quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O aproveitamento político, económico e cultural … da JMJ 2022


Obviamente que gostei de saber que a Jornada Mundial da Juventude de 2022 se realizará em Lisboa. Trata-se da capital do país e cabeça duma diocese com história, labor apostólico e enormes periferias existenciais, muito embora outras também tenham essas caraterísticas. Mas Lisboa é uma das arquidioceses (e é um patriarcado) metropolita com mais dioceses sufragâneas (Angra, Funchal, Guarda, Leiria-Fátima, Portalegre-Castelo Branco, Santarém, Setúbal).
Por outro lado, a Igreja em Portugal tem motivos para estar mais do que satisfeita pela escolha papal, mas deve aproveitar o ensejo para, na sua renovação, que urge, construir um cristianismo mais “cafeinado” pela força do Alto, mais abrangente em termos intergeracionais e mais comprometido social e politicamente, definindo-se, sem se autorreferenciar, em dois polos aparentemente distintos, mas coincidentes: Jesus Cristo e os deserdados da sorte.
Também me parece de acomodatícia legitimidade o argumento da proximidade histórica com a África lusófona, sem esquecer a comunidade de Macau, o povo de Timor-Leste e a comunidade indiana em que há resquício da presença portuguesa. Evidentemente que, se nos orgulhamos das relações históricas havidas com esses territórios – com notáveis sucessos e graves erros –, é mister que também hoje lhes saibamos dar as mãos despojadas de qualquer laivo de colonialismo, mas abertas à solidariedade e à cooperação humana e cristã.
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Reparei que da comitiva portuguesa, em que praticamente ficou eclipsado o grupo de cerca de 300 jovens, ressaltou a presença de seis Bispos, à cabeça dos quais se encontrava o Cardeal Patriarca de Lisboa e Presidente da Conferência Episcopal, o Presidente da República, o Presidente da Câmara de Lisboa, o Pároco do Parque das Nações e a discreta figura dum Secretário de Estado a representar o Governo português. Confesso que, à exceção do pouco relevo dado aos jovens portugueses, que somente foram mencionados pelo responsável do departamento eclesial respetivo ou quando gritaram “Portugal! Portugal!”, me pareceram bem tais presenças. Foi o Governo dum Estado aconfessional, mas interessado na cooperação, o autarca de Lisboa e presidente da respetiva área metropolitana, que abrange o território que acolherá o evento, o pároco duma circunscrição territorial e eclesial do acolhimento e o Bispo da diocese. E não me parecia desajustada a presença do Presidente da República, desde que um pouco mais contida, embora sabendo que a contenção não é o seu forte, mas reconhecendo-lhe o direito de estar e até o dever, se a sua consciência política e cristã lho determina.
Porém, souberam-me a desajustados, excessivos e oportunistas dois aspetos: a euforia da vitória; e a hipotética, mas explícita, pré-declaração de recandidatura presidencial.
Num caso destes, não se pode avocar uma vitória de ninguém, muito menos do país qua tali. Não se trata duma vitória bélica, económica, futebolística. Não é um certame. E o Presidente não devia entrar nessas euforias de fã desportivo. Nem é uma vitória da Igreja em Portugal, embora se conheçam tanto as dores de Dom Manuel Clemente como a sua capacidade negocial. Sobre as primeiras, sabe-se como foi criticado por uma frase extraída do seu contexto; e sobre a segunda, é de recordar como conseguiu puxar, em 2010, a visita de Bento XVI para a cidade portucalense quando era o Bispo diocesano do Porto. Mas, além do proveito eclesial que a JMJ acarretará para a Igreja em Portugal, o acolhimento da JMJ tem de ser encarado como serviço desta Igreja particular à Igreja Universal. Em termos da correção e do espírito evangélico, não é um triunfo, uma vanglória. Encha o coração, sim, mas não encha a boca! 
Quanto à predita declaração de recandidatura presidencial, o aconfessionalismo do Estado fica mal servido por esta postura presidencial. Um ato político não se pratica a partir dum evento religioso; e os portugueses não têm que levar com os estados de alma do Chefe de Estado, que o é em Portugal e no estrangeiro.
Todavia, isto não é novo. Já em 1982, Francisco Balsemão, quando os jornalistas o questionaram sobre a visita de São João Paulo II, respondeu que estava satisfeito e que valia a pena ser Primeiro-Ministro ainda que só apenas para receber o Papa.
Agora, Marcelo disse que saía do Panamá com mais vontade de pensar na recandidatura (uma epifania), quanto ainda recentemente dissera que tomaria posição só em 2021. E, questionado se era ponto assente, disse uma coisa plausível, ter que pensar na saúde, e outra mais poderosa, verificar se haveria alguém mais capaz do que ele para assumir o cargo. É de mestre, pois subjetivamente nunca há ninguém mais capaz do que o próprio. Nos últimos temos, apenas Bento XVI se sentiu incapaz do exercício eficaz do cargo que desempenhava.
Apraz-me, a este propósito, concordar com Joaquim A. Moura, que escreve no “espaço do leitor” do JN de hoje sob o título “Vamos ter uma eleição abençoada”: 
Movido pelo anúncio papal (…), Marcelo Rebelo de Sousa (…) resolveu virar o dito e transmitir ao povo lusitano que se recandidataria a novo mandato presidencial. E até dá por adquirida a vitória, tal a sua fé. Ao que parece também, tal decisão fica a dever-se ao desejo e oportunidade de se sentar junto ao Papa, seja o atual ou o próximo, e não pela vontade de continuar a servir o povo de Deus necessitado.”.
Pode não ser bem assim, mas a crítica é merecida e oportuna.            
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Também no mesmo número do JN, na “praça da liberdade”, Cristina Azevedo escreveu um artigo de opinião em torno do título “Vendilhões do templo”.
Escusava de se penitenciar por alegadamente ser uma expressão forte a que serve de título. Ela não serve apenas de tradução a uma “reação pessoal” de “católica, apostólica, romana, à forma como as Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) têm sido tratadas desde que Portugal foi indicado como o seu próximo anfitrião”; a expressão configura a crítica e a postura de Jesus no episódio que vem relatado perto do final dos evangelhos sinóticos (Mc 11,15-19; Mt 21,12-17; e Lc 19,45-48) e perto do início do Evangelho de João (Jo 2,13-22), que censura o desvirtuamento do Templo como Casa de Oração. Ora aqui está em causa o desvirtuamento político, económico e cultural dum evento que se pressupõe e se crê marcado pela fé.
Neste sentido, a colunista tem razão total em escalpelizar a JMJ como “um encontro do programa Erasmus” para “pôr em contacto diferentes culturas”; comouma Expo 2022” (ou “uma fase dois da Expo 98”), vindo a “requalificar, remodelar, modernizar, o que quer que seja”; como “uma Web Summit a captar jovens talentosos dos quatro cantos do Mundo”; como algo parecido com “o Mundial de Futebol”; e como um evento importante por atrair “a Portugal mais de um milhão de jovens”. Mas já se fazem cálculos a números que insinuam que a JMJ será um evento que ultrapassará o melhor tempo de turismo alguma vez ocorrido em Portugal e fazem-se contas aos milhões a arrecadar, tendo em conta o que se passou em Madrid com JMJ de 2011.
A este respeito, Cristina Azevedo diz – e bem – que “sobrepor” ao desafio espiritual, pastoral, de fé e de celebração das jornadas “a linguagem tecnocrata e fria das receitas, das dormidas, das obras e dos projetos é sinal da pobreza e do endurecimento do nosso coração”. E, suspeitando de que “ainda ninguém percebeu nada”, questiona desde quando uma iniciativa católica “é apresentada, gabada e celebrada por um Estado” dito “republicano e laico”.
Só talvez não me pareça oportuna a crítica ao facto de a escolha do local para a JMJ ter recaído sobe Lisboa e arredores. Digo-o pela razões acima apontadas, embora não apodíticas. Porém, concordo com a crítica política à contradição dos governantes em falarem da descentralização, mas continuarem a engrossar a hegemonia lisboeta, ou com a crítica aos “que mandam e não resistem ao anúncio mediático do ‘evento’, da ‘oportunidade, do ‘Portugal na moda’, do ‘conseguimos’ no mesmo tom em que se celebrou o Euro 2004, a Web Summit ou o Festival da Canção”. E também entendo que, sendo necessário preparar o terreno, dotar o país de estruturas de acolhimento e convívio dos jovens, seu alojamento, alimentação e aspetos culturais – dados logísticos e instrumentais, que envolvem despesas e receitas –, “talvez a hierarquia católica portuguesa se devesse ter explicado melhor durante todo o processo e talvez seja altura de tentar repor a centralidade deste encontro com Jesus Cristo com uma comunicação firme, clara, corajosa e motivadora”.
Na verdade, Cristina Azevedo põe as coisas no seu devido sítio quando escreve:
As Jornadas Mundiais da Juventude existem para falar de Jesus Cristo aos e com os jovens; existem, para os convidar a sentir com a Igreja, fortalecendo os vínculos entre si e com o seu pastor, como não se cansou de repetir Francisco no Panamá. Existem para lhes falar ‘do mistério da encarnação, do abaixamento, da descida de Deus que se faz pequeno, humilde, que se torna homem e vive a condição humana até ao fundo’. A eles, especialmente aos jovens porque, como citou Francisco de um filósofo grego ‘Os jovens são como um moscardo no dorso de um nobre cavalo, para que não se adormente’.”.
Adicionalmente, só devo dizer que o Presidente da Câmara de Lisboa, falando do evento e referindo-se aos aspetos logísticos, esteve bem, com exceção da previsão de que as JMJ iriam ser as melhores JMJ de sempre. Será presunção demasiada, não?! Mas é um presidente de autarquia e não um “eclesiarca”.
Já no passado dia 28, Inês Cardoso, subdiretora do JN, referia que um evento com esta dimensão “justifica o empenho dos diversos responsáveis políticos que se deslocaram ao Panamá”, compreendendo-se o entusiasmo. Porém, não aceita a tentação para lhe associar “leituras políticas”, dizendo que, apesar do “contexto” e do “calor do momento”, o Presidente “deveria ter evitado considerações sobre a recandidatura em solo panamiano”. Por outro lado, apontando as “frequentes intromissões” da Igreja “em seara alheia” ou as “tentativas de influenciar a opinião dos crentes a partir do altar” diz que, “em ano de eleições, vale a pena refletir sobre as fronteiras entre religião e política”.
Nesse sentido, pensa que as duas realidades se tocam, “porque a ação da Igreja tem uma dimensão social” e porque o cidadão é influenciado pelos seus princípios éticos, religiosos e culturais”. Não obstante, chama a atenção para a índole laica do Estado e para a legitimidade e necessidade do pluralismo dos católicos no âmbito social e político”. Sustentando que o envolvimento político é “obrigação de qualquer cristão, que, enquanto cidadão deve ser comprometido com o mundo que o rodeia”, adverte que o altar age numa esfera “bem diversa da política”. Por isso, é errado usar um para tentar interferir na outra e vice-versa. E cita a frase evangélica “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt, 22,21; Mc 12,17; e Lc 20,25), como critério a reter para as próximas campanhas eleitorais.
Totalmente de acordo!
2019.01.31 – Louro de Carvalho

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