segunda-feira, 9 de abril de 2018

O Centenário da Batalha de La Lys (1918-2018)


Completam-se hoje, 9 de abril,100 anos da mortífera Batalha de La Lys na Flandres, no quadro da I Guerra Mundial, onde a 2.ª Divisão do Corpo Expedicionário Português (CEP) foi quase  dizimada pelo 6.º exército alemão sob o comando do general Von Quast, composto por 50 000 combatentes. Para Portugal – que participou no conflito mundial com o intuito político de, honrando a velha aliança com o Reino Unido, dar boa imagem da República e poder vir a obter dividendos da participação – tratou-se do maior desaire militar depois de Alcácer-Quibir.
É de recordar que em toda a campanha as duas Divisões que formavam o CEP eram constituídas por cerca de 55 000 homens, sendo que nesta batalha participou a  2.ª Divisão com 20 000 elementos, já que a 1.ª tinha sido colocada na retaguarda.
A zona  confiada ao CEP abrangia 11,5 Km e compreendia os setores de Fauquissart, Neuve Chapelle e Ferme du Bois. As 40.ª e 55.ª Divisões Britânicas, que ladeavam a 2.ª Divisão recuaram, deixando expostos e quase no desespero os flancos portugueses. O exército inimigo, fruto de informações de que as forças lusas iriam ser rendidas (o que não aconteceria por mudanças de política em Portugal decorrentes da intervenção sidonista) e do denso nevoeiro que o beneficiava, iniciou o ataque pelas 4,15 horas, com barreiras de fogo de artilharia avassaladoras e que, mau grado o empenho das tropas, não se conseguiu suster. A morte e a quase debandada foram gerais. As últimas defesas foram ultrapassadas e, por volta do meio dia de 10 de Abril, terminou toda a resistência. Pereceram nesta Batalha centenas de combatentes, praticamente metade de todos os que morreram durante a participação de Portugal na campanha da Flandres. Os feridos e prisioneiros foram mais de 5000 e cerca de 7000, respetivamente.
Obviamente, a difícil e pouco conseguida resistência portuguesa permitiu que as tropas aliadas ganhassem um pouco de tempo e viessem a reposicionar-se no terreno – redimindo-se assim do abandono com que secundaram a negligência da não rendição portuguesa por parte dos detentores do poder político nacional – e a preparar as condições da derrota da Alemanha e dos países que estavam do seu lado. Vae victimis!
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A prestar homenagem aos combatentes portugueses mortos, feridos ou feitos prisioneiros na batalha de La Lys estiveram em França Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa.
Na cerimónia que assinalou os 100 anos da batalha de La Lys, no Cemitério Militar Português de Richebourg, o Presidente da República Portuguesa, sustentou que se viveu “o nosso maior luto militar desde a batalha de Alcácer-Quibir no norte de África em 1578”.
Lembrava, no seu discurso em França, os milhares de combatentes mortos, feridos e feitos prisioneiros, em apenas oito horas. Alcácer-Quibir terá visto morrer todo (ou quase todo) o exército português cerca de 20 mil combatentes nacionais e internacionais.
O Chefe de Estado português enfatizou “um de entre tantos heróis” desse dia “tragicamente inesquecível, de que este cemitério é testemunha silenciosa, mas impressionante”: o mítico Aníbal Augusto Milhais, mais conhecido por soldado Milhões. A sorte, as circunstâncias ou a bravura do militar, mesclada com o medo, fizeram dele o virtuoso causador da inflexão do destino da guerra. Tanto assim é que “foi o único soldado raso a receber até hoje a mais elevada condecoração portuguesa, a Ordem Militar da Torre e Espada do valor Lealdade e Mérito, entregue em pleno campo de batalha pelo chefe militar, o marechal Manuel Gomes da Costa, o futuro líder do Movimento militar que havia de alegadamente regenerar a Nação restituindo ao país a ordem, o prestígio militar, a imagem das instituições e o saneamento das contas públicas – o que se fez à custa da interrupção da democracia pluripartidária por 48 anos e de forte política austeritária ao leme da qual se colocou o Ministério das Finanças cuja ditadura se perpetua ou se adia sine die.
Na cerimónia em que também estava presente o Primeiro-Ministro, Costa, o Presidente da República fez parte do discurso em francês. E, dirigindo-se ao Presidente francês discorreu:
Portugal, pela minha voz, agradece a estes bravos o seu sacrifício supremo aqui em França, como em África, por terra, mar e água. Este sacrifício não foi em vão, dele também se fez a glória de Portugal, a vitória da França e o futuro da Europa.”.
E terminou com os “Vive la France. Viva Portugal.”.
Por seu turno, Emmanuel Macron destacou “a amizade entre Portugal e França”, vincando:
A amizade entre Portugal e França é uma amizade profunda e solidária, cimentada por milhares de portugueses e franceses de origem portuguesa, cimentada pelo sangue vertido pelos que aqui vieram defender a nossa liberdade”.
Falando a seguir a Marcelo, o Presidente francês lembrou que “é a memória de todos os soldados portugueses” que neste dia se recorda. Considerou que no Cemitério Militar Português de Richebourg “estão perto de 2000 soldados portugueses” que lutaram numa “guerra absurda e tão dolorosamente fratricida” e caraterizou o cemitério como “um símbolo de amizade e solidariedade europeia e não de rancor nacionalista”. Manifestou o desejo de que “nunca mais os povos e nações da Europa tenham de se defrontar”, num “momento em que a Europa duvida de si” própria. E salientou que “a Europa viveu um pesadelo”, num “passado comum”, mas que “o futuro deve ser partilhado” – um dever para “a história, os mortos e a juventude”.
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Porém, segundo Marcelo, a homenagem aos portugueses mortos na Batalha de La Lys, prestada esta segunda-feira em França, constitui uma “reparação histórica” porque a visão da participação de Portugal na Primeira Guerra não era justa. Por isso, disse aos jornalistas:
Foi uma homenagem emocionante, uma reparação histórica porque durante muito tempo se fez a história desta batalha e da participação portuguesa [na Primeira Guerra Mundial] de acordo com a visão de outros e essa visão não era justa para Portugal, nem para os combatentes portugueses”.
Para o Chefe de Estado, finalmente está a fazer-se “a história do que se passou de facto, do sacrifício, da dedicação, da coragem” dos oficiais e dos soldados do Corpo Expedicionário Português que chegaram a França em janeiro de 1917 para combater ao lado dos aliados.
Marcelo destacou ainda o facto de o Presidente francês ter estado nas cerimónias no cemitério militar português de Richebourg, no norte de França, referindo que foi particularmente emocionante estar ali com Macron, uma presença “intensa, vivida e longa, sacrificando um programa que tinha em Paris”. E, frisando que muitos não conhecem a história da batalha, considerou que é preciso recuperar essa memória, apagada também pela ditadura. Disse ele:
Fez parte da lógica da ditadura apagar a história da Grande Guerra, uma vez que ela nasceu largamente de um movimento militar crítico com a situação vivida em Portugal e que não guardou uma boa memória da Grande Guerra e, por isso, em décadas essa memória não foi devidamente prestigiada respeitada e até mesmo contada”.
Nesse sentido, Marcelo espera ser possível, em novembro, na celebração do fim da I Guerra Mundial, “recuperar-se uma tradição que é a homenagem junto do monumento dos heróis da Grande Guerra na Avenida da Liberdade [em Lisboa], com uma grande homenagem militar”.
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Neste dia 9 de abril, as comemorações do centenário de La Lys incluíram a inauguração da exposição “Racines”, sobre descendentes de soldados portugueses, em Richebourg, a cerimónia militar junto ao Monumento aos Mortos, em La Couture, o descerrar de placas em Arras e Lille e visitas a exposições nessas cidades – Arras, exposição “Portugal au front: visions d’artistes (1918-2018)” (patente no Museu das Belas Artes, com obras do pintor oficial de guerra português presente na frente de batalha, Adriano de Sousa Lopes, e os contemporâneos Daniel Barroca e Alexandre Conefrey); e, em Lille, uma exposição alusiva à Primeira Guerra Mundial “Le Portugal et La Grande Guerre”.
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No domingo, dia 8, Marcelo e Costa estiveram em Paris para descerrar uma placa, na Avenue des Portugais, em “homenagem aos combatentes da Grande Guerra” e participaram numa cerimónia militar de homenagem ao Soldado Desconhecido no Arco do Triunfo, perante largas dezenas de portugueses e várias autoridades, incluindo a presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, e a secretária francesa da Defesa, Geneviève Darrieussecq.
O Presidente destacou ‘a força’ dos portugueses dentro e fora de Portugal, numa cerimónia de homenagem aos soldados lusos que combateram na Primeira Guerra Mundial.
Primeiro, em francês, o Chefe de Estado evocou “a longa história de amizade e de fraternidade, que tem séculos e séculos, mas que está sempre presente”, entre Portugal e França e agradeceu “tudo o que a França faz todos os dias pelo milhão e meio de portugueses e seus descendentes que são também franceses mas nunca esquecem as suas raízes”.
Depois, afirmou, em português, que ele, o Primeiro-Ministro, deputados, governantes, chefes militares e embaixador de Portugal em França estavam “juntos no essencial”, explicitando:
O essencial hoje é evocar os melhores de todos nós que se bateram há 100 anos por Portugal e pela França, mas evocar a nossa amizade e também a nossa força, a nossa força, portugueses, porque somos fortes, somos fortes no nosso território e somos fortes fora do nosso território”.
A seguir, foi cumprimentar a multidão, num amontoado de abraços e ‘selfies’, e agradeceu aos portugueses presentes, em nome de Portugal, e declarou: “Todos os que estão aqui e muitos mais, sois todos vencedores. Vive la France, Viva Portugal!”.
Antes do discurso, Marcelo e Costa foram cumprimentar vários autarcas portugueses e luso-descendentes, representantes de antigos combatentes e Felícia Pailleux, filha dum soldado luso que esteve nas trincheiras e porta-estandarte do Corpo Expedicionário Português.
Na placa de mármore descerrada ficou a mensagem “Homenagem de Portugal aos Combatentes da Grande Guerra/ Hommage du Portugal aux Combattants de la Grande Guerre”, com a legenda “Centenário/ Centennaire” e a inscrição “Paris, 1918/2018”.
Depois da “Avenue des Portugais”, os Chefes de Estado e do Governo deslocaram-se ao Arco do Triunfo para a cerimónia do “reavivar da chama” no monumento ao Soldado Desconhecido (em homenagem ao Corpo Expedicionário Português que participou na I Guerra Mundial em França).
Ainda no dia 8,foram agraciados com a medalha de Defesa Nacional três residentes em França e dirigentes da Liga dos Combatentes. A manhã terminou com o almoço no pavilhão desportivo de Richebourg. Da tarde, Marcelo e Costa visitaram a igreja da cidade de La Cuture, onde está o “Cristo das Trincheiras” e um fresco sobre a Batalha de La Lys, e prestam homenagem aos militares no monumento aos portugueses mortos na Primeira Guerra Mundial.
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Enfim, a batalha que é lida em vários tons (impreparação, azar, indisciplina, bravura, mancha, gloria, utilidade) pelos historiadores, militares e políticos viu-se nestes dias emoldurada pela apoteose épica e como pedra de toque para o ânimo nacional e para uma voz no concerto das nações.
2018.04.09 – Louro de Carvalho

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