No passado
dia 7 de janeiro, o Papa discursou perante Corpo Diplomático acreditado junto
da Santa Sé em que analisou alguns acontecimentos atuais da vida política
internacional e teceu considerações sobre eles, refletindo sobre “os desafios que nos esperam no
futuro próximo” e deixando
claro “o propósito de se colocar ao serviço do bem de todo o ser humano”.
Depois de
fazer votos por que o ano, há pouco iniciado, traga paz e bem-estar a cada um
dos membros da família humana, manifestou apreço a cada um dos diplomatas “pela
colaboração que prestam diariamente para consolidar as relações” entre o seu
respetivo país ou organização e a Santa Sé, “fortalecidas ainda mais pela
assinatura ou ratificação de novos acordos”.
E, entre
estes, mencionou, em termos bilaterais, a ratificação do Acordo-Quadro
entre a Santa Sé e a República do Benim sobre o Estatuto Jurídico da Igreja
Católica no Benim, a assinatura do Acordo entre a Santa Sé e a
República de São Marino para o Ensino da Religião Católica nas escolas públicas, a assinatura do Acordo
Provisório entre a Santa Sé e a República Popular da China sobre a nomeação dos
Bispos na China e a perspetivação
do estabelecimento da relações entre a Santa Sé e o Vietname; e, no
âmbito multilateral, a ratificação, pela Santa Sé, da Convenção
Regional da UNESCO sobre o Reconhecimento das Qualificações do Ensino Superior
na Ásia e no Pacífico, a adesão ao Acordo Parcial alargado sobre as
Rotas Culturais do Conselho da Europa e a admissão do Estado da Cidade do
Vaticano na SEPA (Área
Única de Pagamentos em Euros).
Tudo isto se
inscreve no quadro da obediência à missão espiritual ao ditame dado por Jesus a
Pedro de apascentar os seus cordeiros, que impele o Papa a preocupar-se com
toda a família humana e as suas necessidades (mesmo de ordem material e social), apesar de a Santa Sé não pretender
imiscuir-se na vida dos Estados. No entanto, quer ser “ouvinte solícita e
sensível das problemáticas que dizem respeito à humanidade”, com o propósito de
se colocar ao serviço do bem de todo o ser humano. E é no âmbito desta
solicitude que o Papa tem estes encontros com diplomatas, chefes de Estado e de
Governo, com os inúmeros peregrinos que vêm ao Vaticano de todas as partes do
mundo e com os povos e as comunidades que tem a alegria de visitar através das
viagens apostólicas. E mencionou as efetuadas, no ano passado, ao Chile, Peru,
Suíça, Irlanda, Lituânia, Letónia e Estónia.
Depois,
referiu que 2019 possibilitará a celebração de diversos aniversários, como o
70.º aniversário da criação do Conselho
da Europa e o centenário da criação da Sociedade
das Nações. Sobre este centenário, apontou a razão de lembrar uma
organização que já não existe:
“Ela
constitui o início da diplomacia multilateral moderna, através da qual os
Estados procuram preservar as relações mútuas da lógica da vexação que leva à
guerra. Aquele prelúdio que foi a Sociedade das Nações depressa embateu nas
dificuldades conhecidas de todos que, vinte anos exatos depois do seu
nascimento, levaram a um novo conflito ainda mais dilacerante: a II Guerra
Mundial. Apesar disso, ela abriu uma estrada, que será percorrida mais
decididamente com a instituição, em 1945, da Organização das Nações Unidas: uma
estrada certamente cheia de dificuldades e contrastes; nem sempre eficaz,
porque conflitos, infelizmente, há-os ainda hoje; mas sempre uma oportunidade
inegável para as nações se encontrarem e buscarem soluções comuns.”.
Considerando
“premissa indispensável” para a diplomacia multilateral “a boa vontade e a
boa-fé dos interlocutores, a disponibilidade para um confronto leal e sincero e
a vontade de aceitar os compromissos inevitáveis que nascem do confronto entre
as Partes”, vincou:
“Sempre que falta um só destes elementos, prevalece a busca de soluções
unilaterais e, em última análise, a vexação do mais fraco pelo mais forte. A
Sociedade das Nações entrou em crise precisamente por estes motivos e ainda
hoje se nota, infelizmente, que as mesmas atitudes estão a insidiar a
estabilidade das principais organizações internacionais.”.
Por isso,
apelou a que “não esmoreça a vontade dum
confronto sereno e construtivo entre os Estados, pois é evidente que as
relações dentro da comunidade internacional e o próprio sistema multilateral no
seu conjunto estão atravessando momentos difíceis com o ressurgimento de
tendências nacionalistas, que minam a vocação de as organizações internacionais
serem espaço de diálogo e encontro para todos os países”. E explicou:
“Isto
fica-se a dever, por um lado, a uma certa incapacidade do sistema multilateral em
oferecer soluções eficazes para várias situações já há muito não resolvidas,
como alguns conflitos ‘congelados’, e enfrentar os desafios atuais de forma
satisfatória para todos. Por outro lado, é o resultado da evolução das
políticas nacionais, determinadas com frequência cada vez maior pela busca dum
consenso imediato e partidário, em vez da paciente prossecução do bem comum com
respostas a longo prazo. Por outro lado ainda, deve-se à maior preponderância
nas organizações internacionais de poderes e grupos de interesses que impõem as
suas perspetivas e ideias, desencadeando novas formas de colonização
ideológica, não raro desrespeitadoras da identidade, dignidade e sensibilidade
dos povos.”.
Depois,
apontou como uma das fortes causas da falência da cooperação multilateral a
reação, em determinadas áreas do mundo, à globalização desenvolvida rápida e
desordenadamente, de modo que entre globalização e situação local se gera
tensão, quando era preciso “prestar atenção à dimensão global sem perder de
vista o que é local”. E aos nacionalismos contrapôs:
“À
vista duma ‘globalização esférica’, em que se nivelam as diferenças e as
particularidades parecem desaparecer, é fácil ressurgirem os nacionalismos; mas
a globalização pode ser também uma oportunidade, se for ‘poliédrica’, ou seja,
se favorecer uma tensão positiva entre a identidade de cada povo e país e a
própria globalização, de acordo com o princípio de que o todo é superior à
parte”.
E referiu que
algumas atitudes em voga (nacionalistas,
populistas e xenófobas)
lembram o período entre as duas Grandes Guerras, quando as tendências
populistas e nacionalistas prevaleceram sobre a Sociedade das Nações, estando o
reaparecimento de tais impulsos a enfraquecer o sistema multilateral,
resultando daí a geral falta de confiança, a crise de credibilidade da política
internacional e a marginalização dos membros mais vulneráveis da família das
nações.
***
Passou, a
seguir, estribado no
memorável discurso de Paulo VI à Assembleia Geral das Nações Unidas, a recordar
e reassumir os objetivos da diplomacia multilateral, delineados por aquele seu
predecessor, com as suas caraterísticas e responsabilidades no contexto atual,
destacando também os seus elementos de contacto com a missão espiritual do Papa
e da Santa Sé.
E sintetizou tudo nos seguintes itens: a primazia da justiça e do
direito; a defesa dos mais fracos; ser ponte entre os povos e
construtores da paz; e repensar o nosso destino comum.
A primazia da justiça e do direito. Tendo
sido à luz deste postulado que enunciou a Mensagem para o LII Dia Mundial da Paz sob o tema “A boa
política está ao serviço da paz”, precisou:
“Convém
que as personalidades políticas escutem as vozes dos seus povos e busquem
soluções concretas para promover o maior bem possível deles. Isso, porém,
requer o respeito do direito e da justiça, tanto dentro das comunidades
nacionais como na comunidade internacional, porque reações emocionais e
precipitadas poderão aumentar consensos a curto prazo, mas de certeza não
contribuirão para a solução dos problemas mais radicais, antes agravá-los-ão.”.
Fundado na dimensão
transcendente da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, salientou
que “o respeito pela dignidade de cada ser humano é a premissa indispensável
para toda a convivência realmente pacífica e o direito constitui o instrumento
essencial para a consecução da justiça social e para alimentar os vínculos
fraternos entre os povos”. E, neste contexto, colocou o papel fundamental
desempenhado pelos direitos humanos, enunciados na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, “cujo caráter universal, objetivo e racional seria
oportuno redescobrir, para não prevalecerem visões parciais e subjetivas do
homem, que correm o risco de abrir caminho a novas desigualdades, injustiças,
discriminação e, em última instância, a novas violências e abusos”.
A defesa dos mais fracos. É outro elemento que recordou e
para o que citou o Papa Montini:
“Fazemos
também Nossa a voz dos pobres, dos deserdados, dos infelizes, dos que aspiram à
justiça, à dignidade de viver, à liberdade, ao bem-estar e ao progresso”.
E reforçou
que “desde sempre a Igreja se empenhou em acudir a quem está necessitado e, no
decurso destes anos, a própria Santa Sé se fez promotora de vários projetos de
sustentáculo aos mais vulneráveis, tendo recebido apoio também de distintos
sujeitos a nível internacional”. E vem o fazendo por si e em articulação com as
demais confissões religiosas e outras instituições com preocupação social,
considerando ser este um dos misteres a que é chamada hoje toda a comunidade
internacional.
Foi nesta
perspetiva que a Santa Sé adotou os Pactos Globais sobre Refugiados e
sobre a Migração segura, ordenada e regular.
Salientou
ainda a necessidade de atender de modo particular a determinados grupos
fragilizáveis da sociedade, como os jovens, que tiveram lugar relevante na XV
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos e que serão os protagonistas da
viagem apostólica ao Panamá por ocasião da XXXIV Jornada Mundial da Juventude; as
crianças, sobretudo neste ano em que tem lugar o 30.º aniversário da adoção
da Convenção sobre os Direitos da Criança, com enunciados pertinentes a ter em conta todos os dias; as
mulheres, frequentemente cercadas por contextos familiares e sociais de
exploração e violência, mas cuja dignidade está no centro da Carta
apostólica Mulieris dignitatem,
publicada há 30 anos por São João Paulo II; e os trabalhadores, sendo de pedir
à OIT (Organização
Internacional do Trabalho)
que prossiga, livre de interesses parciais, a ser exemplo de diálogo e
concertação para alcançar os seus altos objetivos, entre os quais se conta o combate
ao flagelo do trabalho infantil e às novas formas de escravidão, bem como à
diminuição progressiva do valor dos salários, à falta e a precariedade do
emprego e à persistente discriminação das mulheres nos ambientes laborais.
Ser ponte entre os povos e
construtores da paz. É a grande tarefa das Nações Unidas, na ótica de São Paulo VI, como é a
tarefa de todos os decisores, apoiada pela educação para um estilo de vida
pacífico. E, aqui, o Papa mencionou alguns sinais de paz significativos, plasmados
em importantes acordos internacionais em busca da paz e retomou, em certa
medida as preocupações elencadas na Mensagem Urbi et Orbi no fim da manhã do dia de Natal de 2018.
Repensar o nosso destino comum. Lembrou que São Paulo VI afirmou:
“Devemos
habituar-nos a pensar (...) de uma maneira nova também a vida comunitária dos
homens, de uma maneira nova enfim os caminhos da história e os destinos do
mundo (…). Eis chegada a hora em que se impõe (…) pensar de novo na nossa comum
origem, na nossa história, no nosso destino comum. Nunca como hoje, numa época
marcada por tal progresso humano, foi tão necessário o apelo à consciência
moral do homem. Porque o perigo não vem nem do progresso nem da ciência (…). O
verdadeiro perigo está no homem, que dispõe de instrumentos sempre mais
poderosos, aptos tanto para a ruína como para as mais elevadas conquistas.”.
Repensar o
nosso destino comum, no contexto atual, diz o Papa Francisco, significa parar
com a corrida ao armamento (nuclear e convencional) e repensar a relação com o nosso Planeta.
***
Também o Papa
evocou outras efemérides a celebrar no ano já iniciado. Entre elas,
destacam-se: a queda do Muro de Berlim, a 9 de novembro de 1989, e, passados
uns meses, o termo da última herança da II Guerra Mundial: a lacerante divisão
da Europa decidida em Ialta e a guerra fria, levando os países a leste da
cortina de ferro a reencontrar a liberdade depois de decénios de opressão; e o
nascimento do Estado da Cidade do Vaticano, na sequência da assinatura dos
Pactos Lateranenses entre a Santa Sé e a Itália, a 11 de fevereiro de 1929.
Sobre o
primeiro, de que celebraremos os 30 anos, observou:
“No
contexto atual, em que prevalecem novos ímpetos centrífugos e a tentação de
erguer novas cortinas, não se perca na Europa a consciência dos benefícios –
sendo o primeiro deles a paz – trazidos pelo caminho de amizade e aproximação
entre os povos empreendido depois da II Guerra Mundial”.
Em relação ao
segundo, cujo 90.º aniversário se celebrará, considerou:
“Encerrava-se,
assim, o longo período da ‘Questão Romana’ na sequência da tomada de Roma e do
fim do Estado Pontifício. Com o Tratado de Latrão, a Santa Sé podia – como fez
questão de afirmar Pio XI – dispor daquele ‘mínimo de território material que é
indispensável para o exercício dum poder espiritual confiado homens em benefício de homens' e, com a Concordata, a Igreja pôde de
novo contribuir plenamente para o crescimento espiritual e material de Roma e
de toda a Itália, uma terra rica de história, arte e cultura, que o
cristianismo contribuiu para forjar”.
***
Deste
poderoso discurso fez ressonância, em entrevista ao Vatican News, o Padre Antonio Spadaro, diretor da revista italiana
‘La Civiltà Cattolica’, a acentuar
que o Papa, mencionando a tensão entre globalismo e localismo, indicou, de
forma pujante, “a via da diplomacia multilateral, para que as nações voltem a
colaborar na solução dos desafios globais”.
Segundo Spadaro, a diplomacia
multilateral é “um ponto central” no discurso de Francisco, já que “o problema
nos nossos dias é justamente o facto de que as nações tendem a resolver as
questões individualmente”, sobretudo com o reaparecimento dos nacionalismos. E
o Papa diz que devem ser resolvidas questões relevantes, como a tensão entre globalismo
e localismo, alertando para o pouco respeito pelas situações locais e para a
não audição dos povos.
Depois,
Spadaro sublinha a insistente referência às mulheres (três vezes, em três lugares diferentes), com o Pontífice a apontar o dedo em três direções
específicas: o abuso físico e psicológico das mulheres; a necessidade de
descobrir formas de relações justas e equilibradas, baseadas no respeito mútuo
e reconhecimento entre homens e mulheres; e a relevância da cessação das violações
dos direitos humanos, que são causa de sofrimento especialmente para as mulheres
“frequentemente em situação de fraqueza”. Nesse sentido, o Papa recordou e
relevou o papel das mulheres na sociedade.
E, comentando a evocação do drama das
guerras, o diretor de ‘La Civiltà
Cattolica’ confessou-se “impressionado quando o Papa frisou que a
política constrói a história, uma frase que de alguma forma mostra a
vocação da política e articula os pontos de contacto entre o trabalho das Nações
Unidas e o da Santa Sé”. Em três pontos de que falou (defesa dos fracos, construção de
pontes entre os povos e repensar o destino comum), Francisco “quase reconstruiu o Atlas ao fazer uma
lista de países onde há sérios problemas que devem ser enfrentados e abriu as
janelas de algumas situações, como o acordo histórico entre a Etiópia e a
Eritreia”. E Spadaro prosseguiu:
“Ele
quis, de alguma forma, indicar as situações que precisam de ser enfrentadas com
maior coragem e, ao mesmo tempo, mostrar como, quando há coragem, podem ser
encontradas soluções”.
Mais: o Pontífice referiu-se “à
situação dos migrantes e refugiados, mas olhando para essa situação de um ponto
de vista verdadeiramente global”; ao problema sempre na pauta, o dos abusos,
lembrando o 30.º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança; e ao relacionamento
com o planeta. E no âmbito deste último ponto, vincou:
“Ele
[o Papa] está ciente dos riscos do aquecimento global, que não são apenas
riscos ecológicos, mas sociais. Isso porque a deterioração das condições
climáticas leva muitas pessoas a emigrar. Para Francisco, a dimensão ecológica
está profundamente ligada à dimensão social.”.
***
São
questões a que é urgente darem todos – governos, religiões, associações e
sociedades, escolas e grupos de cidadãos – a devida atenção e fazerem tudo para
a mudança eficaz!
2019.01.09 –
Louro de Carvalho
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