Os chefes da diplomacia de Portugal e
de Espanha anunciaram, no dia 23, em Madrid, a apresentação conjunta da candidatura a património da
humanidade da primeira viagem de circum-navegação do globo, depois de
“dissipadas todas as dúvidas”, assinalando também deste modo os 500 anos do
início deste empreendimento histórico. Esta é apenas uma das inúmeras iniciativas que
Portugal e Espanha estão a organizar até 2022 para assinalar esta viagem.
Segundo Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios
Estrangeiros português, e de acordo com informação veiculada pelo JN, foi decidido que “Portugal e
Espanha, através dos seus embaixadores na UNESCO, irão apresentar conjuntamente
a candidatura” da rota da viagem iniciada pelo português Fernão de Magalhães e
terminada pelo espanhol Sebastião Elcano.
Santos Silva acrescentou que serão dadas instruções aos
embaixadores dos dois países UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura) para
coordenarem a candidatura e para envolverem na mesma os países dos outros três
continentes (América do
Sul, Ásia e África) por
onde essa viagem passou. Por seu turno, Josep Borrell, Ministro do Exterior
espanhol, insistindo que Portugal e Espanha estão “de mãos dadas” nas
comemorações, disse:
“Espero que fiquem dissipadas todas as
dúvidas ou especulações sobre a descoordenação, dos desacordos, nas
comemorações da circum-navegação Magalhães/Elcano”.
Santos Silva reuniu também com a número dois do Governo
espanhol, Carmen Calvo, que dirige a Comissão Nacional espanhola para as
comemorações do 5.º centenário da expedição.
O diário espanhol ABC
noticiou, no passado dia 19, citando “fontes” do Ministério da Cultura do país
vizinho, que o Governo de Madrid iria pedir mais informações sobre a
candidatura da rota de Magalhães apresentada por Portugal à UNESCO, pois,
segundo aquele diário, o Governo português teria apagado o império espanhol da
história ao quase não fazer referência ao nome de Sebastião Elcano ou ao papel
preponderante de Espanha na realização da viagem.
A candidatura “exige uma cooperação muito estreita” entre os países
envolvidos, nomeadamente Portugal, Espanha, Brasil, Uruguai, Argentina, Chile,
Filipinas, Indonésia e Cabo Verde, e “assume grande complexidade e exigência
apelando para a pesquisa, inventariação e sistematização de toda a informação e
documento existentes sobre o Bem (...), que será o primeiro dos bens
transnacionais seriados envolvendo quatro continentes” (vd DN, 2018.5.04).
A viagem, a bordo da nau Victoria, começou em 20 de setembro
de 1519, em Sanlúcar de Barrameda, no sul de Espanha, e terminou em 6 de
setembro de 1522, no mesmo local.
Fernão de Magalhães, planeou a expedição que acabou por ser
financiada pelo reino de Espanha e iniciou-a, mas não a terminou por ter morrido
nas Filipinas, em 1521, aos 41 anos, tendo esta sido concluída pelo navegador
espanhol (basco) Juan Sebastián Elcano. Mas Fernão
de Magalhães foi o primeiro europeu a
atravessar o estreito entre os oceanos Atlântico e Pacífico, a sul da América
do Sul, que viria a ficar conhecido pelo seu apelido.
***
Um programa delineado há muito
Já a 4 de maio de 2018, o DN dava conta de que a candidatura da Rota de Magalhães à UNESCO e a criação de um Centro de
Interpretação eram algumas das 62 iniciativas previstas para as comemorações
dos 500 anos da viagem de circum-navegação do navegador português.
O programa das Comemorações do V Centenário da Circum-Navegação, com
iniciativas que começaram no segundo semestre de 2018, foi então publicado em
Diário da República, após aprovação pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 24/2017, 26 de janeiro, que, para 2018, orçamentou em 1,2 milhões de
euros: 800 mil destinados à aquisição de bens e serviços e outros bens de
capital, enquanto os restantes 400 mil euros revertiam para despesas com o
pessoal.
As 62 iniciativas e ações previstas são organizadas por “um diversificado
leque de entidades, públicas e privadas, de forma privada ou em parceria, de
âmbito local, regional, nacional ou internacional”. Além disso, são lançadas
convocatórias públicas à apresentação de projetos por parte da sociedade
portuguesa.
As iniciativas, segundo a EMCFM (Estrutura de
Missão das Comemorações do V Centenário da Circum-Navegação comandada pelo
navegador português Fernão de Magalhães), pretendem “reconhecer o papel, passado e presente, de Portugal e dos
portugueses para a promoção do conhecimento, do diálogo intercultural e da
sustentabilidade do planeta, contribuindo para uma sociedade mais justa, inclusiva
e com maior bem-estar”.
A candidatura da Rota de Magalhães a Património Cultural da Humanidade da
UNESCO era já considerada um dos projetos a ser desenvolvidos no âmbito da RCM (Rede Mundial das Cidades Magalhânicas), com o envolvimento da RMUM (Rede Mundial
das Universidades Magalhânicas). Em 2016, o bem “Rota de Magalhães
– Primeira Volta ao Mundo” foi incluído na lista indicativa de Portugal ao
Património Mundial da UNESCO.
Por outro lado, a criação dum Centro de Interpretação sobre a viagem de
circum-navegação, a instalar “num edifício patrimonial a recuperar”, é “o
principal legado destas comemorações,” dotando o país dum “centro de referência
sobre o evento de importância mundial que foi a primeira viagem de
circum-navegação”, a “memória palpável e perene das comemorações para o futuro
e para a formação histórica e cívica das novas gerações, assim como para a
sinalização, no território nacional, das memórias dos Descobrimentos
Portugueses e da Diáspora”.
Destacando o “inegável contributo da circum-navegação para o processo de
globalização”, o programa aposta na diplomacia económica e na
internacionalização, prevendo a criação do Passaporte
de Negócios Magalhães, destinado a acreditar empresas para estabelecer
contactos comerciais ou de investimento com países da Rota Magalhães.
Além disso, a Rota Magalhães será promovida como a primeira rota turística
de escala global que visa o reconhecimento da OMT (Organização Mundial de Turismo).
Fernão de Magalhães (1480-1521) notabilizou-se pela organização
e comando da primeira viagem de circum-navegação ao globo, ao serviço do rei de
Espanha, alcançando o extremo sul do continente americano e atravessando o
estreito que veio a ser designado por Estreito de Magalhães, em homenagem ao
navegador português.
***
Uma rota portuguesa, espanhola, de todo o mundo
Sob o título “A
Rota de Magalhães é portuguesa, é espanhola, é do mundo”, Lucinda Canelas,
deu à estampa um texto no site do Público, hoje, 24 de janeiro, em que
precisa que “a circum-navegação está desde 2017 entre os bens que Portugal quer ver na
lista do património mundial”, e refere que o programa das comemorações seria
conhecido hoje, focando aspetos
relevantes.
O planisfério
de Kunstmann IV, de um autor anónimo, feito por volta de 1519, apresenta uma
caligrafia e estilo típicos do cartógrafo português Jorge Reinel, que alguns
historiadores pensam ter sido apresentado por Fernão de Magalhães a Carlos I de
Espanha, quando o navegador procurou o apoio do monarca para a viagem.
No dia 19, o
ABC publicou um longo artigo, de que já se fez menção, em que,
acusando o Governo de Pedro Sánchez de inércia, diz que Portugal se prepara
para candidatar a viagem de circum-navegação à UNESCO, menorizando o papel que
nela tiveram os espanhóis. Com efeito, sugere que o nome de Elcano foi deliberadamente
excluído do texto relativo à inclusão da Rota Magalhães na lista indicativa
portuguesa a património mundial, disponível no site da UNESCO.
É certo que, dizem os jornalistas que subscrevem o artigo, “o texto cita
Espanha três vezes”, mas não sublinha “o seu papel preponderante”. E acusam:
“Isto é um pálido reconhecimento que não
evita queixas em relação ao facto de o território que negou a Magalhães o
financiamento para levar a cabo a viagem (o marinheiro recorreu ao rei
português antes de falar com Carlos I), e que combateu com todas as armas ao
seu alcance para evitar a travessia, estar a apropriar-se agora deste feito.”.
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José
Marques, presidente da estrutura de missão encarregue das comemorações dos
500 anos da primeira viagem de circum-navegação do globo e antigo presidente da
Câmara Municipal de Sabrosa, vila que está entre os locais que reclamam ter
assistido ao nascimento de Magalhães (tal como o Porto e Vila Nova de Gaia), garante não haver intenção de apagar Espanha da
primeira volta ao mundo. E esclarece:
“É óbvio que Espanha tem aqui um
lugar preponderante, nunca nos passaria pela cabeça ignorá-lo. Mas é preciso
pôr as coisas nos seus devidos lugares. Sem Magalhães, sem a sua tenacidade,
sem a sua capacidade de acreditar, não teria havido viagem.”.
De facto,
como sublinha, o documento que inscreve a “Rota de Magalhães. Primeira
à Volta do Mundo” na lista indicativa da UNESCO, pré-requisito
indispensável para candidatar um bem a património mundial, não há referência alguma
a Elcano, mestre numa das 5 naus que partiram de Sanlúcar de Barrameda (Cádis), em 1519, com Magalhães no comando e que, dadas as
muitas contrariedades da expedição, foi o homem que terminou a viagem como
capitão da Vitória, regressando a Espanha em 1522 e passando a
ser o primeiro a fazer a circum-navegação da terra de forma direta (Magalhães foi o primeiro a fazê-lo em
absoluto, mas de forma indireta, já que a sua volta ao mundo é feita em duas
etapas, a primeira das quais de Lisboa às Molucas, viajando para Ocidente, por
águas sob domínio português). Ora, se Magalhães começou a viagem e Elcano a terminou, poderia Portugal
usar a designação espanhola de “Rota de
Magalhães e Elcano” para esta viagem de três anos que atravessa os principais
oceanos e toca 4 continentes nos 2 hemisférios. E José Marques, que foi, enquanto
presidente da câmara de Sabrosa, o promotor da candidatura da rota à lista
indicativa portuguesa, uma relação de 21 bens, compreende que os espanhóis coloquem
Elcano na rota e admite que a candidatura transnacional à UNESCO venha a
incluí-lo, mas esclarece:
“Foi
Sabrosa que promoveu a inclusão na lista indicativa, sem qualquer objectivo de
afastar os espanhóis, ou os chilenos, ou os brasileiros… Ninguém quer
reescrever a história. Agora é preciso ver que é Magalhães que sustenta a
viagem, é dele a ideia, é dele boa parte dos conhecimentos de náutica,
cartografia e astronomia que a tornam possível. É ele que se rodeia das pessoas
certas na preparação da viagem. E os dois grandes feitos desta odisseia – a
descoberta da passagem [Estreito de Magalhães] e a travessia do Pacífico – têm
Magalhães como capitão da frota.”.
Foi a
Carlos I de Espanha, futuro Carlos V, que Magalhães se dirigiu, em 1517, para
pedir financiamento para a viagem ao arquipélago das Molucas, pois Dom Manuel
I, antevendo que o projeto podia ser desfavorável à coroa portuguesa, recusara
financiá-lo. O navegador propunha-se atingir as “ilhas das especiarias”, hoje
pertencentes à Indonésia, viajando para ocidente (no sentido inverso ao dos portugueses,
habituados a contornar o continente africano, cumprindo a Rota do Cabo).
Famosas,
mercê da noz-moscada e, sobretudo, do cravinho que lá se produzia, as Molucas
eram território que interessava às duas coroas ibéricas e Magalhães cria ser
possível atingi-lo sem ter de cruzar mares reservados a Portugal pelo Tratado
de Tordesilhas, que dividira, em 1494, as terras “descobertas e por descobrir”
pelos dois reinos, tendo como linha divisória o meridiano 370 léguas a Oeste da
Ilha de Santo Antão, em Cabo Verde, ficando os territórios a oriente desta
“fronteira imaginária” sob domínio luso e os a ocidente sob o castelhano.
José Manuel
Garcia, historiador dos Descobrimentos e da Expansão portugueses e investigador
do Gabinete de Estudos Olisiponenses, explica:
“Para
conseguir que o rei de Espanha, o futuro imperador Carlos V, lhe desse dinheiro
para fazer a viagem, Magalhães propõe-se provar que as Molucas, importante
fonte de especiarias, de rendimento, pertenciam à coroa castelhana, algo que
naturalmente Dom Manuel não queria e, por isso, se opôs permanentemente à viagem,
antes e depois da partida”.
Porém, os
livros de História relatam o sucedido depois de a frota capitaneada por
Magalhães partir de Sanlúcar de Barrameda em Setembro de 1519, com as
peripécias (naus
apreendidas pelos portugueses e outras afundadas, marinheiros presos) e o final trágico (a morte do navegador português), sublinhando o inquestionável
contributo desta viagem e do português que a imaginou para o conhecimento do
mundo. Mas José Marques concede que há muito a fazer na sua divulgação.
O
presidente da estrutura que organiza as comemorações portuguesas, entidade que
tem uma congénere espanhola, defende:
“Magalhães
dá-nos a primeira visão global, integral, do mundo, e é uma marca
extraordinariamente forte lá fora. Não é por acaso que há um pinguim com o seu
nome ou um telescópio gigante em construção que também se chama Magalhães. Mas
em Portugal tem de ser mais valorizado.”.
O programa inclui exposições
itinerantes, conferências e projetos de investigação envolvendo muitos dos
países que esta primeira volta ao mundo tocou – Chile, Brasil, Argentina ou
Filipinas – e até a NASA, a agência espacial americana. E José Marques vinca:
“O
programa olha para o passado, traz esse passado à nossa memória, mas fala
também do presente e do futuro, sobretudo a partir das potencialidades dos
oceanos e do que temos todos – o mundo – de fazer para garantir a sua
sustentabilidade”.
***
Sobre o processo de candidatura
Nos termos
do texto de descrição da rota que consta da lista indicativa portuguesa, a Rota
de Magalhães, demonstrando, no começo do século XVI, a rotundidade da Terra,
está “na origem do conceito da globalização e da universalidade do conhecimento.
E, esta circum-navegação – “organizada e liderada por um dos mais extraordinários
exploradores e navegadores de sempre”, que pela primeira vez desenhou nos mapas
um novo e imenso oceano, o Pacífico, então atravessado pela primeira vez, e descobriu,
em 1520, a passagem que o liga ao Atlântico, nomeada em sua honra (o Estreito de Magalhães, entre o
extremo sul da América do Sul continental e o arquipélago da Terra do Fogo) – deverá ser candidata a património
mundial até 2022.
Portugal
era, pelo menos, até ontem o único país dos muitos tocados pela rota nos 4
continentes a tê-la na sua lista indicativa, diz o presidente da estrutura de
missão para as comemorações. Porém, José Marques acrescenta:
“Tanto Portugal como Espanha têm a candidatura à UNESCO no seu programa
de celebrações à volta dos 500 anos, mas estão em fases diferentes do processo.
[…] O que não quer dizer que não estejam muito envolvidos no dossiê de
candidatura que está a ser preparado pela Rede Mundial das Universidades
Magalhânicas [promotora da candidatura a património mundial], assim como outros
países da viagem. Este é um processo muito complexo e em construção.”.
Como foi
dito, para que um país possa entrar nesta candidatura transnacional tem, em
primeiro lugar, de inscrever a rota na sua lista indicativa, diz José Marques,
referindo que a UNESCO permite que qualquer país envolvido se associe a ela,
mesmo depois de o bem já estar classificado (como sucedeu, por exemplo com Portugal e a Dieta
Mediterrânica).
Do seu
lado, Rita Brasil de Brito, secretária executiva da Comissão Nacional da UNESCO,
diz que ainda não chegou à UNESCO-Portugal qualquer dossiê de candidatura, “o que é normal num processo tão complicado,
que implica um bem global, como este”. E, sublinhando que o envolvimento de
outros Estados foi uma das recomendações desta comissão nacional porfia:
“Nunca
foi intenção dos promotores que a candidatura fosse só portuguesa. Seria sempre
transnacional. Com Espanha e com outros países da rota. […] Também recomendámos que se demonstrasse
inequívoca e fundamentadamente os locais que fazem parte da rota em vários
países” [passa pelo Uruguai, Argentina, Brasil, Cabo Verde, Chile,
Indonésia, Filipinas e, claro, Espanha].
José
Marques também esclarece que esse é o trabalho de inventário que os investigadores
estão agora a desenvolver e que deverá sustentar a “inquestionável excecionalidade do valor universal (material e intangível, real e
simbólico)” desta
circum-navegação.
“A Espanha terá,
naturalmente, um papel muito importante em todo o processo”, sustenta, por sua
vez, José Manuel Garcia, autor de A Viagem de Fernão de Magalhães e os
Portugueses (Editorial
Presença, 2007),
historiador que tem outro livro sobre o navegador com lançamento previsto para
breve Fernão de Magalhães, Lisboa e o Início da Mundialização, que
refere:
“A
primeira volta ao mundo foi feita por um português que era pago pelo rei de
Espanha. Hoje diríamos que essa viagem é um projeto espanhol com um comissário
científico português. Qualquer candidatura à UNESCO tem de ser de Portugal e
Espanha, pelo menos.”.
Para este
historiador dos Descobrimentos e investigador do Gabinete de Estudos
Olisiponenses, a primeira circum-navegação “é do mundo”, já que havia, entre os
240 homens das cinco naus capitaneadas por Magalhães (contra a vontade dos nobres), espanhóis, marinheiros alemães,
flamengos, franceses, gregos, indianos, britânicos, italianos, africanos, portugueses,
indonésios e castelhanos. E esclarece, sobre a participação dos portugueses:
“Havia
10% de portugueses na tripulação, mas entre eles estavam pessoas com grandes
conhecimentos de tecnologia náutica e cartografia, incluindo um génio chamado
Fernão de Magalhães […] Os espanhóis nunca tinham passado além do Rio da Prata.
Não conheciam as correntes marítimas, não saberiam fazer a viagem sem ele. É
claro que Sebastián Elcano teve o mérito, que tem de lhe ser reconhecido, de
concluir a viagem, de ser o primeiro a dar a volta ao mundo de seguida. Mas
fê-lo em desespero e ilegalmente, já que não estava autorizado a cruzar águas
portuguesas, quando arriscou o regresso a Espanha pelo Cabo [da Boa Esperança].”.
Elcano
chega em 1522 como capitão da nau Vitória, com 17 marinheiros a
bordo, dos mais de 200 (260) que tinham partido três anos antes.
Dos cerca de 30 portugueses que tinham ido com Magalhães, só dois voltaram. E
Garcia conclui:
“Elcano
era uma figura absolutamente menor na partida. Não era um capitão nem um
piloto, era mestre. Tornou-se um protagonista pelas circunstâncias. Fernão de
Magalhães morreu em batalha, sem ter de explicar ao rei de Espanha que, afinal,
as Molucas ficavam do lado português. Mas morreu com a certeza de ter dado a
volta ao mundo ao chegar àquelas ilhas. É notável como estava próxima da
realidade a noção que ele tinha, ao partir, da dimensão da terra. Não havia
ninguém assim na corte de Carlos I.”.
***
Enfim, Dom Manuel I não financiou o projeto por pensar
que o objetivo favoreceria os espanhóis. Magalhães convenceu Carlos I de que as
ilhas estavam sob a alçada de Espanha e não teve ocasião para desiludir o rei
espanhol, o que Elcano nunca faria. Assim, um projeto português, financiado por
Espanha, favoreceu teoricamente a coroa portuguesa.
A primeira circum-navegação mostrou que a Terra é
redonda, forneceu o conceito de globalização e contribuiu de muitos modos (alguns hoje censuráveis) para
a sua concretização.
Nada recomenda a omissão da contribuição nacional
nem o seu peso excessivo, pelo que a candidatura à UNESCO deve ser mesmo transnacional.
E Magalhães merece mesmo todas as homenagens – celebrativas, designativas e
outras – independentemente da sua nacionalidade, intenções e até da sua índole
irascível. Assim, Magalhães e Elcano (feito líder pelas circunstâncias) são elementos constitutivos da
transnacionalidade.
2019.01.24 – Louro de Carvalho
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