Completam-se
hoje, 9 de abril,100 anos da mortífera Batalha de La Lys na Flandres, no quadro
da I Guerra Mundial, onde a 2.ª Divisão do Corpo Expedicionário Português (CEP) foi quase dizimada pelo
6.º exército alemão sob o comando do general Von Quast, composto por 50 000
combatentes. Para Portugal – que participou no conflito mundial com o intuito
político de, honrando a velha aliança com o Reino Unido, dar boa imagem da República
e poder vir a obter dividendos da participação – tratou-se do maior desaire
militar depois de Alcácer-Quibir.
É de
recordar que em toda a campanha as duas Divisões que formavam o CEP eram
constituídas por cerca de 55 000 homens, sendo que nesta batalha participou
a 2.ª Divisão com 20 000 elementos, já que a 1.ª tinha sido colocada na
retaguarda.
A
zona confiada ao CEP abrangia 11,5 Km e compreendia os setores de
Fauquissart, Neuve Chapelle e Ferme du Bois. As 40.ª e 55.ª Divisões
Britânicas, que ladeavam a 2.ª Divisão recuaram, deixando expostos e quase no desespero
os flancos portugueses. O exército inimigo, fruto de informações de que as
forças lusas iriam ser rendidas (o que não aconteceria
por mudanças de política em Portugal decorrentes da intervenção sidonista) e do denso nevoeiro que o beneficiava,
iniciou o ataque pelas 4,15 horas, com barreiras de fogo de artilharia avassaladoras
e que, mau grado o empenho das tropas, não se conseguiu suster. A morte e a quase
debandada foram gerais. As últimas defesas foram ultrapassadas e, por volta do
meio dia de 10 de Abril, terminou toda a resistência. Pereceram nesta Batalha
centenas de combatentes, praticamente metade de todos os que morreram durante a
participação de Portugal na campanha da Flandres. Os feridos e prisioneiros
foram mais de 5000 e cerca de 7000, respetivamente.
Obviamente,
a difícil e pouco conseguida resistência portuguesa permitiu que as tropas
aliadas ganhassem um pouco de tempo e viessem a reposicionar-se no terreno –
redimindo-se assim do abandono com que secundaram a negligência da não rendição
portuguesa por parte dos detentores do poder político nacional – e a preparar
as condições da derrota da Alemanha e dos países que estavam do seu lado. Vae victimis!
***
A prestar homenagem aos combatentes portugueses mortos,
feridos ou feitos prisioneiros na batalha de La Lys estiveram em França Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa.
Na cerimónia
que assinalou os 100 anos da batalha de La Lys, no Cemitério Militar Português
de Richebourg, o Presidente da República Portuguesa, sustentou que se viveu “o
nosso maior luto militar desde a batalha de Alcácer-Quibir no norte de África
em 1578”.
Lembrava, no
seu discurso em França, os milhares de combatentes mortos, feridos e feitos
prisioneiros, em apenas oito horas. Alcácer-Quibir terá visto morrer todo
(ou quase
todo) o exército português cerca de 20
mil combatentes nacionais e internacionais.
O Chefe de
Estado português enfatizou “um de entre tantos heróis” desse dia “tragicamente
inesquecível, de que este cemitério é testemunha silenciosa, mas
impressionante”: o mítico Aníbal Augusto Milhais, mais conhecido por
soldado Milhões. A sorte, as circunstâncias ou a bravura do militar, mesclada
com o medo, fizeram dele o virtuoso causador da inflexão do destino da guerra.
Tanto assim é que “foi o único soldado raso a receber até hoje a mais elevada
condecoração portuguesa, a Ordem Militar
da Torre e Espada do valor Lealdade e Mérito, entregue em pleno campo de
batalha pelo chefe militar, o marechal Manuel Gomes da Costa, o futuro líder do
Movimento militar que havia de alegadamente regenerar a Nação restituindo ao
país a ordem, o prestígio militar, a imagem das instituições e o saneamento das
contas públicas – o que se fez à custa da interrupção da democracia
pluripartidária por 48 anos e de forte política austeritária ao leme da qual se
colocou o Ministério das Finanças cuja ditadura se perpetua ou se adia sine die.
Na cerimónia
em que também estava presente o Primeiro-Ministro, Costa, o Presidente da
República fez parte do discurso em francês. E, dirigindo-se ao Presidente
francês discorreu:
“Portugal, pela minha voz, agradece a estes
bravos o seu sacrifício supremo aqui em França, como em África, por terra, mar
e água. Este sacrifício não foi em vão, dele também se fez a glória de
Portugal, a vitória da França e o futuro da Europa.”.
E terminou
com os “Vive la France. Viva Portugal.”.
Por seu turno, Emmanuel Macron destacou “a amizade entre Portugal e
França”, vincando:
“A amizade entre Portugal e França é uma
amizade profunda e solidária, cimentada por milhares de portugueses e franceses
de origem portuguesa, cimentada pelo sangue vertido pelos que aqui vieram
defender a nossa liberdade”.
Falando a
seguir a Marcelo, o Presidente francês lembrou que “é a memória de todos os soldados portugueses” que neste dia se
recorda. Considerou que no Cemitério Militar Português de Richebourg “estão
perto de 2000 soldados portugueses” que lutaram numa “guerra absurda e tão dolorosamente
fratricida” e caraterizou o cemitério como “um símbolo de amizade e
solidariedade europeia e não de rancor nacionalista”. Manifestou o desejo de
que “nunca mais os povos e nações da Europa tenham de se defrontar”, num
“momento em que a Europa duvida de si” própria. E salientou que “a Europa viveu
um pesadelo”, num “passado comum”, mas que “o futuro deve ser partilhado” – um
dever para “a história, os mortos e a juventude”.
***
Porém, segundo Marcelo, a homenagem aos portugueses mortos na Batalha de La
Lys, prestada esta segunda-feira em França, constitui uma “reparação histórica”
porque a visão da participação de Portugal na Primeira Guerra não era justa.
Por isso, disse aos jornalistas:
“Foi uma homenagem emocionante, uma
reparação histórica porque durante muito tempo se fez a história desta batalha
e da participação portuguesa [na Primeira Guerra Mundial] de acordo com a visão
de outros e essa visão não era justa para Portugal, nem para os combatentes
portugueses”.
Para o Chefe de Estado, finalmente está a fazer-se “a história do que se
passou de facto, do sacrifício, da dedicação, da coragem” dos oficiais e dos
soldados do Corpo Expedicionário Português que chegaram a França em janeiro de
1917 para combater ao lado dos aliados.
Marcelo destacou ainda o facto de o Presidente francês ter estado nas
cerimónias no cemitério militar português de Richebourg, no norte de França,
referindo que foi particularmente emocionante estar ali com Macron, uma
presença “intensa, vivida e longa, sacrificando um programa que tinha em Paris”.
E, frisando que muitos não conhecem a história da batalha, considerou que é
preciso recuperar essa memória, apagada também pela ditadura. Disse ele:
“Fez parte da lógica da ditadura apagar a
história da Grande Guerra, uma vez que ela nasceu largamente de um movimento
militar crítico com a situação vivida em Portugal e que não guardou uma boa memória
da Grande Guerra e, por isso, em décadas essa memória não foi devidamente
prestigiada respeitada e até mesmo contada”.
Nesse sentido, Marcelo espera ser possível, em novembro, na celebração do fim
da I Guerra Mundial, “recuperar-se uma tradição que é a homenagem junto do
monumento dos heróis da Grande Guerra na Avenida da Liberdade [em Lisboa], com uma grande homenagem militar”.
***
Neste dia 9
de abril, as comemorações do centenário de La Lys incluíram a inauguração da
exposição “Racines”, sobre descendentes de soldados portugueses, em Richebourg,
a cerimónia militar junto ao Monumento aos Mortos, em La Couture, o descerrar
de placas em Arras e Lille e visitas a exposições nessas cidades – Arras, exposição “Portugal au front: visions d’artistes (1918-2018)”
(patente no Museu das Belas Artes, com obras do pintor oficial de guerra
português presente na frente de batalha, Adriano de Sousa Lopes, e os contemporâneos
Daniel Barroca e Alexandre Conefrey); e, em Lille, uma exposição alusiva à Primeira Guerra Mundial “Le Portugal et La Grande Guerre”.
***
No domingo, dia
8, Marcelo e Costa estiveram em Paris para descerrar uma placa, na Avenue des
Portugais, em “homenagem aos combatentes da Grande Guerra” e participaram numa
cerimónia militar de homenagem ao Soldado Desconhecido no Arco do Triunfo,
perante largas dezenas de portugueses e várias autoridades, incluindo a
presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, e a secretária francesa da Defesa,
Geneviève Darrieussecq.
O Presidente
destacou ‘a força’ dos portugueses dentro e fora de Portugal, numa cerimónia de
homenagem aos soldados lusos que combateram na Primeira Guerra Mundial.
Primeiro, em
francês, o Chefe de Estado evocou “a longa história de amizade e de
fraternidade, que tem séculos e séculos, mas que está sempre presente”, entre
Portugal e França e agradeceu “tudo o que a França faz todos os dias pelo
milhão e meio de portugueses e seus descendentes que são também franceses mas
nunca esquecem as suas raízes”.
Depois, afirmou,
em português, que ele, o Primeiro-Ministro, deputados, governantes, chefes
militares e embaixador de Portugal em França estavam “juntos no essencial”,
explicitando:
“O essencial hoje é evocar os melhores de
todos nós que se bateram há 100 anos por Portugal e pela França, mas evocar a
nossa amizade e também a nossa força, a nossa força, portugueses, porque somos
fortes, somos fortes no nosso território e somos fortes fora do nosso
território”.
A seguir,
foi cumprimentar a multidão, num amontoado de abraços e ‘selfies’, e agradeceu
aos portugueses presentes, em nome de Portugal, e declarou: “Todos os que estão aqui e muitos mais, sois
todos vencedores. Vive la France, Viva Portugal!”.
Antes do
discurso, Marcelo e Costa foram cumprimentar vários autarcas portugueses e luso-descendentes,
representantes de antigos combatentes e Felícia Pailleux, filha dum soldado
luso que esteve nas trincheiras e porta-estandarte do Corpo Expedicionário
Português.
Na placa de
mármore descerrada ficou a mensagem “Homenagem
de Portugal aos Combatentes da Grande Guerra/ Hommage du Portugal aux Combattants
de la Grande Guerre”, com a legenda “Centenário/
Centennaire” e a inscrição “Paris,
1918/2018”.
Depois da
“Avenue des Portugais”, os Chefes de Estado e do Governo deslocaram-se ao Arco do
Triunfo para a cerimónia do “reavivar da chama” no monumento ao Soldado Desconhecido
(em homenagem
ao Corpo Expedicionário Português que participou na I Guerra Mundial em França).
Ainda no dia
8,foram agraciados com a medalha de Defesa Nacional
três residentes em França e dirigentes da Liga dos Combatentes. A manhã
terminou com o almoço no pavilhão desportivo de Richebourg. Da tarde, Marcelo e
Costa visitaram a igreja da cidade de La Cuture, onde está o “Cristo das
Trincheiras” e um fresco sobre a Batalha de La Lys, e prestam homenagem aos
militares no monumento aos portugueses mortos na Primeira Guerra Mundial.
***
Enfim, a batalha que é lida em vários tons (impreparação, azar,
indisciplina, bravura, mancha, gloria, utilidade) pelos historiadores, militares e políticos viu-se
nestes dias emoldurada pela apoteose épica e como pedra de toque para o ânimo
nacional e para uma voz no concerto das nações.
2018.04.09 – Louro de Carvalho
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