia de Neumunster, no Luxemburgo, criado, em 1998, através de acordo entre o
Conselho da Europa e o Grão-Ducado do Luxemburgo, para “avaliar itinerários
certificados e oferecer suporte a novos projetos interessados na certificação”.
Deve
dizer-se que o programa dos itinerários culturais se propõe como um ‘canal’
para o diálogo intercultural e “compreensão da identidade da Europa, pela
valorização do rico património histórico dos seus povos”. Assim, é de realçar
que “a ideia da Europa não se esgota na adoção da moeda única comum ou apenas
na regulação do seu mercado continental ou na elaboração de políticas
económicas mais ou menos compartilhadas”. Há, na verdade, um pano de fundo de
valores e ideais que deu vida, no tempo, à variada diversidade de expressões de
uma “identidade comum” – poliédrica e variada –, “cuja redescoberta só pode
beneficiar a própria identidade e servir como antídoto contra as recorrentes
pressões nacionalistas”. Espera-se, assim, que 2018, que a UE declarou “Ano Europeu do Património Cultural” –
iniciativa a que aderiu o Conselho da Europa – registe “uma consideração
renovada do precioso papel da cultura na construção da sociedade e na escolha
das orientações gerais da política comunitária”.
Por outro
lado, como afirmava o cardeal Ratzinger numa poderosa intervenção perante o
Senado da República Italiana (13 de maio de 2004), “a Europa apenas de maneira completamente secundária é um conceito
geográfico: a Europa não é um continente claramente compreensível em termos
geográficos, mas é um conceito cultural e histórico”.
Merecem especial
atenção as expressões religiosas dessa sua identidade, que contribuíram
notavelmente para moldar o rosto da Europa. Elas estão vivas em todos os países
europeus e têm oferecido, ao longo do tempo, terreno fértil para o crescimento,
amadurecimento, partilha e difusão de valores de grande conteúdo simbólico e
ético. Delas são visível expressão os itinerários elencados referentes à
peregrinação, experiência monástica, formas de piedade religiosa e figuras de
santos, que “marcaram profundamente uma era e contribuíram para fixar os traços
típicos da identidade europeia”. Tais itinerários são o testemunho histórico de
como a experiência religiosa, em particular a cristã, se traduziu em cultura e
como esta encontrou força inspiradora na religião, vindo a expressar-se em
edifícios singulares (catedrais, basílicas, igrejas, mosteiros, etc.), valiosas obras de arte (retábulos,
pinturas devocionais, ícones, joias e objetos de artesanato sacro, etc.), textos musicais e literários (canto
gregoriano, hinos medievais, poemas, representações sacras, etc.) que se encontram por todo o continente, em grandes
cidades e em pequenas aldeias. Todo este património tem ainda muito a dizer ao
homem europeu de hoje e convida a abrir os olhos e a mente à função social da
cultura e do “sentimento religioso”.
São, pois,
atuais as considerações de Romano Guardini que, estudando a incidência do
elemento religioso na totalidade da existência, salientava como sempre
iminentes dois extremos possíveis: a “religiosidade que se retira cada vez mais
dos campos de vida cultural”, fazendo-se “mais interior”; e a cultura que se
torna mera expressão horizontal da autonomia humana em que “o homem cai à mercê
da sua própria obra”. Desta verificação “deve nascer o compromisso de congraçar
os dois âmbitos, religião e cultura, e entabular um diálogo livre de
contraposições ideológicas e preconceitos, na ótica dum serviço compartilhado
ao bem integral da pessoa humana e da construção da sociedade. É de considerar
o desejo do Papa comunicado aos participantes da conferência “(Re)Pensar a Europa”, organizada pela COMECE
(Comissão dos
Episcopados da Comunidade Europeia), em
colaboração com a Secretaria de Estado da Santa Sé, a 28 de outubro de 2017, de
“considerar o papel positivo e construtivo que, em geral, a religião tem na
edificação da sociedade”.
Assim, “a
conservação, valorização e promoção do vasto património cultural europeu,
fruível também em chave turística, não se limita a uma necessária recuperação
arqueológica, mas pretende torná-lo disponível para o conhecimento e leitura de
uma mensagem que desafia a nossa contemporaneidade e cujo valor transcende o
tempo e o espaço em que foi criado, voltando a propor as sempre atuais questões
sobre o sentido do viver e do agir do homem no mundo”. (vd Vatican
News e SNPC – 28de abril de 2018).
***
Está a prosa
de Mons. Bravi em consonância com o Papa Francisco. Com efeito, o homem é ponto
de encontro e unidade, mas também centro, fator e objeto da cultura.
2018.04.28 –
Louro de Carvalho
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