sábado, 5 de janeiro de 2019

Professores experientes e um país que investe na Educação


Um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), divulgado no fim do ano anterior, como refere o site “educare.pt” – e que algumas instituições replicam, por exemplo o Conselho Nacional de Educação – analisa o sistema educativo português, os recursos escolares, o envelhecimento dos professores, o abandono escolar precoce, as taxas de retenção e de reprovação. E também “analisa conjunturas, cruza realidades, debruça-se sobre políticas, salienta os progressos dos alunos e faz recomendações à tutela”.
Diga-se, em abono da verdade, que não se trata propriamente duma novidade, pois, já no ano letivo anterior, uma equipa daquela instância internacional, presidida pelo Diretor do seu Departamento para a Educação, esteve entre nós a acompanhar a experiência da autonomia pedagógica e flexibilização curricular, que desembocou no Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de Julho, que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens, corporizando a intenção do Governo de assumir “como prioridade a concretização de uma política educativa centrada nas pessoas que garanta a igualdade de acesso à escola pública, promovendo o sucesso educativo e, por essa via, a igualdade de oportunidades” (vd preâmbulo). Já então eram formulados elogios e se faziam avisos à navegação, nomeadamente quanto á revisão do processo de acesso ao ensino superior. 
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Porém, agora, toda aquela observação foi compendiada num “estudo exaustivo que toma o pulso à realidade do país e que não esquece a sua História, o tempo da ditadura em que a Educação não era prioridade, a revolução de Abril que trouxe a democracia e a vontade de escolarizar a população, a recente crise económica neste século que estancou gastos e reduziu o orçamento das famílias” – precisa Sara R. Oliveira no “educare pt”. O estudo está plasmado num relatório da OCDE que “dedica duas partes ao sistema de ensino português e à utilização de recursos escolares em Portugal, cruzando realidades, números, dados, investimentos, políticas, prioridades, para realçar melhorias, sublinhar oportunidades, comparar, fazer reparos”.
Assim, fica esclarecido que, nos últimos 20 anos, melhoraram as oportunidades de aprendizagem para os alunos portugueses, o que se reflete a vários níveis. Tanto assim é que se lê, no relatório, que “a frequência da escola é atualmente quase universal, as taxas de abandono escolar diminuíram drasticamente e os alunos de 15 anos têm agora um desempenho igual ou superior ao da OCDE nos testes de Matemática, Leitura e Ciências”.
Com efeito, não passaram despercebidos àquela organização os progressos nos testes PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos – em inglês,  Programme for International Student Assessment), sendo lembrado, realçado e valorizado: uma média de 474 em 2006 que subiu para 501 em 2015, não a tendo atingido outro país da OCDE nesse período; a maior subida de desempenho em Ciências; e uma média de Matemática que aumentou de 442 em 1995 para 541 em 2015. 
Não obstante a evolução num país que dedica 5,1% do PIB à Educação, superior à média da OCDE, há grandes desafios. Por exemplo, o abandono escolar tem vindo a diminuir, mas, mesmo assim, é preocupante. Com efeito, “13% dos estudantes portugueses abandonam a escola antes de concluírem o ensino secundário”, que integra a escolaridade obrigatória. Por outro lado, é indisfarçável que “o desempenho escolar e a conclusão da escolaridade estão fortemente ligados à situação socioeconómica dos alunos, e as crianças provenientes de várias comunidades em Portugal têm resultados académicos significativamente piores do que os seus pares”. Este pertinente conhecimento da realidade é visível em “levantamentos, estudos, pesquisas, que sistematicamente mostram que a condição económica das famílias tem reflexos no desempenho escolar e que há um desequilíbrio entre as zonas urbanas e as áreas mais afastadas da urbanidade”, sendo elevado o custo do subúrbio e da interioridade.  
É certo que o abandono escolar desceu de 28,3% em 2010 para 12,7% em 2017, entendendo-se que “a lei da escolaridade obrigatória de 12 anos terá ajudado a travar a saída da escola antes do tempo”. Mas, ao mesmo tempo, regista-se que as retenções e reprovações são altas – na verdade, 34% dos alunos de 15 anos repetiram o ano pelo menos uma vez – e muitos alunos não concluem em tempo útil o ensino secundário.
Por outro lado, verifica-se que “a taxa de repetição vai variando de nível de ensino e de região”. Assim, em 2016, a taxa de repetição do 1.º ciclo do Ensino Básico era de 3,7%; no 2.º ciclo, de 6,7%; no 3.º ciclo, de 10%; e no Secundário, de 15,7%. Em Lisboa e no Sul, as taxas eram mais elevadas do que no Norte e no Centro. E sabe-se que as probabilidades de um aluno ter um baixo desempenho em Ciências é três vezes superior se pertencer a uma família com dificuldades económicas, sendo que os pobres estão cada vez mais estigmatizados. 
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Apesar da experiência da flexibilização curricular ao tempo do estudo estar a decorrer em mais de 200 estabelecimentos de educação e ensino e estar em vias da generalização, o atual relatório da OCDE dá nota da centralização portuguesa e refere que a “maior parte das decisões estratégicas são executadas pelo poder central”, não sendo exceção a educação. De facto, estão nas mãos da administração central as decisões de contratação e distribuição dos recursos humanos pelas escolas, os salários dos professores, os orçamentos…
No entanto, a OCDE sublinha que o país está em processo de descentralização, com passagem gradual de competências e recorda, a propósito, os contratos de autonomia, o projeto de autonomia e flexibilização curricular, o projeto-piloto em 14 municípios. Porém, a contratação e os salários dos professores do sistema de ensino público não saem das mãos do Governo. 
Por outro lado, o relatório frisa que 90% do orçamento para o setor educativo vai para os recursos humanos, percentagem superior à da média da OCDE, que é de 78%; em 2015, o rácio era de um professor para 10 alunos; em 2013, 15% dos docentes tinham um contrato temporário anual, 75% estavam no quadro e 10% estavam com contrato a termo por mais de um ano. E não se fala dos colocados em regime de substituição temporária!
Também o relatório da conta do envelhecimento da classe. Com efeito, o típico professor do 1.º ciclo tem 46 anos, o do 2.º ciclo tem 49, o do 3.º ciclo e Secundário 48. Apenas 1% dos professores portugueses no ativo têm menos de 30 anos. Por isso, a OCDE sugere regras de aposentação flexíveis sem penalizações “para que professores mais velhos pudessem abandonar uma carreira cognitiva e fisicamente desgastante de uma maneira digna” (Ouça, Ministro!) – assim como sugere alterações nas tabelas salariais de modo que “os primeiros anos da profissão sejam mais bem pagos e os aumentos ao longo da carreira sejam menores”.
E o relatório alerta: “Os professores portugueses não se sentem valorizados pela sociedade”. E eu digo que deveria ter acrescentado “nem pelo Governo” e que estão em depressão.
Para a OCDE, os nossos docentes são experientes, altamente qualificados, bem remunerados, porque podem receber 1,3 vezes mais do que outro trabalhador com formação superior.
Como é que esta instância internacional diz que os professores são bem pagos, se até aconselha a valorização das tabelas salariais nos primeiros anos de exercício da profissão? É certo que o envelhecimento dos docentes é uma realidade, mas os que chegaram ao topo da carreira são pouquíssimos. E agora torna-se mais difícil graças ao aperto das constrições. Os professores estiveram 9 anos, 4 meses e 2 dias a marcar passo, isto é, sem progredirem, ou seja, sem valorização salarial. E não há, entre os professores, promoções nem prémios de desempenho. Depois, no tempo da troika, muitos foram para a aposentação antecipada já com fortes penalizações e um grande número aderiu ao programa de rescisão por mútuo acordo. Quem informou a OCDE da enormidade salarial dos professores? Não me digam que foi o ex-Ministro da Economia Álvaro dos Santos Pereira que enegreceu o país com o labéu da corrupção, a ponto de o Governo requerer a reformulação do enunciado.     
Embora reconheça que o sistema de colocação dos professores nas escolas é transparente, a OCDE aconselha a rever o processo, porque, sustenta, as escolas “têm uma capacidade limitada de expressar as suas preferências por um candidato específico” e os professores pouca liberdade para escolher um determinado estabelecimento de ensino. Por isso, as necessidades das escolas e os interesses dos professores andam desfasados. Mas não sei se a colocação dos docentes a nível local traria vantagem acrescida à lecionação e ao ensino-aprendizagem, dada a tendência para o comadrio e para o afastamento de quem não alinhe com as direções escolares. E, com muitas autarquias a sobrepor-se à escola, a coisa dificilmente daria certo, a ajuizar pelas, ainda que limitadas, experiências conhecidas
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O relatório considera que os professores estão interessados no seu desenvolvimento profissional em várias áreas, nomeadamente na de alunos com necessidades especiais, no ensino multicultural, na gestão e administração escolares; usam métodos e técnicas e desenvolvem práticas que adaptam a diversas realidades, o que não é muito comum noutros países; e têm tempo no horário para formações, para o seu desenvolvimento profissional. Então, como se explica o facto de as ações de formação se desenvolverem, regra geral em tempo pós-laboral ou ao sábado? Os técnicos não devem ter analisado o ECD…
Em todo o caso, a OCDE faz observações, pois, “apesar de uma forte capacidade, de apoios estruturais e de um sistema que permite uma rigorosa profissionalização da carreira, o sistema português ainda não maximiza o potencial dos seus professores e dos líderes nas escolas”. 
Feito o diagnóstico, a OCDE avança com algumas sugestões. Por exemplo, recomenda a aposta na avaliação dos docentes devendo as aulas ser mais observadas; uma maior transparência; a prestação de contas e avaliação do financiamento da educação escolar; o alargamento da autonomia das escolas; a monitorização da descentralização; e o acompanhamento do seu processo. Na verdade, “integrar a descentralização da gestão escolar no alargamento da autonomia das escolas” pode passar pela “atribuição de responsabilidade aos municípios por todos os assuntos operacionais”, atribuição de “responsabilidade às escolas por recursos financeiros e humanos diretamente relacionados com o ensino e a aprendizagem e atribuição de “responsabilidade ao governo central por capacitar as instituições locais”. 
Também o relatório analisa a situação do sistema educativo, com base em dados estatísticos de 2015/2016, tendo enveredado “já num período de reinvestimento gradual na escola pública, num movimento iniciado em 2016, após vários anos de políticas de austeridade”, segundo o que refere, em comunicado, o Ministério da Educação, sublinhando os passos que foram e estão a ser dados, como a abertura de um novo ciclo de recrutamento e progressão de professores, que “se deverá acentuar nos próximos anos, nomeadamente tendo em conta a aposentação de uma parte considerável do corpo docente e o restabelecimento das condições de progressão na carreira”. A tutela recorda as “políticas e programas de médio e longo alcance que têm ampliado o acesso, a qualidade e a equidade do sistema educativo, através de novos modelos em que as escolas, os professores e os alunos são os protagonistas”. E destaca o desenvolvimento de uma fórmula de financiamento, pelo Instituto de Gestão Financeira da Educação, “de acordo com as caraterísticas e necessidades de cada escola”.
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Complementarmente é de destacar que a CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais) pediu, a 27 de dezembro, “paz na educação”, defendendo um “contrato social” para o setor para que a “escola pública possa cumprir a sua missão”. A pretensão foi veiculada pelo presidente da confederação, Jorge Ascensão, que reagia, em declarações à Lusa, ao veto do Presidente da República, no dia 26, ao decreto do Governo que prevê a recuperação parcial do tempo de serviço congelado dos professores, obrigando o Executivo a negociar com sindicatos. 
Jorge Ascensão considerou que “é preciso que haja paz na educação” e assinalou que a “frequente instabilidade não permite um trabalho sereno e evolutivo, em particular na escola pública”. Por isso, a CONFAP defende um “contrato social para a educação”, envolvendo Governo, sindicatos e partidos políticos, que “permita a necessária tranquilidade” no setor, para que “a escola pública possa cumprir a sua missão”.  Para tal, “é preciso assumir compromissos”, como frisou o dirigente da CONFAP, tendo em conta que 2019, ano de eleições legislativas, “é o momento próprio” para isso e “não para oportunismos político-partidários”. 
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Irá o Governo acatar as recomendações da OCDE ou ficará a saborear narcisicamente o relambório “desafios e oportunidades, melhores desempenhos, professores experientes e um país que investe na Educação”? Irá aceitar as recomendações que menos interessam? Continuará a promover o faz-de-conta de que tudo se melhorou deixando continuar o facilitismo ou o modo do “salve-se quem puder”? Para quando a reformulação do acesso ao ensino superior, na linha das recomendações da OCDE em tempos, centrado sobretudo na seleção feita pelos respetivos estabelecimentos, para que o ensino secundário respire? Bastará enunciar o seguinte: 
Dispor de maior flexibilidade na gestão curricular, visando a dinamização de trabalho interdisciplinar para aprofundar, reforçar e enriquecer as Aprendizagens Essenciais; implementar a Cidadania e Desenvolvimento como área de trabalho das diferentes ofertas educativas e formativas, rumo ao exercício da cidadania ativa, de participação democrática, em contextos interculturais de partilha, colaboração e confronto de ideias sobre matérias da atualidade; fomentar nos alunos o desenvolvimento de competências de pesquisa, avaliação, reflexão, mobilização crítica e autónoma de informação para a resolução de problemas e o reforço da sua autoestima e bem-estar; adotar diferentes formas de organização do trabalho escolar, designadamente pela constituição de equipas educativas que permitam rentabilizar o trabalho docente e centrá-lo nos alunos; apostar no trabalho de projeto e no desenvolvimento de experiências de comunicação e expressão nas modalidades oral, escrita, visual e multimodal, valorizando o papel dos alunos enquanto autores, proporcionando-lhes situações de aprendizagens significativas; reforçar as dinâmicas de avaliação das aprendizagens centrando-as na diversidade de instrumentos que permitem um maior conhecimento da eficácia do trabalho realizado e um acompanhamento ao primeiro sinal de dificuldade nas aprendizagens dos alunos; conferir aos alunos do ensino secundário a possibilidade de adoção de um percurso formativo próprio através de permuta e substituição de disciplinas, no respeito pelas componentes específica e científica de cada curso (vd preâmbulo do Dl n.º 55/2018, de 6 de julho)?
2019.01.05 – Louro de Carvalho

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