Pode muito
bem ser a síntese do comentário que Dom Bernadito Cleopas Auza, Observador
Permanente da Santa Sé na ONU, fez em relação ao discurso do Papa Francisco no
passado dia 7 de janeiro aos membros do corpo diplomático junto à Santa Sé
sobre o combate aos nacionalismos e a busca de soluções comuns entre as nações.
O diplomata
eclesiástico sustenta que o Sumo Pontífice “pode
influenciar países que têm postura dura em relação a quem deveria ser ajudado e
não rejeitado”.
Na verdade, como referem, segundo o Vatican
News, Federico Piana e Andressa Collet, na Cidade do Vaticano, Dom Bernadito Auza, no seu comentário, teceu
considerações sobre vários temas, desde o estado de saúde do multilateralismo até
à emergência de tendências nacionalistas e populistas, passando pela guerra na
Síria, os pactos globais sobre refugiados e migrantes, assim como a reforma da
ONU (Organização
das Nações Unidas).
Considera
que os nacionalismos exacerbados são verdadeiros inimigos das Nações Unidas.
Com efeito, os nacionalismos emergentes e cada vez mais em crescendo, bem como
a busca ansiosa por soluções unilaterais que geram opressão do mais fraco pelo
mais forte não podem deixar a ONU indiferente, como recordou o Pontífice. Na
verdade, sem o multilateralismo, a ONU não teria razão para existir,
pois está no seu ADN, como o evidenciam o Tribunal Internacional de Justiça, o
Conselho Económico Social, o Conselho dos Direitos Humanos e as diversas agências
especializadas que instituiu. Além disso, como frisou Dom Auza, a maioria dos
membros das Nações Unidas revê-se nas problemáticas enunciadas pelo Papa, já
que os seus membros estão claramente “conscientes destas problemáticas” e
sentem-nas “na própria pele”.
No ano
passado, a presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, María Fernanda
Espinosa, realizou uma consulta com os chefes das missões para verificar as
condições de saúde do multilateralismo. E dessa consulta resultou a conclusão
de que, “mesmo com dificuldades, a ONU promove a política plurilateral e a fará
sempre com mais vigor no futuro”, assegura o Observador Permanente da Santa Sé
na ONU.
***
De facto, o
Santo Padre fez, perante os diplomatas, o voto por que os nacionalismos não prevaleçam
sobre a justiça e o direito. E Dom Auza entende como “desafios
integrais às estruturas da ONU” as reflexões profundas sobre os mecanismos que,
na prática, podem dificultar a busca de soluções compartilhadas entre os
Estados-membros.
Ao
mencionar, tratando-se da paz e da segurança internacional, “o veto dos cinco
membros permanentes do Conselho de Segurança”, aponta um problema/desafio:
“É aqui que emergem os interesses nacionais e regionais, as rivalidades.
Quanto mais sério e amplo é um conflito, mais prováveis são os vetos cruzados.
Esse é um dos grandes desafios das Nações Unidas.”.
Por outro
lado, urge repensar as políticas de ajuda internacional. Com efeito, o
Papa Francisco, no seu discurso aos embaixadores, denunciou a pressão de grupos
de interesse e de poder que, em função dos próprios desígnios e interesses, impõem
as próprias ideias e visões do mundo, gerando “novas formas de colonização ideológica”, sendo que o subdesenvolvimento
e a ajuda internacional são terrenos férteis para tal iníquo condicionamento.
O diplomata
eclesiástico, em linha com a análise do Pontífice, acrescenta:
“Há uma imposição da vontade e dos projetos dos países doadores, em vez
de considerarem as verdadeiras necessidades das nações que deveriam ser
beneficiadas com os recursos. Os ricos doadores, normalmente europeus e da
América do Norte, dão dinheiro para determinados programas que querem realizar
naqueles países.”.
Pensando na
saúde reprodutiva e sexual e nos ‘objetivos para o desenvolvimento 2030’,
vinca:
“É imposição ideológica. O Papa tem razão. É
preciso repensar a política internacional de ajuda ao desenvolvimento.”.
Outro ponto
que Dom Auza equaciona é a reforma da ONU. O diplomata da
Santa Sé acredita que a ONU será uma caixa de ressonância para os países mais
pobres e menos ouvidos. O próprio Papa Francisco pediu claramente à comunidade
internacional que seja a voz de quem não tem voz. E “a ONU tenta fazer isso, mesmo com inúmeras dificuldades” – diz Dom
Auza.
E, ao entrar
no mérito da ambiciosa reforma da
instituição, assumida pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres,
comenta o diplomata eclesiástico:
“O sistema atual, segundo o secretário-geral, não funcionou e a
estrutura não está mais adequada aos nossos tempos. Procura-se criar uma capaz
de ajudar realmente os países marginalizados e que sofrem. Vejo uma grande
vontade, mas também uma extrema dificuldade.”.
O Observador
Permanente da Santa Sé junto da ONU adverte que não interessa multiplicar as
estruturas se os recursos económicos necessários não existirem. Na verdade, o
dinheiro alocado ao desenvolvimento é uma parte muito pequena em relação ao
investido na promoção e gestão dos conflitos armados. Por isso, “é necessário
reequilibrar os fundos disponíveis do sistema da ONU”. Não há dúvida de que a
reforma da ONU é uma questão extremamente difícil, porque no seu subtexto ainda
persiste a ideia da hegemonia dos vencedores do último conflito mundial.
As
prioridades do Papa para resolver a crise na Síria e as dificuldades dos
refugiados rejeitados do ocidente são também as prioridades da ONU,
partindo justamente da Síria, como garante Dom Auza, que sublinha:
“É um conflito em que podemos ver claramente o confronto entre as
rivalidades regionais e internacionais. Não se diz nunca que a Síria é uma
vítima, sozinha. Os poderes regionais deveriam poder encontrar um acordo por
uma saída com dignidade.”.
E, quanto aos
migrantes, o diplomata da Santa Sé faz menção do pacto global adotado neste ano
por muitas nações e explicita:
“A Santa Sé contribuiu de modo substancial para o pacto global sobre as
migrações. As Nações Unidas teriam desejado a participação do Papa na conferência
de Marrakech (aquela onde foi lançado o documento), mas talvez não tenha sido
possível. Mesmo assim, a ONU conta muito com a voz do Papa em defesa dos
refugiados, porque é certo que pode influenciar os países que têm uma postura
dura em relação a quem deveria ser ajudado e não rejeitado.”.
***
Recorde-se
que, a propósito dos migrantes e refugiados, já em 22 de maio de 2017, em Nova
Iorque, no encontro sobre o tema “Compactação
Global por uma migração segura, ordenada e regular”, este arcebispo filipino
referia que “o número total de migrantes que atravessam as fronteiras alcançou,
na história, níveis recordes”, o que tornou o fenómeno da migração “uma realidade complexa cujas necessidades e
expectativas dos envolvidos deveriam levar a uma solidariedade maior”.
Na primeira
parte do seu discurso, detivera-se no tema do desenvolvimento sustentável,
frisando a necessidade duma “mudança de comportamento em relação aos migrantes
e refugiados”, passando “do medo e da indiferença à cultura do encontro”. E
frisou:
“A
responsabilidade e a repartição dos encargos devem levar em conta a riqueza e o
nível de desenvolvimento de um país. A crise económica persistente limita as
possibilidades da resposta de um Estado às emergências. A chaga da seca em
algumas partes do mundo reduz a possibilidade de fornecer assistência
humanitária a um número crescente de refugiados e deslocados.”.
E, sobre a
relevância da iniciativa da Compactação Global, observava:
“Nesse
contexto, é indispensável o envolvimento ativo dos parceiros internacionais. O
Papa Francisco recorda que trabalhar juntos por um mundo melhor requer que os
países se ajudem reciprocamente, num espírito de cooperação. A iniciativa da
Compactação Global promovida pela ONU para a migração é uma ocasião única para
desenvolver políticas coordenadas e investimentos.”.
E, na conexão
entre crise humanitária e migração, apontava o direito de viver no próprio
país:
“A
Santa Sé reitera que a cada pessoa deve ser garantido o direito de permanecer
no próprio país num contexto marcado pela paz e segurança económica. As pessoas
não se sentirão obrigadas a deixar as suas casas se lhes forem garantidas as
condições de uma vida digna e se as causas dos fluxos migratórios forem
enfrentadas adequadamente.”.
Depois, o
prelado filipino avançava sobre a natureza da migração como escolha:
“Se
o direito de permanecer no próprio país precede ao de emigrar, os fluxos
migratórios se tornarão voluntários, regulares e seguros. Consequentemente,
tais fluxos tornar-se-ão mais geríveis e sustentáveis. Quando o direito de
permanecer num país é respeitado, a migração torna-se uma escolha e não uma
decisão obrigatória.”.
Mas não se
escusou a enunciar o problema da migração forçada e suas consequências:
“No
mundo, mais da metade dos refugiados, de migrantes forçados e deslocados
internos foram obrigados a fugir de seus países por causa de conflitos e
violência. Quando chegam ao país de destino, ao invés de encontrarem um lugar
seguro, enfrentam em muitos casos discriminação, nacionalismo extremo, racismo e
falta de políticas claras que regulem o sistema de acolhimento.”.
E, como causas
e solução, adiantou a concluir:
“A
maneira mais eficaz para impedir a migração forçada é pôr fim a guerras e
conflitos. De entre as causas da migração estão a pobreza extrema, a falta
de bens e serviços de base, a degradação ambiental grave e as catástrofes. É
preciso ajudar as populações em dificuldade nos seus próprios países. Este é o
único caminho eficaz para conter as formas dramáticas de exploração.”.
***
Também a
21 de junho de 2017, numa declaração dirigida à Assembleia Geral da Organização
dos Estados Americanos (OEA), em Cancun, no México, o Arcebispo referia:
“Todas
as pessoas têm a mesma dignidade e valor. O direito fundamental à vida deve ser
defendido e protegido em todas as fases, desde a conceção até à morte natural.
Mas ainda é colocado em discussão o direito à vida dos nascituros, dos
migrantes, dos pobres, dos necessitados de cuidados especiais, dos anciãos e
daqueles que são condenados à morte.”.
E o
representante do vaticano dizia que a Santa Sé encoraja a OEA a multiplicar os esforços
para promover os direitos humanos universais e inalienáveis, considerando como os
pilares do desenvolvimento humano integral a habitação, o trabalho
adequadamente retribuído, o acesso ao alimento e água potável, bem como a
liberdade e os bens espirituais, que têm terreno comum no direito à vida, sem o
qual a existência humana não é possível.
Por
outro lado, a
Santa Sé acolhe as iniciativas destinadas a garantir o acesso à justiça para as
pessoas em situações de vulnerabilidade (entre as quais se contam os
detidos, os indigentes, os refugiados e os deslocados…); e está preocupada com as pessoas
ilegalmente detidas, os injustamente acusados, os portadores de deficiência
mental e os que não têm advogado ou recursos para reivindicar os seus direitos,
devendo estas pessoas devem encontrar tutela no sistema legal.
Também
a Santa Sé
realça o laço entre estado de direito e liberdade de opinião e de expressão.
Por isso, detenção e o homicídio de jornalistas, investigadores e ativistas são
o sinal do interesse dum poder que evita a identificação de responsabilidades, atentando
contra os direitos humanos, contra a democracia e contra o estado de direito.
Ademais, como
refere o Observador Permanente, ressalta que a independência da magistratura é
um elemento fundamental do estado de direito e duma correta administração da
justiça. Com efeito, quando a magistratura é corrupta, o estado de direito dá
lugar ao poder do mais forte.
(cf
boletim digital da comunidade católica Mar
adentro 24 de maio e de 23 de junho de 2017)
***
Também
passam certamente por aqui as caraterísticas da boa política, a assumir pela
ONU e seus Estados membros, proposta na mensagem papal para o LII Dia Mundial
da Paz. E creio que Dom Auza tem sido junto do Papa um bom intérprete do
palpitar do mundo, como um bom porta-voz do Papa naquele areópago mundial, a
ONU.
2019.01.11 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário